O processamento da concordância de número entre sujeito e

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1
Erica dos Santos Rodrigues
O PROCESSAMENTO DA CONCORDÂNCIA
DE NÚMERO ENTRE SUJEITO E VERBO
NA PRODUÇÃO DE SENTENÇAS
(versão apresentada para defesa em 16 de março de 2006)
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras da PUC-Rio como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em Letras.
Orientadora: Profa. Letícia Maria Sicuro Corrêa (PUC-Rio)
Co-orientador: Prof. Jairo Morais Nunes (USP-SP)
2
Para meu filho Henrique,
pelo olhar terno, sempre.
3
Agradecimentos
A Letícia Sicuro Corrêa, minha orientadora, pelo contínuo aprendizado
intelectual, pela dedicação constante, pela amizade e compreensão nos momentos
críticos.
A Jairo Nunes, por ter renovado minha paixão pela sintaxe, pelo estímulo para a
realização do trabalho e pelo tratamento sempre gentil e delicado.
A meu marido, pelo afeto, pela amizade, por ter acreditado mais em mim do que
eu mesma.
Aos meus pais, pelo carinho e pela dedicação sem medidas.
Aos meus professores da PUC, da UFRJ e da UNICAMP, pela certeza de que
estou na profissão certa.
A Cristina, Helena, Tânia, Claudinha, Vanise, Maria do Carmo, Violeta e
Carmelita, por que vocês são o máximo, porque fazer tese é impossível sem
amigos.
A Marina, amizade mais recente, pelas discussões de sintaxe e pela generosidade
de compartilhar seu conhecimento.
A Juanito Avelar e Andrés Saab, pela troca de bibliografia e pelos comentários e
sugestões.
A meu amigo-programador Claver, pela implementação dos experimentos, pelos
papos, pelo exemplo de tranqüilidade.
Aos meus colegas da PUC, da UNICAMP e da UFRJ – Juanito, Ana Paula,
Jéssica, Sílvia, Cínthia, Marcelo, Ricardo, Márcio, Antônio e outros, que eu possa
ter esquecido de mencionar, pelo convívio e pela troca de idéias.
Aos meus colegas de trabalho, pela força na longa jornada.
Às meninas da secretaria, pelo sorriso largo e pela presteza em tudo.
A todo o pessoal do LAPAL, pela ajuda na aplicação dos experimentos e na
caçada a voluntários.
A Michele, pela ajuda com os arremates da tese.
Aos participantes dos experimentos, pelos erros, meu material precioso de
pesquisa.
4
Resumo
Rodrigues, Erica dos Santos; Corrêa, Letícia M. Sicuro. Nunes, Jairo M.
Processamento da concordância de número entre sujeito e verbo na produção
de sentenças. Rio de Janeiro, 2006. XXXp. Tese de Doutorado –
Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O processamento da concordância de número sujeito-verbo na produção de
sentenças por falantes do dialeto culto do português brasileiro é investigado. A
dissertação focaliza os chamados erros de atração e seu principal objetivo é
identificar os fatores que interferem no processamento da concordância e prover
uma explicação psicolingüística que seja compatível com pressupostos do
Programa Minimalista da Lingüística Gerativa. Mais especificamente, busca-se
examinar: i) as condições que favorecem os erros e as propriedades sintáticas que
levam um núcleo interveniente a ser tomado como o controlador da concordância;
ii) a interferência de informação morfofonológica de número dos elementos que
integram os modificadores do DP sujeito; iii) a interferência de informação
semântica de número no estabelecimento da concordância. Ainda como objetivo
específico busca-se distinguir em termos estruturais os DPs responsáveis pelos
erros de atração daqueles que licenciam uma forma singular ou plural do verbo -as chamadas construções partitivas. Aplica-se uma tarefa psicolingüística
envolvendo julgamento de gramaticalidade a fim de investigar diferenças de
processamento da concordância entre as construções partitivas e os DPs
complexos. A relevância dos tópicos investigados se deve ao fato de estes
permitirem uma discussão mais ampla acerca da autonomia do formulador
sintático. Parte-se de vasta revisão da literatura, na qual se reportam interferências
sintáticas, semânticas e morfofonológicas no processamento da concordância em
diferentes línguas. Explicações apresentadas por modelos de produção interativos
e não-interativos são discutidas. Inclui-se ainda uma caracterização da concepção
minimalista de língua, com o tratamento da concordância como processo de
valoração de traços formais, e um modelo de produção de natureza serial, nãointerativo, que incorpora um parser-monitorador funcionando paralelamente à
formulação dos enunciados – modelo PMP (produção monitorada por parser). Em
seguida, reportam-se 5 experimentos com falantes de português. Os resultados
5
indicaram efeito de marcação e de distância linear entre o núcleo do sujeito e o
verbo, com mais erros para núcleo do sujeito não-marcado (singular) e
linearmente distante do verbo, e efeito de posição estrutural do núcleo
interveniente, com maior incidência de erros para os núcleos hierarquicamente
próximos do nó mais alto do DP sujeito e núcleos inseridos em PPs argumentos.
Um efeito semântico de distributividade associado a efeito de marcação também
foi obtido. Quanto a fatores morfofonológicos, a informação de número no
determinante (e não no nome) mostrou-se crucial para a identificação do número
do DP sujeito. É proposta uma versão ampliada e revista do modelo PMP que
unifica explicações para os erros de concordância em termos de uma escala de
acessibilidade da representação do DP sujeito pela memória de trabalho e que leva
em consideração as expectativas do parser como possível fator de interferência
em erros de atração. Essa interferência ocorreria após o parsing do primeiro DP e
afetaria a codificação morfofonológica do verbo. Em suma, a tese aqui veiculada é
a de que os erros de concordância não ocorrem na computação sintática e que o
formulador sintático atua de forma autônoma.
Palavras-chave
Psicolingüística; processamento de sentença; concordância entre sujeito e verbo;
concordância entre sujeito e verbo no português; erros de atração; parser
monitorador; distância linear e hierárquica; efeitos de distributividade; efeitos
morfofonológicos.
6
Abstract
Rodrigues, Erica dos Santos; Corrêa, Letícia M. Sicuro (Advisor); Nunes,
Jairo M. (Co-advisor). Processing of Subject-verb Number Agreement in
Sentence Production. Rio de Janeiro, 2006. XXXp. Phd Dissertation –
Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The processing of subject-verb number agreement in sentence production by
speakers of the standard dialect of the Brazilian Portuguese is investigated. The
dissertation focuses on attraction errors and its main aim is to identify the factors
that interfere in agreement processing and to provide a psycholinguistic account,
which is compatible with assumptions of the Minimalist Program of Generative
Linguistics. This work examines, in particular: i) the conditions that favor
attraction errors and the syntactic properties which make an intervenient head to
be considered as the agreement controller; ii) the role of morphophonological
information on number provided by the DP subject modifiers; iii) the interference
of conceptual number in agreement. Additionally, the work intends to distinguish,
in structural terms, the DPs responsible for attraction errors from those DPs that
allow a singular and a plural form of the verb – the so-called partitive
constructions. A psycholinguistic procedure of grammaticality judgment is
conducted in order to verify agreement processing differences between partitive
constructions and complex DPS. The relevance of these topics is due to the fact
that they enable a more comprehensive discussion on the autonomy of the
syntactic formulator in language production. An extensive review of the existing
literature was carried out and results are reported, concerning the interference
from syntactic, semantic and morphophonological factors on agreement
processing in different languages. Explanations provided by interactive and noninteractive models are discussed in this work. The minimalist conception of
language is presented according to which agreement is described as a feature
valuation process and a serial non-interactive production model is characterized,
which incorporates a monitoring-parser that works in parallel with speech
formulation – PMP model (parser monitored production).
A total of 5
experiments with Portuguese speakers are reported. The results show an effect of
markedness and linear distance between the subject and the verb, with more
7
errors caused by non-marked (singular) subject heads that are linearly distant from
the verb, and an effect of the structural position of the intervenient head, with a
large number of errors for intervenient heads that are near to the upper phrasal
marker of the DP and for heads which are inserted in PP arguments. A semantic
effect of distributivity associated with an effect of markedness was also obtained.
As far as morphphonological factors, number information of the determiner (and
not of the noun) has shown to be critical to subject number identification. A
revised and improved version of the PMP model is proposed that unifies possible
explanations for agreement in terms of on an accessibility scale of the DP subject
representation in the working memory and that takes into account parser
predictions as a possible factor of interference in attraction errors. This
interference would occur after the parsing of the DP and would affect the
morphophonological encoding of the verb. In sum, the main argument of the
thesis is that agreement errors do not occur in the syntactic computation and that
the syntactic formulator works autonomously.
Keywords
Psycholinguistics; Sentence Processing; Sentence Production; Subject-verb
agreement; Subject-verb agreement in Portuguese; Attraction Errors; Monitoring
Parser; Linear and hierarchical distance; Distributivity effects;
Morphophonological effects.
8
SUMÁRIO
1 Introdução
15
2 Arquitetura do sistema de produção e o processamento da
concordância: a autonomia do formulador sintático em modelos
interativos e não-interativos
20
3 Articulação entre teoria lingüística e psicolingüística no estudo do
processamento da concordância
26
3.1 Arquitetura do sistema lingüístico e a derivação sintática da
sentença no Minimalismo
27
3.2 Formulação sintática e derivação sintática
31
4 A investigação de erros de produção no estudo do processamento
da concordância sujeito-verbo
37
4.1 Tipos de erros e fatores atuantes no processamento da
concordância
38
4.1.1 Fatores semânticos
4.1.1.1 Distributividade
4.1.1.2 Coletivos, bipartidos e pluralia tantum
4.1.2 Fatores sintáticos
4.1.2.1 Distância linear
38
38
43
49
50
4.1.2.1.1 Distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo
50
4.1.2.1.2 Distância linear do núcleo interveniente em relação ao
verbo
53
4.1.2.2 Distância hierárquica
60
4.1.2.3 Status argumental do sintagma modificador
64
4.1.2.3.1Resolução de ambigüidades estruturais e o papel de
informação relativa à estrutura argumental de nomes e verbos
65
4.1.2.3.2 Diferenças estruturais entre argumentos e adjuntos e
questões de acessibilidade no processamento
77
4.1.2.3.3 Erros de atração e o papel do status argumental de PPs
modificadores
79
4.1.3 Fatores morfofonológicos
82
9
5 Distinguindo casos de concordância licenciados pela gramática da
língua de falhas de processamento: uma análise da concordância
“facultativa” com construções partitivas
88
5.1 Análise lingüística
5.1.1 Concordância “ad sensum”
distributiva
89
89
e
leitura de grupo vs. leitura
5.1.2 Estrutura das partitivas e dupla possibilidade de concordância
97
5.1.2.1 Análise proposta
5.1.2.2 A dupla possibilidade de concordância
5.2 Experimento psicolingüístico de julgamento de gramaticalidade
contrastando construções partitivas x DPs complexos
106
116
120
6 Modelos interativos e não-interativos diante dos erros de atração
127
6.1 Modelos interativos
6.2 Modelos não-interativos
127
128
131
7. Modelo PMP – modelo de produção monitorada por parser
7.1 Propriedades do modelo
132
7.1.1 Incrementalidade moderada
132
7.1.2 Computação automática da concordância como processo de
valoração de traços
135
7.1.3 Monitoração concomitante à produção por parte de um parser
136
7.2 Procedimentos implementados pelo parser monitorador e
explicação dos erros de atração
137
8. Experimentos de produção induzida de erros
140
8.1 Questões metodológicas no estudo da produção da linguagem e
a tarefa de indução de erros
141
8.2 Experimentos
143
8.2.1 Experimento 1 – distância linear sujeito-verbo e tipo de
modificador
8.2.2 Experimento 2 – posição linear vs. posição hierárquica do
núcleo interveniente e marcação morfofonológica
143
148
10
8.2.3 Experimento 3 – status argumental do PP modificador
8.2.4 Experimento 4 – distributividade e marcação morfofonológica
8.2.5 Experimento 5 – distributividade
154
158
163
9 Modelo de produção PMP revisto e ampliado
167
9.1 Erros de atração e escala de acessibilidade das representações
geradas pelo parser
167
9.2 Modelo PMP e Programa Minimalista: considerações acerca de
um tratamento unificado para a computação sintática da
concordância
173
10 Síntese e considerações finais
176
11 Referências bibliográficas
184
12 Apêndice
198
11
Lista de figuras
Figura 1: Arquitetura do sistema de produção da linguagem e
monitoração da fala.
21
Figura 2: Concordância como operação de cópia de traços
(Vigliocco, Butterworth & Garrett, 1996).
23
Figura 3: Concordância como operação de unificação de
traços (Vigliocco, Butterworth & Garrett, 1996).
24
Figura 4: Computação da concordância através da operação
Agree.
30
Figura 5: Esquema de percolação ascendente do traço de
número do núcleo interveniente para o nó mais alto do
sujeito.
60
Figura 6: Esquema de percolação ascendente do traço de
número de núcleos intervenientes inseridos em PPs e em
orações
61
Figura 7: Operações de Number Marking e Number Morphing
no processamento da concordância sujeito-verbo (adaptado
de Bock et al., 2001)
129
Figura 8: Modelo PMP de processamento da concordância
na produção de sentenças
139
Figura 9: Modelo PMP revisto e ampliado (explicação 2)
171
Figura 10 : Modelo PMP revisto e ampliado (explicação 3)
172
12
Lista de gráficos
Gráfico 1: Médias de respostas SIM em função do tipo de DP
sujeito
123
Gráfico 2: Médias de respostas SIM em função do número do
verbo
124
Gráfico 3: Médias de respostas SIM em função do tipo de DP
sujeito e do número do verbo
124
Gráfico 4: Médias de erros de concordância em função do tipo de
modificador e da distância entre o núcleo do sujeito e o verbo
146
Gráfico 5: Médias de erros de concordância em função do número
de N1 e do número de N2
152
Gráfico 6: Médias de erros de concordância em função do status
argumental do PP modificador
156
Gráfico 7: Médias de erros de concordância em função do número
do DP do nome local
161
Gráfico 8: Médias de erros de concordância em função do tipo
de expressão lingüística do DP distributivo
162
Gráfico 9: Médias de erros de concordância em função da
distributividade do DP sujeito
164
Gráfico 10: Médias de erros de repetição do DP sujeito
165
13
Lista de tabelas
Tabela 1:Média de erros de concordância por condição
experimental
146
Tabela 2: Média de erros de concordância em função de Número
de N1 e Número de N2
151
Tabela 3: Média de erros de concordância em função do status
argumental do PP que contém o núcleo interveniente
156
Tabela 4: Média de erros de concordância em função do número
do DP do nome local
160
Tabela 5: Média de erros de concordância em função
do tipo de expressão lingüística de distributividade
161
Tabela 6: Média de erros de concordância em função da
distributividade do DP sujeito
164
Tabela 7: Média de erros de repetição do preâmbulo
em função da distributividade do DP sujeito
165
14
É preciso começar o desenho
para saber o que se quer desenhar.
Pablo Picasso
15
1 Introdução
A presente tese tem como tema o processamento da concordância de
número entre sujeito e verbo na produção de sentenças e está vinculada ao Projeto
Explorando
relações
de
interface
língua-sistemas
de
desempenho
no
processamento da concordância e na aquisição da linguagem normal e desviante
(CNPq), em desenvolvimento pelo Grupo de Pesquisa em Processamento e
Aquisição da Linguagem, no LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e
Aquisição da Linguagem), da PUC-Rio.
O estudo da concordância no âmbito da pesquisa realizada em
Psicolingüística é de particular relevância, pois permite a discussão de questões
centrais acerca do processamento humano da linguagem, em especial, permite
investigar como diferentes fontes de informação são recuperadas e mantidas na
memória durante a produção da linguagem, como se dá o fluxo dessas
informações ao longo do processamento e em que medida o formulador sintático
atua de forma autônoma em relação aos demais componentes da arquitetura do
sistema de produção.
A pesquisa sobre a concordância é também de grande interesse para o
estabelecimento de uma articulação entre Psicolingüística e teoria lingüística,
nomeadamente no que diz respeito ao trabalho que vem sendo desenvolvido
dentro do quadro teórico do Programa Minimalista (Chomsky 1995, 1998, 1999,
2001). A caracterização de como se dá o estabelecimento da concordância durante
a produção de sentenças poderá contribuir para uma melhor explicitação de como
os sistemas de desempenho interagem com o sistema computacional da
linguagem, do tipo de restrição que esses sistemas impõem às operações
realizadas pelo sistema computacional, da relação entre derivação sintática num
modelo formal de língua e o processo de formulação de sentenças em tempo real,
entre outros aspectos.
O estudo da produção da linguagem enfrenta, não obstante, dificuldades de
ordem metodológica, não sendo simples o controle do input que dá origem à
produção bem como a obtenção de medidas confiáveis acerca das variáveis
manipuladas. Nesse cenário, o emprego de técnicas que envolvem a produção
induzida de erros se apresenta como uma alternativa importante em termos
experimentais. A idéia por trás dessas técnicas é que o “erro” funcionaria como
16
uma espécie de janela para se investigar o funcionamento interno do sistema de
produção, permitindo, no caso da pesquisa sobre a concordância, a formulação de
hipóteses acerca da autonomia do formulador sintático.
Cumpre notar que nesse tipo de investigação, “erro” não é entendido como
um desvio da norma culta, examinado sob uma perspectiva prescritivista. Trata-se
de um lapso, uma falha de processamento, que ocorre com relativa freqüência na
língua, sendo por vezes prontamente corrigido pelo falante. O tipo de erro
analisado no estudo da concordância é o “erro de atração”, o qual se caracteriza
pela concordância do verbo com um núcleo nominal interveniente entre aquele e o
núcleo do sujeito, como se observa em (1).
(1) A análise dos resultados experimentais indicaram um efeito principal
de número do núcleo interveniente no processamento da concordância.
É importante distinguir erros de atração de casos como o ilustrado em (2),
em que tanto a concordância canônica quanto a concordância com um núcleo
interveniente são consideradas gramaticais pelos falantes da língua.
(2) A maioria dos erros ocorreu/ocorreram após preâmbulos em que havia
incongruência de número entre o núcleo do sujeito e o núcleo interveniente.
Um modelo de produção que procure explicitar o tipo de conhecimento
lingüístico empregado na computação das relações de concordância e como o
sistema opera ao colocar esse conhecimento em uso precisa prover uma
explicação diferenciada para (1) e (2), o que só se torna possível com a
incorporação de um modelo de língua que caracterize a informação de natureza
lingüística que é acessível aos sistemas de desempenho.
O objetivo geral da tese é, pois, investigar o processamento da
concordância de número entre sujeito e verbo por falantes do dialeto culto do
português brasileiro, a fim de elucidar a natureza dos erros de concordância que
ocorrem na produção de sentenças e o momento do processo de produção em que
tais erros teriam origem. Procura-se distinguir esses erros dos chamados casos de
concordância facultativa, em que o verbo concorda com um termo do modificador
do sujeito, resultando numa estrutura licenciada pela gramática da língua. Nessa
17
investigação, busca-se uma articulação entre um modelo de língua, mais
especificamente, aquele desenvolvido dentro do quadro teórico do Programa
Minimalista, e um modelo de processamento voltado para a produção da
linguagem. Assume-se como hipótese de trabalho a idéia que o formulador
sintático funciona de forma autônoma, isto é, não está sujeito à interferência de
informação diferente daquela que pode ser codificada como traços formais em um
modelo de língua.
Em termos mais específicos, a pesquisa apresenta os seguintes objetivos:
¾ Examinar a interferência de fatores pertinentes à sintaxe e sua expressão
no processamento da concordância, em particular no que diz respeito à
organização linear dos constituintes da sentença, à estrutura hierárquica do
DP1 sujeito e à natureza argumental do modificador do sujeito;
¾ Verificar a interferência de fatores morfofonológicos no processamento da
concordância, em especial o papel da informação de número codificada
nos núcleos nominais do DP sujeito;
¾ Avaliar o papel de informação semântica/conceitual de número do sujeito
no estabelecimento da concordância verbal, em particular nos casos em
que se observa uma não correspondência entre número conceitual e
número gramatical, como nos sujeitos envolvendo substantivos coletivos e
sintagmas com leitura distributiva.
