O ENSINO DA GEOGRAFIA: RELAÇÃO ENTRE APORTES TEÓRICOS E VIVÊNCIA PEDAGÓGICA NA RESOLUÇÃO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR Janete Aparecida Gomes Zuba Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes [email protected] Vânia Rúbia Farias Vlach Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected] Uma grande perspectiva apresentada à sociedade nesse início de século nos orienta para o desenvolvimento da autonomia individual em íntima relação com o coletivo. À educação cabe desencadear uma visão global, de interdependência e de transdisciplinaridade, possibilitando a construção de redes de mudanças sociais, a partir da consciência individual e coletiva. A busca de métodos inovadores de natureza investigativa torna-se fundamental no ensino e aprendizagem. Tais métodos devem admitir uma prática pedagógica ética, crítica, reflexiva e transformadora. A educação contemporânea não deve se limitar a formar indivíduos que dominem determinados conteúdos, mas, deve ensinar cada ser humano a pensar, a refletir e a trabalhar incentivando a cooperação de uns com os outros, no sentido de propor soluções aos problemas e questões que afligem a sociedade para de fato alcançar a formação do homem como um ser histórico, inscrito na dialética da ação-reflexão-ação. Deve favorecer a formação de seres críticos e conscientes de seu papel nas mudanças sociais. O presente trabalho é parte de nossas investigações sobre o processo de ensino em um contexto investigativo. Baseando-nos nessas considerações preliminares, objetivamos discutir o ensino de Geografia a partir de metodologias ativas na formação do professor, entendendo a metodologia, por extensão de sentido, como sinônimo de método. Apresentamos uma panorâmica sobre o emprego de metodologias ativas possíveis de serem utilizadas nas aulas da educação básica, bem como do ensino superior. Posteriormente, apresentamos uma breve reflexão acerca da realização de oficinas direcionadas aos acadêmicos das variadas licenciaturas da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Aportes teóricos acerca da educação baseada em metodologias ativas Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 A metodologia ativa de ensino-aprendizagem está baseada na forma de desenvolver o processo de aprender utilizando experiências reais, simulações que tornam a aprendizagem significativa. Baseamos tal metodologia em resolução de problemas que são situações que podem levar os estudantes a compreender efetivamente o fato estudado. Ao valorizar a participação do aluno nas atividades pedagógicas em sala de aula, o uso de tais metodologias contribui para a obtenção de conhecimentos que lhe serão úteis em sua vivência cotidiana. É isso que torna significativo o processo ensino-aprendizagem dos conteúdos geográficos ou de qualquer outra área, cuja dimensão atitudinal é fundamental, dado que a cidadania se constrói e reconstrói também na escola, onde se aliam os conhecimentos teóricos de cada disciplina pedagógica ao cotidiano. Da escola podem emergir procedimentos cidadãos que envolvam seu entorno, na medida em que as condições de vida do aluno – e do professor – interferem no ensino e na aprendizagem. A utilização de situações-problema favorece a explicitação das concepções alternativas dos estudantes, a elaboração e verificação de hipóteses e, num estágio final, permite o aprofundamento dos conteúdos, sobretudo aqueles que acentuam os atuais desafios de um espaço geográfico organizado por relações entre o local e o mundial, simultaneamente. Podemos considerar como características da mesma, a necessidade de representar algo novo na atividade intelectual do estudante, motivando-o na tarefa de busca e, por conseguinte, na construção do conhecimento. Autores como Macedo (2002), Meirieu (1998) e Perrenoud (2002) assinalam que os educandos, na tentativa de solucionar as situações-problema, podem reestruturar seus conhecimentos e construir novas aprendizagens. De acordo com Perrenoud (2002), elas permitem mobilizar recursos, ativar esquemas e tomar decisões. Pode ser importante aliada no processo de construção do conhecimento. O professor terá possibilidades de diagnosticar os processos e as dificuldades apresentadas. Macedo (2002, p.122) defende que as situações-problema são uma forma e um recurso de desenvolvimento de competências e propõe "que consideremos competência segundo três características: tomada de decisão, mobilização de recursos e saber agir, enquanto construção, coordenação e articulação de esquemas de ação ou de pensamento". Então, podemos dizer que a competência para resolver as situações-problema implica saber julgar, apreciar, decidir. A metodologia da Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 problematização tem justamente como princípio esta relação problematizadora entre a teoria e a prática, sendo sempre uma subsídio da outra, e ambas provocando a construção do conhecimento. Nos estudos apresentados por Saviani (1983), um método que parte da visão sincrética da realidade, fazendo a análise a partir da teoria e chegando à síntese – leva a uma