A novela a Mão e a Luva

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A MÃO E A LUVA – MACHADO DE ASSIS
ANÁLISE:
A Mão e a Luva, segundo romance de Machado de Assis (1839-1905), foi publicado em folhetim em
1874. Obra da mocidade e própria da estética em voga, o Romantismo, gira em torno de um caso
complicado - mas de solução simples e previsível - de namoro dentro dos mais rigorosos esquemas
burgueses. Guiomar, a heroína, tem a sua volta três pretendentes: Estevão, sentimental; Jorge, calculista;
Luís Alves, ambicioso. A estes três junta-se a baronesa, sob cuja proteção encontra-se a órfã Guiomar e a
inglesa Mrs. Oswald, dama de companhia.
Embora nitidamente romântico, A Mão e a Luva é um romance sóbrio. Seu ponto alto são as
personagens femininas: Guiomar pela complexidade de seu caráter, Mrs. Oswald pela astúcia e
verossimilhança. Um romance instigante daquele que é um dos maiores escritores da língua portuguesa e
autor dos clássicos e geniais Dom Casmurro e Memórias póstumas de Brás Cubas.
Narra a história de Guiomar, moça altiva e segura de si, que procura, com frieza e calculismo,
realizar o ambicioso plano de ascender socialmente, compensando a sua modesta origem. A obra relata com
ironia o casamento, visto como troca de favores e movido pelo dinheiro e pela ambição.
O fragmento transcrito ilustra o caráter do casal Guiomar / Luis Alves e oferece a justificativa do
título:
"Um mês depois de casados, como eles estivessem a conversar do que conversam os recém-casados,
que é de si mesmos, e a relembrar a curta campanha do namoro. Guiomar confessou ao marido que
naquela ocasião lhe conhecera todo o poder de sua vontade.
- Vi que você era homem resoluto, disse a moça a Luis Alves, que assentado, a escutava.
- Resoluto e ambicioso, ampliou Luiz Alves sorrindo: você deve ter percebido que sou uma e outra cousa.
- A ambição não é defeito. - Pelo contrário, é virtude; eu sinto que a tenho, e que hei de fazê-la vingar. Não
me fio só na mocidade e na força moral: fio-me também em você, que há de ser para mim uma força nova.
ENREDO:
O enredo conta a história de Guiomar, uma moça que no início da história (quando Estêvão se
apaixona pela primeira vez por ela) está com 17 anos, afilhada de uma baronesa, "criaturinha galante e
delicada, assaz inteligente e viva, um pouco travessa" e que deseja ascender socialmente. Ela é disputada por
três homens: Jorge, Estêvão e Luís Alves. Estêvão "logo a amou, como se ama pela primeira vez na vida amor um pouco estouvado e cego, mas sincero e puro", porém é um caráter fraco, vacilante, indeciso,
nascido mais para derrotas do que para vitórias. Jorge, sobrinho e preferido da baronesa, "vivendo do
pecúlio que dos pais herdara e das esperanças que tinha na afeição da baronesa", tem um amor "pueril e
lascivo", como descreve o próprio Machado de Assis. Luís Alves começa a admirar Guiomar apenas depois,
com o passar do tempo. Porém, é um meio-termo entre os dois primeiros, pois ele é um homem resoluto e
ambicioso. Jorge, com o apoio da baronesa e de sua governanta inglesa, Mrs. Oswald, pede a mão de
Guiomar. No dia seguinte, Luís Alves faz o mesmo. Então, a baronesa pede a Guiomar que se decida entre
os dois pretendentes ("escolhe com plena liberdade aquele que te falar ao coração"). Guiomar diz que
escolhe Jorge, porém a baronesa sabe que a afilhada quer casar-se com Luís Alves. Depois, Guiomar e Luís
Alves casam-se e o trecho final do livro justifica seu título:
— Mas que me dá você em paga? Um lugar na câmara? Uma pasta de ministro?
— O lustre do meu nome, respondeu ele.
Guiomar, que estava de pé defronte dele, com as mãos presas nas suas, deixou-se cair lentamente sobre os
joelhos do marido, e as duas ambições trocaram o ósculo fraternal. Ajustavam-se ambas, como se aquela
luva tivesse sido feita para aquela mão.