1
DP é a abreviatura para Determiner Phrase (sintagma determinante), termo introduzido na
literatura lingüística por Abney (1987) para fazer referência a estruturas que teriam um
determinante como núcleo e um NP como complemento. A partir de semelhanças observadas entre
estruturas nominais e verbais, como as estruturas de genitivo em inglês, Abney propôs que o
determinante seria um núcleo funcional com propriedades semelhantes a I (Inflection) e que o NP
seria o complemento desse núcleo D. Note-se, contudo, que o termo DP não é em geral empregado
na literatura psicolingüística e as estruturas nominais são identificadas apenas como NPs. Nesta
tese, utiliza-se NP quando este foi o termo adotado na literatura e mantêm-se inalteradas as
representações nas quais as estruturas nominais foram analisadas como NPs. Nos demais casos,
emprega-se DP, visto que o tratamento de alguns fenômenos relativos ao processamento da
concordância parece requerer uma estrutura mais ampla do que o NP. Além disso, este é o termo
correntemente utilizado em trabalhos desenvolvidos no âmbito da Teoria Gerativa, com a qual se
busca uma aproximação na presente tese.
18
¾ Prover uma análise lingüística para a concordância do verbo com sujeitos
formados por expressões partitivas (A maioria de, Uma parte de), a fim de
diferenciar esse tipo de sujeito de outros estruturalmente semelhantes em
que apenas a concordância canônica com o verbo é admitida.
¾ Detalhar e avaliar o modelo de processamento da concordância de número
entre sujeito-verbo, proposto por Rodrigues & Corrêa (2004)/Corrêa e
Rodrigues (2005)2, procurando verificar se o referido modelo dá conta dos
resultados experimentais em português e se consegue explicar diferenças
entre línguas.
Cumpre destacar, ainda, a relevância do presente trabalho do ponto de vista
didático. Como se sabe, a concordância é um dos tópicos do ensino de gramática
que mais estigmatiza aqueles que não dominam a norma culta. Qualquer tipo de
desvio do que está prescrito nos compêndios gramaticais é imediatamente tratado
como erro, sem uma problematização dos fatores que podem estar levando à
produção de uma determinada forma. Aspectos ligados à variação lingüística e a
aspectos relacionados a processamento são confundidos, impedindo muitas vezes
que o professor identifique a fonte de dificuldades enfrentadas pelos alunos.
Acredita-se, portanto, que uma caracterização dos fatores processuais que podem
interferir no estabelecimento da concordância venha a contribuir para uma
conscientização do professor quanto a aspectos da língua que independem do
dialeto falado pelo aluno.
O trabalho está organizado da seguinte maneira. No segundo capítulo,
apresenta-se como a arquitetura do sistema de produção da linguagem vem sendo
caracterizada em modelos interativos e não-interativos, com particular ênfase à
questão da autonomia do formulador sintático.
No terceiro capítulo, são tecidas considerações acerca de uma possível
aproximação entre Psicolingüística e os desenvolvimentos recentes da teoria
lingüística Gerativista, nomeadamente o Programa Minimalista. Apresenta-se em
linhas gerais a arquitetura do sistema lingüístico nessa perspectiva teórica e
2
O trabalho apresentado em Rodrigues & Corrêa (2004) baseia-se no modelo desenvolvido em
Corrêa & Rodrigues (2005), a partir da idéia de acessibilidade a representações derivadas do
parsing no discurso (Corrêa 1993, 2000).
19
examinam-se pontos de compatibilidade e incompatibilidade entre derivação
sintática em um modelo formal de língua e derivação on-line de uma sentença.
O capítulo 4 é uma ampla revisão da literatura referente à pesquisa sobre
erros de concordância, em que são apresentados resultados experimentais acerca
da interferência de fatores semânticos, sintáticos e morfofonológicos no
processamento da concordância.
No capítulo 5, busca-se prover uma análise lingüística para as construções
partitivas em português. A dupla possibilidade de concordância verbal que essas
construções licenciam é explicada em termos de representações estruturais
distintas a elas subjacentes. Ao final do capítulo, reportam-se os resultados de um
experimento
psicolingüístico
envolvendo
um
teste
de
julgamento
de
gramaticalidade, no qual se buscou verificar como os falantes avaliam a
concordância singular e plural em sentenças com construções partitivas e com
DPs complexos.
No capítulo 6, são retomados os resultados experimentais reportados na
resenha da literatura e comenta-se como modelos interativos e não interativos do
processamento da concordância explicam os erros de concordância.
Um modelo de produção monitorada por parser – modelo PMP (Rodrigues
& Corrêa, 2004; Corrêa & Rodrigues, 2005) é apresentado no capítulo 7. São
detalhadas as propriedades desse modelo e seu modo de funcionamento,
procurando diferenciá-lo dos modelos de produção existentes.
O capítulo 8 reúne cinco experimentos de produção induzida de erros, os
quais têm como objetivo investigar a interferência de fatores sintáticos,
morfofonológicos e semânticos no processamento da concordância no português.
No capítulo 9, uma versão revista e ampliada do modelo PMP é proposta,
tendo em vista os resultados dos experimentos. Essa versão busca explicar os
erros em termos de uma escala de acessibilidade, na memória de trabalho, da
representação do sujeito gerada pelo parser-monitorador. Ao final são tecidas
algumas considerações acerca da possibilidade de um tratamento unificado da
computação sintática da concordância e do processamento da concordância.
O último capítulo apresenta uma síntese da tese, em que se retoma a
hipótese de trabalho e são apontados desdobramentos futuros para a pesquisa
realizada.
20
2 Arquitetura do sistema de produção e o processamento da
concordância: a autonomia do formulador sintático em modelos
interativos e não-interativos
A produção da linguagem é concebida, na maior parte dos modelos de
produção, como uma atividade complexa que envolve processamento de
informação em diferentes níveis ou estágios (cf. Fromkin, 1971, 1973; Garrett
1975, 1980, 1988; Levelt, 1989; Bock & Levelt, 1994). Considera-se que a
produção teria início com a conceptualização da mensagem que se deseja
transmitir. Seguir-se-ia a esta etapa um processo de busca de elementos do léxico,
os quais portariam traços semânticos compatíveis com os conceitos envolvidos na
mensagem assim como com aspectos pertinentes à adequação de registro e a
outros fatores de ordem pragmática. O acesso lexical envolveria também a
recuperação de informação léxico-sintática do lema3, um tipo de representação
específica que agregaria informação gramatical acerca de um dado item lexical.
De posse dessas representações, um formulador conduziria a codificação
gramatical da sentença. Nessa fase de codificação gramatical, ocorreria a
organização hierárquica da sentença e ordenação dos constituintes de acordo com
ordem linear dos constituintes na língua. A essa fase seguir-se-ia a etapa de
codificação morfofonológica da informação proveniente do componente sintático
e a codificação fonológica, que possibilitaria a articulação da sentença.
É compatível com esses modelos a idéia de um parser monitorador, nos
moldes do que propõe Levelt (1989). De acordo com Levelt, o falante usaria o
próprio sistema de compreensão para monitorar os enunciados à medida que estes
fossem sendo produzidos. O autor propõe que o parser teria acesso tanto às
representações fonéticas pré-articulatórias, decorrentes do processo de codificação
fonológica da sentença, quanto à fala já articulada. A vantagem dessa proposta é
que não são necessários recursos adicionais de monitoramento para a detecção de
erros: o falante, por ser ouvinte de sua própria fala, também seria capaz de
3
O termo lema, introduzido por Kempen & Hoenkamp (1987; porém já citado em Kempen &
Huijbers, 1983), foi empregado originalmente para fazer referência à palavra como uma entidade
semântico-sintática em oposição ao conceito de lexema, usado para designar os traços fonológicos
da palavra (cf. Levelt, 1989). Com os desenvolvimentos da teoria de acesso lexical, o termo
ganhou um uso mais restrito, passando a designar apenas a informação sintática acerca de uma
dada palavra. Segundo Corrêa (2005ª; submetido, as propriedades que definem os lemas podem ser
relacionadas a traços formais do Léxico de um modelo formal de língua enquanto que as
propriedades que definem lexemas podem ser relacionadas com traços fonológicos.
21
verificar falhas em sua produção (cf. Postma, 2000). A seguir apresenta-se uma
representação esquemática do processo de produção em modelos seriais.
Conceptualizador
Geração da mensagem
Esquemas discursivos;
conhecimento
enciclopédico,
pragmático etc.
Acesso lexical
Codificaç
Codificação gramatical
Traços semânticos
Lema
Codificação (morfo)fonológica
Lexema
Sistema
de
compreensão
Plano fonético
Articulação
Audição
Fig. 1: Arquitetura do sistema de produção da linguagem e monitoração da fala.
Adaptação da representação de Levelt (1989) para o processamento de informações pelo falante.
As caixas representam componentes de processamento e o círculo representa conhecimento
armazenado.
Modelos interativos x não interativos e o processamento da concordância
Uma questão acerca da qual os modelos de produção de sentenças
divergem diz respeito a como se dá o fluxo de informação ao longo do
processamento, mais especificamente, se poderia haver ou não interação entre
informações de natureza distinta num dado estágio do processamento.
Dependendo da resposta dada a essa questão, os modelos podem ser definidos
como não-interativos ou interativos (cf. Vigliocco & Harstuiker, 2002).
Modelos não-interativos, como o caracterizado na seção anterior,
apresentam, em geral, uma visão serial e unidirecional da produção da linguagem,
em que não há possibilidade de interação entre os níveis de processamento
(feedforward models). O input de um nível para o outro é mínimo, isto é, apenas
informação relevante e necessária é encaminhada de um estágio para outro.
Os modelos interativos, por sua vez, assumem uma concepção interativa do
processamento com possibilidade de convergência de informações de fontes
22
distintas ao longo do processo de formulação de sentenças (Dell, 1986;
Stemberger, 1985). Sob esse rótulo, agrupam-se desde modelos de orientação
probabilística, baseados em satisfação de restrições, originalmente desenvolvidos
no âmbito do estudo da compreensão (cf. Haskell & MacDonald, 2003), até
modelos alinhados com a idéia de níveis de processamento (Vigliocco &
Hartsuiker, 2002). No caso dos modelos interativos de níveis, considera-se a
possibilidade de retro-alimentação de informações provenientes de um dado nível
no nível anterior (feedbackward models).
Tanto em modelos seriais não-interativos quanto em modelos interativos
de níveis, a concordância é computada no estágio de codificação gramatical. Nos
modelos não-interativos, o formulador sintático estabelece a concordância
exclusivamente com base em informação de natureza léxico-sintática, não
havendo
interferência
de
fatores
semânticos
ou
morfofonológicos
no
processamento. Já nos modelos interativos de níveis, considera-se que a
concordância, a despeito de ser um processo sintático, poderia mobilizar
informação de natureza não-sintática. Nesse caso, o formulador sintático não
atuaria de forma autônoma, encapsulada.
Quanto aos mecanismos sintáticos de implementação da concordância
entre sujeito-verbo, duas alternativas são consideradas na literatura voltada à
investigação de erros de atração: um mecanismo de cópia de traços (Kempen &
Hoenkamp, 1987) e um mecanismo de unificação de traços (Kempen & Vosse,
1989; De Smedt, 1990).4
No mecanismo de cópia de traços (Kempen & Hoenkamp, 1987), uma
fonte ou controlador transmite seus traços sintáticos (por exemplo, traços de
pessoa, número, gênero) a um alvo. No caso da concordância sujeito-verbo,
assume-se que o sujeito é o elemento controlador e que o verbo herda informação
de número e pessoa do sujeito. Os valores dos traços de número e pessoa do
sujeito são especificados a partir de um mapeamento de informação de natureza
conceptual (no nível da mensagem) para uma representação léxico-gramatical. A
transferência dos traços de número-pessoa do sujeito para o verbo se dá através da
aplicação sucessiva de operações de cópia.
4
Pode-se estabelecer uma certa correspondência entre os mecanismos de cópia e de unificação de
traços e os procedimentos de valoração (Chomsky, 1999) e de checagem de traços (Chomsky,
1995), propostos no âmbito do Programa Minimalista. O tratamento da concordância no
Minimalismo será apresentado no capítulo 3.
23
Representação
conceitual
S
[-pl]
Número é
recuperado
V
NPx [-pl]
NP1
Lemas
det
PP
N1[-pl]
P
NP2 [+pl]
det
The
[-pl]
baby[-pl]
on
N2
[+pl]
the blankets
[+pl]
is crying
Fig. 2: Concordância como operação de cópia de traços (Vigliocco, Butterworth &
Garrett, 1996).5
No mecanismo de unificação de traços (Schieber, 1986; De Smedt, 1990;
Kempen & Vosse, 1989), os elementos envolvidos na relação de concordância
apresentam informação relativa a número já especificada. Esses elementos
funcionam como ‘parceiros’ de mesmo status no estabelecimento da concordância
de número. Nessa proposta, o valor do número tanto do sujeito quanto do verbo é
resultante de informação proveniente de representações conceituais. O modelo,
contudo, é mais complexo do que o de cópia na medida em que se faz necessário
um procedimento para garantir que os elementos envolvidos na concordância
terminem com um mesmo valor. O procedimento proposto precisa ser capaz de
examinar compatibilidades, verificar a interseção dos valores e realizar a
unificação dos traços de ambos os nós. Veja-se, a seguir, figura ilustrativa do
funcionamento desse processo:
5
Na representação da concordância como um processo de cópia de traços, Vigliocco, Butterworth
& Garrett (1996) assumem o modelo de gramática procedural incremental (Incremental
Procedural Grammar), desenvolvido por Kempen & Hoemkamp (1987), no contexto de teorias
computacionais de processamento de linguagem natural. Nesse modelo de gramática, os nós
categoriais não seriam “elementos estruturais passivos”, mas “procedimentos ativos”, responsáveis
pela construção de um tipo de constituinte sintático. Como em qualquer linguagem de
programação, é permitida aos procedimentos sintáticos a chamada de subprocedimentos, dando
origem a uma hierarquia de procedimentos representada em uma árvore sintática. Os nós terminais
são procedimentos lexicais que não evocam nenhum subprocedimento. Os números subscritos
servem para distinguir várias instanciações de um mesmo procedimento sintático na hierarquia.
24
Representação
conceitual
S
[Pessoa:3, no: -pl] U
[Pessoa:3, no: -pl]
Número é
recuperado
NPx [-pl]
NP1
Lemas
det
V [-pl]
PP
N1[-pl]
P
NP2 [+pl]
det
The
baby[-pl]
on
N2 [+pl]
the blankets [+pl] is crying
Fig.3: Concordância como operação de unificação de traços (Vigliocco, Butterworth
& Garrett, 1996).
É importante notar que os mecanismos de cópia e de unificação de traços
adotados nos modelos de produção para caracterizar a concordância integram
modelos computacionais de gramática voltados à geração de linguagem natural.
Embora alguns desses modelos busquem atingir um certo grau de plausibilidade
lingüística e psicológica (cf. Kempen & Hoenkamp, 1987), eles não estão
preocupados com questões de aprendibilidade e tampouco levam em conta
limitações próprias de um processador humano ao processamento lingüístico de
sentenças.6 Enquanto nos modelos psicolingüísticos, a questão da precisão e da
rapidez de como o sistema de produção opera são fundamentais, nos modelos
computacionais, a facilidade de implementação do sistema e de gerenciamento das
tarefas é crucial. Assim, embora seja possível uma aproximação entre modelos
6
“[...] Humans and computers are subject to different constraints, in particular with respect to
attention span, memory size, and processing speed. There are also differences concerning the
granularity of processes, the communication cost between processors, etc. With respect to
representation, computer systems are often made efficient and manageable by a homogeneity at a
high level (the representation formalism), whereas humans probably depend on homogeneity at a
much lower level (the neuron). […]” De Smedt, Horacek & Zock (1996, p.2).
25
psicolingüísticos e modelos computacionais, visto que ambos buscam caracterizar
os procedimentos que permitem a geração de sentenças e os tipos de
representação utilizados, é preciso ter em mente as diferenças quanto aos critérios
que orientam a construção desses modelos.
Em relação a essa questão dos critérios, tem se revelado como promissora
uma aproximação entre modelos de processamento e o modelo de língua
desenvolvido no Programa Minimalista da teoria lingüística gerativista (Chomsky,
1995; 1998, 1999; 2001). Isso porque nessa proposta o que orienta a organização
da arquitetura do sistema lingüístico não são apenas critérios de adequação
descritiva e explanatória, mas também critérios de economia e de naturalidade
conceptual, relativos a como o sistema da língua interage com os demais sistemas
cognitivos. No próximo capítulo, será apresentado, em linhas gerais, o modelo de
língua proposto no Minimalismo e serão discutidas as compatibilidades entre a
derivação sintática de uma sentença no Minimalismo e o processo de formulação
em tempo real de uma sentença.
26
3 Articulação entre teoria lingüística e psicolingüística no
estudo do processamento da concordância
O programa de pesquisa gerativista em sua mais recente etapa – o Programa
Minimalista – assume uma perspectiva galileana no estudo da linguagem.
Partindo da concepção de que a natureza é perfeita e simples, Chomsky propõe
como seu projeto de investigação determinar se o próprio objeto da Lingüística, a
linguagem humana, apresenta uma arquitetura perfeita. Segundo Negrão (2004), a
adoção dessa perspectiva instaura uma nova ótica nos estudos da sintaxe, que está
associada à compreensão do que se entende pelo adjetivo “perfeito”. Como
observa a autora, “perfeito” é um adjetivo relacional, que exige a explicitação de
seu termo de comparação. No Programa Minimalista, entende-se por arquitetura
perfeita aquela capaz de prover as informações necessárias para os demais
componentes da mente humana, externos à faculdade da linguagem. Reproduz-se
a seguir citação de Chomsky 2002:
“A faculdade da linguagem tem que interagir com esses sistemas, senão ela não tem
finalidade. Então podemos perguntar: ela é bem projetada para a interação com
esses sistemas? Assim se obtém um conjunto de condições diferentes. E, de fato, a
única condição que emerge claramente é a de que, dado que a linguagem é
essencialmente um sistema de informação, a informação que ela armazena precisa
estar acessível a esses sistemas, essa é a única condição. Pode-se perguntar, então,
se a linguagem foi bem projetada para satisfazer essa condição de acessibilidade
pelos sistemas nos quais ela se encaixa.”7
(Chomsky 2002, traduzido em Negrão 2004)
A noção de acessibilidade do sistema lingüístico pelos sistemas de
desempenho, do ponto de vista da pesquisa em Psicolingüística, instaura a
possibilidade de uma retomada de diálogo com a teoria gerativista.8
7
“The language faculty has to interact with those systems, otherwise it’s not usable at all. So, we
may ask: is it well designed for the interaction with those systems? Then you get a different set of
conditions. And in fact the only condition that emerges clearly is that, given that the language is
essentially an information system, the information it stores must be accessible to those systems,
that’s the only condition. We can ask whether language is well designed to meet the condition of
accessibility to the systems in which it is embedded.” (Chomsky 2002, p.108)
8
A história da Psicolingüística é marcada por momentos de aproximação e de distanciamento em
relação à Teoria Lingüística Gerativista (cf. Corrêa 2002; 2005a; submetido). O primeiro
momento, de aproximação, ocorreu na década de 60, com a Teoria da Complexidade
Computacional (Derivational Theory of Complexity (Miller & McKean, 1964), em que se buscou
estabelecer uma correspondência entre demandas de processamento e operações transformacionais
necessárias à derivação de uma sentença. Diante da inadequação empírica dessa Teoria, instaurou-
27
Na caracterização das operações mentais envolvidas nos processos de
produção e compreensão de enunciados, os modelos de processamento lingüístico
devem levar em conta as propriedades atribuídas à língua internalizada pelo
falante. Daí a necessidade de os trabalhos em Psicolingüística incorporarem uma
teoria lingüística que tenha como objetivo prover um modelo formal do
conhecimento lingüístico que o falante tem de sua língua (cf. Corrêa, 2002; no
prelo a). Nesse sentido, o Programa Minimalista representa um avanço para a
aproximação entre as duas áreas, dado que as operações realizadas pelo
componente computacional devem sempre resultar em estruturas legíveis pelos
sistemas de desempenho. A medida, pois, de avaliação da teoria passa a ser de
certo modo externa, no sentido que o sistema computacional deve responder a
restrições impostas pelos sistemas de desempenho.