compreensão mais elaborada da realidade inicial. Nesse caso, podemos afirmar que está se referindo a uma educação para a humanização, para a autonomia e emancipação: “Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio desta realidade e procurar soluções” (1979a, p. 30). A metodologia sugere alguns passos a serem trabalhados com a mediação do professor que inicialmente apresenta o problema; os alunos o identificam e o definem. Os conhecimentos prévios dos alunos são relacionados pelo professor, momento em que se esclarece o que os alunos sabem sobre o assunto e, em seguida, o que não sabem, estratégia que irá gerar as questões de aprendizagem. Ao identificar os conteúdos a serem pesquisados, os alunos buscarão as informações, localizando e selecionando todas as fontes possíveis com a mediação do professor. O momento é de ler, ouvir, consultar, olhar, tocar, extraindo as informações interessantes. O momento de síntese busca organizar as informações extraídas das diversas fontes. A socialização do conhecimento se dá ao apresentar o resultado das investigações. Então, o professor poderá avaliar, julgar o processo enquanto eficiência e o resultado como eficácia. Uma experiência de vivência pedagógica na formação do professor A atividade que descrevemos a seguir apresenta um recorte da aplicação do ensino a partir de uma situação-problema, realizada durante o V Encontro de Prática de Ensino do Departamento de Estágios e Práticas Escolares da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES/MG, com alunos de diversas licenciaturas. A oficina intitulada “A construção do conhecimento a partir de situações-problema como metodologia no processo ensino e aprendizagem”, nos possibilitou um momento de discussão acerca da construção de conhecimentos, objetivando principalmente a aplicação de uma metodologia inovadora que pudesse auxiliar na aquisição de conhecimentos geográficos. Para melhor compreensão da proposta, recorremos aos princípios do construtivismo, que pode ser definido por diversas correntes pedagógicas, como a Aprendizagem Significativa de Ausubel, o enfoque Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 sociocultural de Vigotski e o enfoque Psicogenético de Piaget. As teorias nos mostram que o educando constrói seu conhecimento por meio de uma aprendizagem significativa. É o que ocorre à medida que nossa proposta se desenvolve na sala de aula. A metodologia que apresentamos sugere uma série de etapas. Na primeira, os alunos foram convidados a ler, identificar e esclarecer possíveis termos desconhecidos, em um fragmento de texto retirado de uma revista. Escolhemos e delimitamos tal fragmento, para criar um contexto de reflexão, problematizando-o: O MST ATACA O BRASIL QUE DÁ CERTO - As invasões de terras produtivas começam a provocar danos concretos no chamado “Brasil que dá certo”- o agronegócio. Revista Veja, 02 de junho de 2004. O objetivo foi perceber a situação sob diferentes aspectos para delimitar o problema, que passou a ser a “questão dos alunos”. Nessa metodologia, o planejamento do professor deve ser preciso, especialmente quanto aos seus objetivos. A segunda etapa, consistiu em identificar os problemas propostos pelo enunciado. Para tanto, os educandos foram desafiados a refletir sobre a questão apresentada: suas causas, consequências, possíveis determinantes “maiores”, grupos sócio-políticos interessados em mantê-los, ignorá-los ou resolvê-los e outras considerações. Esta etapa permitiu aos alunos identificar dificuldades, discrepâncias de várias ordens, que foram transformadas em problemas. Posteriormente, na terceira etapa, os alunos formularam hipóteses explicativas para os problemas identificados na etapa anterior. Nesse momento, ao mediar o diálogo, cabe ao professor resumir as falas. Geralmente nesta etapa, chegam à conclusão de que um problema está ligado a outros e isto determina sua complexidade exigindo um estudo mais atento, rigoroso e crítico – científico. As hipóteses desencadearam raciocínios de causa e conseqüência, possibilitando vislumbrar a complexidade dos conhecimentos que são os conteúdos pré-selecionados e contidos na realidade. À quarta etapa, coube a formulação dos objetivos de aprendizagem. Como já tínhamos pré-selecionado e organizado os conteúdos a serem estudados nos objetivos de aprendizado, os alunos foram divididos em grupos para o estudo dos assuntos levantados. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Na próxima fase, quinta etapa, desenvolvemos o aprofundamento teórico. É importante destacar que, após o estudo do problema, surgiram outros em decorrência dos desdobramentos do primeiro, só percebidos pelos alunos com o estudo aprofundado deste. Os conhecimentos científicos são importantes, e devem ser buscados nessa etapa da teorização. Aqui é importante que os estudos dos conteúdos básicos curriculares sejam explorados em conexão com a realidade vivida pelos alunos, ou seja, trabalhados nas diferentes escalas: local, regional, nacional e global, e de maneira coletiva. A Contudo, em alguns momentos, tais estudos foram feitos individualmente. Essa fase exige tempo e assessoria do professor, pois as observações podem ser desenvolvidas em campo, podem surgir necessidades novas, como uma entrevista com pessoas da comunidade, palestras etc. Todas as informações devem ser registradas, analisadas e avaliadas pelos alunos e professor em função da compreensão do assunto estudado. É importante orientar os educandos para a busca em “todas as fontes disponíveis”. Mesmo assim, a orientação na seleção do material de consulta é essencial, pois a maioria dos alunos ainda não tem essa habilidade de análise, que é construída gradativamente. A preocupação que o professor deve ter nessa busca se deve ao fato de os meios digitais e os impressos serem passíveis de equívocos quanto à leitura da realidade estudada. A sexta etapa ocorreu com o retorno dos alunos para socialização dos conhecimentos, rediscussão do problema frente aos novos conhecimentos adquiridos na fase de estudo anterior. Funcionou como um debate na sala de aula. E o conhecimento científico forneceu subsídios para o referido debate. Ao final das discussões, os alunos organizaram textos coletivos indicando as possíveis soluções para o problema levantado, procurando transformar a realidade em algum grau. Os alunos demonstraram capacidade de análise, síntese, julgamento e sensibilidade aos valores construtivos de convívio humano, ética, entre outros. Cabe ressaltar que todas essas questões fazem parte das atribuições da educação e devem estar presentes na práxis. As práticas trabalhadas serviram de exemplos para adquirir certas habilidades, conceitos e competências no ensino de Geografia. Então, quando oportuna, a metodologia da problematização, pode e deve ser desenvolvida para permitir a identificação do que os estudantes não sabem, o que oportuniza novas situações de aprendizagem. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 A forma como desenvolvemos a metodologia a partir de uma situação-problema pode diferir de várias teorias atuais que tratam o assunto. Contudo, a nosso ver, cabe ao professor renovar, adaptar os procedimentos didáticos que realiza em sala de aula, optar por estratégias diferenciadas, ousar criar um contexto que possa abarcar os conteúdos a serem ensinados de forma significativa para os estudantes, ou seja, a forma como se ensina lhes propicia a oportunidade de aprender. O importante é criar um clima de investigação, de troca de experiências, de construção coletiva. O professor deve realizar a leitura da experiência, valorizar o planejamento da ação, corrigir erros e reconhecer acertos. A prática reflexiva é um dos recursos para isso. Considerações finais O trabalho a partir de situação-problema gera um contexto de aprendizagem cooperativa. Essa metodologia, aplicável ao ensino da Educação Básica e ao Ensino Superior, possibilita nova forma de analisar a Geografia, deixando para trás o ensino memorístico. Oferece ao docente uma alternativa de prática construtiva, propiciando aos alunos o desenvolvimento de habilidades intelectuais, relacionando-as ao desafio de se formar cidadãos que compreendam a dinâmica da vida social atual. A ação cidadã, de caráter local, regional, nacional é indissociável de um mundo em constante transformação. Cabe ao professor mediar o processo de ensino-aprendizagem no cotidiano escolar. Referências: BERBEL, Neusi Aparecia Navas (org.) Metodologia da Problematização: fundamentos e Aplicações. Londrina: Ed. UEL, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GASPARIM, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 3 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. MACEDO, Lino. Situação-Problema: forma e recurso de avaliação, desenvolvimento de competências e aprendizagem escolar. In: PERRENOUD, Phillippe; THURLER, Mônica Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 Gather. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002. MASETTO, Marcos. Didática: a Aula como Centro. São Paulo: FTD, 1994. MERIEU, P. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: Artmed, 1998. ______. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Comunicação, Saúde, Educação, v.2, n.2, Londrina: Ed. UEL, 1998. PONTUSCHKA, Nídia Nacib; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Geografia em perspectiva: ensino e pesquisa. São Paulo: Contexto, 2002. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Cortês/Associados, 1983. VASCONCELLOS, Celso. A Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo: Liberdad, 2000. VEIGA, Ilma Passos A (org.). As dimensões do Processo Didático na Ação Docente. 7 ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003. VESENTINI, José William (org.). O ensino de Geografia no século XXI. Campinas: Papirus, 2004. VLACH, Vânia. Papel do ensino de geografia na compreensão de problemas do mundo atual. Scripta Nova. Revista Electrônica de Geografia y Ciências Sociales. Barcelona: Universidade de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol.XI, num. 245(63). http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24563.htm[ISSN: 1138-9788] Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7