cidades e metrópoles - Departamento de Geografia

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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, pp. 30 - 43, 2008
CIDADES E METRÓPOLES: UMA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA
PARA A ANÁLISE DOS “PROBLEMAS AMBIENTAIS URBANOS”
Ângelo Serpa*
RESUMO:
Parte-se do pressuposto de que os problemas ambientais urbanos são de ordem sobretudo ética,
política e econômica e que a Geografia deve se debruçar sobre a problemática ambiental buscando
desvendar essas dimensões no contexto urbano e metropolitano, a partir do entendimento das
relações sociedade-natureza numa perspectiva ao mesmo tempo temporal e espacial. Assim,
questões emblemáticas como a distribuição espacial dos espaços públicos de natureza nas cidades,
por exemplo, deveriam ser o cerne de uma discussão acadêmica profunda, que pudesse fundamentar
em outras bases a gestão de áreas assim nos territórios municipais e metropolitanos. Também a
gestão dos resíduos sólidos no contexto urbano e metropolitano coloca as dimensões políticas,
e conômi cas e é ti cas que p er me iam os cham ad os “p robl em as am bi entais” urb anos na
contemporaneidade. Neste artigo aprofunda-se essa discussão, analisando-se as estratégias de
gestão dos resíduos sólidos e das áreas verdes, a partir do exemplo da Região Metropolitana de
Salvador.
PALAVRAS-CHAVE:
Problemas ambientais urbanos; Gestão de resíduos sólidos; Gestão de áreas verdes; Cidade; Região
metropolitana.
ABSTRACT:
The article starts from the purpose that the urban environmental problems are mainly on the ethical,
politic and economic way, and that the Geography have to study the environmental problem looking
for to disclose these aspects in metropolitan and urban context from the understanding of society
and nature relations on a perspective also spatial and temporal. So, emblematic questions as
spatial distribution of nature public spaces in the cities for example, needed to be the core of a
deep academic debate able to offer other basis to these areas management in municipal and
metropolitan territories. Also the solid residue management in urban and metropolitan context
presents the politic, economic and ethical dimensions that are in the nowadays called urban
“environmental problems”. This article deepens this debate, analyzing the solid residues and green
areas management strategies using the Salvador Metropolitan Region example.
KEY WORDS:
Urban environmental problems; Solid residues management; Green areas management; City; Metropolitan
region.
Uma mesa redonda que se propõe a
colocar a Ge ogr af ia diant e d os pr obl em as
ambientais urbanos nas cidades e metrópoles
é particularmente instigante, especialmente no
contexto de um simpósio nacional de Geografia
Física Aplicada1 .
*Professor Associado Doutor do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia e Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
31
Para a Geografia, trata-se (sempre!) da
reconstituição do todo espacial, como proposto
por Santos (1992), que pressupõe o abandono
das velhas dicotomias - Geografia Humana
versus Geografia Física, por exemplo - e a busca
não só das semelhanças, mas também das
diferenças entre os lugares, regiões, paisagens
e territórios que expressam a totalidade do
espaço. É preciso, sobretudo, pensar o espaço
com o al go di nâmi co e mutáve l, re fl ex o e
condição da/ para a ação dos seres humanos,
com o espaço vi vi do, al go passív el d e
“apropriação” (SERPA, 2006).
1972, marcada pelo acirrado debate em torno
dos riscos da degradação ambie ntal e das
necessidades de desenvolvimento de algumas
nações, e que resultou na emergência de um
novo agente/sujeito, as organizações nãogovernamentais, assim como na formulação de
políticas de zoneamento ambiental e na criação
de órgãos de competência preservacionista.
Isso tudo implicou também na institucionalização
de unidade s de conservação, inclusiv e em
conte xt os urb anos/ me tr op oli tanos, e d e
inst rument os de mensuração da quali dade
ambiental (MENEZES, 1999).