3.1 Arquitetura do sistema lingüístico e a derivação sintática da
sentença no Minimalismo
No modelo de língua proposto no Minimalismo, a Faculdade da Linguagem
compreende o sistema cognitivo da língua e os demais sistemas cognitivos com os
quais este faz interface.9 O sistema cognitivo da língua envolve um léxico e um
sistema computacional, que é o mecanismo responsável pela construção de
objetos sintáticos a partir de um arranjo de itens lexicais selecionados do léxico e
reunidos em uma Numeração. Na arquitetura proposta, os únicos níveis de
representação são aqueles que fazem interface com os demais sistemas cognitivos:
a Forma Lógica, que faz interface com o chamado sistema conceptual-intencional,
e a Forma Fonética, que faz interface com o chamado sistema perceptualarticulatório.
se um período de distanciamento. Nesse segundo momento, a Psicolingüística deixou der ser uma
área de teste para a Lingüística e se voltou para questões específicas de processamento, como
acesso lexical Levelt (1983), procedimentos de parsing (Kimball, 1973; Frazier & Fodor, 1978;
Wanner & Maratsos, 1978; Marcus, 1980) e decodificação do sinal acústico (Mehler, 1981). A
Teoria Gerativa, por seu turno, passou a ocupar-se de questões ligadas à adequação explanatória e
o caráter cada vez mais abstrato do modelo passou a dificultar a formalização da relação entre
gramática e processador. Um terceiro momento surge na década de 90, com o Programa
Minimalista, que passa a considerar, em seu modelo de língua, restrições impostas pelas interfaces
da língua com os sistemas de desempenho. Nesse cenário, a discussão acerca da relação
processador lingüístico-gramática pode ser retomada e novos direcionamentos de pesquisa podem
ser concebidos.
9
Hauser, Chomsky & Fitch (2002) referem-se ao sistema computacional em si como FLN
(Faculty of Language in the narrow sense) e ao conjunto deste com os demais sistemas cognitivos
como FLB (Faculty of Language in the broad sense).
28
Um princípio que orienta o funcionamento do sistema computacional é o
Princípio da Interpretabilidade Plena (Full Interpretation). De acordo com esse
princípio, só pode chegar aos níveis de interface informação passível de ser lida
pelos sistemas que interagem com a língua nesses níveis; cabe ao sistema
computacional da língua, portanto, eliminar informação não-interpretável nas
interfaces. A interpretabilidade constitui uma propriedade de traços do léxico.
Cada item lexical é um conjunto de traços semânticos, fonológicos e formais.
Traços semânticos seriam interpretáveis na interface semântica e traços
fonológicos seriam interpretáveis na interface fonética. Quanto aos traços formais,
estes são aqueles relevantes para as operações do sistema computacional (ex.:
gênero, número, pessoa, caso, etc) e podem ser interpretáveis ou não em FormaLógica. Duas possibilidades de pareamento de traços interpretáveis e nãointerpretáveis são consideradas no Programa Minimalista: através de um
mecanismo de checagem de traços (Chomsky, 1995) e através de um mecanismo
de valoração de traços (Chomsky, 1998, 1999). Na checagem, assume-se que
todos os itens entrariam na derivação sintática com o valor de seus traços já
especificado e no curso da computação sintática os traços não-interpretáveis
seriam pareados aos interpretáveis, seus valores seriam checados e os nãointerpretáveis seriam eliminados. Na valoração, os traços não-interpretáveis são
valorados no curso da computação sintática, também a partir do pareamento com
traços interpretáveis de mesma dimensão. O ponto de envio das informações para
as interfaces Forma Lógica e Forma Fonética é chamado de Spell-Out. A operação
que serve para concatenar objetos sintáticos é a operação Merge, a qual é
implementada sem qualquer custo computacional, e a operação que permite
deslocar objetos para posições mais altas na estrutura sintática (ex. interrogativas)
é a operação Move, esta com custo computacional.
No que tange especificamente à questão da concordância sujeito-verbo,
pode-se dizer que uma mudança importante ocorre no Minimalismo: a
concordância passa a ser concebida como uma relação entre constituintes
sintáticos, numa ruptura à visão assumida desde Polock (1989), em que a
concordância era tratada em termos de uma projeção funcional AGR (agreement)
para onde o verbo se movia a fim de receber marcas flexionais10. Essa mudança é
10
Polock (1989) propõe a cisão da categoria funcional IP (inflectional phrase) em duas categorias
funcionais: TP (tense phrase) e AgrP (agreement phrase). Cada uma dessas categorias ocupa uma
29
determinada por restrições de legibilidade, pois a presença de marcas de
concordância careceria de correlato semântico nas línguas.
Em Chomsky (1995), a concordância sujeito-verbo é explicada em termos
de checagem de traços, numa posição estrutural de especificador-núcleo. O verbo
inicialmente se move de sua posição de origem (núcleo de VP) para uma posição
mais alta na estrutura, no caso TP, a fim de checar seus traços de tempo. TP, por
sua vez, precisa de um elemento de uma dada categoria (com um traço D) em seu
especificador, o que deflagra o movimento do sujeito para essa posição. T tem
então seu traço D checado e apagado e o sujeito tem seu traço de caso checado por
T. É nessa configuração de especificador-núcleo que se dá a checagem dos traços
interpretáveis do sujeito com os traços não-interpretáveis do verbo.
Em Chomsky (1999), que assume a idéia de valoração, a concordância
entre sujeito-verbo é implementada via uma operação sintática chamada Agree,
que permite o pareamento de traços de mesma dimensão entre uma sonda (probe)
e um alvo (goal), numa configuração de c-comando. Quando a sonda e o alvo se
combinam, os traços φ não-interpretáveis da sonda são valorados. O traço de caso
do alvo é definido como reflexo dessa operação. No caso da concordância entre
sujeito e verbo, o núcleo T da categoria TP é a sonda (probe), com traços φ nãointerpretáveis que precisam ser valorados. Essa sonda procura um alvo (goal) e
encontra o sujeito com traços φ interpretáveis, o que permite que a valoração se
efetue: Agree valora os traços não-interpretáveis de T e o traço de caso do sujeito
passa a ser nominativo. Concomitantemente à atuação de Agree, ocorre o
movimento do sujeito para a posição de especificador de T, em função de um
traço EPP (extended projection principle). O verbo se move para T e lá recebe
informação de tempo e número/pessoa.
posição específica na estrutura sintática e há longos debates acerca de qual das categorias
dominaria a outra –se TP dominaria AgrP, como propõe Polock ou se AgrP dominaria TP, como
propõe Belletti (1990), para as línguas românicas. A especificação de informação relativa a
número/pessoa e tempo do verbo nesse momento da teoria é resultante de um movimento do verbo
de sua projeção máxima para os núcleos Agr e T. O sujeito, por sua vez, nasce em uma posição
interna ao VP, na posição de especificador, onde recebe papel temático do verbo. O caso do
sujeito, no entanto, não pode ser atribuído nessa posição, visto que o verbo só atribui caso a seu
complemento. O sujeito então se move para projeções acima de VP a fim de receber caso. A
concordância, portanto, não é relacional, pois ela não é resultante de um pareamento de
informação de número/pessoa do sujeito e do verbo, estabelecida numa dada configuração
sintática.
30
CP
C’
C
TP
T’
T
Tempo
3µPess.
S µ Num
EPP
vP
DP
v’
3ª pessoa
Sing.
µCaso
VP
V
DP
Fig. 4: Computação da concordância através da operação Agree. Ponto da derivação
em que a sonda T tem seus traço não-interpretáveis de número e pessoa valorados pelos traços
interpretáveis de mesma dimensão do alvo, o DP em especificador de vP.
Um aspecto importante em relação à geração de sentenças no Minimalismo
é que esta se faz por aplicações sucessivas de operações computacionais que
devem exaurir uma numeração. Isto é, assume-se uma abordagem derivacional da
geração de sentenças. A derivação estará completa quando todos os itens da
numeração forem utilizados. Isso se torna ainda mais dinâmico no modelo de
1999, em que é adotada a noção de fase. A idéia é que a derivação procederia por
blocos, definidos por sub-arranjos de itens lexicais disponibilizados na
Numeração. Passa-se a assumir que haveria múltiplos Spell-Outs durante a
derivação sintática, o que permitiria que os níveis de interface fossem alimentados
dinamicamente.
Cumpre ainda chamar a atenção para o pressuposto de que a sintaxe opera
apenas com traços formais da língua. Traços fonológicos não são levados em
conta pelas operações do sistema computacional. Isso é compatível com a idéia de
que informação fonológica só seria inserida após a sintaxe.11 Conforme nota
11
A noção de inserção tardia de traços fonológicos já aparece indicada em Chomsky (1995, nota
10, p.381): “Indications of syllabic and intonational structure are not contained in lexical items.
Nor is a good part of the output phonetic matrix: input and output are commonly quite different.
Under the Distributed Morphology theory of Halle and Marantz (1993) and Marantz (1994),
31
Augusto (no prelo) a idéia de inserção tardia defendida pela Morfologia
Distribuída (Halle & Marantz, 1993; Harley e Noyer, 1999) aplica-se bem ao
modelo de 1999, em que traços não-interpretáveis entram na derivação sem valor
definido. A idéia é que informação de natureza fonológica seria inserida após
Spell-Out, através de Itens de Vocabulário, que seriam o conjunto de sinais
fonológicos disponíveis em uma dada língua para a expressão de morfemas
abstratos. A sintaxe estabeleceria uma relação entre o fragmento fonológico e uma
posição sintática determinada. Assim, segundo Augusto, pode-se incorporar ao
modelo de 1999 um componente morfológico flexional situado entre Spell-Out e
PF.
3.2 Formulação sintática e derivação sintática
Vimos na seção anterior que o sistema computacional das línguas
humanas, embora faça interface com o sistema conceptual-intencional e com o
sistema fonético-articulatório, não sofre interferência de informação proveniente
desses sistemas cognitivos no curso da derivação de uma sentença; logo, um
tratamento da concordância que busque integrar teoria lingüística e processamento
deve assumir uma perspectiva modular do processo de produção de sentenças,
com um formulador sintático que atue de forma autônoma. Os modelos de
produção não-interativos parecem ser, em princípio, compatíveis com o modelo
de língua assumido no Minimalismo. A seguir, considera-se essa possibilidade de
compatibilização no que diz respeito ao processo de formulação de sentenças e,
em particular, ao processamento da concordância.
De acordo com modelos não-interativos que assumem uma arquitetura
semelhante à de Levelt (1989), o processo de formulação sintática de um
enunciado, em um modelo de produção, tem início com a concepção da
mensagem, a que se segue a busca de representações lexicais com propriedades
semânticas que possam servir para expressar as idéias pretendidas. No
Minimalismo, a derivação sintática de uma sentença tem como ponto de partida
uma dada Numeração (ou sub-arranjos de uma Numeração), a qual reúne os itens
lexicais selecionados do Léxico.
phonological features do not appear at all in the NÆλ computation, words being distinguished
(say, dog vs. cat) only within the phonological computation”.
32
A concepção de item lexical como um conjunto de traços semânticos,
formais e fonológicos é compatível com o tratamento dado aos itens lexicais em
teorias de acesso lexical, que consideram a existência de três estratos lexicais: um
estrato conceitual, que reuniria conceitos lexicais associados a uma dada palavra;
um estrato dos lemas, em que estaria representada informação acerca de
propriedades gramaticais dos itens lexicais, e um estrato da forma, que teria
informação relativa a morfemas e segmentos fonêmicos, os quais constituem o
lexema de um item lexical (cf. Levelt et al., 1989).
Outro ponto de compatibilidade é a idéia de que existem dois tipos de traços
formais (interpretáveis e não-interpretáveis) e que um deles só tem seu valor
definido a partir de operações que ocorrem em um componente sintático.
Conforme visto na seção 2, em Chomsky (1999) considera-se que os traços nãointerpretáveis, isto é, aqueles que apresentam uma função sintática pura, são
valorados no curso da derivação sintática e eliminados antes de chegarem à Forma
Lógica. Na proposta de Levelt et al. (1999), os lemas apresentam parâmetros
diacríticos que precisam ser definidos. Alguns desses diacríticos têm seu valor
estabelecido com base em informação proveniente de uma representação
conceitual, como é o caso do traço de tempo expresso no verbo. Outros, por sua
vez, são valorados durante a etapa de codificação gramatical, como o traço de
número do verbo, o qual assume o mesmo valor do traço de número do sujeito.
Em relação às etapas envolvidas no processo de codificação gramatical, é
possível tentar caracterizá-las em termos das operações implementadas pelo
sistema computacional da língua, que busca construir objetos sintáticos a partir de
itens selecionados do léxico. A definição de Spell-Out como um ponto de envio de
informação para os níveis de interface também parece ser compatível com a idéia
de que, na produção de sentenças, o resultado da codificação gramatical é
encaminhado para a codificação morfofonológica a fim de poder ser
posteriormente articulado.
Esse nível da codificação morfofonológica nos
modelos de produção encontra um paralelo em um componente morfológico (ou
morfofonológico), que estaria situado entre Spell-Out e PF no modelo de
valoração de Chomsky (1999), o qual, conforme visto, é compatível com a idéia
de inserção tardia de Itens de Vocabulário, nos moldes propostos pela Morfologia
Distribuída. Esse componente morfológico lidaria com morfemas abstratos,
resultantes de operações do sistema computacional, aos quais se associaria
33
conteúdo fonológico. Os Itens de Vocabulário seriam o conjunto de sinais
fonológicos disponíveis em uma dada língua para a expressão desses morfemas
abstratos. Nos modelos de produção, os chamados lexemas, recuperados do léxico
no momento da codificação morfofonológica, podem ser tomados como
elementos equivalentes aos Itens de Vocabulário. O quadro a seguir, reproduzido
de Corrêa (submetido), permite visualizar as correspondências entre etapas
envolvidas na produção e na derivação de sentenças:
Produção
1
Intenção de fala / conceptualização de uma
mensagem
2
Acesso a elementos de categorias
funcionais e a elementos de categorias
lexicais no Léxico Mental correspondentes
a uma unidade de processamento
3
Manutenção
de
representações
correspondentes ao lema dos elementos
recuperados do léxico
4
Formulação
sintática
incremental
(montagem de uma estrutura hierárquica)
5
Linearização
(posicionamento
dos
constituintes
hierarquicamente
relacionados)
6
Recuperação de lexemas e codificação
morfofonológica
7
8
Planejamento articulatório
Realização da fala
Derivação
Constituição da Numeração a partir de
elementos recuperados do léxico (matrizes
constituídas por traços semânticos, fonológicos
e formais)
Numeração constituída – apenas os traços
formais são relevantes para a derivação
Computação sintática (em fases)
Computação com operação de movimento
Spell out (via sintática da bifurcação)
Derivação que resulta em PF (via componente
fonológico, os traços fonológicos passam a ser
relevantes)
Interface FP (com correspondente LF)
Outro aspecto que aproxima o modelo de língua dos modelos de produção é
a abordagem derivacional e a idéia de fases. No Minimalismo, adota-se uma
abordagem derivacional de geração de frases, de acordo com a qual a sentença é o
resultado de aplicações sucessivas de operações computacionais. No modelo de
valoração, considera-se também que existem pontos de envio de informação para
a Forma Fonética e que o material enviado corresponde ao que integraria uma
dada fase computacional. Esse funcionamento do sistema computacional é
compatível com a idéia de que a estrutura sintática da sentença vai sendo
construída de modo incremental (ou moderadamente incremental) e com idéia de
que haveria unidades de processamento mantidas em uma memória de trabalho.
Uma fase equivale no modelo de língua a um domínio estrutural, em que relações
temáticas seriam estabelecidas – o vP , ou a um domínio estrutural em que
relações proposicionais são consideradas - o CP. Em que medida cada um desses
34
blocos corresponde a uma unidade de processamento é um ponto de investigação
que vem sendo considerado tanto no desenvolvimento de alguns modelos
psicolingüísticos que tratam de forma integrada a produção e a compreensão de
sentenças (cf. Corrêa & Augusto, 2005) como também em modelos
computacionais de parsing, que assumem uma computação sintática com sondas
(probes) e alvos (goals), como no modelo de valoração de traços do Minimalismo
(cf. Fong, 2004).
Ainda quanto ao modo como transcorre uma dada derivação sintática, um
aspecto a ser considerado é a direção em que se dá a montagem da estrutura
sintática. No modelo proposto em Chomsky (95, 98, 99), a derivação sintática é
bottom-up e a adição de novo material é feita no topo da árvore sintática. Assim,
numa frase como Paulo comeu o bolo, primeiro há a formação do DP o bolo, que
é concatenado ao verbo comer na posição de argumento interno desse verbo;
depois disso, Paulo é concatenado ao conjunto comeu o bolo, em uma posição à
esquerda desse sintagma.12 No entanto, quando se considera o processo tanto de
produção quanto de compreensão de sentenças,
verifica-se um outro
direcionamento: as sentenças são formuladas e compreendidas da esquerda para a
direita, de modo incremental.
Phillips (1996) apresenta uma possível solução para esse ponto. Inserido em
uma perspectiva gerativista de análise lingüística, Phillips busca especificar um
sistema unificado para gramática e processamento e propõe que a gramática é um
sistema de construção de estrutura que opera de modo incremental, da esquerda
para a direita. Apresenta como evidências para sua proposta o exame de testes de
constituência em inglês, incluindo movimento, elipse, coordenação, escopo e
ligação. O autor parte da constatação de que os resultados de testes de
constituência são muitas vezes conflitantes e mostra que a solução para o
problema de constituência está em propriedades de construção de estrutura de
modo incremental. Com a idéia de derivação da esquerda para a direita, Phillips
aproxima o modo de funcionamento da gramática do processador, unificando-os
em um único sistema. O problema dessa abordagem é que, ao se assumir uma
integração
gramática/processador,
erros
de
concordância
precisam
ser
relacionados a falhas no componente sintático da língua, e torna-se difícil
12
Note-se que apresentamos uma versão simplificada da composição da sentença Paulo comeu o
bolo. Numa análise detalhada, seria necessário considerar projeções funcionais como TP e vP.
35
explicar, mantendo-se a idéia de sintaxe autônoma, a interferência de fatores
semânticos e morfofonológicos.
Um caminho alternativo para se discutir a relação gramática/processador é
apontado por Corrêa (2005 a; submetido). Segundo a autora não se pode afirmar
que gramática e processador são um sistema único, dado que a derivação envolve
operações de movimento que não encontram correspondente em tempo real (estas
seriam indicativas de processos bem iniciais da aquisição da linguagem quando
parâmetros de ordem são fixados). A gramática seria uma entidade virtual,
correspondente à capacidade computacional da língua, que teria como operação
básica a concordância. Concordância, nesse sentido, tomada de forma genérica
(Corrêa, 2005 b) assumindo Adger (2003), seria a operação que permitiria o
pareamento de traços formais interpretáveis com seus homólogos não
interpretáveis, de modo a atender o Princípio da Interpretabilidade Plena (Full
Interpretation), o qual garante que expressões lingüísticas possam ser faladas e
analisadas. Essa distinção parece bastante relevante, pois permite dar conta da
produção e da compreensão e separar as operações do sistema computacional das
ações do parser e do formulador, as quais têm propriedades específicas.13 Quanto
aos erros de concordância, estes não ocorreriam durante a codificação gramatical,
isto é, quando se dá propriamente a computação da concordância, mas sim seriam
pré ou pós-sintáticos, mantendo-se, dessa forma, a autonomia do formulador
sintático na produção de sentenças.
Fong (2004) implementa computacionalmente um modelo de parsing que
estaria dentro do “espírito” de Corrêa (2005 a; submetido) no que tange à relação
entre gramática e processador. O autor assume uma perspectiva de parsing
incremental, da esquerda para a direita, o que é compatível com o modo como as
sentenças vão sendo percebidas, e assume que o parser, no processo de análise da
estrutura sintática, valoraria traços formais dos itens lexicais a partir da operação
Agree, que atuaria entre uma sonda e um alvo em uma dada configuração
estrutural. A gramática não é o parser, visto que este possui um modo de
funcionamento próprio, com mecanismos de armazenamento e recuperação de
informação necessária à computação sintática da sentença. Além disso,
diferentemente do que se assume para uma derivação sintática no Minimalismo,
13
Para uma visão detalhada da proposta de Corrêa, ver também Corrêa & Augusto (2005) e
Corrêa (2005 a; submetido).
