PARECER-CONSULTA Nº 5645/2015 CONSULENTE: Dr.L.M.M. PARECERISTA: Cons.o Geraldo Borges Júnior EMENTA: As orientações na diversidade de situações clínicas nos Hospitais Psiquiátricos requerem o conhecimento de normas éticas, administrativas e legais. I. PARTE EXPOSITIVA A presente Consulta foi instaurada pelo Dr.L.M.M., da qual extraímos: a partir de correspondência encaminhada Vimos muito respeitosamente solicitar esclarecimentos acerca de dúvidas éticas comuns na Psiquiatria. Nessa especialidade, muitas vezes nos deparamos com uma relação complexa com terceiras partes, sejam elas familiares ou não. A seguir, enumeraremos em tese algumas situações usuais na prática do dia a dia, com opiniões as mais diversas entre colegas sobre como proceder: 1) Situação: Um paciente cumprindo pena de privação de liberdade (preso) vem à consulta psiquiátrica, encaminhado por delegado de polícia ou diretor de presídio. O paciente está acompanhado por policiais ou agentes penitenciários, esses acompanhantes demandam permanecer o tempo todo no consultório, alegando se tratar de uma situação de risco de agressão e fuga, refutam a opinião em contrário do médico. Após anamnese, exame físico e do estado mental, o médico toma a sua conduta. Nesse momento, e alertado pelos acompanhantes que todo e qualquer documento (receita, encaminhamento, relatório) não pode ser entregue ao paciente, mas encaminhado ao diretor do presídio ou ao delegado de polícia, haja vista que o paciente se encontra sob a custódia do Estado, eles até exigem a emissão de um relatório sobre o estado de saúde do paciente para ser entregue à autoridade. Pergunta: Como proceder nesse caso? Se o paciente não autorizar, somos obrigados a entregar os documentos e emitir o relatório assim mesmo? Se houver ordem judicial, muda alguma coisa? 2) Situação: Um paciente civilmente capaz se encontra internado voluntariamente num hospital psiquiátrico. Num dado dia, solicita por escrito sua alta, conforme determina a lei. Apesar de não indicar a alta, seu médico assistente não vê motivos para a conversão da internação em involuntária, mas acha prudente entrar em contato com a família para que possam buscá-lo, pois ele é de outra cidade e está sem dinheiro. A família é informada e se nega terminantemente a buscar o paciente, pois não concorda com a informada e se nega terminantemente a buscar o paciente, pois não concorda com a saída prematura dele. Por sua vez, o paciente exige a saída imediatamente do hospital, desacompanhado e para a "rua". Pergunta: Como proceder nesse caso? O paciente capaz internado voluntariamente, sem indicação de involuntariedade, pode sair do hospital a qualquer momento e em quaisquer circunstâncias, se assim se expressar por escrito? A família tem o direito de não comparecer? E no caso de um paciente civilmente capaz internado voluntariamente, mas com óbvia indicação para a interdição -, se a família argumentar que não comparecerá e que podemos Iiberá-Io desacompanhado, o que fazer? 3) Situação: O responsável pela internação involuntária de um paciente comparece ao hospital demandando a alta dele. O responsável é então levado a um consultório para esclarecimentos acerca do estado de saúde do paciente, pois este ainda não se encontra em condições de alta. Nessa conversa, percebe-se que ele esta pouco receptivo à interação, agitado e exaltado. Um enfermeiro diz que havia visto esta mesma pessoa do lado de fora do hospital conversando sozinha e andando em círculos. Pergunta: Como proceder nesse caso? É função do médico verificar a sanidade mental (ou mesmo a capacidade de entendimento) dos responsáveis no momento, por exemplo, da assinatura de algum termo de responsabilidade ou de alta a pedido? 