O USO DE FILMES DE ANIMAÇÃO COMO RECURSO DIDÁTICO: A ABORDAGEM DOS TEMAS TRANSVERSAIS POR MEIO DO FILME O ESPANTA TUBARÕES Ana Luisa GOULART ARAUJO, Emerson I. SANTOS Universidade Federal de São Paulo – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Eixo Temático: Formação inicial de professores da educação básica [email protected] Introdução O universo cinematográfico, televisivo e o acesso à internet estão inseridos de maneira efetiva e constante no cotidiano das pessoas nas mais variadas faixas etárias, desde as crianças até os adultos. Essas produções culturais estão carregadas de conhecimentos e valores específicos a serem transmitidos aos telespectadores, como aponta Giroux em seu estudo acerca dos filmes infantis produzidos pela Disney: (...) esses filmes parecem ao menos inspirar a autoridade e a legitimidade culturais para ensinar papéis, valores e ideais específicos, tanto quanto o fazem os locais mais tradicionais de ensino, como as escolas públicas, instituições religiosas e a família (2001, pag.89). Como podemos perceber por meio do estudo de Giroux, os filmes infantis, carregam consigo conhecimentos que são transmitidos aos que os assistem. Poderíamos assim então utilizar os filmes como recurso didático dentro de sala de aula. O uso de filmes nas aulas é de grande viabilidade devido, principalmente, a seu amplo acesso por parte de alunos e professores e sua variedade temática. O amplo leque de possibilidades e temas presentes nos diversos produtos cinematográficos já produzidos pela indústria audiovisual possibilita o trabalho do professor em diferentes áreas do conhecimento. Os filmes de animação de longa metragem e os desenhos animados que são transmitidos principalmente pela televisão são produtos culturais, sociais, políticos e históricos importantíssimos na transmissão de ideais acerca de variados assuntos. Trazer os filmes de animação para a sala de aula e realizar um trabalho pedagógico com ênfase nos assuntos presentes é uma importante possibilidade de trabalhar com esse material em sala de aula, além de proporcionar uma melhor utilização desses filmes dentro do ambiente escolar, ou seja, para além do que comumente são utilizados os filmes em sala de aula, como mecanismo para silenciar ou obter um maior controle sobre as crianças. Desenvolver uma atividade mais crítica, profunda e analítica sobre os valores e os conhecimentos presentes e transmitidos nesses produtos culturais é uma 6405 excelente oportunidade para discutir e problematizar temas que estão ali presentes e que em muitos casos fazem parte da realidade social em que a criança está inserida. Como já dito anteriormente, os filmes e desenhos animados são produtos culturais, sociais, políticos e históricos, sendo assim, repletos de conhecimentos, informações e valores (sociais,econômicos, políticos, culturais e históricos) implícitos ou explícitos no decorrer de sua narrativa. E o mais importante esses conteúdos não são neutros ou aleatórios, são informações que carregam consigo certa intencionalidade e propósito para a serem absorvidos por quem assiste. Para Fischer (2001), por exemplo: Defendo a tese de que a TV, na condição de meio de comunicação social, ou de uma linguagem audiovisual específica ou ainda na condição de simples eletrodoméstico que manuseamos e cujas imagens cotidianamente consumimos, tem uma participação decisiva na formação das pessoas – mais enfaticamente, na própria constituição do sujeito contemporâneo. Pode-se dizer que a TV, ou seja, todo esse complexo aparato cultural e econômico - de produção, veiculação e consumo de imagens e sons, informação, publicidade e divertimento, com uma linguagem própria – é parte integrante e fundamental de processos de produção e circulação de significados e sentidos, os quais por sua vez estão relacionados a modo de ser, a modos de pensar, a modos de conhecer o mundo, de se relacionar com a vida (Fischer, 2001, p.15). As crianças não estão exclusas dessa influência, muitas crianças passam horas em frente a televisão, tendo acesso a diferentes tipos de informação, assim como os filmes que transmitem diversas concepções e ensinamentos, os programas televisivos também reproduzem conteúdos que estão repletos de intencionalidade. Temas Transversais e filmes de animação: uma proposta didática Pensando nesses questionamentos desenvolvemos um trabalho de pesquisa em que o objetivo é analisar a possibilidade