vem observa adolescente i um a teclar uma mensagem de sms, sem sequer olhar para o aparelho, ou a manipular um computador só pode chegar a uma conclusão óbvia: eles só podem ser diferentes. Há já quem lhes chame "geração do polegar". Mas um dedo da mão é pouco. O uso e abuso dos telemóveis e dos computadores estará a fazer mais do que isso. Eles podem mesmo estar a criar um cérebro que é só deles. exercício da campainha é proposto por Anand Chandrasekher, responsável do grupo Intel. Num artigo publicado na BBC tentava demonstrar o alcance do poder da tecnologia, que já conseguiu mudar comportamentos: foi pedido a um grupo de adolescentes que tocasse um campainha, a maioria usou É elucidativo. o polegar, e não o indicador. De um polegar fomos à procura do resto das possíveis mudanças. Deixámos de fora algumas questões óbvias, como as alterações do vocabulário e novas formas de comunicar. A título ilustrativo e em homenagem à teoria da evolução de Darwin arriscamos um desenho de ficção científica: se o actual cenário de utilização dos telemóveis e computadores O - se prolongasse poderíamos - no tempo (por muitos séculos), ter um dia crianças com enormes polegares, grandes bolsas serosas (uma espécie de manga cheia de líquido lubrificante) a en- volver os tendões do pulso e do cotovelo, com lesões graves na região cervicodorsal devido às posturas incorrectas, com um hiperpolegar na grande mão que existe na representação que temos no cérebro, talvez com os membros inferiores mais pequenos e atrofiados e, excessiva de movimentos exigentes que obrigam o corpo a transformar-se. Ora, um adolescente que passa horas ao computador ou o dia a enviar mensagens de texto não vai alterar o seu corpo? O seu cérebro? A resposta mais dada pelos especialistas é "sim". Ka verdade é que nem sequer precisamos de falar de um uso excessivo. Pode bastar um uso continuado. Dois polegares ou vários? Vamos voltar aos polegares. Em 2002, um estudo da Universidade de Warnick, no Reino Unido, referia-se aos danos provocados pelo uso constante dos teclados em telemóveis e consolas de vídeo dos menores de 25 anos. Neste caso, eram chamados "geração dogameboy" . Na pesquisa, Sadie Plant, fundadora da unidade para o estudo da cultura cibernética na instituição de ensino, defendia que os polegares passaram a ser dedos com maior musculatura e mais hábeis. A investigadora recolheu dados em Londres, Tóquio, Pequim e Chicago e constatou que os menos habituados a estas andanças (maiores de 25) podiam usar vários dedos para teclar uma mensagem (sub-25) usam os dois polegares, com movimento mínimos e sem sequer olhar e os peritos para o teclado. No Japão, onde se apelidam a si mesmos como "a tribo do polegar", encontravam-se os melhores a teclar. "A relação entre a tecnologia e os seus utilizadores é mútua: estamos a alte- rar-nos uns aos outros. Descobrir que a geração mais jovem começou a utilizar os seus polegares de maneira totalmente diferente, usando-os instintivamente onde os demais recorrem ao indicador é especialmente interessante", referiu Sadie Plant à BBC e ao The Observer. No final do mês de Fevereiro, a cientista neurologista que é considerada uma estrela no mundo da comunicação da ciência Susan Greenfield foi à Câmara dos Comuns e acrescentou mais uma acha no debate aceso que já tem associado as mudanças nos tipos de relacionamento e o sedentarismo ao tempo que as crianças passam em frente a um computador. Desta vez, a cientista defendeu que as consequências podem ser mais profundas e avançou com a hipótese de uma ligação entre um aumento de autismo e o recurso cada vez mais notório a relações sociais através do ecrã. "É difícil acreditar que uma vivência deste género numa base diária não resulta em cérebros, ou mentes, diferentes das gerações anteriores", argumentou a cientista, que