36
Fong propõe que a derivação é top-down, lançando mão para isso de
representações de estruturas sintáticas elementares (conforme proposto no
contexto das Tree Adjoining-Grammars14), que seriam ativadas no parsing. Logo,
embora operações gramaticais implementadas pelo parser possam ser
caracterizadas conforme vem sendo proposto no modelo de Chomsky (1999), não
há uma identidade entre gramática e processador.
No modelo de produção que será apresentado no capítulo 7 essa separação
entre gramática e processador é assumida. Será visto como a computação sintática
da concordância, passível de ser caracterizada em termos de valoração de traços
formais, é implementada em um modelo de produção que incorpora um parsermonitorador.
14
Tree Adjoining-Grammar (TAG) é uma meta-linguagem formal que permite expressar
generalizações sintáticas. Definida por Joshi e colegas (1975; 1985), é freqüentemente utilizada
em Lingüística Computacional. A unidade sintática primitiva das TAGs são árvores elementares
que consistem de um núcleo lexical e do(s) argumento(s) que o núcleo licencia. Estas árvores
podem se combinar a outras por meio de operações específicas (chamadas substituição e
adjunção), o que permite representar a estrutura das sentenças. Segundo Ferreira (1999),as TAGs
instanciam análises sintáticas em uma dada notação formal, sendo, pois, possível empregar esse
formalismo para diferentes abordagens teóricas – Minimalismo (Chomsky, 1995); Gramática
Léxico-Funcional (Bresnan, 1982), etc.
37
4 A investigação de erros de produção no estudo do
processamento da concordância sujeito-verbo
Grande parte das pesquisas sobre produção da linguagem desde o trabalho
seminal de Garrett (1975, 1980) tem se baseado no estudo de erros ou lapsos de
fala/escrita A análise da natureza desses erros bem como das unidades afetadas
tem permitido o desenvolvimento de modelos de produção da linguagem, em que
são caracterizadas as unidades de processamento e as etapas envolvidas no
processo de formulação de sentenças.
Erros de atração no estabelecimento da concordância sujeito-verbo vêm
sendo amplamente reportados na literatura em diferentes línguas, tanto no que se
refere à produção oral (Bock & Miller, 1991; Bock & Cutting, 1992; Bock &
Eberhard, 1993; Vigliocco & Nicol, 1998; Franck, Vigliocco & Nicol, 2002, entre
outros), quanto no que diz respeito à produção escrita (Fayol et al. 1994). O
estudo desses erros tem permitido a formulação de hipóteses acerca de como as
relações de concordância são processadas, quais os fatores atuantes no
processamento e em que momento do processo de formulação de sentenças a
concordância é computada.
Nesta seção, serão apresentados resultados experimentais acerca dos fatores
que interferem no processamento da concordância. Como será visto em detalhes
no capítulo 8, a tarefa empregada nos estudos sobre concordância é de produção
induzida de erros e consiste na produção de uma frase com verbo flexionado que
tem como sujeito um preâmbulo, o qual é apresentado por via oral ou escrita. A
tarefa do participante é repetir oralmente o preâmbulo e completar a frase com um
verbo. Os preâmbulos são sempre constituídos de um elemento nominal, que
funciona como núcleo do sujeito, seguido de um núcleo nominal interveniente,
também chamado de nome local, que aparece em um sintagma modificador do
sujeito (ex.: O rótulo das garrafas).
Nesses experimentos, o total de erros
produzido por condição experimental é tomado como variável dependente15 e
manipulam-se fatores de natureza semântica, sintática e morfofonológica.
15
Variável dependente é a variável observada em um experimento ou estudo cujas mudanças são
determinadas pela presença ou intensidade de uma ou mais variáveis independentes (i.e. variáveis
manipuladas no experimento).
38
4.1 Tipos de erros e fatores atuantes no processamento da
concordância
4.1.1 Fatores semânticos
Os trabalhos que se voltam para a investigação de fatores semânticos no
processamento da concordância, em particular para a interferência de uma
representação semântica de número, tomam como variáveis independentes16 a
distributividade do DP sujeito e o número conceitual dos núcleos nominais do
sujeito. No primeiro caso, busca-se verificar se informação acerca da referência,
expressa pelo sujeito, pode interferir no processamento da concordância; no
segundo caso, avalia-se em que medida uma situação de incongruência entre
número conceitual e número gramatical de um dos termos do sujeito pode
favorecer a ocorrência de erros de atração. A seguir, apresentam-se,
separadamente, os resultados obtidos nessas duas frentes.
4.1.1.1 Distributividade
Um primeiro trabalho a investigar um possível efeito de distributividade no
estabelecimento da concordância verbo-sujeito foi realizado por Bock & Miller
(1991), com falantes de inglês. No experimento, os pesquisadores solicitavam aos
participantes que repetissem um fragmento de sentença (preâmbulo), apresentado
auditivamente e, em seguida, que completassem a sentença. Entre as variáveis
independentes, manipulou-se a distributividade do DP sujeito – se este fazia
referência a uma instância única de um dado referente (single token): the bridge
to the islands (a ponte para as ilhas), ou se permitia a referência a várias instâncias
(multiple token): the picture on the postcards (a figura nos cartões-postais).
Não se verificou diferença significativa na distribuição de erros entre os dois
tipos de preâmbulos considerados, em nenhuma das condições. Os dois tipos de
preâmbulos apresentaram um comportamento bastante semelhante, tendo se
observado, em ambos os casos, apenas um efeito de incongruência de número
entre o núcleo do sujeito e o nome local, com predomínio de erros nas condições
núcleo do sujeito singular/nome local plural.
16
Variável independente é a variável manipulada em um experimento ou estudo cuja presença ou
intensidade determina a mudança na variável observada, a variável dependente.
39
Vigliocco, Butterworth & Semenza (1995) identificaram um efeito de
distributividade do DP sujeito para o italiano, em experimentos de produção
induzida de erros envolvendo língua falada e língua escrita. O experimento de
língua falada empregava exatamente a mesma técnica adotada por Bock & Miller
(1991); o de língua escrita consistia na apresentação, por escrito, na tela de um
computador, de um adjetivo seguido de um preâmbulo. A tarefa do sujeito era
repetir o preâmbulo e produzir oralmente uma frase empregando o adjetivo que
havia aparecido na tela. Foi manipulado o número do adjetivo, de modo a que ora
houvesse congruência, ora incongruência em relação ao número do núcleo do
sujeito. No caso de incongruência, os sujeitos deveriam alterar a forma do adjetivo
para obter a concordância correta. Essa segunda técnica foi criada com o intuito
de tentar induzir mais erros de concordância, uma vez que nos experimentos
anteriores a magnitude do efeito de distributividade havia sido pequena.
A análise de variância, por meio de ANOVA17, revelou um efeito
principal18 tanto do número do adjetivo quanto de distributividade, com mais erros
quando o núcleo do sujeito apresentava uma interpretação preferencial de multiple
token, isto é, uma referência a várias entidades. Houve também uma interação
significativa19 entre as duas variáveis, o que significa que a presença de um
adjetivo com número incongruente em relação ao núcleo do sujeito aumentou a
probabilidade de erro.
Os autores atribuíram o efeito de distributividade obtido em italiano ao fato
de esta ser uma língua de morfologia rica, com possibilidade de sujeito pós-verbal
e também com possibilidade de sujeitos nulos. A hipótese considerada foi que,
como nessa língua nem sempre informação gramatical acerca do número do
sujeito estaria prontamente acessível (visto ser possível uma oração sem sujeito
explícito e a ocorrência de sujeito após o verbo), o número do verbo seria
17
ANOVA é um método estatístico para comparação simultânea entre duas ou mais médias; um
método estatístico que gera valores que podem ser testados de forma a determinar se existe uma
relação de significância entre as variáveis.
18
Efeito principal: efeito da variável investigada, considerado independentemente da interação
com qualquer outro fator examinado.
19
Efeito de interação: efeito do cruzamento de duas ou mais variáveis independentes de modo a se
verificar se a direção das médias em cada condição, definida pela manipulação de cada variável, é
diferente em função desse cruzamento.
40
especificado com base em informação conceptual, proveniente do nível em que a
mensagem é concebida. Apenas num momento posterior, a concordância sintática
entre o sujeito e o verbo seria computada. Note-se que, nessa proposta, a
concordância é vista como uma operação de unificação da informação relativa a
número presente no sujeito e no verbo. O efeito semântico seria, pois,
determinado por uma interferência de número conceitual proveniente do nível da
mensagem na computação da concordância.
Vigliocco, Butterworth & Garrett (1996) também obtiveram um efeito de
distributividade no estabelecimento da concordância em dois experimentos com
falantes de espanhol, o que foi considerado como mais uma evidência de que
fatores estruturais seriam responsáveis pelas diferenças entre as línguas
examinadas.
Com o intuito de verificar se realmente tais fatores poderiam explicar o
comportamento distinto do espanhol e do italiano em relação ao inglês, Vigliocco
et al. (1996) conduziram uma série de experimentos com francês e holandês,
línguas que, em termos de suas propriedades estruturais, apresentam semelhanças
com o inglês, por um lado, e com o espanhol/italiano, por outro. Em holandês, não
é possível omitir o sujeito, mas este pode ocorrer em posição pós-verbal e as
formas verbais são sempre marcadas para número. No francês, não é possível
omitir o sujeito e não há ocorrência de sujeito em posição pós-verbal. Quanto à
morfologia verbal do francês, a despeito de distinções relativas a pessoa e número
só serem explicitadas na língua escrita, os autores consideraram que nesse aspecto
o francês se aproximaria mais do espanhol e do italiano. A tabela a seguir,
reproduzida de Vigliocco et al. (1996), permite visualizar melhor as diferenças
estruturais entre as línguas examinadas, segundo análise dos autores.
Italiano
Espanhol
Holandês
Francês
Inglês
Sujeito nulo
Sujeito pós-verbal
+
+
-
+
+
+
-
Morfologia
verbal rica
+
+
+
+
-
Com base nas características estruturais de cada língua, as previsões foram
as seguintes: caso a possibilidade de sujeito nulo fosse o fator crucial para
explicar as diferenças obtidas, o francês e o holandês deveriam se comportar como
41
o inglês; caso a possibilidade de posposição do sujeito fosse o fator mais
relevante, o francês deveria se comportar como o inglês, e o holandês como o
espanhol e o italiano; por outro lado, se a riqueza da morfologia verbal fosse o
fator determinante das diferenças, tanto o holandês quanto o francês deveriam
apresentar comportamento semelhante ao do italiano e do espanhol e distinto
daquele do inglês.
Houve efeito de distributividade nos experimentos conduzidos tanto em
holandês quanto em francês, resultado compatível apenas com a hipótese da
riqueza da morfologia verbal. Difícil é, no entanto, relacionar esse efeito
semântico ao fato de o verbo trazer marcas explícitas de distinções de número e
pessoa. Segundo Vigliocco et al. (1996), como em inglês a morfologia verbal
limita-se a uma distinção entre uma forma marcada (3ª pessoa do singular) e as
outras formas, pode-se dizer que na maior parte das vezes ela não porta qualquer
informação acerca do número de participantes existentes no cenário descrito pela
sentença. Já nas outras línguas analisadas, a morfologia verbal seria altamente
informativa, o que é interpretado como indicativo de que a informação de número
do verbo é definida diretamente do nível da mensagem. Nessas línguas, portanto,
o efeito de distributividade seria decorrente de uma incongruência entre
informação gramatical de número do sujeito e informação de número no verbo.
Em inglês, o efeito de distributividade não induziria erros de concordância porque
a informação de número do verbo seria herdada diretamente do sujeito da
sentença.
Experimentos posteriores realizados por Eberhard (1999) revelaram,
contudo, um efeito de distributividade também para o inglês. Segundo a autora,
esse efeito não havia sido observado antes em função do tipo de preâmbulo
utilizado por Bock & Miller (1991). Os referentes expressos pelos preâmbulos
eram pouco concretos, difíceis de serem ativados ou recuperados da memória, o
que possivelmente reduziu a acessibilidade do número conceitual dos sintagmas.
Para avaliar essa hipótese, Eberhard procurou ampliar o grau de concretude
dos preâmbulos. Para garantir que os sintagmas receberiam a interpretação
esperada (single token ou multiple token), foram apresentados, juntamente com os
sintagmas, figuras dos referentes. Por exemplo, para o preâmbulo The picture on
the postcard, era projetada, um segundo antes da apresentação auditiva do estímulo, a
imagem de dois cartões-postais com a imagem de um mesmo navio.
42
Os resultados indicaram que mais erros de concordância no plural foram
produzidos nas condições com sintagmas distributivos do que naquelas de
referente único. Nenhum erro foi cometido nas situações controle, em que o termo
local ficava no singular tanto para referentes distributivos quanto para referente
únicos.
Um segundo experimento foi feito para excluir a possibilidade de os
resultados terem sido determinados pela presença das figuras. A condução do
experimento 2 foi a mesma do experimento 1, exceto pelo fato de se apresentar
uma tela vazia no lugar das figuras. Assim como no experimento 1, não foram
registrados erros nas situações controle e ocorreram mais erros de concordância na
condição referente-distributivo do que na condição referente-único.
Também foi conduzido um terceiro experimento, empregando-se os mesmos
preâmbulos experimentais de Bock & Miller (1991), mas com o procedimento do
experimento 2. Não houve efeito de distributividade, o que foi tomado como
indicativo de que a acessibilidade conceitual foi o fator responsável pelos
resultados obtidos em 1.
Além dos três experimentos, foram realizados ainda dois estudos com a
finalidade de avaliar o grau de concretude dos sintagmas empregados. Por grau de
concretude, Eberhard entendia a maior ou menor facilidade de um dado sintagma
evocar uma imagem mental do seu referente. Foi verificada uma correlação
positiva entre o grau de concretude atribuído aos sintagmas e o número de erros
de concordância que esses sintagmas induziram: os sintagmas indicados como
mais concretos foram os que levaram os sujeitos a cometer mais erros de
concordância. Eberhard (1999) considerou esse resultado uma evidência adicional
de que o acesso ao número conceitual na concordância está relacionado à
facilidade com que a representação mental de um referente potencial pode ser
ativada ou recuperada da memória. Logo, também para o inglês distributividade é
um fator que pode atuar no processamento da concordância, ao contrário do que
foi observado originalmente por Bock & Miller (1991).
Cumpre observar que, em todos os experimentos reportados, os efeitos de
distributividade não podem ser completamente dissociados de um efeito
morfofonológico de número, visto que os sintagmas distributivos testados sempre
possuíam um núcleo interveniente plural. Neste trabalho, avalia-se se um efeito de
distributividade dissociado desse tipo de informação morfofonológica pode ser
43
obtido. Para isso, constrastam-se preâmbulos do tipo O volante dos carros x O
volante de cada carro. Diferenças entre os dois tipos de sintagma e os resultados
experimentais são comentados no capítulo 8, experimento 5.
4.1.1.2 Coletivos, bipartidos e pluralia tantum
A informação gramatical de número associada aos nomes é, em geral,
compatível com uma representação semântica, sendo poucos os casos de
incongruência entre esses dois tipos de informação. Isso ocorre particularmente no
caso de substantivos coletivos que, quando no singular, designam um conjunto de
seres ou de objetos considerados como um todo, o que remete a uma pluralidade
conceitual (ex. manada), e no caso de alguns substantivos de número privativo
plural, que são empregados em referência a um objeto único (ex. óculos). Caso
informação semântica de número codificada no item lexical venha a interferir na
concordância, pode-se esperar um maior número de erros com preâmbulos em que
tais substantivos compareçam.
Não há, contudo, evidências conclusivas nessa direção no que tange à
concordância verbal. Quando apenas o número nocional de substantivos coletivos
está em jogo, não há efeito de atração: os verbos tendem a concordar com o
número gramatical do núcleo do sujeito, independentemente da posição do
coletivo (a manada do elefante; o elefante da manada). No entanto, quando o
coletivo está no plural (os rebanhos da fazenda; o pastor dos rebanhos), verificase uma diferença entre preâmbulos com coletivos e não-coletivos no total de erros
de atração (Bock & Eberhard,1993; Greth, 1999; Bock, Nicol & Cutting, 1999;
Bock et al. 2001; Bock, Eberhard & Cutting, 2004).
A possibilidade de preâmbulos com coletivos induzirem erros de atração foi
investigada por Bock & Eberhard (1993). Os autores manipularam o número do
termo local (singular vs. plural) e o tipo de termo local (coletivo vs. não-coletivo).
Entre os termos não-coletivos, foram selecionados dois tipos de substantivos:
substantivos semanticamente relacionados aos coletivos (ex. soldier “soldado”
para o coletivo army “exército”) e substantivos cuja freqüência de uso fosse a
mesma dos coletivos. Os resultados obtidos revelaram apenas um efeito da
variável número do termo local, tendo ocorrido mais erros após termos locais no
plural do que no singular, o que foi interpretado como ausência de efeito
semântico no processamento da concordância. Note-se, porém, que, embora não
44
tenha sido significativa, houve uma tendência de substantivos coletivos no
plural (The condition of the fleets) induzirem mais erros de concordância do que
substantivos não-coletivos dos dois tipos – semanticamente relacionados (The
condition of the ships) ou de mesma freqüência (The condition of the pans).20
Greth (1999), em experimento realizado com falantes de espanhol, obteve
resultados semelhantes. Embora tenha ocorrido apenas um efeito principal da
variável número do termo local, quando se examina a distribuição dos erros nas
condições com termo local plural, verifica-se que houve aproximadamente quatro
vezes mais erros após substantivos coletivos (La fuerza de los ejércitos) do que
após substantivos não-coletivos (La fuerza de los soldados), o que também parece
indicar algum tipo de efeito semântico associado a um fator morfofonológico.
A interpretação dada pela autora para esses resultados foi a de que os termos
locais coletivos com valor de plural seriam duplamente marcados em relação à
pluralidade e isso aumentaria a possibilidade de erros. De acordo com Greth
(1999), a marca de pluralidade nocional, contudo, seria menos proeminente do
que a de pluralidade gramatical e, por isso, não teria efeito no caso de substantivos
coletivos no singular.
Outra possibilidade que podemos considerar é a de que os participantes do
experimento tenham atribuído uma leitura distributiva aos preâmbulos com
substantivos coletivos no plural.21 Note-se que, nesse caso, embora o efeito
continue sendo semântico, ele não pode ser atribuído a propriedades lexicais dos
coletivos, mas sim à leitura distributiva do DP sujeito e só se manifestaria quando
associado a um fator morfofonológico. Quanto à diferença entre coletivos e nãocoletivos plurais, é possível que alguns preâmbulos com os substantivos nãocoletivos (ex. La foto de los jugadores “a foto dos jogadores”) tenham recebido
20
Bock et al. (2001, experimento 3) replicaram o experimento de Bock & Eberhard (1993) e
também não obtiveram efeito de número nocional, nem mesmo quando se avaliou a interação
desta variável com o número do termo local. Diferentemente de Bock & Eberhard, contudo, não se
observa uma tendência de maior número de erros para os coletivos. Cabe notar, no entanto, que
nas respostas do tipo miscelânea (que reúne as situações em que houve erro na repetição do
preâmbulo), o total de verbos no plural é maior para os coletivos do que para os não-coletivos. É
possível que, ao repetir preâmbulos com coletivos (ex. A força dos exércitos), os participantes
tenham colocado o núcleo do sujeito no plural (ex. As forças dos exércitos), o que indicaria uma
possível leitura distributiva do sujeito.
21
Comparem-se os preâmbulos La fuerza del ejército (a força do exército) e La fuerza de los
ejércitos (a força dos exércitos). Embora nos dois casos esteja presente um substantivo coletivo na
posição de nome local, apenas no segundo é possível distribuir a idéia de força por cada exército, o
que poderia levar os participantes a produzir o verbo no plural.