e a importância de desenvolver um trabalho pedagógico envolvendo os temas transversais presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, adotando o uso de filmes de animação de longa metragem como um recurso didático a ser utilizado em sala de aula. Para tanto, analisamos desde a formação inicial do professor de pedagogia, sua formação continuada, os recursos didáticos existentes e utilizados em sala de aula e por último as dificuldades e possibilidades de desenvolvimento de um trabalho acerca dos temas transversais fazendo uso de filmes de animação. O presente trabalho tem como objetivo apontar a possibilidade e as 6406 dificuldades de elaborar e executar propostas de atividades pedagógicas envolvendo os temas transversais por meio do uso de filmes de animação de longa metragem, bem como analisar como os professores desenvolveriam tais atividades com seus alunos. O foco da pesquisa foi analisar a viabilidade de um trabalho em âmbito escolar dos temas transversais por meio do uso de filmes de animação, no caso aqui o filme O Espanta Tubarões da Dreamworks do ano de 2004, bem como analisar propostas de atividades produzidas por alunos graduandos de pedagogia da Universidade Federal de São Paulo. Realizamos essa pesquisa por considerar a abordagem dos temas transversais uma temática importante, visto que são conhecimentos que propõem uma reflexão acerca do condicionamento e do convívio em sociedade, temáticas essas presente nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) que foram elaboradas e escolhidas por abordarem situações referentes ao convívio social, com o objetivo de desenvolver um pensamento crítico e reflexivo por parte do aluno acerca de sua realidade. O filme O Espanta Tubarões é uma produção da DreamWorks do ano de 2004, o filme conta a história de um peixinho que almeja a ascensão social. Entretanto, os meios que ele utiliza para conquistar tal objetivo podem parecer não muito corretos do ponto de vista ético e moral, pois o protagonista faz uso de artifícios como a mentira e a trapaça nas tentativas de atingir seu objetivo. Permite assim a abordagem de um tema transversal, a ética, desenvolvendo uma discussão acerca desse tema, como, por exemplo, por meio de indagações do tipo: até onde é possível chegar para atingir seus objetivos pessoais sem prejudicar o coletivo, ou mesmo indagar qual o limite da ética quando se trata de um convívio em sociedade, entre outras questões que podem ser desenvolvidas com esse tema fazendo uso apenas desse trecho do filme. Outro critério de escolha para o uso de tal animação por ser um produto popular entre as crianças e por conter várias referências que remetem a nossa sociedade. Filmes de Animação: pedagogia não formal Os filmes de animação como já exposto carregam consigo variadas formas de representação de elementos pertencentes a diferentes culturas. Podem ser caracterizados como elementos que difundem a cultura de diferentes espaços geográficos e sociais. Os filmes são produtos culturais capazes de transpor limites geograficamente estabelecidos, apresentando e transmitindo a diversos públicos ao mesmo tempo inúmeras culturas: 6407 (...) o cinema pode ser um meio de interagir com culturas e saberes diversos, de forma instigante, sensorialmente eficaz, atingindo o ser humano pelos sentidos da visão e da audição. E ainda, o cinema é a representação de experiências culturais e, especificamente, uma ótima forma de socializar saberes. (BENTO e NEVES, 2008, p. 6). Partindo da ideia de socialização de saberes proposto pelas autoras, podemos, então, apontar os filmes como uma forma de ensino não formal, pois é inegável que ao assistirmos um filme estamos adquirindo informação do que ou de quem está sendo retratado na narrativa fílmica. São conhecimentos que acabamos depois por atribuir e legitimar acerca daqueles que acabamos de ter contado, como aponta Bento e Neves (2008), o cinema de animação é uma pedagogia não escolarizada. Os filmes de animação podem para além da transmissão de características de diferentes culturas, transmitir de forma latente ou não valores, posturas sociais, comportamentos e noções de condutas a serem seguidas. Atribuindo a noção de correto ou incorreto a ser exercido nos diferentes espaços sociais. Para Piassi e Santos (2013) os filmes de animação são capazes de veicular discursos ideológicos acerca de padrões estéticos e de conduta, construindo assim