A seg unda q uestão susci tada p el a
temática da mesa proposta leva também à
discussão da problemática ambiental no mundo
contemporâneo, especificamente sobre o papel
da Geografia frente aos “problemas ambientais
urbanos”, que pode ser desdobrada – talvez
de modo pouco consensual e polêmico – nos
seguintes questionamentos:
Nos anos 1980, a noção de sustentabilidade
ecológica vai substituir paulatinamente a ênfase na
preservação, explicitando a diferença entre
preservação, ligada à intocabilidade dos
ecossistemas naturais, e a conservação, como
combinação dinâmica entre as características
inovadoras e as preexistentes. A ECO 92 no Rio de
Janeiro vai enfatizar, dentro desse contexto, o
debate sobre a qualidade ambiental, a participação
social e a cidadania, as densidades urbanas, o
emprego urbano, o direito ao habitat e a divulgação
das boas práticas de gestão/intervenção (MENEZES,
1999).
- Qual a especificidade dos “problemas
ambientais” no contexto urbano e metropolitano?
- Qual o papel da Geografia frente a uma
natureza “ocultada” pelas estratégias dos
agentes hegemônicos de produção do espaço
urbano e metropolitano?
A hipótese aqui defendida é que os
problemas ambientais urbanos são de ordem
sobretudo ética, política e econômica e que a
Geografia deve se debruçar sobre a problemática
ambiental buscando desvendar essas dimensões
no contexto urbano e metropolitano, a partir do
entendimento das relações sociedade-natureza
numa perspectiva ao mesmo tempo temporal e
espacial.
É necessário situar, antes de tudo, a
discussão em um contexto mais geral, na escala
do Planeta. Os movimentos ecológicos têm sua
origem vinculada às conferências internacionais
das comunidades científicas e, inicialmente, se
posicionavam em relação à preservação de
nichos da paisagem natural, à manutenção do
“equilíbrio ecológico”. Um marco histórico desse
momento foi a Conferência de Estocolmo, em
Os novos paradigmas ambientais vão
explicitar, no entanto, uma contradição, já que a
sociedade capitalista contemporânea está fundada
na produção e no consumo de bens oligárquicos,
bens que só existem se forem para poucos e uma
sociedade fundada na produção de bens
oligárquicos é uma sociedade insustentável
(ALTVATER,
apud
GONÇALVES,
2001).
Sustentabilidade ambiental pressupõe, portanto,
equidade social. O que está em jogo aqui é o
paradoxo entre a multiplicação do consumo
(desigual) ou o estímulo ao consumismo desenfreado
e a idéia mesma de “desenvolvimento sustentável”,
cuja cientificidade é cada vez mais difícil de sustentar.
A idéia de desenvolvimento sustentável é uma
idéia diluidora, entre outras coisas, porque tem
origem num campo do agir humano cuja
natureza é produzir consensos. Sabemos que a
idéia de desenvolvimento sustentável não surgiu
e m ne nhum a ár ea acad êm ica, nem e m
32 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, 2008
nenhuma área científica. É uma idéia que surgiu
no campo diplomático. Foi no interior da
Comissão Brundtland da ONU que essa idéia
ganhou, por assim dizer, cidadania, como uma
idéia que agradaria a todo mundo e, portanto,
não diria o que precisava ser dito. Aliás,
sublinhe-se, é da natureza do campo diplomático
buscar os consensos, até porque o diplomata é
aquel e cuja função é e vi t ar a g ue rr a
(GONÇALVES, 2001, p. 143).
Como o famoso e infundado índice de
“metros quadrados de áreas verdes por habitante”,
cuja origem deve-se muito provavelmente a um
“boato ecológico” 2 (YÁZIGI, 1994), erramos ao
considerar científicos conceitos, índices e variáveis
que não possuem legitimidade acadêmica. O índice
de áreas verdes, além de não possuir
fundamentação teórica e empírica, diz pouco, muito
pouco, sobre as verdadeiras raízes do problema,
assim como a idéia de Desenvolvimento Sustentável.
