COMPARTIMENTAÇÃO GEOMORFOLÓGICA DO ESTADO DE SÃO PAULO E A FORMAÇÃO DO PLANALTO DE MARÍLIA-SP Santos, Caio Augusto Marques dos. Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, Bolsista CNPq. [email protected]. Nunes, João Osvaldo Rodrigues. Departamento de Geografia da FCT/UNESP, [email protected]. Resumo A compartimentação geomorfológica tem por objetivo individualizar um conjunto de formas semelhantes que tenham sido elaboradas em determinadas condições morfogenéticas ou morfoclimáticas, e que apresentem relações litoestratigráficas ou que tenham sido submetidas a eventos tectodinâmicos. Diretamente ligado a compartimentação geomorfológica está a questão escalar, já que as formas de relevo se originam em tempos, espaços e de tamanhos diferentes. Um dos referenciais para estudo de compartimentação geomorfológica são as unidades taxonômicas. Nesse trabalho utilizam-se os conceitos de Morfoestrutura e Morfoescultura para se fazer a compartimentação do Estado de São Paulo e, dessa forma, analisar a gênese de formação do Planalto de Marília através de aspectos litoestratigráfico, tectodinâmico e morfogenético e morfoclimático envolvidos entre a Bacia Sedimentar do Paraná, Planalto Ocidental Paulista e o próprio Planalto de Marília. 1. Introdução A compartimentação geomorfológica tem por objetivo individualizar um conjunto de formas semelhantes que tenham sido elaboradas em determinadas condições morfogenéticas ou morfoclimáticas, e que apresentem relações litoestratigráficas ou que tenham sido submetidas a eventos tectodinâmicos. Ela evidencia os resultado das relações processuais e respectivas implicações tectônico-estruturais que são registradas ao longo do tempo, considerando as dinâmicas e processos envolvidos na elaboração e constante evolução do modelado, em que as condições climáticas e a litologia tendem a condicionar a origem de formas diferenciadas. Diretamente ligado a compartimentação geomorfológica está a questão escalar, já que as formas de relevo se originam em tempos, espaços e de tamanhos diferentes. Torna-se necessário, portanto, dimensionar a área de estudo e ter claro os fatores genéticos registrados temporalmente, para que sejam definidas as variáveis imprescindíveis à compreensão das formas fisionomicamente semelhantes, em seus tipos de modelados. Um dos referenciais para estudo de compartimentação geomorfológica são as unidades taxonômicas. Nesse trabalho utilizam-se os conceitos de Morfoestrutura e Morfoescultura para se fazer a compartimentação do Estado de São Paulo e, dessa forma, analisar a gênese de formação do Planalto de Marília através de aspectos litoestratigráfico, tectodinâmico e morfogenético e morfoclimático envolvidos entre a Bacia Sedimentar do Paraná, Planalto Ocidental Paulista e o próprio Planalto de Marília. Na macrocompartimentação das morfoestruturas do Brasil, de acordo com ROSS (1996), destacam-se as áreas cratônicas ou plataformas continentais, os cinturões orogenéticos e as bacias sedimentares. No Estado de São Paulo, de acordo com o mapa geomorfológico elaborado por Ross e Moroz (1996:50), os autores, através dos conceitos de morfoestrutura e morfoescultura do relevo, associados aos aspectos morfoclimáticos atuais, apresentam três unidades morfoestruturais: Cinturão Orogênico do Atlântico; Bacia Sedimentar do Paraná; Bacias Sedimentares Cenozóicas e Depressões Tectônicas. Para cada uma das unidades morfoestruturais apareceram várias unidades morfoesculturais (planaltos, depressões e planícies litorâneas e fluviais), que, conseqüentemente, estão associadas a diversas formas de relevo (colinas, morros, escarpas, etc.). O Planalto de Marília, assim, enquadra-se, morfoestruturalmente, na Bacia Sedimentar do Paraná e, morfoesculturalmente, no Planalto Ocidental Paulista (Figura 1). No desenvolvimento do trabalho analisam-se individualmente os compartimentos geomorfológicos, suas gêneses e formação, procurando estabelecer as relações e as influências de cada um para a formação do Planalto de Marília. 