o senso de normatividade social, ou seja, apresentando ao público infantil os padrões aceitos e não aceitos pela sociedade em um determinado momento. Por meio da pesquisa dos autores é permitido reiterar que as animações infantis são produtos culturais que possuem uma intencionalidade pedagógica, com objetivos implícitos ou explícitos de transmitir ao espectador direções e orientações acerca de conceitos e concepções de questões sociais, políticas, culturais e históricas. Bento e Neves (2008) propõem que a arte cinematográfica não pode reproduzir o real tal como ele é, pois sempre há reflexo da visão das pessoas que estão envolvidas nesta tentativa de reprodução. Sendo assim, os filmes produzidos contam com a visão de quem os produz acerca de quem e o que está sendo retratado. Entretanto, o que temos que questionar e analisar são que visões são essas e porque elas são na maioria das vezes aceitas como verdades irrefutáveis. Por qual motivo tais informações, perspectivas e estereótipos acerca do outro são transmitidas livremente a pessoas de diferentes lugares? Por que a indústria cultural parece homogeneizar a vida e visão do mundo das diversas populações? (SANTOS, 2005, p. 67). O que propomos aqui é que essas informações ao serem transmitidas às pessoas devam englobar uma análise, um questionamento, uma problematização. Ou seja, uma leitura crítica acerca dos conteúdos presentes nos filmes, que a utilização dos filmes como recurso didático tenha essa proposta questionadora acerca dos conhecimentos que são oferecidos às crianças desde 6408 muito cedo, para traspor a ideia de um consumo da imagem fílmica apenas por diversão ou distração, mas sim construir juntamente com as crianças a noção de olhar imagético, por meio do qual a criança será capaz de enxergar para além da imagem que lhe é apresentada podendo entender os filmes em seu processo de criação, seus objetivos, suas intencionalidades e seus significados enquanto produto cultural, político, social e histórico. Processos metodológicos Para a realização desse trabalho de pesquisa foi feito um levantamento bibliográfico em acervos acadêmicos, com o intuito de localizar produções já existentes que tratassem dos temas transversais e o uso de filmes de animação no cotidiano escolar para além da exibição como forma de entretenimento. Como forma de continuidade a composição da pesquisa foi aplicada uma atividade aos alunos de uma turma de pedagogia da Unifesp que consistia em os mesmos elaborassem propostas de atividades a serem realizadas em sala de aula abordando o uso de uma animação de longa metragem visando um ou mais temas transversais. Os nomes utilizados nos trechos apresentados são fictícios para preservar a identidade dos graduandos. Foi solicitado aos graduandos de pedagogia que após a exibição do trecho do filme os mesmos escolhessem dois temas transversais e desenvolvessem uma atividade para sala de aula, tendo ainda que apontar em qual nível escolar (educação infantil, educação fundamental I ou educação de jovens e adultos) pretendiam aplicar a atividade. A atividade proposta aos graduandos tinha como principal objetivo perceber quais seriam os métodos escolhidos pelos graduandos para desenvolver tais atividades. O interesse decorre da necessidade de introdução dos temas transversais em sala de aula, que pouco ocorre seja por uma priorização das disciplinas curriculares mais “tradicionais”, melhor dizendo, as que são exigidas com mais freqüência nos diferentes e inúmeros exames que são aplicados nas instituições escolares para medir sua qualidade e eficácia, tais como a prova Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), a Provinha Brasil, a PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), entre outros mecanismos que avaliam o ensino educacional. Análise dos resultados Após a leitura das atividades elaboradas pelos graduandos, foi possível perceber uma característica recorrente nos textos produzidos. No que se refere ao nível escolar imaginado para aplicação das atividades, a maioria dos futuros professores elaboraram as atividades voltadas para alunos do fundamental I (1º ao 5º ano), podemos depreender dessa escolha que os graduandos consideram que trabalhar os temas transversais com 6409 alunos de níveis escolares mais avançados é mais viável do que com alunos, por exemplo, da educação infantil. Tal dificuldade pode decorrer de um pré-julgamento por parte