45
uma leitura preferencial não-distributiva, o que pode ter se refletido no total de
erros de atração obtido. 22
Bock, Nicol & Cutting (1999) realizaram experimentos com coletivos, a fim
de verificar o impacto de informação nocional na concordância verbal e também
na retomada de antecedentes por pronomes. Diferentemente do experimento de
Greth, o coletivo foi empregado apenas no singular, na posição de núcleo do
sujeito e manipulou-se o número do nome local – The cast in the soap opera (O
elenco na novela) x The cast in the soap operas (O elenco nas novelas). Os erros
após preâmbulos com coletivos foram comparados aos erros após preâmbulos
cujo núcleo era um substantivo não-coletivo, no singular ou no plural,
acompanhado de nome local singular ou plural – The actor(s) in the soap opera(s)
(O(s) ator(es) na(s) novela(s)). Foi verificado que os verbos tendem a refletir o
número gramatical do coletivo, enquanto os pronomes tendem a refletir o
número nocional. Especificamente em relação à concordância verbal, é
interessante reportar alguns contrastes entre coletivos e não-coletivos .
Foi verificado que, quando seguidos de nome local plural, os coletivos
induziram um número significativamente maior de erros de atração do que os nãocoletivos (The cast in the soap operas vs. The actor in the soap operas). Também
merece registro o fato de que, embora tenha havido uma preferência por verbo
singular na condição coletivo + nome local singular (The cast in the soap opera),
esta condição também induziu erros de atração - 1/3 do total de verbos foi
flexionado no plural. No primeiro caso, talvez a interferência possa ser explicada
pela atribuição de uma leitura distributiva ao DP sujeito, visto que é possível
imaginar, para o exemplo em questão, ‘um elenco específico para cada novela’.
No segundo caso, é possível que, por limitações da memória de trabalho, seja
mantida uma representação semântica do NP correspondente ao núcleo do sujeito,
representação essa que poderia vir a interferir no processamento da
concordância.23
22
Em La foto de los jugadores (a foto dos jogadores), pode-se imaginar tanto uma foto para cada
jogador, como uma foto única em que todos os jogadores aparecem reunidos, possivelmente esta
última a leitura preferencial. Já em La foto de los equipos (a foto das equipes), a leitura
preferencial parece ser a distributiva, de uma foto de cada equipe. Nesse contraste específico, caso
distributividade seja um fator relevante, seria esperado maior número de erros com o segundo
preâmbulo.
23
Como e em que momento essa interferência ocorreria, será discutido no capítulo 9.
46
Bock, Eberhard & Cutting (2004, experimentos 2 e 4) também investigaram
possível interferência de número nocional de coletivos na concordância verbal e
na retomada pronominal. Em um dos experimentos, manipularam o tipo (coletivo
vs. não-coletivo) e o número (singular vs. plural) do nome local: The record of the
player(s) / The record of the team(s), tendo sido obtido um efeito principal de tipo
e número do nome local, bem como uma interação entre as duas variáveis na
análise por participantes. Tanto para os verbos quanto para os pronomes, a
condição que induziu o maior número de erros de atração foi aquela com o
coletivo no plural The record of the team(s).
No outro experimento, foram manipulados o tipo de núcleo do sujeito
(coletivo vs. não-coletivo) e o número do nome local (singular vs. plural): The
player with the commercial contract(s)/ The team with the commercial
contract(s). Houve um efeito significativo da variável tipo de núcleo do sujeito,
mas claramente determinado pelo percentual de erros nas condições em que foi
examinada a retomada pronominal. Também houve um efeito principal de número
do nome local, com mais erros para o plural tanto com verbos quanto com
pronomes. Quanto à interação entre as variáveis, verificou-se uma diferença
significativa entre verbos e pronomes, para nomes locais no singular e no plural
com sujeito coletivo. Isso significa que o preâmbulo The team with the
commercial contracts (vs. The team with the commercial contract) afetou muito
mais o processamento no caso de concordância verbal do que no caso de retomada
pronominal. Bock et al. (2004) atribuem esse efeito à possibilidade de se realizar
uma leitura distributiva do preâmbulo. Na retomada pronominal, essa diferença
não se manifestaria tão forte, visto que o fator que parece ser mais relevante para a
definição do número do pronome é o número nocional do antecedente (no caso, o
coletivo).
Quanto à interação entre as variáveis, verbos e pronomes exibiram
resultados distintos para as condições singular e plural, quando o núcleo do sujeito
era um substantivo coletivo. Enquanto para os verbos o preâmbulo com nome
local plural (The team with the commercial contracts) induziu mais erros de
atração que o preâmbulo com nome local singular (The team with the commercial
contract), para os pronomes praticamente não houve diferença entre as condições.
Bock et al. (2004) atribuem o resultado relativo aos verbos à possibilidade de se
47
realizar uma leitura distributiva do preâmbulo com nome local plural. No caso dos
pronomes, a diferença entre as condições não se manifestaria tão forte, visto que o
fator mais relevante para a definição do número do pronome seria o número
nocional do antecedente (no caso, o coletivo).
Ainda quanto a uma possível interferência de informação nocional de um
dos termos do sujeito no processamento da concordância, cabe reportar resultados
experimentais com nomes bipartidos e com substantivos pluralia tantum, obtidos
por Bock et al. (2001).
Os autores investigaram, em um conjunto de experimentos, aplicados a
falantes de inglês e de holandês, se congruência entre informação gramatical e
conceitual de número relativa ao sujeito poderia afetar a produção da
concordância verbal. Em um experimento foram investigados substantivos
bipartidos, os quais denotam objetos de partes simétricas (ex. óculos) e são
empregados normalmente como plural em inglês e singular em holandês.24 Estes
foram contrastados com substantivos de plural regular, isto é flexionáveis em
número, a fim de verificar se os falantes das duas línguas associavam aos
bipartidos uma idéia de multiplicidade25 ou uma idéia de singularidade (visto que
denotam um objeto único), e como essa representação poderia afetar a
computação da concordância.
Os resultados obtidos foram os seguintes: em inglês, os bipartidos (que são
gramaticalmente plural) induziram mais erros do que substantivos no singular,
porém menos erros de atração do que as formas regulares de plural; no holandês,
os bipartidos (que são gramaticalmente singular) não induziram praticamente
24
No português acontece um fenômeno bastante interessante em relação aos chamados bipartidos.
Muitos deles têm deixado de ser empregados exclusivamente com determinantes no plural e
passam a co-ocorrer na língua acompanhados de um determinante singular. O “s” final dos
bipartidos, por sua vez, ora é analisado como uma marca flexional (ex.: minhas calças/minha
calça), ora como parte do radical (ex. meus óculos/meu óculos). Tanto num caso como no outro,
quando acompanhados de determinante no plural, também servem para designar mais de um
objeto bipartido. Assim, emprega-se a expressão “meus óculos” para se referir tanto a um objeto
único quanto a mais de um objeto do mesmo tipo. Exceção a esses exemplos é o substantivo
“costas”, sempre empregado no plural em referência à parte posterior do tórax. O emprego
exclusivo com determinante plural se deve ao fato de a forma singular “costa” expressar outro
sentido, o de acidente geográfico. No inglês, embora Bock, Eberhard & Cutting. (2004) afirmem
que os substantivos bipartidos são sempre empregados no plural, a consulta a dicionários
vernáculos indica que também há registro de uso no singular para alguns dos bipartidos testados
nos experimentos. Logo, as conclusões a que chegam os autores devem ser vistas com cautela.
25
Sobre a possibilidade de se atribuir uma idéia de plural a nomes bipartidos, os autores remetem a
Reid, W. (1991) Verb and nou number in English. London: Longman.
48
erros de atração, tendo se comportado como a forma singular de substantivos
flexionáveis.
Considerados em conjunto, esses resultados sugerem que os falantes
associam uma idéia de singularidade aos bipartidos; não fica, claro, contudo,
porque no inglês os bipartidos induziram menos erros do que as formas regulares
de plural, visto que ambos são gramaticalmente plural. Uma possibilidade seria
que o número conceitual singular dos bipartidos geraria algum grau de
interferência no processamento da concordância, reduzindo seu potencial de
induzir erros de atração.
Outra explicação seria a de uma interferência de natureza morfofonológica,
relacionada à representação de informação gramatical de número em bipartidos e
plurais regulares. Segundo Bock et al. (2001), o fato de não haver uma contraparte
singular no caso dos bipartidos poderia reduzir o potencial que esses nomes teriam
de induzir erros de atração.26
A fim de checar essas possibilidades, os autores conduziram um segundo
experimento em inglês empregando substantivos pluralia tantum.27 Esse tipo de
substantivo, assim como os bipartidos, é gramaticalmente plural em inglês, porém
tende a ser concebido como múltiplo do ponto de vista nocional. Constituem,
pois, em princípio, a situação apropriada para verificar se de fato foi um fator
semântico, no caso a idéia de singularidade, que teria levado os falantes a
produzirem menos erros de concordância com bipartidos do que com substantivos
flexionados no plural. Se houver interferência semântica no processamento da
concordância, a previsão é que não ocorra diferença quanto ao total de erros de
atração induzidos por substantivos pluralia tantum e por substantivos flexionados,
já que ambos são semanticamente plural. No entanto, se o tipo de plural gerar
interferência, isto é, se informação gramatical associada à natureza do traço de
número for relevante, é esperado que os pluralia tantum se comportem como os
bipartidos, já que ambos são inerentemente marcados para número.
26
Não fica claro, no entanto, exatamente como isso se daria. Na seção 4.1.3, sobre fatores
morfofonológicos, analisamos a diferença entre bipartidos e plurais regulares em termos de
diferenças de traço de número (intrínseco e opcional) e em termos da realização morfofonológica
dos traços de número.
27
Pluralia tantum é uma expressão tradicional da gramática latina que significa “apenas plural” .
Em português são exemplos desse tipo de substantivo: afazeres, anais, arredores, bodas,
condolências, confins, esponsais, fezes, exéquias, núpcias, parabéns, pêsames, primícias, víveres.
49
Os resultados obtidos são compatíveis com esta última hipótese: embora
tanto plurais regulares quanto os pluralia tantum tenham induzido mais erros de
atração do que os substantivos flexionáveis na forma singular, os pluralia tantum
induziram menos erros do que os substantivos flexionados, numa réplica ao que se
obteve com os bipartidos, o que parece indicar que não é informação de natureza
semântica a responsável pela diferença obtida.28
Sintetizando, pode-se dizer que, em relação à concordância verbal, não há
evidências de uma interferência direta do número nocional dos coletivos; no
entanto, um efeito de distributividade parece atuar no processamento. Esse efeito
se manifesta particularmente em preâmbulos cujo nome local é plural. No caso de
nomes de número privativo plural, o fato de terem sido obtidos resultados
semelhantes para bipartidos e substantivos pluralia tantum, a despeito de
apresentarem representações conceptuais distintas quanto a numerosidade, sugere
que o número conceitual de um item lexical não pode, isoladamente de outros
fatores, interferir no processamento da concordância. O fato de tais substantivos
induzirem menos erros do que os substantivos flexionáveis na forma de plural
aponta para uma interferência de natureza morfofonológica. Logo, pode-se
concluir que tanto o resultado referente a coletivos quanto o resultado referente a
nomes de número privativo (bipartidos e pluralia tantum) sugerem que
informação semântica de número afeta o processamento da concordância quando
associada a uma interferência morfofonológica. Esse aspecto será examinado no
experimento 5 da presente tese.
4.1.2 Fatores sintáticos
A pesquisa acerca dos fatores sintáticos atuantes no processamento da
concordância têm se detido basicamente na investigação de duas fontes de
28
Não se pode excluir completamente um efeito semântico com base no contraste entre bipartidos
e pluralia tantum, por dois motivos: primeiro porque, como comentado em nota anterior, alguns
bipartidos também são usados no singular, o que pode interferir no contraste entre estes e os
plurais regulares; segundo, porque é possível que nem todos os falantes associem uma idéia de
multiplicidade aos pluralia tantum. Considere-se, por exemplo, o substantivo annals,
correspondente ao português “anais”. Esse substantivo pode ter a acepção de publicação periódica
de um conjunto de trabalhos, não sendo, pois, necessariamente visto como semanticamente plural.
Ressalte-se, contudo, que nos dois experimentos os substantivos passaram por uma avaliação
prévia quanto ao número conceitual a eles associado. Um grupo de voluntários repondeu a um
questionário com perguntas do seguinte tipo: If you were thinking about the_____, would you be
thinking about one thing or more than one thing? (Se você estivesse pensando sobre _____, você
estaria pensando sobre uma coisa ou mais de uma coisa?). Com base nessas respostas, foram
montados os preâmbulos testados.
50
interferência: a distância linear entre o verbo e núcleos nominais do DP sujeito
(núcleo do sujeito e núcleos intervenientes) e posição hierárquica do núcleo
nominal de um modificador29 na estrutura do DP.
Nesta seção resultados experimentais relativos a esses fatores são
comentados e apresenta-se uma rediscussão de alguns desses resultados a partir da
aplicação das noções de precedência linear e c-comando na análise das estruturas
em que ocorrem os erros de atração.
Ao final, são tecidas considerações acerca de interferência de informação
léxico-sintática no processamento da concordância. A partir de evidências
experimentais de que o processador faz uso de informação de natureza lexical
relativa à estrutura argumental de um dado núcleo durante o parsing, considera-se
a relevância desse fator para o processo de formulação de sentenças.
4.1.2.1 Distância linear
4.1.2.1.1 Distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo
Não é recente a hipótese de que a distância entre o núcleo do sujeito e o
verbo pode afetar o processamento da concordância. Jespersen (1924) observou
que o verbo quando está muito afastado do sujeito pode não possuir “energia
mental” suficiente para recuperar informação de número necessária à
concordância. Na literatura psicolingüística mais recente, Bock & Miller (1991)
foram os primeiros a investigar esse fator. Eles conduziram um experimento de
produção induzida de erros, com falantes de inglês, no qual manipularam o
tamanho dos preâmbulos a partir da colocação de uma média de dois adjetivos
pré-nominais no modificador. Eles também variaram o tipo de modificador do
núcleo do sujeito - sintagma preposicionado e oração relativa - e o número tanto
do núcleo do sujeito quanto do núcleo nominal do modificador de modo a obter
condições de congruência e incongruência de número entre os núcleos nominais.
Não foi obtido um efeito de tamanho do modificador. Houve, não obstante,
um efeito de congruência de número, com maior número de erros na condição
29
O termo modificador nesse contexto inclui qualquer constituinte relacionado sintaticamente com
o SN do sujeito, seja numa relação de adjunção seja numa relação de complementação. A natureza
dessa relação sintática não é, de modo geral, tomada como variável a ser controlada.
51
incongruente, em que o núcleo do sujeito era singular e o nome local, plural. O
tipo de modificador também se mostrou relevante, tendo ocorrido mais erros de
atração quando o modificador era um PP com núcleo nominal plural do que
quando era uma oração relativa.
Bock & Cutting (1992), em experimento semelhante, envolvendo
modificadores preposicionais e oracionais, obtiveram um efeito do número do
nome local, do tipo de modificador e também do tamanho do modificador. Houve
também um efeito da interação entre número do nome local e tipo de modificador
e de tipo e tamanho do modificador. A condição que induziu mais erros foi aquela
com modificadores do tipo PP, em que o nome local era plural. Para os
modificadores oracionais, não foi significativa a diferença entre as condições
modificador longo e curto. Esses resultados foram tomados como evidências na
direção da hipótese do “empacotamento oracional”, segundo a qual informação de
número de um núcleo interveniente teria menos chance de induzir erros de atração
quando estivesse em uma oração porque a oração funcionaria como uma espécie
de “ilha” que isolaria o núcleo interveniente do núcleo do sujeito, dificultando
qualquer tipo de interferência no estabelecimento da concordância. No caso de
núcleos intervenientes em PPs, estes estariam dentro do domínio da oração em
que a concordância é computada e, por isso, o tamanho do modificador poderia
vir a afetar o processamento, aumentando a chance de erros de atração. Os
autores comparam estes resultados aos obtidos por Bock & Miller (1991) e
argumentam que o conflito é aparente, pois quando se consideram isoladamente as
condições com PPs modificadores, observa-se uma tendência de mais erros de
atração após modificadores longos do que após modificadores curtos. Notam,
inclusive, que um efeito de tamanho do modificador pode ter sido anulado porque
o número erros após modificadores oracionais longos decaiu levemente à medida
que o número de erros após modificadores preposicionais longos aumentou
levemente.
Resultados de compreensão por meio de monitoramento do olhar (eyetracking) obtidos de falantes de hebraico (Deutsch, 1998) sugerem que o
comprimento do sujeito, ou seja, a distância linear entre o núcleo do sujeito e o
verbo, variada com a interpolação de um modificador, é um fator que afeta a
detecção de erros de concordância de número e de gênero no verbo (dado que o
52
verbo concorda em número e em gênero com o sujeito em hebraico). Os erros
foram mais facilmente detectados na condição em que essa distância era curta.
Considerando-se que a “energia mental” necessária para se recuperar
informação de número do sujeito pode ser afetada pela sobrecarga a recursos de
memória, é interessante também considerar os resultados de Almor et al. (1998),
em experimento conduzido com pacientes portadores de síndrome de Alzheimer e
um grupo-controle de idosos falantes de inglês. Os autores utilizaram uma tarefa
de produção bi-modal, na qual um preâmbulo foi apresentado oralmente, seguido
da apresentação visual de uma forma verbal congruente ou incongruente em
número com o sujeito, correspondendo às condições gramatical e agramatical. O
tempo de leitura em voz alta do verbo foi tomado como medida da percepção do
erro de concordância. Os resultados sugerem que sobrecarga a recursos de
memória pode ser um fator que afeta a detecção de erros de concordância sujeitoverbo por ambos os grupos, ainda que a direção das médias sugira que os
pacientes Alzheimer são menos sensíveis ao fator congruência na condição longa,
assim como particularmente incapazes de detectar erros de concordância
pronominal independentemente de distância, como constatado em experimento
subseqüente. É interessante observar que, nesse estudo, as médias obtidas no
grupo de controle na condição gramatical mostraram maior tempo de leitura na
condição longa, como previsto, enquanto que, na condição agramatical, o efeito
foi obtido na direção inversa. Ou seja, o tempo de leitura dos verbos
incongruentes em número na condição distância curta foi maior do que na
condição distância longa. Verificou-se que o material lingüístico processado na
condição distância longa agramatical pode ter induzido um efeito não previsto de
atração, em função da presença de núcleos nominais no plural entre o núcleo do
sujeito e o verbo30. Desse modo, o tempo mais rápido de leitura na condição
distância longa agramatical pode refletir um processamento do verbo em relação a
um núcleo
nominal
plural
interveniente,
o
qual parece
ser
tomado
equivocadamente como elemento controlador da concordância. Esse efeito parece
indicar que a distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo favorece a
ocorrência de erros de atração.
30
Exemplo de sentença utilizada em Almor et al. (1998), na condição longa: The old lady, who
searched very carefully through everyone of those old trash cans behind the stores, was/were.
53
Pearlmutter (2000) observa que, ao se analisarem os resultados relativos à
distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo, é importante considerar como
foi variada essa distância. É possível que o dado relevante não seja, por exemplo,
tamanho do modificador em termos de número de palavras, mas sim em termos do
número de elementos intervenientes cuja informação de número seja passível de
interferir no processamento da concordância.
Segundo Pearlmutter, isso
explicaria por que Bock & Miller (1991) não obtiveram um efeito de tamanho do
modificador em seus experimentos: foram inseridos adjetivos para construir as
condições longas e estes provavelmente não são processados para a definição de
número do sujeito. De todo modo, não se pode descartar que a distância linear é
um fator que afeta a manutenção de informações pela memória. Talvez essa
sobrecarga somada ao custo de processamento gerado pela “natureza” do
elemento interveniente enquanto potencial atribuidor de número ao verbo possam,
conjuntamente, afetar a concordância. No experimento 1 do presente estudo,
investiga-se o papel de tipo de modificador (PP e Relativa) e de distância linear
entre o núcleo do sujeito e o verbo. Conforme será visto, os resultados apontam
para um efeito principal apenas da variável distância linear, o que, por um lado
fortalece a idéia de que distância linear é considerada no processamento, mas, por
outro, coloca em questão a hipótese de “empacotamento oracional”.
