Os direitos humanos como pauta para o jornalismo

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Os direitos humanos como pauta para o jornalismo
Bianca Gomes de Carvalho1
O jornalismo, para além dos meios concretos – como o jornal e a revista
– é um bem abstrato, um instrumento de cunho social que viabiliza a
transformação da sociedade. “Vivemos num mundo falante. O jornalismo é a
linguagem mais eficaz para que essa característica essencial humana seja
efetivada. O jornalismo é uma linguagem que viabiliza o dizer e o saber”
(CHAPARRO, 2015, s/p).
Com a inspiração em razões éticas e em conflitos sociais, o
compromisso do jornalismo com a efetivação dos direitos humanos é certo. No
Brasil, a cidadania é uma garantia constitucional, mas parcialmente cumprida.
O direito à informação, como um direito civil, é pré-requisito para exercer o
direito político – que inclui o direito ao voto e outros que envolvam a
participação do cidadão na esfera pública.
Tendo em vista que o jornalismo serve à sociedade e aos direitos de
quem a compõe, tornar viável o direito civil da informação é uma de suas
funções primordiais. Suprir a carência por informações é trabalhar para
alcançar uma sociedade mais democrática e igualitária.
Penso o jornalismo como uma atividade indispensável no
mundo contemporâneo, como o instrumento que viabiliza o
direito à informação, onde os jornais desempenham a função
de mediadores e os jornalistas, individualmente, de
representantes do leitor, telespectador e ouvinte, como
indivíduos, consumidores e cidadãos (GENTILE, 2005, 142).
1
Aluna do Curso de jornalismo da ESPM-SP ([email protected]).
Numa sociedade plural, com novas perspectivas de colocação social,
como a em que vivemos, a exigência de mais discussões e de maior produção
de notícias sobre os acontecimentos sociais ampliou-se. Nesse ambiente, o
jornalismo e a mídia, de modo geral, tornaram-se fundamentais para a inserção
do indivíduo na sociedade.
Desde o século XX, os direitos humanos, assim como o acesso à
informação, também se evidenciaram como uma demanda social. O marco da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, colocou em pauta a
temática e a cobrança pela efetivação dos seus artigos. Neste sentido, o
jornalismo firmou-se como um agente social que atua na vigilância dos órgãos
governamentais, em prol dos direitos humanos.
Entretanto, se por um lado o jornalismo consolida-se como um agente
social, que atua a favor dos cidadãos, por outro, ele insiste, em alguns
momentos, em compactuar com as ideologias das estruturas sociais vigentes,
como afirma a Teoria Estruturalista.
Muitas dessas ideologias infringem os direitos humanos, privando os
cidadãos de garantias como a liberdade, a igualdade perante a lei, a segurança
social e o direito à educação. Isso se sucede a partir das preferências dadas às
fontes chamadas “definidores primários”. Assim explica Felipe Pena:
As possíveis distorções do noticiário não seriam fruto de uma simples
conspiração dos profissionais da imprensa com os dirigentes da
classe hegemônica, mas, na verdade, uma subordinação às opiniões
das fontes que têm posições institucionalizadas, também chamadas
de definidores primários. (PENA, 2005, 154)
Tendo como suporte a Teoria Estruturalista - também chamada de
Teoria dos Definidores Primários – é possível avaliar se as atuais coberturas
jornalísticas sobre direitos humanos no Brasil rompem com as estruturas
sociais.
Aliado às estruturas sociais
Em determinada instância, o jornalismo compactua com os valores
preconceituosos disseminados pelas estruturas sociais quando, num primeiro
momento ele recorre preferencialmente às fontes oficiais, como órgãos do
governo, menosprezando a relevância do protagonismo humano.
Em decorrência dessas escolhas do jornalista, a pesquisadora alemã
Elisabeth Noelle criou a teoria denominada “Espiral do Silêncio”, presumindo
que dentro da estrutura social há falas que podem desestabilizá-la e, para
tanto, são omitidas, ou seja, silenciadas, e não vinculadas na mídia.
Ao mesmo tempo em que o jornalismo coopera com visões unilaterais,
cuja prevalência é dada aos definidores primários, em muitas das coberturas
sobre direitos humanos ele evita análises em profundidade. Isso decorre de
uma tentativa de permanecer objetivo e técnico, e exclui as possibilidades de
trabalhar com protagonismo humano e com o entendimento do contexto e das
raízes histórias.
Aliado à sociedade
Em outras conjunções, no entanto, o jornalismo age a favor das causas
de direitos humanos, trazendo polifonias que levam em conta tanto os
definidores primários como as outras fontes que compõe a sociedade.
Há trabalhos que exemplificam essa conjunção. A Agência Pública,
agência de reportagem e jornalismo investigativo, traz uma perspectiva mais
aprofundada do jornalismo. Apostando num jornalismo sem fins lucrativos, a
plataforma trás, por meio da produção de reportagens, um trabalho voltado ao
interesse público que trabalha tanto com fontes oficiais como com o
protagonismo humano.
Levar o protagonismo social – as vozes daqueles que compõe a
sociedade - para a narrativa jornalística é questionar o ponto de vista das
estruturas sociais e não adotá-lo como uma verdade absoluta – o que pode
levar a erros e generalizações.
O investimento em reportagens que utilizam do trabalho de campo
trazem mais aprofundamento e diferentes interpretações de um mesmo fato,
enriquecendo o trabalho jornalístico.
O pesquisador ir a campo como um repórter, perceber o que esse
tema que ele quer desenvolver lhe fala a partir da experiência social,
e não a partir do mundo das ideias que está na bibliografia ou nas
correntes teóricas, é uma espécie de impregnação que dá ao trabalho
de pesquisa científica uma descoberta daquilo que é importante para
a sociedade você pesquisar. (MEDINA, 2015, s/p)
Os estudos etnográficos – método antropológico usado na coleta de
dados – contextualizam e amarram uma história a uma circunstância social
(MEDINA, 2015). Eles dão sentido amplo à narrativa, não resumindo uma
história em dados e fontes oficiais.
A professora e jornalista Cremilda Medina construiu, com os alunos da
graduação, em meados dos anos 1970, o projeto São Paulo de Perfil – que
posteriormente constituiu 27 livros. O projeto aborda temas de quem vive na
capital e fez parte da construção de sua história. Todo o trabalho dos alunos
pautou-se, essencialmente, pelo trabalho de campo.
Os direitos humanos, como um tema que trabalha essencialmente com
as relações do homem não devem receber o mesmo tratamento factual de
outras matérias. É necessário, nesse sentido, que haja exploração da vivência,
do que ocorre na realidade, na prática.
Esses procedimentos dão o tom humanizado necessário às narrativas
de direitos humanos e corresponde à essência do trabalho jornalístico que
procura agir eticamente, dar voz aos cidadãos e relatar suas necessidades e
abdicações.
Referências
CHAPARRO, Manoel. Jornalismo como bem público. São Paulo: Conectas,
2015. (Comunicação oral)
GENTILE, V. Democracia de massas: jornalismo e cidadania. EDIPUCRS,
Porto Alegre, 2005.
MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente. São Paulo: Summus, 2003.
_____. A vida não é passível de um manual de redação. Entrevista concedida
às alunas de jornalismo Bianca Gomes e Mariana Yole. São Paulo, 2015.
(Comunicação oral)
MEDITSCH, Eduardo. O jornalismo é uma forma de conhecimento?
Universidade Federal de Santa Catarina, 1997.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
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