Desenvolvimento Sustentável para quem?
Metros quadrados de áreas verdes para quem? A
questão emblemática da distribuição espacial dos
espaços públicos de natureza nas cidades, por
exemplo, deveria ser o cerne de uma discussão
acadêmica profunda, que pudesse fundamentar em
outras bases a gestão de áreas assim nos territórios
municipais e metropolitanos. Também a questão da
gestão dos resíduos sólidos no contexto urbano e
metropolitano coloca as dimensões políticas,
econômicas e éticas que permeiam os chamados
“problemas
ambientais”
urbanos
na
contemporaneidade. Pretende-se aprofundar agora
essa discussão, baseados na análise das
estratégias de gestão dos resíduos sólidos e das
áreas verdes, a partir do exemplo da Região
Metropolitana de Salvador.
SERPA, A.
Gestão de Resíduos Sólidos na Região
Metropolitana de Salvador
Em Salvador e sua região metropolitana,
o aterro sanitário foi adotado como a solução
mais “adequada” para a disposição final dos
re sí duos sól id os. As razões ale gadas pe la
CONDER – Companhia de Desenvolvimento
Urbano do Estado da Bahia, órgão ligado ao
Governo do Estado, foram principalmente a
t ecnologi a, que conj ugari a baix os cust os,
e fi ci ência e f aci li dade op er acional , e a
p re se rv ação
am bi ental,
associ ad a
à
implantação desses equipamentos. O órgão
ganhou o Prêmio Top de Ecologia 1996 pelo
programa de implantação dos aterros sanitários
na RMS.
De acordo com o site da CONDER, o
Programa de Destinação Final de Resíduos
Sól id os f oi iniciado na R MS, be nef iciand o
d ir et am ente se us d ez m uni cí pi os, com a
construção de quatros grandes aterros (Fig. 1):
Ate rr o Me tr opoli tano C ent ro ( para as
populações de Salvador, Lauro de Freitas e
Simões Filho – Fig 2), Aterro Integrado Ponta
do Fer rol ho ( Candeias e São Franci sco do
Conde), Aterro Integrado Camaçari/Dias D’Ávila
(Camaçari e Dias D’Ávila) e Aterro Integrado Ilha
(Vera Cruz e Itaparica – Fig. 3). Para implantação
na RMS, o programa contou com financiamento
do Banco Mundial e contrapartida do Governo
do Estado. Depois disso a CONDER construiu
mais 12 aterros sanitários no Estado da Bahia,
geralmente de uso compartilhado por dois ou
três municípios. Cerca de 95% do lixo produzido
na metrópole soteropolitana são depositados
nos aterros3 .
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
D ef endi da com o a sol ução m ai s
adequad a ambientalm ente, o prog rama de
implantação dos aterros sanitários obedeceu a
uma lógica sobretudo econômica, explicitada
p oste ri orm ente na g estão t er ce ir i zada d o
principal aterro – o Aterro Metropolitano Centro
– pela empresa Vega Bahia Tratamento de
Resíduos S.A. A Vega Bahia, empresa coligada
da VEGA e sucedânea do consórcio VEGASatrod, é a operadora do Aterro Centro até
33
2020. A concessão, ganha em 2000, prevê a
r eali zação d os ser vi ços d e const rução e
operação do sistema de transporte e destinação
f inal d os re sí duos d e Sal vador.
A Veg a
Ambiental, que já era responsável pelos serviços
de coleta e varrição do município de Salvador,
p assou
at rav és
de
sua
col ig ad a
a
responsabilizar-se também pelos serviços de
t ratame nt o e d esti nação d est es m esmos
resíduos (www.vega.com.br).