4.1.2.1.2 Distância linear do núcleo interveniente em relação ao verbo
Um possível efeito de distância linear do núcleo interveniente em relação
ao verbo é em geral investigado em contraposição a um efeito relacionado à
distância sintática desse mesmo elemento interveniente em relação ao núcleo do
sujeito. Duas hipóteses são contrastadas em relação a esses fatores: a hipótese da
distância linear x a hipótese da distância hierárquica. A primeira prevê que
quanto mais próximo o núcleo interveniente estiver do verbo, maior será a chance
de provocar interferência na concordância. A segunda prevê que quanto mais
próximo o elemento interveniente estiver do núcleo do sujeito – elemento mais
alto na hierarquia do DP, maior será sua interferência.
Optou-se neste trabalho por discutir cada hipótese separadamente, visto que
a hipótese da distância linear considera a relação do núcleo interveniente em
relação ao verbo, tratando o erro de concordância em termos de um possível
54
efeito de recentidade, enquanto a hipótese da distância hierárquica considera a
posição estrutural do núcleo interveniente em relação ao núcleo do sujeito,
buscando especificar, portanto, falhas no âmbito da definição do número do DP
sujeito, as quais, por sua vez, acabam por se refletir no verbo.
Os primeiros experimentos sobre erros de atração não permitiam dissociar
distância linear e distância sintática porque o preâmbulo era construído com um
único núcleo interveniente e o verbo era produzido imediatamente após o
preâmbulo: O editor dos livros Verbo.
Vigliocco & Nicol (1998) buscaram testar separadamente a questão da
distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo em dois experimentos de
produção induzida, conduzidos com falantes de inglês. Nesses experimentos, um
adjetivo era apresentado visualmente na tela de um monitor e, em seguida, o
participante ouvia um preâmbulo. No primeiro experimento, a tarefa consistia na
produção de uma frase afirmativa que reproduzisse o preâmbulo como sujeito e
incorporasse o adjetivo como predicativo; com isso, o verbo (cópula) apresentaria
informação relativa à concordância de número. No segundo experimento, o
participante deveria formular uma pergunta a partir do preâmbulo ouvido, o que o
levaria a produzir o verbo antes do preâmbulo a ser tomado como sujeito da
sentença. O número do núcleo do sujeito e o do nome local foram as variáveis
manipuladas. A variável dependente foi o número de erros de concordância na
formulação do verbo. Em ambos os experimentos, os preâmbulos eram formados
de um nome modificado por um sintagma preposicional (ex.The helicopter for the
flights).
A distribuição dos erros foi semelhante nos dois experimentos, sendo que
um maior número de erros foi obtido na condição núcleo do sujeito singular nome local plural. Os dados dos dois experimentos, quando explicitamente
contrastados, não evidenciaram efeito da tarefa experimental, tomada como fator
grupal. Não foi, portanto, verificada a previsão de um efeito de ordem linear do
núcleo interveniente em relação ao verbo, o que permite questionar a idéia de que
o elemento mais próximo do verbo interfere na concordância.
Franck et al.(2003/2005) rediscutem a questão de ordem linear, a partir de
uma análise que incorpora certos pressupostos do Minimalismo, e apresentam
resultados compatíveis com um efeito de precedência linear.
55
Os autores assumem uma abordagem derivacional para a computação de
sentenças, de acordo com a qual haveria uma multiplicidade de representações
intermediárias que refletiriam a derivação cíclica da sentença. Importante para a
análise dos autores é que, embora as representações intermediárias tenham um
formato de árvore que especifica relações hierárquicas entre os nós sintáticos, elas
também envolvem diferentes ordens lineares. Assim, cada nó (seja uma palavra
ou um sintagma) estaria envolvido tanto em relações “verticais”, hierárquicas com
outros nós (relações de dominância), como em relações “horizontais”, de
precedência. Essas relações, por sua vez, seriam consideradas ao longo da
construção da sentença, à medida que os constituintes se movessem.31
Partindo, pois, desse tipo de abordagem, Franck et al. (2003/2005) afirmam
que não se pode excluir efeito de ordem linear com base apenas na ordem
superficial da sentença; é necessário analisar a derivação da sentença de modo a
verificar se em algum momento o núcleo interveniente não intervém linearmente
entre o núcleo do sujeito e o verbo.
Considerando esse aspecto os autores
mostram que no experimento de Vigliocco & Nicol (1998) tanto nas declarativas
quanto nas interrogativas haveria um momento da derivação (representado em
(d)), em que o modificador plural (flights) ficaria entre o núcleo do sujeito e o nó
de concordância:
(a) ____ [AgrS] [ [The helicopter for the flights] be safe] ÆAGREE Æ
(b)____ [AgrS 3s][[The helicopter for the flights] be safe]Æ movimento de V para AgrS Æ
(c) ____ [AgrS is] [ [The helicopter for the flights] safe] Æ movimento do sujeito e
verificação de Agr em uma configuração Spec-head Æ
(d) [The helicopter for the flights] [AgrS is] [ t safe]
31
Franck et al. (submetido) observam que esse tipo de abordagem dinâmica de construção da
sentença tem implicações cruciais para a Psicolingüística, pois permite que se trate a etapa de
codificação gramatical da sentença como um processo complexo que envolve diferentes estágios.
Consideram ainda que, dentro de uma perspectiva que assuma uma ligação bastante estreita entre
gramática e processador, é possível, inclusive, traçar uma correspondência entre os diferentes
passos derivacionais de uma sentença e a performance lingüística, inclusive no que diz respeito aos
erros de atração. No capítulo 9, são tecidas algumas considerações acerca de uma possível
articulação entre Teoria lingüística e Psicolingüística no estudo do processamento da concordância
na produção de sentenças. Para uma discussão mais ampla acerca dessa articulação, ver Phillips
(t1996, 2003), que propõe uma identidade entre Gramática e Processador, e Corrêa (submetido,
2005a e 2005b), que questiona a possibilidade de identificação entre gramática-parser-formulador
sintático nos termos propostos por Phillips.
56
Nas interrogativas seriam seguidos os mesmos passos derivacionais, com
acréscimo de movimento de AgrS para C, resultando em
(e) [C is] [the helicopter for the flights] [AgrS t] [ t safe]?
Segundo essa análise, portanto, o contraste de declarativas e interrogativas
não permite excluir efeito de linearidade entendida em termos de precedência
linear. Nos dois tipos de sentença haveria uma etapa da derivação em que o
modificador iria intervir entre o núcleo do sujeito e o verbo.
Nas representações propostas, chama a atenção o fato de a concordância já
ter sido computada, através da operação Agree (ver representação (a)), antes de
haver o movimento do sujeito para especificador de AgrS, posição em que o
núcleo interveniente flights passa a preceder linearmente o nó da concordância.
Isso parece ser inconsistente com a idéia de que precedência linear pode afetar a
concordância. A pergunta que surge é a seguinte: Como pode haver um efeito de
precedência linear na concordância se a concordância já foi definida?
Para se responder a essa pergunta, é preciso, antes, apresentar em linhas
gerais a visão de concordância que os autores subscrevem. Essa visão se apóia em
3 pontos principais: (i) a de que a concordância é um fenômeno configuracional,
computada com base em relações hierárquicas; (ii) compreende AGREE e
MOVE; (iii) AGREE quando associado a MOVE dá origem a uma manifestação
morfológica da concordância mais estável do que quando apenas AGREE atua (cf.
Guasti & Rizzi, 2002).
Evidências para esse último aspecto surgem do contraste entre as
construções (a) e (b). Em inglês coloquial, enquanto a concordância é obrigatória
em (a), ela seria opcional em (b). Nessa última sentença, o sujeito não se moveria:
(a) Many books are/*is on the table.
(b) There are/ ´s many books on the table.
O mesmo fenômeno de “afrouxamento” da concordância verbal é observado
no francês – C´est les filles/ Ce sont les filles.
São ainda citados exemplos de dialetos do italiano em que a concordância
não é obrigatoriamente expressa em estruturas VS (Viene sing. le ragazze pl.),
mas é sempre realizada em estruturas SV, em que o sujeito é alçado para o
57
especificador de AgrS (*Le ragazze pl. viene sing.). Também no Árabe Padrão a
concordância de pessoa e número seria obrigatória apenas nas estruturas SV.
Essa robustez da concordância em estruturas SV é atribuída a uma dupla
checagem de compatibilidade de traços de pessoa e número no processo de
derivação da sentença: na primeira vez, a checagem se faria através da operação
AGREE, sem envolver movimento, e, na segunda vez, numa configuração
Especificador-Núcleo, depois do movimento do sujeito. Nas estruturas VS,
apenas se aplicaria a operação AGREE e a compatibilidade de traços seria
verificada apenas uma vez.
Voltando às sentenças do inglês, o que ocorreria seria o seguinte: embora na
primeira vez em que a concordância é computada não haja qualquer problema de
precedência linear do modificador do sujeito em relação ao nó AgrS
(representação em a), na segunda vez, após o movimento do sujeito para AgrS, o
núcleo interveniente (flights) precede linearmente o nó AgrS, podendo, então, de
algum modo afetar a computação da concordância (representação em b):
(a)
____ [AgrS] [ [The helicopter for the flights] be safe] ÆAGREE
(b)
[The helicopter for the flights] [AgrS is] [ t safe]
Não há, contudo, diferença entre declarativas e interrogativas quanto à
precedência linear e modo de computação da concordância, porque nos dois tipos
de sentença os mesmos passos derivacionais estariam envolvidos até o ponto em
que se daria a interferência do núcleo interveniente.
Franck et al. buscam, então, outra estrutura para testar o efeito de
precedência linear e a hipótese de dupla checagem de concordância em estruturas
do tipo SV. Em italiano, existe um tipo de construção em que, embora a posição
final do verbo seja antes do sujeito (como nas interrogativas do inglês), não há
nenhum passo da derivação em que o modificador intervenha entre AgrS e o
núcleo nominal do sujeito. Nessas construções, o sujeito permaneceria interno ao
VP e não haveria possibilidade de um efeito de intervenção linear. Além disso,
nessas construções a concordância envolveria apenas a checagem de traços via
AGREE.A seguir apresenta-se a derivação proposta por Franck et al. para a
derivação da sentença Telefonerà l`amica dei vicini.
58
(a) _____ [AgrS] [ [ l’amica dei vicini] telefonare] ÆAGREE Æ
(b) _____ [AgrS 3s] [ [ l’amica dei vicini] telefonare] Æ movimento de V para AgrS Æ
(c) _____ [AgrS telefonerà] [ [ l’amica dei vicini] t]
Essa construção de ordem invertida (verbo-sujeito) ocorre no italiano em
alternância a outra construção cuja ordem é sujeito-verbo -- L`amica dei vicini
telefonerà. Esta, por sua vez, é derivada a partir do movimento do sujeito para o
especificador de AgrS, havendo, pois, um momento da derivação em que o
modificador do sujeito intervém em termos de precedência entre o núcleo do
sujeito e AgrS:
L`amica dei vicini telefonerà
( [... N ...Nmod ...]AgrS )
Além disso, a concordância com essas construções envolve dois momentos:
checagem via AGREE e (re)checagem na configuração especificador-núcleo.
Considerando-se um possível efeito de precedência linear, a previsão seria que
apenas as construções na ordem SV (L`amica dei vicini telefonerà),
derivacionalmente semelhantes às declarativas e interrogativas do inglês)
gerassem erros de atração. As construções VS (Telefonerà l`amica dei vicini) não
induziriam erros de atração, visto que em nenhum ponto da derivação sintática o
modificador do sujeito (vicini) iria intervir entre o sujeito e o verbo. Assim,
embora quanto à “ordem” superficial interrogativas do inglês (Is the helicopter for
the flights safe? - VS) sejam semelhantes a construções na ordem VS, estas
deveriam ter um comportamento distinto daquelas.
Além da ordem de palavras na sentença a ser produzida, também foi
tomada como variável independente o número do núcleo do sujeito.32 Grupos
diferentes produziram sentenças em cada ordem. Os estímulos foram apresentados
visualmente em uma tela de computador e, após cada preâmbulo, um verbo no
32
Exemplo de sentenças em por condição experimental
Ordem de palavras Número do núcleo do sujeito
e do elemento interveniente
Sujeito - verbo
Sing-pl
Pl- sing
Verbo- sujeito
Sing-pl
Pl-sing
Preâmbulo a ser produzido
L’amico delle sorelle (O amigo das irmãs) + V
Gli amici della sorella (Os amigos da irmã) + V
V + L’amico delle sorelle (O amigo das irmãs)
V + Gli amici della sorella (Os amigos da irmã)
59
infinitivo era projetado. Os participantes eram instruídos a colocar o preâmbulo e
o verbo em ordem de modo a criar uma sentença completa. Cada grupo era
solicitado a produzir uma possibilidade de ordenação (suj-verbo; verbo-suj).
Houve um efeito significativo da variável ordem, com mais erros na
condição SV (L`amica dei vicini telefonerà) do que na condição VS (Telefonerà
l`amica dei vicini). Esse resultado, somado ao obtido por Vigliocco & Nicol
(1998) para o contraste declarativas/ interrogativas em inglês, é compatível com a
hipótese de que ordem, entendida em termos de precedência linear (e não em
termos de ordenação superficial), é fator que atua no processamento da
concordância.
Embora tanto nas interrogativas em inglês quanto nas construções de
inversão livre em italiano a ordem superficial seja VS, elas apresentam
comportamentos distintos no que tange à concordância. Logo, parece que o
processador não se limita à informação superficial de ordem do constituintes. Se,
no entanto, o que está em jogo é de fato informação relativa à precedência linear,
trata-se de hipótese a ser melhor investigada, pois a interpretação dos resultados
obtidos depende da aceitação de alguns pressupostos, como o de Agr como uma
categoria funcional e de dois mecanismos responsáveis pela implementação da
concordância.33
Outro resultado que merecer ser reportado é a ausência de efeito principal de
número. Esse resultado conflita com o obtido em experimentos anteriores nos
quais se observou uma assimetria entre singular e plural na indução de erros de
atração (cf. Bock & Eberhard, 1993; Eberhard, 1997). Os autores não provêem
33
Franck et al. (2003/2005) assumem uma configuração estrutural da sentença, em que Agr tem
status de categoria funcional, com um nó próprio na árvore sintática. No capítulo 3 foi visto que,
no Minimalismo (Chomsky,1995), Agr não é mais tratado como categoria funcional. Pode-se, no
entanto, argumentar que a assunção de que Agr é um nó sintático talvez não seja de fato um
problema caso se considere que a categoria relevante para se caracterizar a questão da precedência
linear seja TP (tense phrase), uma categoria interpretável na interface Forma-Lógica. No entanto,
se assumirmos que a concordância é computada nos termos do que é proposto em Chomsky
(1999), mediante uma operação Agree, que se estabelece entre uma sonda (probe) e um alvo
(goal), há problemas para justificar os resultados das interrogativas, porque, como já foi apontado,
a concordância já teria sido computada antes do movimento do sujeito para uma posição mais alta
na árvore. Logo, não deveriam ocorrer erros de atração. Importante reforçar que Franck et al.
assumem uma correlação entre derivação e formulação sintática e que tentam prover uma
explicação para o erro tendo em vista os passos derivacionais da construção da sentença. O erro,
nessa perspectiva, ocorreria durante a formulação sintática. Na presente tese, assume-se que os
erros podem ser explicados não necessariamente como decorrentes de falhas no momento da
computação da concordância, mas sim como falhas pré ou pós-sintáticas. No capítulo 7, apresentase em detalhes o modelo de produção aqui assumido.
60
uma explicação satisfatória para esse resultado; conjeturam que a obtenção ou não
desse efeito pode estar associada à complexidade da morfologia verbal. É
possível, não obstante, que a explicação esteja mais diretamente ligada à
visibilidade da informação de número no DP sujeito. Na seção destinada a efeitos
morfofonológicos este ponto será retomado.
No capítulo 8, apresentamos resultados experimentais em que a questão da
ordem linear do núcleo interveniente em relação ao verbo é manipulada.
4.1.2.2 Distância hierárquica
A hipótese de que a distância hierárquica do núcleo interveniente em
relação ao nó mais alto do sintagma sujeito pode afetar a concordância verbal foi
explicitamente formulada no âmbito do modelo de percolação ascendente de
traços, proposto por Vigliocco & Nicol (1995, 1996a, 1996b, 1998). De acordo
com esse modelo, informação de número do núcleo interveniente percolaria
ascendentemente para o nó nominal mais alto do sujeito, posição de onde poderia
vir a interferir na definição de número do verbo.
Diante de construções do tipo The editor of the books, nas quais o sujeito
inclui dois núcleos nominais, o fato de o N2 apresentar um traço de número
diferente do traço de número do N1 possibilitaria a definição equivocada do
número do sujeito, ou seja, o traço de número do N2 percolaria ascendentemente
para o núcleo nominal mais alto.
N P pl
T he editor
PP
P
of
NP
the books
Fig. 5: Esquema de percolação ascendente do traço de número do núcleo
interveniente para o nó mais alto do sujeito.
61
Partindo dessa hipótese, Vigliocco & Nicol (1998) reinterpretaram os
resultados experimentais de Bock & Miller (1991) e Bock & Cutting (1992), que
apontavam para um efeito de tipo de modificador no número de erros de atração.
Conforme já foi reportado, esses autores manipularam o tipo de modificador do
núcleo do sujeito (PP e sintagma oracional), com vistas a testar a hipótese do
“empacotamento oracional”, segundo a qual informação de número de um núcleo
interveniente teria menos chance de induzir erros de atração quando estivesse em
uma oração, visto que esta permitiria isolá-lo da outra oração, em que estaria o
núcleo do sujeito. De fato, foi observado um número maior de erros nas condições
em que o núcleo interveniente estava inserido em um PP. Vigliocco & Nicol
(1998) vêem esse resultado como sugestivo de um efeito da altura do nó no qual o
núcleo nominal interveniente estaria posicionado na estrutura do sintagma sujeito.
O fato de maior número de erros ter sido obtido quando o modificador era um PP
seria indicativo de que o núcleo nominal interveniente mais alto causaria maior
interferência na concordância. As representações sintáticas a seguir, reproduzidas
de Vigliocco & Nicol (1998), permitem visualizar a diferença de “distância
hierárquica” do núcleo interveniente em relação ao NP, em sentenças cujo núcleo
do sujeito é modificado por um PP e em sentenças em que é modificado por uma
oração:
(a)
(b)
S [+pl]
S [+pl]
NP [+pl]
VP
NP [+pl]
NP1
NP1
S [+pl]
PP
Det
Det
VP
N1
P
N1
WH
VP [+pl]
NP2 [+pl]
V
det
NP2 [+pl]
N2 [+pl]
DET
The
editor
of
the
books
was/were
The
editor
N2 [+pl]
who rejected the books was/were
Fig. 6: Esquema de percolação ascendente do traço de número de núcleos
intervenientes inseridos em PPs e em orações (cf. Vigliocco & Nicol, 1998)
62
É importante observar que, embora os resultados de Bock & Miller (1991) e
Bock & Cutting (1992) possam ser interpretados em termos da posição
hierárquica do núcleo interveniente, essa análise não exclui a possibilidade de um
efeito de “empacotamento oracional”. É possível, inclusive, que tanto a estrutura
em que está inserido o núcleo interveniente (hipótese do empacotamento
oracional) quanto a posição sintática que este ocupa no DP sujeito (hipótese da
distância hierárquica) sejam fatores relevantes para o processamento da
concordância. Além disso, o contraste das estruturas investigadas por Bock e
colegas também não permite distinguir entre um efeito de distância sintática e um
efeito de distância linear, conforme visto na seção anterior.
Assim, para se testar a hipótese da distância hierárquica dissociada da do
empacotamento oracional, seria necessário verificar, em uma estrutura de mesmo
tipo, o efeito do núcleo interveniente em diferentes posições hierárquicas. Por
outro lado, para distinguir entre efeito sintático e efeito de linearidade, o núcleo
interveniente deveria poder variar tanto na distância hierárquica em relação ao nó
mais alto do sujeito quanto na distância linear em relação ao verbo.