REMINISCÊNCIAS ROMÂNTICAS EM MACHADO DE ASSIS
A novela a Mão e a Luva (1874), de Machado de Assis, é uma das narrativas iniciais do Bruxo do
Cosme Velho, ainda sob a influência do romantismo e do convencionalismo oitocentista. Por isso, é
caracterizada como da primeira fase do escritor carioca, juntamente com as obras Contos
Fluminenses (1870), Ressurreição (1872), Histórias
da
Meia-Noite (1873), Helena (1876)
e Iaiá
Garcia (1878).
Tais obras primeiras, ainda com um Machado em idade prematura, inocente, imbuído dos ideais
românticos de sua época, não rompem de vez com o costume da sociedade e pretendem acariciar as leitoras
suspirantes, que ruborizam com os apelos do coração, e a crítica ainda afeita aos traços românticos.
É nesse mister que Afrânio Coutinho informa na Introdução da obra: “Caracteriza-a uma narrativa
monolinear, com intriga sem maiores complicações, crescendo em ordem cronológica, em torno de pequeno
número de personagens. A ação simples, diz o autor na advertência de 1907, serve ‘apenas de tela em que
lancei os contornos dos perfis’. (p. 17)
Assim, passamos a analisar os aspectos formais de A Mão e a Luva, como texto narrativo que se
propõe.
ENREDO
O enredo de A mão e a Luva pode ser facilmente identificado com uma marcação um tanto quanto
fixa:
a)
A exposição ou a apresentação: no capítulo inicial os personagens principais Estevão, Guiomar e
Luís Alves são mostrados e descritos, no ambiente e no tempo em que a estória se desenrola.
b)
A complicação: os conflitos da novela se dão quando o amor que Estevão sente por Guiomar não é
correspondido, os problemas começam a surgir daí.
c)
O clímax: há alguns picos de tensão em A Mão e a Luva, quando Estevão decide se declarar pela
segunda vez a Guiomar, quando Luís Alves fala para o amigo que ela o ama e vão se casar, mas o principal é
quando Guiomar tem que decidir entre dois pretendentes: Luís Alves ou o primo, Jorge.
d)
O desfecho: o final da novela se dá com os preparativos do casamento de Luís Alves com Guiomar,
com um Estevão covardemente assistindo a tudo da praia, tentando em vão se suicidar.
PERSONAGENS
Pode-se analisar os personagens do livro quanto ao papel desempenhado no enredo:
a) Principais: Guiomar, Luís Alves e Estevão.
b) Secundários: a baronesa, a inglesa Mrs Oswald, Jorge e mais alguns poucos que freqüentavam as festas
em casa da baronesa.
Pode-se também analisar os personagens quanto à caracterização que têm no romance:
a) Esféricas ou cíclicas: apenas Luís Alves tem essa característica, pois é um personagem que é deixado de
lado, sem descrições, paira sempre um mistério sobre ele e a sua índole. No entanto, no final da novela, ele
dá uma reviravolta e casa-se com a outra personagem principal, Guiomar.
b) Personagens planas: como já foi afirmado acima, todos os outros se caracterizam por ter uma índole mais
ou menos previsível, atitudes e nuances que fazem supor as suas ações no desenrolar do romance, não
trazendo nenhuma reviravolta ou surpresa.
FOCO NARRATIVO
Ainda sob a influência do romantismo, Machado cria um narrador que tenta buscar o leitor o tempo
todo, tal qual um contador de história que necessita da atenção dos leitores. Poder-se-ia afirmar que o
narrador é em terceira pessoa, narrador-observador ou onisciente, que conta a estória como se estivesse
assistindo-a de longe, vendo os fatos se desenrolarem.
No entanto, ele também é um narrador intruso, como podemos ver nessas passagens: “e que o leitor
saberá daqui a pouco” (p. 27), “Demos-lhe razão ao despeito com que fechou e atirou ao chão” (p. 44),
“estas minúcias que aqui lhes aponto, em desempenho deste meu dever de contador de histórias” (p. 45),
etc.
TEMPO
O lapso temporal do romance são de dois anos e poucos meses, tempo em que, cronologicamente,
Estevão tem uma desilusão amorosa com Guiomar, forma-se em bacharel em São Paulo e retorna à corte.
Daí os fatos vão acontecendo e sendo descritos pelo narrador: “Claro é que dous anos depois, quando tomou
o grau de bacharel(...)” (p. 37)
Não há praticamente tempo psicológico, somente quando Estevão tenta a todo custo sobreviver das
lembranças do amor ou do carinho que Guiomar tivesse dado a ele no passado, quando do primeiro flerte.