34 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, 2008
A idéia de “gestão eficiente e moderna”
do Aterro Centro pela Vega esconde a discussão
sobre os aspectos éticos, econômicos e políticos,
r el acionados
à
i mp lant ação
de
t ai s
equipamentos no contexto metropolitano, já
que a questão da coleta seletiva e da reciclagem
de lixo passa a significar menos lucro para a
gestão empresarial dos aterros: É a quantidade
d e li xo r e colhid a que i mp or ta e não se u
reaproveitamento. Pouco se fala também da vida
útil desses equipamentos, que poderia ser
SERPA, A.
along ad a caso o pr og rama de g estão e
implantação dos aterros estivesse associado a
programas de coleta e reciclagem de lixo no
contexto urbano e metropolitano.
Mesmo diante das ações tímidas dos
poderes públicos nessa direção, catadores,
O rg anizaçõe s
Não- g ov er name nt ai s
e
cooperativas de reciclagem acabam cumprindo
um papel social importante. Parte do lixo lançado
no Aterro Metropolitano Centro, localizado nas
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
proximidades do Centro Industrial de Aratu,
poderia ser reaproveitada, aumentando sua
vida útil e retardando a necessidade de criar
novos aterros, o que beneficiaria o ambiente
urb ano e p oupari a, se m dúvi da, r ecur sos
p úb li cos. Alg umas inst it uiçõe s doam às
35
cooperativas objetos recicláveis retirados do
seu lixo. Mas a maioria ainda descarta pápeis,
plásticos e vidros misturados ao lixo doméstico
- restos de vegetais e alimentos - nos caminhões
convencionais de coleta diária (Jornal da Facom,
15 de junho de 2007).
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Os técnicos da Diretoria de Operações
da Limpurb, o órgão municipal de limpeza
urbana de Salvador, confessam não haver uma
política pública de assistência às cooperativas
de catadores da cidade. Eles reconhecem os
p áp ei s sóci o- amb ie nt al e econôm ico das
cooperativas de reciclagem, contudo descrevem
a postura delas como cômoda: “Não temos
orçamento específico para esse setor. Fazemos
o p ossí ve l ced endo t e rr enos, cam inhões,
máquinas às cooperativas que alegam essas
necessidades, mas elas precisam se esforçar
mais. Afinal, o dinheiro público não pode ser
injetado em lugar algum sem segurança e
planejamento” (Jornal da Facom, 15 de junho
de 2007).
Para a Limpurb, a criação de novas
cooperativas reduz ou desconcentra o pouco
incentivo dado a projetos de reciclagem, não
consi de rando i sso r esponsab i li dade d a
administração municipal: “É da natureza das
cooperativas serem originadas de um grupo
m ob il izad o
de
pe ssoas.
Não
cr iamos
coope rati v as. El as são cr iad as e seus
idealizadores pedem nosso reconhecimento e
auxílio”. Mesmo assim, existem 18 cooperativas
de coleta de lixo reciclável em Salvador, porém
elas são incapazes de absorver a maioria dos
catadores. A burocracia não é o único empecilho
à e nt rada de ssa massa d e cat ad or es e m
cooperativas: O aumento extraordinário de
pessoas envolvidas com reciclagem fe z os
preços caírem e as cooperativas não podem
ampliar seus quadros. Depois de subtraídas as
despesas com água, luz e impostos, o restante
do faturamento é dividido entre os sócios ou
cooperados e, quanto mais sócios, menores os
salários (Jornal da Facom, 15 de junho de 2007).
Gestão territorial dos espaços públicos
de natureza em Salvador
Os espaços públicos de natureza são
ab or d a d os
no
Pl a no
D i r e t or
de
Desenvolvimento Urbano de Salvador sob dois
aspectos: pela ótica ambiental, vistos como
“espaços verdes” e de conservação, e pela
SERPA, A.