As estruturas examinadas por Franck, Vigliocco & Nicol (2002), em
experimentos conduzidos com falantes de inglês e de francês, atendem a essas
duas exigências. Nesses experimentos, os preâmbulos eram constituídos de um
núcleo seguido de dois sintagmas preposicionais e o valor do traço de número de
cada núcleo nominal foi variado, como no exemplo a seguir:
The threat(s) to the president(s) of the company(ies)
N1
N2
N3
O objetivo do estudo foi verificar em que medida a posição sintática de um
elemento com número incongruente em relação ao número do núcleo do sujeito
poderia interferir na produção de erros. De acordo com a hipótese da distância
hierárquica, previa-se que quanto menor fosse a distância entre o elemento com
traço de número incongruente (N2 ou N3) e o núcleo do sujeito (N1) mais erros
ocorreriam. N2 induziria, portanto, mais erros do que o núcleo nominal
imediatamente contíguo ao verbo (N3).
63
Os resultados obtidos para as duas línguas estão de acordo com essa
previsão. Houve um efeito significativo da variável posição hierárquica. O núcleo
intermediário N2, quando com número incongruente em relação ao número do
núcleo mais alto (N1), induziu um número de erros de concordância maior do que
quando o contrário. Nenhum tipo de efeito foi obtido para N3. Esses resultados
sugerem, portanto, que não é distância linear curta entre o núcleo interveniente e
o verbo a condição que torna um núcleo nominal interveniente mais apto a gerar
um efeito de atração.
A posição hierárquica que este elemento ocupa no
sintagma parece ser o fator relevante na previsão de erros de atração: quanto mais
alto na hierarquia do sintagma este elemento estiver, maior a chance de erros de
atração serem obtidos.
A despeito dessas evidências empíricas, é possível levantar alguns
questionamentos ao modelo de processamento de percolação ascendente (cf.
Corrêa & Rodrigues, 2005; Rodrigues & Corrêa, 2004). Primeiro, não é claro de
que modo a percolação de um traço de número através de um núcleo preposicional
seria explicada de um ponto de vista lingüístico.34 Também não é explicitado
como informação de natureza morfofonológica poderia gerar interferência num
componente sintático. Mesmo que se assuma um modelo de natureza integrativa,
em que informações de diferentes níveis podem interagir, é difícil explicar que
esse efeito esteja associado a um efeito de posição estrutural do núcleo
interveniente. Por fim, pode-se dizer que o modelo de percolação ascendente não
provê propriamente uma explicação para a causa do erro de atração; trata-se mais
de uma caracterização de quando o núcleo interveniente gera mais erros. Não é
claro, contudo, por que o traço de número do núcleo do sujeito deixaria de ser
tomado como controlador da concordância nessas circunstâncias. Também ainda
se pode objetar que o modelo de percolação não permite distinguir a situação de
erro daquela em que a computação da concordância transcorre normalmente; o
mesmo mecanismo está em jogo nas duas situações.
34
Essa percolação talvez fosse possível no caso de preposição funcionais, que introduzem PPs
complementos, mas não no caso de preposições lexicais, que introduzem PPs adjuntos. A
preposição presente em PPs argumentos, diferentemente daquela que introduz PPs adjuntos, não
contribui para fixar o papel semântico do seu argumento; ela é inserida na sentença para prover o
caso do DP argumento. Em função disso, talvez possamos pensar, tomando-se por base o aporte
teórico da Morfologia Distribuída (Halle & Marantz, 1993), que a preposição nesses casos seja
inserida apenas num momento posterior ao da computação sintática. Isso permitiria que o traço de
número do núcleo interveniente pudesse percolar ascendentemente.
64
No cap. 8 são reportados resultados de experimento em português em que as
mesmas variáveis examinadas por Franck, Vigliocco & Nicol (2002) são
manipuladas. No cap. 7, apresenta-se o modelo proposto em Rodrigues & Corrêa
(2004)/Corrêa & Rodrigues (2005) como uma alternativa ao modelo de
percolação de traços. Considera-se a possibilidade de os erros serem resultado de
uma interferência de uma representação do DP sujeito gerada pelo parser no
momento da codificação morfofonológica do verbo.
4.1.2.3 Status argumental do sintagma modificador
Um fator muito pouco explorado na investigação dos fatores responsáveis
pela produção de erros de atração é o status argumental dos PPs modificadores do
nome local. Os experimentos sobre erros de atração em geral não controlam se o
núcleo interveniente está inserido em um PP argumento ou um PP adjunto35.
Considerando-se que uma distinção entre argumentos e adjuntos pode ser
traduzida em termos de diferenças quanto a posições estruturais na configuração
sintática do DP sujeito, um modelo de produção que busque caracterizar o tipo de
informação considerada pelo formulador sintático no processamento da
concordância não pode deixar de investigar esse fator.
Nesta seção, avalia-se, portanto, se status argumental do PP em que está
inserido um núcleo interveniente é uma fonte de interferência potencial no
processamento. Tendo em vista a quase inexistência de trabalhos sobre esse tópico
nos estudos sobre a produção, buscam-se elementos para discutir essa distinção
em estudos de compreensão, em particular nas pesquisas que investigam o papel
de informação relativa à estrutura argumental de nomes e de verbos para a
resolução de ambigüidades estruturais. A relevância desses trabalhos para os
35
O termo “argumento” foi empregado para fazer referência aos constituintes selecionados por um
dado núcleo lexical na estrutura sintática. Nos experimentos reportados nesta seção, investiga-se
especificamente o argumento que ocupa a posição de irmão do núcleo, o chamado complemento.
O termo “adjunto” refere-se ao constituinte que não está previsto na estrutura argumental de um
dado núcleo. O adjunto ocupa uma posição estrutural diferente da posição ocupada pelo
complemento, cf. será visto em detalhes ao longo desta seção. Para fazer referência indistinta a
PPs argumentos ou adjuntos, foi adotado o termo “modificador”. Importa ainda esclarecer que o
termo “argumento” também tem sido usado em lingüística para designar os elementos que
completam o sentido de um predicado. Embora haja uma correspondência entre argumento
semântico e argumento sintático, é importante dissociar as duas noções visto que os argumentos
semânticos podem apresentar comportamentos sintáticos diferenciados. Para uma discussão mais
ampla a esse respeito, ver Cançado (2005).
65
objetivos da presente tese está no fato de procurarem avaliar em que medida
decisões do parser baseadas em informação sobre estrutura argumental são de
natureza puramente sintática (ou léxico-sintática) ou espelham a interferência de
informação semântica ou mesmo de freqüência de uso das estruturas investigadas.
Após a discussão dos trabalhos de compreensão, são tecidas algumas
considerações a respeito de uma possível relação entre a acessibilidade de
informação de número do núcleo interveniente e a posição estrutural de
argumentos e adjuntos. Ao final, são comentados resultados de experimentos de
produção induzida de erros que indicam a atuação do status argumental do PP
modificador no processamento da concordância.
4.1.2.3.1 Resolução de ambigüidades estruturais e o papel de
informação relativa à estrutura argumental de nomes e verbos
Conforme foi dito na introdução desta seção, os principais trabalhos sobre
a interferência de informação lexical relativa à estrutura argumental no
processamento de sentenças têm sido produzidos no âmbito do estudo da
compreensão de sentenças. Investiga-se se esse tipo de informação é utilizada pelo
parser na resolução de ambigüidades sintáticas e em que momento tal informação
atuaria.
Duas hipóteses vêm orientando a condução de experimentos acerca dessa
questão: a de que as decisões iniciais do parser seriam guiadas por informação
lexical, com uma preferência pela aposição de argumentos na resolução de
ambigüidades sintáticas (Abney, 1989) e a hipótese de que o parser seria
orientado por princípios estruturais, como o da Aposição Mínima (Minimal
Attachment) e o da Aposição Local (Late Closure) (Frazier & Fodor, 1978;
Frazier, 1979; Frazier & Rayner, 1982). A distinção entre argumentos e adjuntos,
caso viesse a atuar, seria levada em consideração em uma etapa posterior ao
parsing, quando da integração com informação semântica.
Antes de reportarmos os resultados experimentais, cumpre esclarecer o que
são os princípios de Aposição Mínima (Minimal Attachment) e de Aposição Local
(Late Closure). Esses dois princípios estruturais fazem parte da Teoria do Garden
Path, um importante modelo de processamento de sentenças de base estrutural,
que sustenta a idéia de um parser modular, serial, com funcionamento automático
66
e encapsulado (cf. Frazier & Fodor, 1978; Frazier, 1979; Frazier & Rayner, 1982).
De acordo com esse modelo, o parser usaria apenas conhecimento de natureza
gramatical na identificação de relações sintagmáticas, sem sofrer qualquer
interferência de conhecimento de mundo. Dadas restrições de processamento e
armazenamento impostas pela própria arquitetura do sistema de memória de
trabalho, as decisões do parser seriam orientadas por dois princípios
fundamentais: o da Aposição Mínima e o da Aposição Local.
O princípio da Aposição Mínima especifica que o parser, com base nas
regras de boa formação da língua, deveria construir um marcador frasal
empregando o menor número possível de nós. O princípio da Aposição Local
especifica que o parser deveria apor os itens lexicais que fossem sendo
encontrados ao sintagma que estivesse sendo correntemente processado. 36
Com vistas a entender melhor o Princípio de Aposição Mínima, é relevante
o contraste entre as representações sintáticas das sentenças (a) e (b) a seguir (cf.
Frazier & Rayner, 1982):
(a) The city council argued the mayor´s position forcefully.
(b) The city council argued the mayor´s position was incorrect.
S
VP
NP
V
NP
adv
(a) The city council argued the mayor’s position
forcefully
S
VP
NP
S
V
NP
(b) The city council argued the mayor’s position
36
VP
was incorrect
Reproduzem-se, a seguir, as definições apresentadas em Frazier & Rayner (1982), p. 180:
Minimal Attachment: Attach incoming material into the phrase marker being constructed using
the fewest syntactic nodes consistent with the well-formdness rules of the language.
Late Closure: When possible, attach incoming lexical items into the clause or phrase currently
being processed (i.e., the lowest possible nonterminal node dominating the last item analyzed).
67
Frazier & Rayner (1982) observaram uma diferença em termos de tempo de
leitura entre a sentença (a) e a sentença (b). A sentença (a) foi lida mais
rapidamente do que a sentença (b). Esses resultados podem ser explicados da
seguinte maneira: guiado pelo princípio de menor número de nós, o parser
atribuiria inicialmente à sentença (b) a estrutura de (a), mas ao encontrar o verbo
“was” seria obrigado a refazer a análise e construir uma segunda estrutura, em que
o sintagma “The mayor’s position” seria o sujeito do verbo da oração encaixada.
Para exemplificar a aplicação de Aposição Local (Late Closure),
considere-se a ambigüidade da oração a seguir:
Someone shot the servant of the actress [who was on the balcony]
A ambigüidade dessa sentença reside na possibilidade de se concatenar a
oração relativa ao NP1 ou ao NP2. Como não há diferença entre as duas estruturas
em termos do número de nós no marcador frasal, o parser aplica o Princípio de
Aposição Local e concatena a oração relativa ao NP mais baixo, pois este seria o
sintagma correntemente processado.37
Passemos agora aos resultados de experimentos que buscaram avaliar se
informação argumental ou princípios estruturais orientam as decisões iniciais do
parser.
Clifton, Speer & Abney (1991) conduziram dois experimentos com falantes
de inglês, para verificar diferenças relativas ao tempo de leitura de sintagmas
preposicionais argumentos e adjuntos, concatenados a verbos e nomes. Foram
empregadas duas técnicas experimentais – a de leitura auto-monitorada (selfpaced reading procedure) e de tempo de fixação do olhar, com emprego de
equipamento de monitoramento do olhar (eyetracker).
As condições experimentais testadas encontram-se exemplificadas a
seguir38:
37
A universalidade desse Princípio do parser vem sendo questionada a partir de resultados
experimentais reportados por Cuetos & Mitchell (1998), com falantes de espanhol, os quais
apresentaram uma preferência por apor a relativa ao NP mais alto. Para trabalhos em português
sobre Aposição Mínima e Aposição Local, ver artigos das seções I e II de Maia & Finger (2005).
38
A barra indica as regiões de segmentação utilizadas na apresentação dos estímulos no
experimento 1 de leitura auto-monitorada .
68
C1: PP argumento de V: The saleswoman/ tried to interest/ the man/ in a
wallet/during the storewide sale/ at Steigers.
C2: PP adjunto de V: The man/ expressed/ his interest/ in a hurry/ during the
storewide sale/ at Steigers.
C3: PP argumento de N:The man/ expressed/ his interest/in a wallet/ during the
storewide sale/ at Steigers.
C4: PP adjunto de N: The saleswoman/ tried to interest/ the man/ in his
fifties/during the storewide sale/ at Steigers.
As previsões para a hipótese parser guiado por informação lexical e para a
hipótese parser guiado por princípios estruturais estão apresentadas no quadro a
seguir, adaptado de Clifton, Speer & Abney (1991), tabela 2:
C1 VP-ARG
C2 VP-ADJ
C3 NP-ARG
C4 NP-ADJ
Parser guiado por informação lexical
(preferência por argumentos)
Parser
guiado
estruturais
por
Reanálise?
Não
Sim
Não
Sim
Reanálise?
Não
Não
Sim
Sim
Tempo
Rápido
Rápido
Lento
Lento
Tempo
Rápido
Lento
Rápido
Lento
princípios
Os resultados de ambos os experimentos indicaram uma preferência inicial
do parser por aposição do sintagma preposicionado ao verbo, visto que C1 e
C2 foram lidas mais rapidamente do que C3 e C4. A condição C1 foi a que teve o
menor tempo de leitura entre todas as condições. Observou-se uma diferença
entre PPs argumentos e adjuntos apenas quando foram examinados os tempos de
leitura na região seguinte à do PP, o que foi tomado como indicativo de que a
informação relativa ao status argumental dos PPs modificadores só é levada em
consideração após o parsing sintático. Nos momentos iniciais do parsing, o
processador seria guiado pelos princípios estruturais de Aposição Mínima e de
Aposição Local.
Para que se possa compreender melhor a relação entre os resultados obtidos
e a aplicação dos princípios de Aposição Mínima e Aposição Local, reproduzimos
69
a seguir as representações das sentenças de cada condição fornecidas pelos autores
(fig. 3 de Clifton, Speer & Abney, 1991)39.
(1)
S
NP
(2)
VP
S
NP
VP
V’
V
(3)
(4)
NP
VP
V’ PP
NP
PP
V
S
NP
VP
V’
NP
D
D
S
V
N
V’
NP
D
N’
V
NP
NP
PP argumento de V
PP adjunto de VP
N
PP
D
N
PP argumento de N
PP adjunto de NP
A preferência por aposição inicial do PP ao VP (representações 1 e 2) é
justificada com base no Princípio da Aposição Mínima (Minimal Attachment),
pois a aposição ao NP exigiria a criação de um nó adicional – o nó N’
(representação 3) e o nó NP (representação 4). Quanto ao menor tempo de leitura
de C1 em relação à C2, este é justificado com base no Princípio de Aposição
Local (Late Closure), pois em C1 o PP seria concatenado ao sintagma que estaria
sendo correntemente processado.
Esses resultados foram bastante questionados, em particular por Schütze &
Gibson (1999), tanto em função de problemas identificados na construção do
material experimental como também em relação à visão de estrutura frasal
assumida pelos autores, a qual admite, entre outras particularidades, ramificações
ternárias (representação 1) e adjunção de constituintes como irmãos de X’
(representação 2). Pode-se ainda criticar o emprego não uniforme de uma
representação para adjunção, visto que o adjunto de NP está concatenado a um
segmento duplicado da categoria NP (representação 4) e o adjunto de VP não está
(representação 2).
A questão do tipo de estrutura frasal assumida é crucial quando se avalia se
as decisões iniciais do parser são ou não tomadas com base em princípios
39
PP
N
Clifton, Speer & Abney (1991), embora sigam em linhas gerais a notação empregada na teoria
X-barra, apresentam uma particular visão de estrutura frasal, a qual se distancia dessa teoria em
relação a vários aspectos, como será comentado a seguir.
70
estruturais, visto que, dependendo da teoria adotada, é possível fazer previsões
diferentes. Schütze & Gibson (1999) mostram que, se for adotada uma visão mais
tradicional de X-barra (cf. Jackendoff, 1977), a hipótese de aplicação de Aposição
Mínima (Minimal Attachment) faria prever que PPs argumentos de NPs seriam
preferidos a PPs adjuntos de VPs. Como se pode observar pelas representações
abaixo (cf. fig. 2, Schütze & Gibson, 1999), a representação em (2) envolve um
nó adicional (o VP). Considerando-se essa argumentação, os resultados de
Clifton, Speer & Abney (1991) não poderiam ser tomados como evidências a
favor desse princípio. 40
S
S
(1)
NP
VP
The man
V’
V
expressed
D
his
(2)
NP
N’
N
PP
interest in a wallet
PP argumento de NP
NP
VP
The man
VP
PP
in a hurry
V’
V
expressed
NP
D
his
N’
N
interest
PP adjunto de VP
Em relação ao material experimental, além da falta de controle de certos
fatores como total de palavras em pares contrastivos, quantidade de material
40
Um problema que se coloca ao se aplicar o Princípio de Aposição Mínima é o do que
exatamente conta como nó adicional na estrutura. Será que, por exemplo, o VP da representação
em 2 poderia ser considerado um nó adicional, já que ele representa um dos segmentos da
categoria VP, sendo a duplicação do nó um recurso formal utilizado para poder diferenciar
estruturas de adjunção na árvore sintática? E quanto às projeções intermediárias; será que do ponto
de vista do processamento, elas são levadas em consideração? Também seria interessante repensar
o Princípio da Aposição Mínima a partir da visão de estrutura frasal (bare phrase) adotada
correntemente no Programa Minimalista, que elimina os níveis da teoria X-barra, em função de
restrições impostas pela condição de Inclusividade (Inclusiveness Condition). De acordo com essa
condição, novos objetos (índices, níveis da teoria X-barra) não podem ser adicionados no curso da
computação sintática; qualquer estrutura formada pela computação deve ser constituída pelos
elementos já presentes nos itens lexicais selecionados na numeração (Chomsky, 1995, p. 228).
71
contido no PP modificador, e emprego de PPs formados por expressões
idiomáticas, um problema grave apontado por Schütze & Gibson (1999) diz
respeito a erros na identificação do status argumental dos PPs empregados nos
experimentos. Aplicados testes de diagnóstico, apenas 12 dos 16 itens teriam sido
corretamente classificados. Boland & Blodgett (submetido) consideram ainda que
alguns dos 12 itens teriam status argumental duvidoso.41
Diante dos problemas apresentados, Schütze & Gibson (1999) realizaram,
então, dois experimentos de leitura auto-monitorada, a fim de verificar se de fato o
status argumental dos PPs modificadores não causava qualquer interferência no
parsing.
Considerando
que
a
distinção
argumento/adjunto
não
pode
ser
tranquilamente estabelecida em termos de uma oposição binária, os autores
propuseram um refinamento da hipótese de preferência por argumentos
originalmente formulada por Abney (1989), em termos de uma Estratégia de
Preferência por Argumento (Argument Preference Strategy)42. Em casos de
ambigüidade, o parser selecionaria a aposição que maximizasse a relação
argumental entre o sintagma modificador e o ponto de aposição.
Como as condições críticas para se contrastar as duas hipóteses seriam “PP
argumento de NP” e “PP adjunto de VP”, os autores se limitaram a verificar os
tempos de leitura dessas duas condições vs. o tempo de leitura de uma condição
controle, que foi diferente em cada experimento. Veja-se a seguir exemplo de
sentença em cada condição.
C1 : PP argumento de NP The company lawyers/considered employee demands/
for a raise/ but they/didn’t act until a strike seemed imminent.
41
Sem dúvida, a distinção entre PPs argumentos e adjuntos nem sempre é simples de ser
estabelecida e nem todos os testes de diagnóstico fornecem resultados confiáveis. Parecem existir
casos fronteiriços, como os PPs instrumentais, o que talvez sinalize que a distinção entre
argumentos e adjuntos não tem uma natureza claramente binária. De todo modo, algum tipo de
controle pode ser feito, buscando-se utilizar PPs que, com base em um número expressivo de
testes, apresentem um padrão de comportamento mais associado a argumentos ou a adjuntos. Para
um resumo dos principais testes de diagnóstico para PPs argumentos, ver o apêndice A de Schütze
& Gibson (1999). Nesse apêndice, os autores também apresentam uma discussão acerca dos
resultados fornecidos pelos testes e de como se pode manter a hipótese de que haveria uma
preferência do parser por PPs argumentos, quando a própria distinção argumento x adjunto parece
não ser sempre facilmente capturada.