2. Bacia Sedimentar do Paraná Analisar a origem e a formação das Bacias Sedimentares e, particularmente, a do Paraná, respalda-se na sua influência para a origem e formação do Planalto Ocidental Paulista e do Planalto Residual de Marília, principalmente no que se refere ao mergulho das camadas e estruturas litológicas. São três as grandes bacias sedimentares em território brasileiro: a Amazônica, do Parnaíba ou Maranhão e do Paraná. Essas bacias formaram-se ao longo do Fanerozóico, ou seja, nos últimos 600 milhões de anos. Essas bacias quando se organizaram, os terrenos do continente sul-americano encontrava-se em posições altimétricas bem mais baixas. As rochas sedimentares dessas bacias foram formadas por depósitos marinhos e continentais. Especificamente, na bacia do Paraná ocorreu um extensivo derrame fissural de lavas vulcânicas, do tipo trapp, que se depositaram sobre camadas sedimentares em planos horizontais e estratificados. Essa atividade vulcânica ocorreu nos períodos Jurássico e Cretáceo, na era Mesozóica, e deu origem a Formação Serra Geral, pertencente ao Grupo São Bento. As bacias sedimentares se formam nas faixas intracratônicas, e o processo de entulhamento foram favorecidos pela subsidência, que gerou compensação isostática. Diante disso, assumem espessuras pronunciadas responsáveis pela subsidência central, podendo chegar aos 6.000 metros, o que permitiu a continuidade da sedimentação. Normalmente, as bacias apresentam características de sinéclises, ou seja, a espessura das camadas cresce da borda para o centro, com mergulhos que acompanham o substrato cristalino, parcialmente atribuído ao próprio processo de subsidência: ligeiramente inclinados na periferia das bacias em direção ao centro e tendência de horizontalização na seção central da mesma. Considerando, sobretudo, o comportamento das camadas e características litológicas dos estratos, contata-se uma evidente diferenciação morfológico-estrutural, generalizada através dos relevos tabuliformes e cuestiformes. A relação existente entre a bacia sedimentar do Paraná com o Planalto de Marília está diretamente ligada com o comportamento das camadas (Figura 2). O relevo tabuliforme que da sustentação e formato a esse planalto possui estratificação que varia de horizontal a sub-horizontal, caracterizando-o como um típico relevo de centro de bacia, onde as camadas geológicas deixam de serem concordantes no plano inclinado, para serem no plano horizontal. Figura 2: Disposição das camadas nas seqüências sedimentares. O próximo tópico trata da relação da bacia do Paraná com a origem e formação do Planalto Ocidental Paulista. 3. Planalto Ocidental Paulista As unidades dos planaltos, ou seja, sua compartimentação foi identificada por ROSS (1990 e 1995) em quatro grandes categorias morfogenéticas: planaltos em bacias sedimentares, planaltos em intrusões e coberturas residuais de plataforma, planaltos em núcleos cristalinos arqueados e planaltos em cinturões orogênicos. A morfoescultura do Planalto Ocidental Paulista, de acordo com ROSS (op. Cit.), enquadra-se na categoria planaltos em bacias sedimentares. Esses são quase inteiramente circundados por depressões periféricas ou marginais. Essas unidades também possuem a característica de apresentar em contato com as depressões, relevos escarpados caracterizados por frente de cuestas. No Estado de São Paulo, aparece uma única frente na borda leste. A epirogenia Cenozóica da Plataforma Sulamericana, que soergueu de modo desigual o continente, induziu novas fases de processos erosivos longos, com alternância de climas secos e úmidos juntamente com a epirogenia. Esses processos tectônicos e climáticos foram os responsáveis pela gênese da unidade morfoescultural do Planalto Ocidental Paulista. O Planalto Ocidental Paulista abrange uma área de 120.000 km2, aproximadamente 50% do Estado de São Paulo, indo desde a província das Cuestas Arenítico – Basálticas, até o limite norte (rio Grande), oeste (rio Paraná) e sul (rio