VISÃO NOS CÃES Quase todos donos de cães, estudantes de veterinária e veterinários já pararam para pensar como os cães enxergam. A questão é muito mais que uma curiosidade intelectual, pois a capacidade visual de um cão afeta diretamente sua habilidade em situações visualmente orientadas como treinamento de obediência, corrida e caça. Atualmente nenhum livro texto de oftalmologia veterinária possui uma informação concisa a respeito do assunto. Em virtude de diversos fatores que envolvem a sensação de visão, a pergunta de quão bem os cães enxergam é na realidade um tanto quanto complicada. O sistema visual canino pode se adaptar as diferentes condições de luminosidade (dia e noite). O limiar luminoso de excitação para, por exemplo, um gato enxergar é de 6 vezes menor que o do homem, ou seja, este necessita de 6 vezes menos luz que o humano para ver (nos cães este limiar parece ser um pouco mais elevado). Tanto o homem quanto os cães utilizam fotorreceptores (células) do tipo bastonetes para a visão na penumbra, mas a parte central do fundo do olho (retina) nos cães consiste predominantemente de 25% de bastonetes. No homem nesta região predomina a presença de células tipo cones que são responsáveis pela visão de dia e de cores. Os bastonetes possuem um pigmento denominado de rodopsina que possui um pico de sensibilidade à luz com comprimento de 506 a 510 nm e como é típico de espécies adaptadas a visão na penumbra, demora mais de 1 hora para sua reposição após uma exposição prolongada a uma fonte de luz forte. A rodopsina nos humanos possui um pico de sensibilidade à luz com comprimento inferior ao dos cães (496 nm) e apresenta uma regeneração mais rápida quando exposto à uma luz forte. Por isso quando olhamos diretamente para o sol este pigmento é todo consumido e ficamos temporariamente cegos. Uma região da retina localizada superiormente chamada de zona tapetal ou “tapetum lucidum” (Foto 1) também aumenta a capacidade dos cães em detectar objetos na penumbra por possuir pigmentos reflexivos (reflexo colorido, fosforescente, observado nos olhos dos cães e gatos á noite ou em fotografias). Provavelmente a reflexão da luz que já passou pela retina estimula uma segunda vez os fotorreceptores, porém tal processo de difusão luminosa pode reduzir a habilidade ocular no processamento de detalhes. Esta região da retina constitui-se de uma estrutura altamente celular (9 a 20 camadas) e é rica em zinco e cisteína. Um estudo sugere que o olho de um felino reflete 130 vezes mais luz do que o do humano (Foto 2). Tal qual o ser humano os cães são muito mais sensíveis para notar objetos que estão se movendo do que parados. Um estudo feito com cães da raça Pastor Alemão mostrou que estes conseguiram reconhecer objetos que se moviam a uma distância de 900 m e o mesmo objeto quando parado a uma distância de apenas 570 m ou menos. Embora não esteja relacionado com a detecção de movimento, o ponto onde várias imagens se fundem em uma só, para dar a sensação de movimento constante é diferente, sendo assim, os cães ao verem um programa de televisão que para nós aparece como uma estória fluída e constante, estes notam como várias imagens sucessivas e rápidas piscando. Quanto ao fato de acomodação visual nos cães pode-se dizer que os objetos situados a uma distância de 33 a 50 cm dos olhos são vistos nitidamente e aqueles mais perto que isto aparecem borrados e fora de foco. Isto pode ser notado quando olhamos os cães de frente e nos aproximamos gradativamente em direção ao seu focinho, a medida que distância diminui (menos de 50 cm) eles têm a tendência de desviar o olhar. Um ser humano normal possui a capacidade de acomodação da visão a uma distância de apenas 7 cm dos olhos. Alguns cães, como o Pastor Alemão e o Rottweiler, têm a tendência de serem míopes, ou seja, tem um melhor foco de visão de perto. O aspecto de visão de cores nos mamíferos domésticos tem sido objeto de muitos estudos conflitantes e recentemente alguns estudos dirigidos demonstraram que tais animais possuem e usam a visão de cores. As células responsáveis pela visão de cores são denominadas de cones e enquanto na espécie humana encontramos três tipos principais (vermelho, verde e azul) os cães apresentam apenas dois (azul e vermelho). A ausência ou não utilização dos cones verdes pelos cães parece confundi-los na diferenciação entre o vermelho e verde (cores de um sinal de trânsito, por exemplo). Adicionalmente, os cães assim como outros animais domésticos possuem a capacidade de diferenciar tonalidades de cinza (relacionadas com uma sombra) que são imperceptíveis ao olho humano. Esta habilidade é muito mais importante na exploração do meio ambiente do que a visão de cores, pois aumenta a discriminação visual dos objetos (ex. durante uma caçada). Enfim, comparativamente ao ser humano o sistema visual canino pode ser considerado inferior quanto ao aspecto de visão de cores, acomodação e acuidade ocular, mas, considerando-se a visão na penumbra, capacidade de fusionar imagens, de diferenciar tonalidades de cinza e ainda a habilidade de detecção de movimento, podemos dizer que o aparelho visual dos cães supera o do humano. Foto 1: Fundo de olho normal de um cão. A área branca central representa o disco ótico e a parte amarela fosforescente representa a zona tapetal. Foto 2: Fundo de olho de um ser humano normal. Nota-se a ausência da área bem reflexiva (zona tapetal) como nos animais. À direita temos o disco ótico e a esquerda (mancha escura) uma região chamada de mácula, importante para a visão detalhada. Autor: Dr. João Alfredo Kleiner MV, MSc Especialista em Oftalmologia Veterinária ACVO Ophthalmology course Wisconsin, Madison – 1998 Website: www.vetweb.com.br