dos professores que consideram esses temas muito complexos para níveis escolares mais baixos. É curioso o fato que o produto utilizado para a elaboração dessa atividade, no caso o filme de animação de longa metragem, tem como público-alvo principal justamente as crianças pequenas e esse produto é amplamente utilizado na educação infantil, muitas vezes como um mecanismo de entretenimento ou como um meio de acalmar e silenciar as crianças.E quando se propõe um trabalho de análise desses produtos oferecidos em larga escala para crianças o público alvo muda, ao menos do ponto de vista desses futuros professores que realizaram a atividade proposta nesse trabalho de pesquisa. Entretanto, esse pensamento se aplica se considerarmos que os longas de animação têm em seu conteúdo informações que estão para além do explicito, ou seja, informações contidas nas entrelinhas desses produtos, informações como essas que estamos tentando entender e demonstrar nesse trabalho de pesquisa. Voltemos à característica recorrente nos textos produzidos pelos graduandos, essa dificuldade em produzir uma atividade com essa temática para crianças pequenas, poderia ser resolvida se os mesmos pensassem em atividades voltadas para essa faixa etária, digo no sentido de adaptar a abordagem dos temas para os pequenos, entretanto, a dificuldade somada ao pré-julgamento de impossibilidade de entendimento acabam por restringir as propostas elaboradas pelos professores, perde-se então uma oportunidade de ampliar as diversificações de ensino aprendizagem. Podemos observar a dificuldade encontrada por alguns dos graduandos de pedagogia em desenvolver uma atividade com essa temática para crianças pequenas, o trecho abaixo foi retirado de uma das atividades elaboradas pelos alunos de pedagogia da Unifesp: O filme abordado trata de questões e temas transversais que podem ser amplamente discutidos com alunos do fundamental II e do Ensino Médio, pois estes tem maior compreensão de como funciona a sociedade em que vivemos e podem associar com maior facilidade o filme e a nossa própria sociedade. Alice, 2º termo de pedagogia. Conclusão A proposta da pesquisa foi concretizada, pois ao aplicarmos a atividade com os graduandos, conseguimos apontar as dificuldades e possibilidades para um trabalho envolvendo temas transversais e filmes de animação, sendo possível ainda estabelecer uma relação encontrada nas produções dos graduandos com as leituras bibliográficas realizadas para o embasamento acadêmico dessa pesquisa. 6410 Podemos depreender ainda que há necessidade de transpormos o momento educacional contemporâneo, no qual encontramos sistemas escolares ineficazes, temos que buscar uma educação que permita ao aluno refletir, analisar e contribuir para o crescimento do meio em que está inserido. Procuramos atentar nessa pesquisa a possibilidade do desenvolvimento de um trabalho pedagógico a partir do uso de filmes de animação, tendo como principal justificativa a facilidade e amplitude de acesso do mesmo, que faz desse material um recurso didático em potencial a ser utilizado em ambiente escolar. O trabalho exposto aqui propõe pensarmos em novas maneiras de atuarmos no ambiente escolar, consideramos importante o conhecimento de propostas que busquem ampliar e promover novas visões acerca de diferentes maneiras de realizar um trabalho educacional que vise o melhor para todos os envolvidos no ambiente escolar. Referências bibliográficas BENTO, Franciele.; NEVES, Fátima Maria.Seminário do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. A educação e o cinema de animação: em estudo a Turma da Mônica. 2008. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais. Brasília: MEC, 1998. FISCHER, R. M. B. Televisão & Educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. GIROUX, H. 2001. Os filmes da Disney são bons para seus filhos? In : STEINBERG, S. R. & KINCHELOE, J. L. (orgs.). Cultura infantil : a construção corporativa da infância. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira. O Espanta Tubarões. Produção de Bill Damaschke. Estados Unidos. DreamWorks Pictures, 2004. DVD (1h40min) SANTOS, C. C.; PIASSI, L. P.C.ELEMENTOS VISUAIS DE TRANSGRESSÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE EM VILÕES DE ANIMAÇÕES LONGA METRAGEM DOS ESTÚDIOS DISNEY. 2013. (Apresentação de Trabalho/Seminário). SANTOS, José Luiz. O que é Cultura. São Paulo, SP: Brasiliense, 2005. 6411 6412