Paranapanema). Para Sudo (1980: 2), o Planalto Ocidental Paulista se desenvolve em uma Superfície de Reverso de Cuesta, onde suas altitudes decrescem de 900 a 1000 metros nos altos da Cuesta, até 250 a 300 metros nas barrancas do rio Paraná. Ele apresenta, litoestruturalmente, através do espesso pacote vulcânico-sedimentar da Bacia do Paraná: [...] a disposição das camadas, com caimento suave para noroeste, e a presença de marcado horizonte de basaltos separando as rochas paleozóicas e mesozóicas inferiores, dos arenitos cretácios pós-basálticos (IPT, 1981 b: 21). Ainda de acordo com IPT (1981), situa-se, essencialmente, sobre rochas do Grupo Bauru, constituído por diversas formações, com predomínio de arenitos e, em algumas regiões cimentadas por carbonato de cálcio. Há afloramentos descontínuos de basaltos nos vales dos principais rios, exceto ao longo do Paranapanema e do Pardo, onde se expõem extensivamente. No trabalho “Os baixos chapadões do oeste paulista”, Ab’Saber (1969:1) caracteriza o Planalto Ocidental Paulista como: [...] uma vasta extensão de chapadões areníticos de vertentes convexas suaves e constitui uma das áreas de relevos tabuliformes de centro-de-bacia, das mais típicas do país. Ross e Moroz (1996) identificam nesse planalto, variações fisionômicas regionais, possibilitando delimitar unidades geomorfológicas distintais, tais como: Planalto Centro Ocidental, Patamares Estruturais de Ribeirão Preto, Planaltos Residuais de Batatais/Franca, Planalto Residual de São Carlos, Planalto Residual de Botucatu e Planalto Residual de Marília. 1.3. Gênese e formação do Planalto de Marília A unidade geomorfológica do Planalto de Marília corresponde, segundo Ross e Moroz (1997), a um prolongamento para oeste do Planalto Residual de Botucatu, desempenhando um vasto planalto de topo aplanado no interflúvio Tietê/Paranapanema delimitado pelo Planalto Centro Ocidental. Ele, de acordo com IPT (1981), corresponde à zona mais heterogênea do Planalto Ocidental Paulista. Distingue-se fisionomicamente na paisagem por dois motivos principais: sua relação com a Bacia Sedimentar do Paraná através do comportamento das camadas, que se dispõem horizontalmente em direção ao seu centro, constituindo, assim, um típico relevo tabuliforme; e pelos longos processos erosivos ativados pela epirogenia Cenozóica, com alternância de climas secos e úmidos em associação com a resistência litológica oferecida. Assim como os demais planaltos diferenciados (IPT, 1981b:70), o de Marília constitui-se como área dispersora de drenagem. Predominam nesta unidade formas de relevo denudacionais cujo modelado apresenta-se na forma de colinas com topos aplanados convexos e tabulares, que se desfazem em escarpas festonadas, conforme caminham para os limites do Planalto de Marília. A dimensão interfluvial média varia de menos de 250m a 750m. As altimetrias que predominam estão entre 500 e 600m e as declividades entre 10 e 20%. Apresenta dissecação média, com vales entalhados e densidade de drenagem variando de média a alta, o que implica um nível de fragilidade que torna a área suceptível a fortes atividades erosivas, sobretudo nas vertentes mais inclinadas. De modo geral, os relevos tabuliformes são caracterizados por camadas sedimentares horizontais ou sub-horizontais e tendem a ocorrer com maior freqüência em direção ao interior das bacias sedimentares. Correspondem a chapadas, chapadões e tabuleiros que lembram a presença de mesa, ou uma extensão de mesa ou tabuleiros mantidos por camadas basálticas ou sedimentos mais resistentes, além de concreções ferralítico. A gênese, formação e constante evolução do Planalto de Marília seguem o modelo esquemático evolutivo de CASSETI (2001) por meio da ação tanto da litologia quanto do clima, em que se procura evidenciar a participação estrutural, através das diferenças litológicas, e esforços tectônicos sob ação de processos morfoclimáticos distintos. Segue-se, portanto, o seguinte esquema: I-) Organização do sistema hidrográfico