ót i ca d o l aze r, v i s t os e n q ua nt o e s p aç os
p ú b l i c os v ol t ad os p ar a a r e c r e aç ão e o
entretenimento. Sob a ótica ambiental, os
parques compõem um sistema de espaços de
preservação ambiental, subdividido em dois
subsistemas: o das áreas de conservação,
cu j a i m p or t ân ci a d e v e - se ao se u v al or
e c ol óg i co ou à s ua s i g n i f i cânc i a p ar a a
qualidade urbano-ambiental, caracterizadas
pelos Parques de Natureza (exemplos: São
Ba r t ol om e u e Ab a e t é ) e p e l o s P ar q u e s
Urbanos (exemplos: Zoobotânico, da Cidade
e Pituaçu); e o das áreas de valor urbanoambiental, do qual fazem parte os Parques de
Re cr e a ção ( D i q ue d o Tor or ó, J ar d i m d os
Namor ad os, Cost a Azul e Ae roclub e) e os
Es p aço s A b e r t os U r b a ni z ad os ( p r aça s,
m i r ant e s, j ar d i ns p úb l i cos , ár e as v e r d e s
i n t e g r ant e s d e l ot e a m e n t os, ca m p os e
quadras poliesportivas).
O r el atóri o f inal q ue f und am e nt a o
Plano Diretor indica, no tocante à distribuição
espacial da cobertura vegetal no município de
Sa l vad or, a p r e s e nç a d e t r ê s m acr ocompartimentos com configurações distintas,
cuja relevância deveria determinar políticas
diferenciadas para conservação e recuperação
dos padrões observados. O mesmo relatório
analisa também a distribuição espacial das
ár e as com m ai or “ v al or e col ó g i c o” 1 no
território municipal, identificando três grandes
bolsões de cobertura vegetal correspondentes
às f l o r e st as om b r óf i l as e m e st á g i o d e
recuperação avançado e/ ou às restingas.
Ver i fi ca- se que alg uns dos p ar q ue s
ur b ano s e d e nat u r e z a m e nci onad os
an t e r i or m e nt e
( P i t u açu,
Ab ae t é ,
S ão
Bartolomeu e da Cidade) aparecem entre as
ár e as d a c i d a d e c om m é d i o a al t o v al or
ecológico, o que deveria determinar, como
indicado pelo Plano Diretor, políticas públicas
de conservação, preservação e recuperação
am b i e n t al ; no e nt ant o , as p o l í t i cas d e
r e q ual i f i caçã o
do
e s p aço
p ú b l i c o,
empreendidas no território municipal a partir
dos anos 19 90, parecem contr adi zer essa
lógica, como veremos a seguir.
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
Depois da segunda metade dos anos
1990, a cidade do Salvador empreendeu uma
política sistemática de criação e reabilitação de
parques e jardins públicos. Não por acaso, esse
p er íodo coinci de com duas i m port ante s
mudanças relativas ao conjunto das grandes
cidades do mundo e, em particular, daquelas
situadas nos países ditos “emergentes”, onde
e sses f enôm e nos vão ocor r er com m ai s
intensidade.
A primeira corresponde a uma nova
ideologia cuja origem situa-se no continente
europeu: as noções de desenvolvimento e da
cidade “sustentáveis” (EMELIANOFF, 2004). O
princípio de base se apóia na idéia de que a
melhoria da qualidade de vida urbana valoriza
a imagem e a atratividade das cidades, as áreas
verdes servindo a esse fim. A segunda mudança
e st á re laci onada com a e v ol ução sócioeconômica do Brasil. Se os anos 1970-1980
f or am m ar cad os p el o aume nto d o pode r
(econômico e político) das classes médias, em
meados dos anos 1990 assiste-se, nas maiores
aglomerações urbanas do país, um aumento
37
expressivo das desigualdades entre ricos e
pobres. Est a evolução encontra reflexo na
paisagem urbana, que testemunha o surgimento
d e novos bair ros re si d enci ai s se rv id os d e
centros comerciais e boa infra-estrutura urbana,
do mesmo tipo que aqueles encontrados nos
países mais prósperos.
