A estética da violência reflete a guerra urbana

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A estética da violência reflete a guerra urbana
Observar sem ser visto, manter o inimigo afastado ou apanhá-lo em armadilhas caso se
aproxime são estratégias típicas de guerra, mas estão ajudando a moldar a paisagem da
capital gaúcha.
O medo de crimes ergue muros cada vez mais altos, multiplica grades, guaritas,
sistemas de vigilância e, recentemente, estende arames farpados comuns a presídios e zonas
conflagradas em áreas residenciais - consolidando a estética da violência como a nova silhueta
urbana.
Feitas de aço galvanizado e enroladas em espiral, como se vê nos filmes de guerra ou
em documentários sobre campos de concentração, as cercas chamadas de ouriço ou
concertina são a última tendência na arquitetura assustadiça de Porto Alegre.
No site de uma empresa nacional de segurança, por exemplo, a definição das
concertinas deixa clara a crescente relação entre a vida citadina e o ambiente bélico: "para
uso comercial ou residencial, esse é um produto consagrado no mundo, testado e aprovado
por grandes empresas, instalações militares e na guerra."
Além do novo tipo de arame, muros e grades cada vez mais elevados, cercas elétricas,
câmeras, guaritas instaladas sobre as calçadas, cães ferozes e grandes carros com vidros
fumê contribuem para escancarar o medo de quem se esconde atrás dos aparatos antiladrão.
O problema, segundo especialistas, é o efeito colateral que a estética alinhavada pela
violência pode trazer à vida urbana.
- Estamos substituindo a claustrofobia, que é o medo dos lugares fechados, pela
agorafobia, que é o medo dos lugares abertos. Para Porto Alegre, onde há uma vida civil
muito rica, isso é uma perda muito grande - acredita o antropólogo da Universidade de
Brasília José Jorge de Carvalho, autor do texto As Tecnologias de Segurança e a Expansão
Metonímica da Violência.
Para a psicóloga e psicoterapeuta gaúcha Marli Sattler, a visão cotidiana do arsenal
contra possíveis ataques criminosos pode reforçar um sentimento de angústia e medo entre
os cidadãos das grandes cidades.
- A visualização constante dessas grades, muros e cercas acaba deixando uma sensação
constante de risco iminente - acredita.
Tira tem pequenas lâminas, mas afiadas para cortar
O problema, segundo a própria Sattler, é que esses mesmos muros e cercas são
necessários para permitir que os cidadãos se sintam seguros pelo menos em suas casas como um refúgio diante da criminalidade que nada tem de imaginária. Uma evidência de que
esse processo segue em evolução é a corrida às lojas que vendem o metal retorcido e
espinhoso das cercas-ouriço.
- Começamos a vender o produto há um ano e, a cada mês, a procura aumenta em
cerca de 15% - revela o comerciante Cesar Júnior, dono de um estabelecimento que vende o
produto.
Na Rua Barão do Cerro Largo, bairro Menino Deus, três casas contíguas já ostentam a
longa tira de aço na qual se prendem lâminas pequenas mas afiadas a ponto de provocar
cortes profundos. Responsável por uma delas, o dentista Nicola Rosito, 54 anos, adotou o
equipamento há quatro meses. Evitou, porém, o formato em espiral.
- Tentei deixar um pouco menos agressivo para quem vê. É uma pena, a gente fica cada
vez mais preso, e os ladrões, mais livres - lamenta, no pátio, antes de voltar para dentro de
casa, das grades, da cerca e do muro que o cercam.
ZERO HORA – 11 Nov 07
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