em fase climática úmida, associada a efeitos epirogenéticos. A orientação do sistema fluvial no Planalto de Marília está orientada em direção a calha do rio Paraná, conforme o mergulho das camadas (Figura 3). Figura 3: Morfologia tabuliforme atual, evidenciando os principais elementos resultantes da evolução das estruturas concordantes horizontais. II-) Devido aos esforços epirogenéticos considerados, há uma tendência de aprofundamento dos talvegues e de elaboração de seus vales. Nessa circunstância, as alternâncias litológicas podem originar patamares estruturais ou formas específicas relacionadas à imposição estrutural (Figura 4). Figura 4: Evolução do entalhamento dos talvegues por imposição tectônica (efeitos epirogenéticos). III-)A tendência de alternância climática, como a passagem do clima úmido para o seco, teria sido responsável pela evolução horizontal do modelado, dada a aceleração do recuo paralelo das vertentes por desagregação mecânica. A abertura dos vales, tendo como nível de base os talvegues abandonados, teria proporcionado entulhamento do próprio nível de base, com tendência de elaboração de pediplano intermontano (Figura 5). Figura 5: Recuo Paralelo das vertentes por desagregação mecânica (clima seco), com conseqüente soerguimento de nível de base. IV-) Uma nova fase climática úmida ensejaria uma nova organização da drenagem. O trabalho comandado pelo sistema hidrográfico enseja a evolução do relevo via erosão regressiva, promovendo ramificações de cursos de primeira ordem, podendo, então, aparecer formas residuais, como os morros-testemunhos (Figura 6). Figura 6: Morfologia tabuliforme atual, evidenciando os principais elementos resultantes da evolução das estruturas concordantes horizontais. Considerações Finais A compartimentação geomorfológica trabalhada através dos conceitos de Morfoestrutura e Morfoescultura, procurou evidenciar as relações e influências existentes entre as gêneses e formações de unidades geomorfológicas de diferentes abrangências espaciais, a partir de aspectos litoestratigráficos, tectodinâmicos e morfogenéticos e morfoclimáticos. O comportamento litoestratigráfico respondeu pela horizontalização das camadas geológicas no centro da bacia sedimentar do Paraná e diferenças nas resistências das rochas. Os aspectos tectônicos responderam, principalmente, pela ativação epirogenética que provocou o início de longos ciclos erosivos. E, por fim, aspectos morfogenéticos e morfoclimáticos estão ligados às gêneses dos compartimentos associadas às formas de relevo deixadas na paisagem pelas sucessivas passagens de clima seco para clima úmido. Assim, apesar de se separar os aspectos litoestratigráfico, tectodinâmico e morfogenético e morfoclimático de acordo com suas principais influências nos compartimentos geomorfológicos, na natureza eles ocorrem simultaneamente. Percebe-se, na gênese, formação e evolução do Planalto de Marília, mais uma das relações antagônicas da natureza: o clima úmido, por meio do entalhamento dos talvegues, responde pela evolução vertical da morfologia, e o clima seco tende a destruir as formas criadas pelo clima úmido, proporcionando a evolução horizontal da morfologia. Observa-se, portanto, que, enquanto no clima úmido as camadas resistentes ficam pronunciadas, no clima seco a desagregação mecânica tende a reduzir as diferenças litoestratigráficas. Referências Bibliográficas AB’SABER, A. N. Os baixos chapadões do Oeste Paulista. Geomorfologia, São Paulo, no 17, p. 18, 1969. CASSETI, V. Elementos de geomorfologia. Goiânia: Editora da UFG, 2001, p. 67 – 71. INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (IPT). Mapa geológico do Estado de São Paulo: 1:500.000. São Paulo: IPT, vol. I, 1981, p. 46-8; 69 (Publicação IPT 1184). ROSS, J. L. S.; MOROZ, I. C. Mapa geomorfológico do Estado de São Paulo. Departamento de Geografia, São Paulo, n.10, p.41-56, 1996. Revista do SANTOS, C.A.M. Formas de relevo da cidade de Marília-SP. Presidente Prudente, 2006 (FCT/Unesp, Monografia).