São raros flash-backs apenas para acentuar o amor/a dor da personagem: “Estevão tinha-a visto pela
primeira vez, seis meses antes, e desde logo sentiu-se preso por ela (...)” (p. 30)
ESPAÇO
A estória está ambientada no Rio de Janeiro, como quase em todos os romances de Machado, mais
especificamente no bairro do Botafogo, onde Luís Alves e a baronesa são convenientemente vizinhos de
chácaras ou sítios. Os lugares, assim como as paisagens, são pouco descritas, exceto no capítulo II (Um
Roupão) e no III (Ao Pé da Cerca), quando Estevão se depara com Guiomar em um ambiente bucólico (a
chácara da baronesa) e faz sentido com o ambiente interno, romantizado, que o primeiro vive.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Mão e a Luva, considerado um livro menor de Machado de Assis, por não ter rompido com o
convencionalismo romântico faz com que o(a) leitor(a) sinta empatia com Luís Alves, não considerando-o
um vilão, assim como a Estevão, representativo do amor visceral, romântico, à moda de Werther (referência
dentro do livro de Machado), que caracterizava a época. É o que parece concordar o crítico Helio de Seixas
Guimarães:
“(...) é pelos olhos do personagem (Estevão) que o leitor assiste à vitória de Guiomar e Luís Alves, assim
como é o seu sofrimento que apela à simpatia do leitor, ainda que se dê em registro cômico. A comicidade
associada ao personagem tem um objetivo: despertar a identificação do leitor com Estevão para corrigir,
pelo riso, as ideias que o leitor eventualmente compartilhe com o personagem, caracterizado por Machado
como quintessência do romantismo” (grifo nosso, p. 143)
Da mesma forma, o livro supracitado de Machado foi composto para agradar a críticos e a leitores
que não viram o anterior, Ressurreição, com bons olhos:
“As referências, embora negativas e associadas a uma visão de mundo e a um gosto manifestadamente
retrógrados, são apresentadas de modo bastante simpático, fazendo de Estevão o principal foco de
identificação do leitor e quem sabe da própria crítica que, diante de Ressurreição, cobrara de Machado um
romance mais ortodoxo” (idem, p. 143-144)
Podemos ver que, mesmo atrelado ainda aos traços estilísticos da sua época, com José de Alencar,
Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Almeida, entre outros, Machado se destacava com um
estro particular, diferente dos demais. Isso se dava por não atribuir aos personagens características
marcadamente tropicais (MIGUEL-PEREIRA, p. 62-3), ou seja, ele os universalizava, tanto que em pleno
século XXI continua sendo clássico e atual.
Em relação à novela A Mão e a Luva, podemos ver que os personagens principais (Guiomar, Estêvão
e Luís Alves) são cidadãos urbanos, de classe média (Estêvão) e classe alta (Luís Alves) e Guiomar, de
origem simples, mas criada pela madrinha baronesa, bacharéis (os homens) e vivem um romance que tanto
poderia se passar no Brasil como no Canadá ou na Inglaterra.
Ao mesmo tempo, Machado não pintou os personagens acima sendo marcadamente protagonistas e
antagonistas, bons e maus, mocinhos e bandidos (Idem, p. 62-3). Guiomar quer um marido forte
emocionalmente, viril e sensível, para isso nega o amor de dois dos seus pretendentes que não atendiam a
esse apelo e opta por Luís Alves; Estêvão é o romântico da vez, adorna-o um amor juvenil por Guiomar,
uma paixão forte, irresistível e da mesma forma de caráter fraco, covarde; e Luís Alves, valoroso, bom
caráter, honesto e também frio, ambicioso, interesseiro e que não respeitou a dor do amigo, vindo a se casar
com Guiomar.
Vê-se, portanto, que as personagens de A Mão e a Luva, assim como de Ressurreição, Helena e Iaiá
Garcia, não são marcadamente heróis, totalmente bons, nem maus. São pessoas que mais se aproximam da
realidade, da gente que povoa o planeta, ao contrário das tendências romantizadas que desejavam o bem
supremo (inocente) contra o mal (vilania, amor não correspondido, etc).
Tais características distinguem Machado de Assis dos escritores românticos tradicionais e também
lançam, ainda que incipientes, os germens que farão ele se tornar um dos maiores escritores brasileiros de
todos os tempos.
O rompimento de Machado, no entanto, com as correntes literárias românticas e o que era
considerado “normal” literariamente na sua época só vai se tornar efetivo com a publicação de Memórias
Póstumas de Brás Cubas, em 1881. Mas aí já é uma outra história.
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