A leitura do mapa de áreas protegidas
(Fig. 4), do Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Salvador, mostra de modo eloqüente
e st a nova i de ologi a de d e se nv ol vi me nt o
sustentável. A cidade inventariou de modo
sistemático as potencialidades ecológicas do
conjunto da aglomeração. O inventário dividiu
a cidade em unidades de conservação, com
gr aus di st intos de qual id ad e ecol óg ica da
cobertura vegetal. Constata-se que uma grande
parte da aglomeração urbana é composta por
áre as p rote gi das, q ue ocupam supe rf ície s
consi de r áv ei s do te ci do ur bano: é o caso
precisamente da Baía de Todos os Santos e de
toda a parte norte da cidade, que correspondem
também às reservas hídricas necessárias ao
abastecimento da aglomeração.
38 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, 2008
A qualidade ecológica da cobertura vegetal
não parece constituir, no entanto, um critério
determinante para a implantação de áreas
protegidas. Isso pode ser constatado, por exemplo,
para o Parque de Pituaçu (alta qualidade ecológica
da cobertura vegetal existente, mas sem proteção
em toda sua extensão). Inversamente, unidades
de conservação mais importantes em superfície
(Parque Metropolitano de Pirajá e São Bartolomeu)
apresentam qualidade ecológica média e são
protegidas em toda sua extensão.
SERPA, A.
Neste documento aparecem igualmente
e freqüentemente superpostas as áreas de
dom ínio públi co (e ntre elas, os p arque s e
jardins) e as zonas não edificáveis. Essas zonas
apare ce m de stacadas nas áre as m ai s
d ensame nt e p ov oadas d a ag l om er ação,
correspondendo sempre aos parques e jardins
p úb li cos: Essas ár e as são rarame nt e
protegidas, não apresentando, em geral, uma
qualidade ecológica digna de nota (como, por
exemplo, os Parques Costa Azul, das Esculturas
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
e o Jardim dos Namorados). Enquanto alguns
p ar ques são ex tr em am ent e pobr es e m
cobertura vegetal, não possuindo também nada
d e ex ce pci onal e m t er mos de qual id ad e
estética, e representam um papel significativo
na cena urbana, outros, preciosos em termos
ecológicos, não r ece bem qualq uer ti po de
projeto ou intervenção. Como interpretar essa
contradição?
A correlação entre riqueza e pobreza de
certos bairros da cidade e o valor ecológico de
certas áreas – classificadas como unidades de
conservação – são fatores importantes para a
compreensão dos processos de segregação
sócio-espacial em Salvador, especialmente se
analisarmos a distribuição da renda dos chefes
de domicílio, com foco naqueles de maior (acima
de 20 salários mínimos – Fig. 5) e de menor
poder aquisitivo (até dois salários mínimos – Fig.
6), que podem ajudar na tentativa de elucidação
desses processos.
Constata-se, em primeiro lugar, que as
camadas de baixa renda ocupam a maior parte
da superfície da aglomeração, com exceção
d aq ue las áre as l it or âne as b anhad as p el o
Oceano Atlântico, situadas na porção sudeste
39
e norte da península soteropolitana, onde se
concentram as camadas de maior renda. Os
r esponsáve is p el os domi cíl ios mai s ri cos
concentram-se espacialmente na parte litorânea
atlântica sul e sudeste e em torno do Parque
de Pituaçu. A repartição das classes de renda
mais alta, incluindo as classes médias, coincide
exatamente com a localização dos projetos mais
r ecente s d e cr iação ou r eq uali fi cação d e
parques públicos. Parques que passaram por
processos recentes de reabilitação urbana como
os de Pituaçu ou d a C idad e encont ram- se
i me di at am ent e
pr óx im os
aos
bair ros
considerados “nobres”.