4) Situação: Uma paciente está internada involuntariamente, sob a responsabilidade de sua mãe. O marido da paciente comparece ao hospital no dia seguinte dizendo não concordar com a internação, requerendo para si a responsabilidade pela internação e demandando alta imediatamente, alega ser advogado e saber ter precedência sobre os pais. Nesse momento, a mãe comparece dizendo que a paciente vinha sofrendo violência psicológica e moral por parte do marido e que só continuava casada com ele por estar completamente "louca". Ela diz também que o marido vinha oferecendo drogas para ela, o que provocou a crise psicótica. Questionada, a paciente diz gostar do marido. Pergunta: Como proceder nesse caso? É função do médico verificar a qualidade das relações entre familiares além das precedências da lei no momento de assumpção da responsabilidade pela internação? 05) Situação: O familiar de um paciente grave comparece ao consultório demandando um relatório acerca do tratamento ou a cópia do prontuário para a instrução de um processo de interdição contra o paciente. Na consulta anterior, o paciente já havia se adiantado dizendo que seu familiar assim procederia e que era totalmente contrário a esta conduta, proibindo o médico de fornecer tais informações. No entanto, o médico entende que o paciente não tem condições de gerir seus bens e sua pessoa, pois a doença da qual se trata interfere nesses aspectos de modo comprovado e permanente; o médico, pois, concorda com a opinião do familiar. Pergunta: Como proceder nesse caso? Se o paciente ainda preserva a capacidade de expressar vontade, mesmo que incoerente ou inapropriada, deve-se aguardar uma demanda judicial para prestação de tais informações? Ou a impressão do médico assistente acerca de sua capacidade civil já o autoriza a emitir tais informações do paciente a um familiar? 6) Situação: O Ministério Público (MP) ou a Defensoria Pública (DP) solicitam ao médico assistente informações acerca do estado de saúde de um paciente. No documento, as autoridades informam que a mãe do interessado compareceu ao local e disse que o filho (paciente) está atualmente fazendo uso de drogas e que necessita de uma internação "urgente", porém não aceita fazê-lo voluntariamente. O médico assistente esteve com o paciente na última semana e notou que, de fato, havia apresentado uma recaída grave; entretanto, entendeu naquele momento que a situação poderia ser conduzida ambulatorialmente. Pergunta: Como proceder nesse caso? Sem a autorização do paciente, o médico assistente pode fornecer quaisquer informações acerca do tratamento ao MP ou a DP? A conduta muda, dependendo se o médico assistente concorda ou não com a internação? O fato de a mãe, o MP ou a DP estarem querendo "ajudar" o paciente modifica a conduta? fato de a mãe, o MP ou a DP estarem querendo "ajudar" o paciente modifica a conduta? 7) Situação: A enfermagem informa que dois pacientes adultos internados voluntariamente numa mesma ala psiquiátrica estão se envolvendo sexualmente durante a madrugada. Questionados, os pacientes confirmam a história e declaram que o sexo é consensual. A família de um dos pacientes questiona se ninguém vai tomar uma "atitude" a respeito disso, pois entende que o paciente está sendo "abusado". Pergunta: Como proceder nesse caso? Além das medidas clínicas indicadas para o sexo desprotegido, o médico deve tomar alguma atitude legal a respeito? Mesmo sendo consensual, muda alguma coisa caso um dos dois pacientes for interditado judicialmente ou estiver internado involuntariamente? II. PARTE CONCLUSIVA O Código de Ética Médica preceitua no seu Capítulo I – Princípios Fundamentais: “I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.” “II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.” No Capítulo II – Direito dos Médicos: É direito do médico: “I - Exercer a Medicina sem ser discriminado por questões de religião, etnia, sexo, nacionalidade, cor, orientação sexual, idade, condição social, opinião política ou de qualquer outra natureza.” “II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.” E ainda, no Capítulo IV – Direitos Humanos: É vedado ao médico: “Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.” “Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.” E também, no Capítulo IX - Sigilo Profissional: É vedado ao médico: “Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.” É importante ressaltar que o compromisso dos médicos é com a saúde do paciente e que, quando internado, vai até o momento da sua alta, sendo responsabilidade do setor administrativo a sua saída da instituição. Com relação às situações expostas pelo Consulente: As leis, resoluções e regras impostas pelas autoridades têm por finalidade regulamentar um tipo de ação e, muitas vezes, outra regra normatiza outra ação diferente; sendo possível que, em algum momento, elas se mostrem conflitantes. No caso específico levantado pelo consulente, o médico é o responsável pelo paciente e é este profissional que determina quem entra no consultório e em que momento. Do ponto de vista da autoridade policial, ela é responsável pela segurança e a limitação de liberdade do indivíduo naquele momento, sendo que está autorizada a definir onde e quando este indivíduo deve ficar desacompanhado ou não. Nesse impasse é necessário que prevaleça o bom senso, cabendo ao médico argumentar com o policial e juntos definirem um melhor andamento para o desenrolar da consulta. Com relação à receita médica e sendo o medicamento custodiado pelo estado é irrelevante saber a quem serão encaminhadas as receitas, pois é a instituição que vai providenciar a dispensação da medicação e, portanto, terá acesso às receitas. O relatório médico ou qualquer informação sobre os assuntos constatados na consulta só poderão ser divulgados se houver consentimento do paciente. As perguntas: 1)Só poderão ser emitidos relatórios se houver consentimento do paciente. 2)Em caso de ordem judicial, este deverá nomear um profissional médico que terá acesso ao prontuário e emitirá o relatório necessário. 2)Se o paciente estiver internado voluntariamente, ele poderá reivindicar sua alta, embora no ato da admissão um familiar tenha que assinar o Termo de Consentimento se responsabilizando para comparecimento ao Hospital quando convocado. Se o médico discordar da saída do paciente, poderá propor uma troca do regime de internação de voluntário para involuntário, sendo necessário que mude todo o protocolo, devendo este ser bem fundamentado e enviado ao Ministério Público, depois de assinado pelos familiares responsáveis, e é esta instituição que definirá se o paciente deve ficar ou não internado. Perguntas: 1) Sim. 2) Não. 3)Transformar a internação em involuntária e comunicar ao Ministério Público. 3 – O médico é o responsável pelo atendimento ao paciente e deve informar a seus familiares sobre a evolução do tratamento. A capacidade para quem deverá retirá-lo ou se encontra em condições pessoais ou financeiras para fazê-lo é de ordem administrativa. A responsabilidade médica se interrompe na assinatura da alta ou do documento de recusa de tratamento. Perguntas: 1) Não. 4) Numa internação hospitalar, o responsável pelos cuidados do paciente é aquele familiar que assina o documento no ato da internação, ficando responsável pelo paciente internado até a sua alta. Em caso de dúvidas, deverá ser pedido que mude o responsável pelo paciente, transferindo assim a responsabilidade pelo contido nos documentos. Resposta: Não. 5) O Código de Ética Médica é bem claro no seu artigo 73, que não é permitido revelar fatos sobre a saúde do paciente sem o seu consentimento. A justiça já determinou que, se o paciente conseguir manifestar sua vontade, esta tem que ser respeitada. Resposta: 1) Sim. 2) Não autoriza. 6) Fundamentação na resposta anterior. 1) Não. 2) Não. 3) Não. 7) O Hospital é um lugar determinado especificamente para tratamento de saúde, não sendo possível aceitar que este local seja utilizado para outras providências. A relação sexual, consensual ou não, não deve ser aceita nas instituições hospitalares. 1) Esta é uma medida administrativa, o médico deverá informar ao setor administrativo, que tomará as medidas cabíveis ao caso. 2) Não. Belo Horizonte, 05 de outubro de 2015. Cons.o Geraldo Borges Júnior Conselheiro Parecerista Aprovado na sessão plenária do dia 09 de outubro de 2015