acredita que o recurso às redes sociais co- mo o Twitter ou o Facebook podem criar uma sociedade mais egoísta e com menos capacidade de concentração. A mesma especialista acredita ainda que o aumento nos diagnósticos de problemas como a Desordem por Défice de Atenção com Hiperactividade (DDAH) podem estar relacionados com a cultura do ecrã. A associação com a DDAII e com maus resultados escolares também já tinha sido feita há alguns anos, mas quando ainda falávamos apenas da entrada em cena da televisão e do tempo que os miúdos passavam em frente ao electrodo- méstico. 0 neuropediatrajosé Carlos Ferreira contra- põe: "E se colocarmos o problema ao contrário? Não serão os miúdos mais desatentos que acabam por se interessar mais pela televisão ou computador porque esta não exige tanta K esclarece: "O problema de concentração?" hiperactividade tem origem nos genes e ponto." De resto, sobre as possíveis adaptações dos nossos cérebros a estas novas tecnologias, o neuropediatra desdramatiza: "O nosso cérebro também teve de se adaptar à leitura e à escrita e não foi assim há tanto tempo", nota o neuropediatrajosé Carlos Ferreira. Uma semana antes da polémica teoria de Susan Greenfield, um estudo publicado no Biologist, da autoria de Aric Sigman, sugeria que a claro, gordas, graças aos maus hábitos e ao sedentarismo que estes meios exigem. São os maus tratos dos tempos modernos. Porém, esta imagem está longe de ser realista. Até porque, veja-se bem, com a rapidez com que as mudanças acontecem hoje, o mais provável é arrumarmos os telemóveis a um canto dentro de alguns anos. Ou seja, não vamos sequer dar perda do contacto olhos nos olhos poderámesmo ter implicações nos nossos genes, respostas das imunológicas, hormonas e funcionamento artérias. Algo que, alega o autor, poderá traduzir-se em problemas de saúde como cancro, tempo para que estas alterações da evolução da espécie humana se concretizem. Mas vamos ver as coisas por outro prisma. Um atleta de alta competição, uma bailarina profissional ou um músico são capazes de exercer tal sobrecarga nos seus corpos que conseguem deformá-los. Assistimos a uma reneticão doenças cardíacas e demência. Mais polémico ainda, portanto. A tese foi amplamente contestada. Parece ser um passo maior do enfartes, que as pernas. Vamos cingir-nos então a alguns dados mais ou menos adquiridos. A representação da mão no cérebro, de -> Arrisque-se um cenário: polegares enormes, pernas atrofiadas, pessoas muito gordas acordo com na medicina no Porto. "E muito provável a vários níveis. Um que haja neuroplasticidade é realmente que a representação do polegar nos córtex sensoriais e motores pode estar aumentada: há uns estudos antigos [da autoria de célebre Homúnculo, que é usada mostra que este controlo neuromotor ocupa um espaço considerável nos nossos cérebros exibindo uma mão de proporções na zona frontal do córtex. Há essignificativas de Santo António, zem que há um excesso de especialização do cérebro destes miúdos nestas funções e que, de outras funções portanto, o desenvolvimento pode ser atrasado", refere. tudos que demonstram que os violinistas, por exemplo, têm uma alteração da representação do dedo mindinho. Outros que quiseram provar especificamente que o cérebro de Robert Schumann era diferente por ter adquirido a dos dedos, como é o caso super-representação dos músicos precoces, mas com o excesso de treinamento se deformou, misturando circuitos, e tornou-se distónico pelo treino intensivo no piano. Outros ainda que revelam que os paraplégicos não terão as pernas representadas neste mapa do cérebro e terão, em vez disso, um braço maior. Assim, e teoricamente, um jovem da gera- Michael Merzenich] Problemas motores ção do polegar terá este dedo representado em maiores dimensões do que o "comum dos mortais" acima dos 25 