Assim , fi ca ev id ente q ue pr oj et os,
pr og ramas e inte rv ençõe s re ce nt es f or am
r eali zados em função d e e st raté gi as d e
valorização do solo urbano, em bairros com
maior concentração de população de melhor
poder aquisitivo. Estas estratégias baseiam-se
em um modelo ideal de cidade, onde a criação
d e espaços p úb li cos, o “e mb e le zame nt o
urbano”, entre outros, constituem estratégias
de m ar k et i ng ur bano, d e acor d o com o
paradigma de Barcelona. As opções de desenho
urbano adotadas e a estética desses espaços
reforçam seu caráter mercadológico.
40 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, 2008
A e st r at é g i a d e p r o m oç ão d e u m a
i m ag e m p osi t i v a d e Sal v ad o r at r av é s d a
revalorização de seus espaços públicos faz
p a r t e d o r e ce i t u ár i o d o p l a ne j am e n t o
estratégico. Este modelo aposta na criação de
holdings, consórcios ou empresas mistas para
executar ações de desenvolvimento urbano.
Tant o a r e q ual i f icação com o a ad oção d e
e s p aço s p ú b l i cos p or e m p r e sa s p r i v ad as
segue a lógica da visibilidade e da expectativa
d e r e t or no at r av é s d a p r op ag and a e d o
marketing.
SERPA, A.
O problema é que esses programas não
atendem, via de regra, as áreas periféricas da
cidade, onde o abandono de parques e praças
é notório. É este exatamente o caso do Parque
de São Bartolomeu, localizado no Subúrbio
Ferroviário, um remanescente de Mata Atlântica
q ue abr ig a a nasce nt e do Ri o do C ob re ,
considerado espaço sagrado para os praticantes
do Candomblé (SERPA, 1996; 1998). O estado
d e ab andono, os assalt os fr eq üe nt es, o
descaso e a ausência de políticas públicas para
o parque inviabilizam os ritos do Candomblé,
afastando seus praticantes do local.
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
À guisa de conclusão: problemas
ambientais ou problemas éticos, políticos e
econômicos?
R et om ando
a
questão
col ocad a
inicialmente, reafirma-se que os problemas
ambientais urbanos são, sobretudo, problemas
éticos, políticos e econômicos, o que reafirma
também o papel da Geografia no sentido de
discutir as relações sociedade-natureza em suas
dimensões espaço-temporais, vendo a cidade
e a metrópole como formações sócio-econômicas
específicas.
41
A g estão de sse s pr ob l em as r eq ue r
iniciativas de articulação intermunicipal e uma
cooperação interadministrativa eficiente, o que
pressupõe governos municipais com autonomia
de gestão. No Brasil, ainda são limitadas as
competências locais e, na Região Metropolitana
d e Salvad or, é e vi d ente a conf usão d e
com pe tê ncias
na
ge st ão
do
e sp aço
m et ropoli t ano. G rande s pr ogr am as d e
saneamento e habitação popular são conjuntos
de projetos articulados no âmbito estadual, com
financiamento do Governo Federal, e executados
42 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, 2008
no espaço metropolitano com pouca participação
das administrações municipais. Por outro lado,
a terceirização dos serviços – como no caso da
gestão dos resíduos sólidos ou na adoção de
espaços públicos de natureza por empresas
privadas – pode inviabilizar o surgimento de
soluções inovadoras.
O q ue e st á em j og o, port anto, é a
sustentabilidade política de programas de cunho
social, econômico e ambiental, o que requer
inovações político-administrativas para gerar
m ecanismos d e part i ci pação cid ad ã e
cooperação social entre os diferentes agentes
produtores de espaço, no contexto urbano e
metropolitano.