anos. "Teria um hiperpolegar problemas e aprendem regras simples. "No entanto, não se sabe se a possível melhoria nestes aspectos se generaliza a outros aspectos ou é altamente específica, e também pode haver efeitos deletérios há alguns estudos que di- o na representação da mão no cérebro" , teoriza Maria João Andrade, fisiatra do Hospital geral que indicam por exemplo que, se dois dedos estiverem fundidos, os dois passam a ter um mapa comum", concorda o cientista Rui Costa, que dirige o laboratório de Neurobiologia da Acção ligado ao Instituto de Saúde norte-americano e que em breve se vai mudar com a sua equipa para trabalhar com a Fundação Champalimaud, em Portugal, no Programa de Neurociências. O investigador vai mais longe e sugere que a nível pode também haver neuroplasticidade dos tempos de reacção desta geração, ao nível da forma e rapidez como associam estímulos com a resposta apropriada e como resolvem - Passar horas ao computador a enviar mensagens de texto altera o corpo e o cérebro? "Sim" Deixemos o cérebro. A médica especialista em fisiatria alinha no tal exercício de ficção científica e acede em imaginar eventuais mecanismos de defesa dos nossos corpos. Como as já referidas bolsas serosas a envolver e a "segurar" os tendões, que, segundo propõe Maria João Andrade, poderiam ficar mais desenvolvidas para ajudar a suportar a sobrecarga. É que "eles" não precisam apenas do polegar. Para o movimento de teclar uma mensagem, é preciso usar outros músculos e tendões. É do conhecimento comum, por exemplo, que o abuso do rato pode provocar lesões como tendinites. Que o abuso de posturas erradas no computador leva a contracturas e outras lesões cervicodorsal. Mas o que parece ser diferente aqui é ver entrar na consulta de Maria João Andrade crianças com nove, dez, ou •> onze anos de idade a queixarem-se de dores nas costas. "Olhe para eles. Eles já nem sequer se sentam na secretária para usar um computador. Usam portáteis ao colo, deitados na cama, no chão... a nível de postura é tudo menos a correcta." Por outro lado, se falamos nas sobrecargas que eles fazem em determinadas partes do corpo, temos de notar que há outras que estão a ser "Os miúdos de hoje são sedenmenosprezadas. tários em crescimento. Têm já uma inaptidão motora muito grande." Têm outras vantagens, Mudanças no corpo O que eles dizem sms." reconhece Maria João Andrade olhando para o exemplo mais próximo: há pouco tempo teve um problema no computador que lhe colocou o ecrã de lado e a obrigava a adaptar o movi- Rita Baptista, 16 anos^ estudante, olhando admirada para o polegar: "Não, isto não pode acontecer!" mento do rato. "Não conseguia. A minha filha, de dez anos, fez aquilo de imediato." O ortopedista Manuel Gutierrez, docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, dá mais um exemplo prático e admite que os jovens médicos que chegam agora à profissão são muito mais aptos para fazer certo tipo de cirurgias do que a geração mais antiga. Operações como uma laparoscopia, que exige o manipulação de instrumentos cirúrgicos inseridos em pequenos orifícios enquanto se visualiza o que estamos a fazer num ecrã. "Uma prova da maior destreza manual que esta geração já tem", afirma. 0 especialista prefere, no entanto, não arriscar previsões para o futuro. "É difícil prever o que vai acontecer." Talvez, e se isto tudo continuasse assim, um arrisca. Talvez, polegar mais desenvolvido, na mesma ordem de ideias, uma musculatura abdominal menos desenvolvida. "Uns grupos musculares ficariam mais atrofiados e outros mais desenvolvidos." Isto se tudo continuasse como está hoje. Marta Augusto, 15 anos, estudante: "Por acaso hoje tenho um calo no polegar, será que é de enviar sms?" Alexandra Guilhoto, 13 anos: "Era estranho isso acontecer. Não queria ter um dedo maior numa mão do que noutra." Joana Chainho, iSanos: "A nossa geração não vai ver o polegar a desenvolver-se, isso só vai acontecer daqui a muito tempo, mas vamos ter muitas dores, de certeza." Rita Corte-Real, 16 anos: "Isso assustame, mas também não vou parar de usar otelemóvel!" recolhidos lado. 0 professor alerta: há o perigo de imersão, de nos vermos perante a dificuldade em separar a ficção da realidade. Habituados a cenários onde os personagens têm várias vidas, há crianças Mafalda Baptista, 17 anos, estudante; "Que horror! Se isso me acontecesse, ia arrependeMne de ter enviado tantas Depoimentos ra. Neste cenário, a tribo dos grandes polegares estaria ameaçada de extinção. Mas esta entrada no mundo virtual tem outro por Maria João Serra E sabemos que isso é pouco provável. João Falcão e Cunha, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e especiali- zado na relação homem-mãquina adivinha uma morte dos sms e da comunicação tal como a a médio prazo. Dentro de poujá poderemos estar a comunicar apoiados em tecnologia capaz de nos ler os pensamentos e que conseguimos controlar, acredita. Da mesma forma que já conseguimos controlar, por exemplo, o movimento de uma conhecemos cas décadas, prótese com o nosso cérebro. Por outro lado, os jogos de consola também poderão mudar com os novos e já populares jogos de computador interactivos que dispensam o uso exclusivo dos que já têm dificuldade em discernir os dois mun- dos, numa percepção que os pode colocar em perigo. João Falcão e Cunha conta mesmo que já ouviu a história de uma criança com menos de seis anos de idade e que habituada a estes joa colocar uma gos estava despreocupadamente corda no pescoç< como se fosse uma brincadeira. Ainda que não seja verdade, ilustra bem os possíveis riscos. A célebre neurologista Susan Greenfield dava outro exemplo menos duro, > mas que mostra as diferenças. A cientista usa a tradicional história da princesa contada através de um livro versus o jogo de computador com uma princesa como personagem. Nas páginas de um livro e com um contexto quase sofríamos por ela, no ecrã ninguém se interessa por ela e é encarada como um mero objectivo. Salvar a princesa num jogo desencadeia a produção de dopamina. Em excesso, pode mesmo provocar danos no córtex, diz. E o que é que o excesso de dopamina causa? "A confusão entre o mundo real e o virtual." Demasiado rebuscado, talvez. No entanto, a vida mostra que os excessos desta geração vão muito além do polegar. Vejase os trágicos casos dos adolescentes vítimas do viciante jogo World of Warcraft, uma espécie de Second Life. Uma adolescente chinesa, chamada Snowly, morreu após ter passados dias seguidos no jogo. A sua comunidade virtual de amigos reagiu, fazendo-lhe um funeral no jogo. Um rapaz na Suécia entrou em convulsões depois de passar 20 horas seguidas a jogar o mesmo World of Warcraft. Não são casos únicos, nem Há um uso patológico caso para brincadeiras. da Internet que está documentado. Há um lado negativo em tudo. 0 lado positivo com que todos os especialistas concordam é que esta geração do polegar é indiscutivelmente mais hábil e flexível a nível da coordenação motora. Tem uma capacidade de adaptação extraordinária. Se isso tem ou não reflexo no mapa do cérebro, no tamanho do dedo ou nas dores nas costas é outra história. Sim, podem ter menos capacidade de concentração durante períodos longos, menos paciência. Vamos pelo menos concordar num ponto: são diferentes. Olhe agora para um adolescente a teclar uma mensagem de sms sem sequer olhar para o apa- do nosso e exigem a participação corpo todo, como se estivéssemos por exemplo numa partida de basquetebol ou a tocar guitarpolegares relho ou a manipular um computador. eles só podem ser diferentes. • O nosso cérebro também teve de se adaptar à leitura e à escrita e não foi assim há tanto tempo Pois é,