E a Geografia certamente tem muito a
dizer e a propor nesse contexto! Em primeiro
lugar, por ser uma disciplina de síntese, não
SERPA, A.
podendo se permitir autonomizar quaisquer
asp ectos, sej am el es f ísicos ou hum anos,
ambientais ou culturais, políticos, econômicos ou
sociais. Em segundo lugar, porque, no caso do
“ambiente urbano e metropolitano”, o discurso
ambiental acaba afastando-se muitas vezes da
questão central posta pelo “desenvolvimento
d a soci ed ad e urb ana – a cri se urb ana –
inventando o anti-urbano, criando a cidade
desumana” e, com isso, perdendo de vista
t am bé m “o se nt id o d a ob ra do hom em ”
(CARLOS, 1994, p. 75).
Trata-se, para a Geografia, de analisar
dialeticamente os problemas postos por uma
sociedade urbana que, ao longo da história, foi
hum anizand o a natur eza, constr ui nd o e
reconstruindo o mundo material como extensão
de si mesma, ampliando a própria natureza
orgânica dos seres humanos sobre o Planeta.
Notas
1 O te xto , a qui ap rese nta do com algum as
modificações, subsidiou a participação do autor
como palestrante da mesa-redonda “Cidades e
Regiões Metropolitanas: a Geografia frente aos
problemas ambientais urbanos”, no âmbito do XII
Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada,
realizado na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, entre 9 e 13 de Julho de 2007.
2 “No Brasil se repete muito que a ONU estabelece
para os centros urbanos, um mínimo de 16 m2
de áreas verdes por habitante; já ouvimos o índice
de 12 m2 apenas. Em colóquios com funcionários
da ONU, ouvimos que até então a ONU jamais
estabelecera este patamar, que talvez tenha sido
a opinião pessoal de alguém da ONU que visitou
o Brasil há duas décadas...” (YÁZIGI, 1994, p.
89-90).
3 Os aterros são construídos em sistema de células,
es cav adas no so lo c omo va las em for ma
retangular e recobertas posteriormente com uma
manta de Polietileno de Alta Densidade (PEAD) e
camadas de argila, o que impede a contaminação
do solo pelo líquido percolado produzido pelo lixo,
mais conhecido como “chorume”. O sistema de
manta protetora e de condutores subterrâneos
agiliza e direciona a coleta do chorume para
lagoas artificiais de tratamento, e posterior
liberação sem nenhum risco ao meio-ambiente.
As células destinadas à disposição do lixo, ocupam
geralmente as cumeadas dos terrenos escolhidos
em forma de platôs, sendo sempre recobertas
por novas camadas de argila para evitar a
exposição do lixo e o conseqüente atrativo para
urubus, roedores e insetos. As áreas escolhidas
para a implantação dos aterros são sempre
submetidas a Estudos e Relatórios de Impactos
Ambientais (EIA-RIMA) promovidos pela Conder,
apresentados posteriormente às comunidades
en volvid as, ana lis ado s e ap rova dos pe lo
Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram)
(www.conder.ba.gov.br).
4 Para avaliação do valor ecológico foram utilizados
os seguintes indicadores: Importância do ecotopo
sobre funções particulares do sistema Þ presença
de componentes chaves na manutenção da
din âmica do sistema, conc orren do par a a
ma nut enç ão do seu equ ilíbrio d inâ mic o;
endemismo e valor biogeográfico Þ presença de
espécies endêmicas, representativas do ambiente
em
te rmos
da
su a
b iog eogr afia;
representatividade ecológica Þ presença de
Cidades e metrópoles: uma perspectiva geográfica para
a análise dos “problemas ambientais urbanos”, pp. 30 - 43
ec oss ist ema s
impo rta nte s
c om
representatividade geográfica, considerando-se
a totalidade do sistema objeto da análise;
raridade / unicidade Þ presença de espécies raras
43
e de sistemas raros, considerando-se áreas
adjacentes e de influência direta; naturalidade Þ
presença de ambientes onde as tipologias
vegetais aproximam-se do estado climático.
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Trabalho enviado em fevereiro de 2008
Trabalho aceito em março de 2008
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