42
“Argument Preference Strategy: In cases of attachment ambiguity, the parser prefers the
attachment that maximizes the extent of the argument relation between the attaching phrase and
the attachment site.” (Schütze & Gibson, 1999, p. 411).
72
C2: PP adjunto de VP:The company lawyers/considered employee demands/ for a
month/ but they/didn’t act until a strike seemed imminent.
Na região seguinte à de desambigüização (região de duas palavras após o
PP)43, as sentenças com PPs argumentos de NPs foram lidas mais rapidamente
do que aquelas com PPs adjuntos de VPs. Não houve diferenças significativas de
tempo de leitura entre as condições nas regiões anteriores. Esses resultados foram
interpretados como compatíveis com a hipótese de que a análise inicial do parser
para estruturas ambíguas é afetada pela informação relativa ao status argumental
do PP modificador.44
Não houve preferência por aposição a VPs como no
experimento de Clifton, Speer & Abney (1991); logo, não há evidências de um
efeito de Aposição Mínima.
Speer & Clifton (1998), em experimentos de leitura (leitura automonitorada e monitoramento do olhar), também obtiveram resultados de que o
status argumental do PP modificador é um fator que atua nas decisões iniciais do
parser, havendo uma preferência por aposição de PPs argumentos na resolução de
ambigüidades estruturais. Além desse fator, os autores também manipularam a
plausibilidade de ocorrência do PP modificador em relação ao verbo (+ plausível
vs. –plausível), com vistas a tentar distinguir um efeito de status argumental de
um efeito de plausibilidade semântica.45
43
É importante notar que, embora o efeito de status argumental tenha sido observado na região
após o PP modificador tanto no experimento de Clifton, Speer & Abney (1991) quanto no
experimento de Schütze & Gibson (1999), neste a referida região compreende apenas duas
palavras curtas, tendo sido pois possível verificar um efeito de status argumental num ponto
anterior ao observado por Clifton et al.
44
Um resultado interessante, obtido no segundo experimento de Schütze & Gibson (1999) é a
diferença de tempo de leitura entre a condição PP adjunto de VP e a condição controle, com PP
não ambíguo:
PP adjunto de VP: The company lawyers/considered employee demands/ for a month/ but
they/didn’t act until a strike seemed imminent.
PP não ambíguo: The company lawyers/considered employee demands/ after a month/ but
they/didn’t act until a strike seemed imminent.
O PP não ambíguo foi lido mais rapidamente do que o PP adjunto de VP, o que é indicativo de
um efeito de garden path, no caso do PP adjunto de VP. A preposição do PP adjunto (for a month)
seria inicialmente considerada introdutora de um argumento do NP (demands), levando a reanálise
da sentença e a um aumento no tempo de leitura.
45
Para avaliar a plausibilidade dos itens experimentais, foi utilizado um pré-teste, em que os
sujeitos, após completarem uma sentença com um PP, deveriam julgar os PPs que seriam usados
no experimento utilizando para isso uma escala de 1 a 5 pontos, em que 1 simbolizava que o PP do
experimentador era tão compreensível/ claro quanto aquele fornecido pelo participante e 5, que o
PP do experimentador era sem sentido/absurdo. Com base nessas informações foram definidos os
PPs dos experimentos quanto à plausibilidade.
73
Em relação à plausibilidade, também foi identificado um efeito principal
desse fator nos dois experimentos, tendo, no entanto, esse efeito se prolongado
mais do que o de status argumental. Quanto à interação entre as duas variáveis,
esta foi significativa no experimento de leitura auto-monitorada apenas por
sujeito, com uma preferência por aposição de argumentos nas condições com PPs
pouco plausíveis. No experimento de monitoramento do olhar (eyetracking), não
houve interação entre plausibilidade e status argumental; no entanto, uma análise
em separado das fixações iniciais do olhar na região de desambigüização do PP
indicam uma preferência por argumentos tanto para os itens pouco plausíveis
quanto para os bastante plausíveis. Logo, embora plausibilidade seja um fator
levado em consideração na leitura das sentenças, é o status argumental do PP o
fator que parece atuar nos momentos iniciais do parsing. 46
Speer & Clifton (1998) afirmam que os resultados obtidos nos dois
experimentos são compatíveis com o princípio de “Preferência por Argumento”
(Abney 1989); consideram, porém, uma análise alternativa que permitiria explicar
46
Em relação a efeitos de plausibilidade, é interessante considerar resultados reportados em Maia
et al. (2005), sobre a aposição de PPs adjuntos em sentenças do tipo O policial viu o turista com o
binóculo, em que o PP com o binóculo pode tanto ser aposto ao verbo quanto ao nome. Em dois
experimentos de leitura – um estudo de questionário e um experimento de leitura auto-monitorada,
os autores testaram a Teoria do Garden Path, no que tange à atuação do Princípio de Aposição
Mínima, e a influência de fatores semânticos, não estruturais no parsing. No estudo de
questionário, manipulou--se o contexto anterior ao da sentença com o PP ambíguo: contexto –
plausível: Havia um turista no parque. O policial viu o turista com o binóculo; contexto
+plausível: Havia dois turistas no parque. O policial viu o turista com o binóculo. De acordo com
o princípio da Aposição Mínima, deveria haver uma preferência por apor o PP ao verbo nas duas
condições, visto que isso envolveria um menor número de nós no marcador frasal. De fato, nas
duas condições houve uma preferência por aposição alta (viu com o binóculo). No entanto, quando
se considerou isoladamente a condição + plausível, as diferenças foram menos acentuadas, com
um número significativamente maior de aposições baixas (turista com o binóculo). Como as
medidas nesse tipo de estudo são off-line, é possível que esse último resultado tenha refletido uma
decisão de reanálise do processador. No experimento on-line, de leitura auto-monitorada, duas
condições que forçavam uma leitura baixa foram acrescentadas às duas do primeiro experimento:
contexto –plausível: Havia um turista no parque. O policial viu o turista com a ferida aberta;
contexto +plausível: Havia dois turistas no parque. O policial viu o turista com a ferida aberta.
Os resultados revelaram também uma preferência por aposição ao verbo, demonstrando que as
decisões iniciais do parser são orientadas por princípios estruturais. Não houve também efeito
principal de plausibilidade, nem interação entre aposição sintática preferencial do PP (alta ou
baixa) e informação relativa à pressuposição pragmática (plausibilidade). Esses resultados sugerem
que o efeito de plausibilidade obtido no primeiro experimento não deve ter ocorrido no parsing,
mas sim na fase de integração com informação semântica. Logo, há evidências de que apenas
informação de natureza estrutural seria relevante para o parsing. Seria interessante verificar se nas
condições de aposição alta preferencial (O policial viu o turista com o binóculo), todos os PPs são
do tipo “instrumento”, pois há evidências sintáticas e semânticas de que PPs instrumentais podem
ser considerados argumentos (cf. Schütze & Gibson, 1999). De todo modo, os resultados de Maia
et al. são compatíveis com os de Speer & Clifton (1998) no que diz respeito a um efeito tardio de
plausibilidade.
74
uma interação entre plausibilidade e status argumental. No ponto de leitura do PP,
o efeito de plausibilidade foi maior para sentenças com PPs adjuntos do que com
PPs argumentos. Segundo os autores, esse efeito possivelmente reflete o fato de a
interpretação de sintagmas adjuntos ser fortemente dependente de fatores ligados
a conhecimento de mundo, diferentemente do que ocorre com sintagmas
argumento,
que seriam mais dependentes de informação gramatical. A
informação gramatical seria processada de forma mais rápida e de modo mais
homogêneo, resultando numa vantagem para os argumentos e numa redução do
efeito de plausibilidade destes quando comparados a adjuntos. Essa possibilidade
seria compatível com a Hipótese de Construal (Frazier & Clifton, 1996), uma
revisão da Teoria do Garden Path,
na qual se propõe uma distinção entre
sintagmas primários e não-primários em termos de como seriam processados pelo
parser. Os sintagmas primários seriam apostos ao marcador frasal, obedecendo
aos princípios estruturais de parsing nos moldes propostos por Frazier para a
Teoria do Garden Path (cf. Frazier & Fodor, 1978; Frazier, 1979; Frazier &
Rayner, 1982). Já os sintagmas não-primários seriam “associados”, isto é,
concatenados de forma “fraca”, sintaticamente subespecificada, e seriam
interpretados usando-se informação adicional estrutural e não-estrutural.
Adotando a hipótese de Construal na análise dos resultados experimentais, Speer
& Clifton (1998) formulam a seguinte explicação: os PPs seriam inicialmente
apostos à árvore sintática por serem sintagmas primários potenciais, o que
resultaria em sua análise como argumentos. Apenas se interpretação posterior
desconfirmasse essa análise, o PP seria tratado como sintagma não-primário, o
que geraria uma reanálise do sintagma como adjunto. O reflexo disso seria a
diferença de tempo de leitura entre sentenças com PPs argumentos e sentenças
com PPs adjuntos. Considerando-se, pois, a hipótese de Construal, pode-se dizer
que a preferência por argumentos seria, em última instância, um resultado da
aplicação de princípios estruturais pelo parser e não simplesmente a aplicação do
princípio de Preferência por Argumentos.47
47
A Hipótese de Construal foi formulada tendo-se em vista estruturas que não apresentavam um
comportamento uniforme quando da aplicação dos princípios estruturais de parsing, como
Aposição Mínima e Aposição Local. Entre as estruturas analisadas como não-primárias, que
seguiriam o princípio de Construal, estão as orações relativas (A table of wood that was from
Galicia), estruturas de predicação secundária (ex. John ate the broccoli raw/naked), XPs em
estrutura de coordenação (ex. The nurse weighed John and Mary) e orações adverbiais em
contextos específicos (ex. The doctor didn’t leave because he was angry) (cf. Clifton & Frazier,
75
Também tem sido proposto que a freqüência com que sintagmas ocorrem
junto aos núcleos lexicais influenciaria nas decisões do parser (MacDonald et al,
1994). De acordo com esse tipo de abordagem, previsões acerca de dificuldades
de processamento deveriam ser feitas em termos de preferências lexicais. Nesse
sentido, os resultados que indicam que, em contextos de ambigüidade sintática, o
parser privilegia a aposição de argumentos deveriam ser interpretados em termos
de freqüência: a maior rapidez na leitura de PPs argumentos seria decorrente de
estes ocorrerem com maior freqüência junto aos núcleos lexicais que os
selecionam. Esperar-se-ia, considerando-se essa proposta, que as decisões iniciais
do parser fosse afetadas por plausibilidade, a qual mantém uma relação com
freqüência (visto que em geral o mais plausível corresponderia ao mais freqüente).
No entanto, conforme reportado por Speer & Clifton (1998), na região do PP há
uma preferência por argumento, independentemente de plausibilidade.48
Kennison (2002) testa especificamente se a freqüência de uso de um verbo
como transitivo ou intransitivo poderia influenciar a análise de um NP pós-verbal
como argumento ou adjunto. Os autores manipularam a freqüência de ocorrência
dos verbos junto a NPs argumentos e adjuntos, o que deu origem a duas condições
experimentais: uma com verbos de emprego preferencial como transitivos e outra
com verbos de emprego preferencial como intransitivos. Também foi tomada
como variável independente o status argumental do NP, se argumento ou adjunto,
conforme exemplos a seguir (cf.tabela I, Kennison 2002):
1996, exs. (21), p. 43). Foge ao escopo desta tese avaliar em que medida essa teoria poderia ser
estendida para dar conta das estruturas de adjunção envolvendo PPs modificadores de nomes e de
verbos, em particular como seria feita a integração entre informação estrutural e semântica quando
da interpretação de sintagmas não-primários. De todo modo, é importante sinalizar que a idéia de
que certos tipos de sintagmas poderiam ser concatenados de forma diferenciada, de uma maneira
menos determinística, expressa pela idéia de “associação”, apresenta-se como uma possibilidade
interessante para dar conta da diferença entre argumentos e adjuntos.47 Ver Maia et Finger (2003),
para considerações iniciais acerca de uma possível relação entre a distinção Set-Merge e PairMerge (Chomsky 2001) e as relações primárias e não primárias propostas no âmbito do modelo de
Construal (Frazier & Clifton, 1996) e para um experimento com orações relativas em português,
em que são confrontados dois modelos de processamento: o modelo de Construal (Frazier &
Clifton, 1996) e a Hipótese da Prosódia Implícita (Fodor 1998, 2002).
48
Um dado interessante, para o qual infelizmente não foi realizada análise estatística, diz respeito
ao tempo de leitura de PPs adjuntos em função da variável plausibilidade: os de alta plausibilidade
são lidos mais rapidamente do que os de baixa plausibilidade. Esse resultado pode ser tomado
como uma evidência a favor de Construal, que prevê uma diferença entre sintagmas primários e
não-primários em termos de interferência de informação não-gramatical.
76
Status argumental
Verbos de emprego + transitivo:
Verbos de emprego – transitivo:
Everyone knew that/ Meredith/
Everyone
READ/every play/despite/her busy
PERFORMED/every play/despite/her
schedule./
busy schedule./
Everyone knew that/ Meredith/
Everyone
READ/every week/despite/her busy
PERFORMED/every
schedule./
despite/her busy schedule./
do NP
NP argumento
NP adjunto
knew
knew
that/
that/
Meredith/
Meredith/
week/
Foram realizados dois experimentos: um de leitura auto-monitorada e
outro de monitoramento do olhar (através de eyetracker). Os resultados dos dois
experimentos foram semelhantes: não houve diferença de tempo de leitura de NPs
argumentos após verbos + ou – transitivos. Já para os NPs adjuntos, houve
diferença: o tempo de leitura destes foi maior com verbos + transitivos do que
com verbos – transitivos. Logo, só foi obtido um efeito de freqüência de uso do
verbo (+ transitivo ou – transitivo) para os NPs adjuntos.
Quando comparados NPs argumentos e NPs adjuntos, os primeiros foram
lidos mais rapidamente do que NPs adjuntos após verbos + transitivos e não
houve diferenças em relação aos verbos – transitivos.
É importante observar que esses efeitos ocorrem relativamente tarde no
processamento das sentenças. No experimento de monitoramento do olhar, eles só
são detectados quando se considera o tempo total de leitura (definido como a
soma de todas as fixações feitas na região analisada). Isso sugere que freqüência
não é levada em consideração nas decisões iniciais do parser. Além disso, os
resultados indicam que esta informação só é relevante para os NPs adjuntos.
A título de síntese, vejamos o que os resultados de experimentos de
compreensão nos permitem afirmar acerca do papel de status argumental do PP
modificador no processamento de sentenças. Primeiro, foi visto que o parser é
sensível à informação relativa ao status argumental, com uma preferência por
aposição de argumentos à aposição de adjuntos em situações de ambigüidade
sintática. Segundo, foi verificado que, embora plausibilidade seja um fator levado
em conta no processamento, as decisões iniciais do parser são tomadas com base
em informação relativa ao status argumental do PP modificador. Também foram
obtidos efeitos de freqüência relativos ao uso de verbos com uso
+ ou –
transitivo, mas um experimento de monitoramento do olhar indicou que esses
77
efeitos ocorrem relativamente tarde. Logo, pode-se concluir que a preferência pela
aposição de argumentos não é determinada por fatores semânticos ou de
freqüência de uso. Estes fatores atuam como elementos de um processo
integrativo final, mas não são considerados no início do processamento da
sentença.
4.1.2.3.2 Diferenças estruturais entre argumentos e adjuntos e
questões de acessibilidade no processamento
Foi visto na seção anterior que a Hipótese de Construal permite explicar
preferências do parser pela aposição de argumentos na resolução de ambigüidades
estruturais. De acordo com essa hipótese, os argumentos corresponderiam a
sintagmas primários e seriam apostos de forma determinística à estrutura sintática,
já os adjuntos corresponderiam a sintagmas não-primários e seriam apenas
“associados” à árvore sintática, isto é concatenados de forma subespecificada,
permitindo que fontes não-sintáticas determinassem sua interpretação.
Esse tratamento diferenciado de argumentos e adjuntos é compatível com o
modo como relações de complementação e de adjunção vêm sendo caracterizadas
pela teoria lingüística gerativista.
Argumentos e adjuntos podem ser distinguidos em termos de relações de
continência e inclusão. Enquanto um argumento está contido e incluído na
projeção máxima de um núcleo, um adjunto é um constituinte que está apenas
contido. Considerem-se as definições e a representação sintática abaixo (cf. Mioto
et al., p.66)
Inclusão: α inclui β se e somente se todos os segmentos de α dominam β.
Continência: α contém β se nem todos os segmentos de α dominam β.
XP2
XP1
ZP2
X’
X
ZP1
78
Tomando-se o ZP1 e o ZP2 como dois sintagmas que se relacionam com o
núcleo X, pode-se dizer, com base nas definições dadas, que ZP1 está incluído na
projeção máxima desse núcleo, dado que é dominado por cada segmento de XP
(no caso, XP1 e XP2). Já o ZP2 não está incluído e sim apenas contido na
projeção máxima do núcleo X, pois é dominado apenas por XP2, mas não por
XP1.
Esse tipo de representação de certo modo reflete a idéia de que os adjuntos
são termos mais marginais, no sentido de menos diretamente vinculados ao núcleo
sintático, o que é consistente tanto com a distinção semântica de argumentos e
adjuntos como com o fato de que argumentos e adjuntos comportam-se
diferentemente em relação a um conjunto de testes sintáticos, por exemplo o de
extração de constituintes.
Do ponto de vista do processamento, uma idéia a ser explorada é a de uma
possível correlação entre acessibilidade de informações pela memória de trabalho
e a relação estrutural de argumentos e de adjuntos com o núcleo sintático.
Considerando-se que há evidências de que fatores estruturais podem determinar o
grau de acessibilidade de uma informação na memória (Mathews & Chodorow,
1988) e que argumentos e adjuntos se diferenciam em termos de como se
concatenam à árvore sintática, é possível prever que informação presente nesses
modificadores também tenha grau de acessibilidade diferenciado. Sintagmas que
em termos estruturais fossem mais fortemente vinculados à projeção máxima de
um núcleo teriam um grau de acessibilidade maior do que aqueles com vínculo
“menos forte”, isto é, que mantivessem apenas uma relação de continência com a
projeção máxima do núcleo sintático. Assim, no processamento de PPs ambíguos,
os tempos de leitura dos argumentos seriam menores do que os de adjuntos
porque aqueles estariam mais prontamente acessíveis, visto que o núcleo (seja o
verbo ou o nome) já traria informação se há ou não uma posição argumental na
estrutura sintática em construção que precisa ser preenchida. 49
49
Outro ponto a se considerar é que as preposições dos PPs que introduzem argumentos não são
do mesmo tipo daquelas que introduzem adjuntos. As primeiras são preposições funcionais; elas
apenas atribuem caso ao sintagma que introduzem. O papel temático é atribuído pelo núcleo. Já as
preposições que introduzem adjuntos, são lexicais, elas atribuem caso e também papel temático ao
sintagma. Assim, também em termos temáticos, há uma ligação mais forte do núcleo com
argumentos do que com adjuntos.
79
4.1.2.3.3 Erros de atração e o papel do status argumental de PPs
modificadores
Reportam-se a seguir alguns resultados referentes à produção de sentenças,
que permitem discutir a relevância do status argumental de PPs modificadores
para o processamento da concordância verbal.
Na literatura sobre erros de atração, esse fator é pouquíssimo discutido.
Há, não obstante, um conjunto de experimentos reportados em Solomon &
Pearlmutter (2004) sobre o papel de integração semântica50 no planejamento
sintático que permitem verificar se o tipo de PP (argumento/ adjunto) em que está
inserido o núcleo interveniente pode levar à produção de erros de concordância.
Os autores utilizam a técnica de produção induzida de erros, a partir da
apresentação de preâmbulos por via visual na tela de um computador.
Em 4 experimentos, os autores manipulam o grau de integração semântica
variando o tipo de preposição que liga os sintagmas que compõem os preâmbulos
experimentais. No primeiro experimento, o contraste é feito entre as seguintes
estruturas:
a. The drawing of the flower.
b. The drawing of the flowers.
c. The drawing with the flower.
d. The drawing with the flowers.
A idéia é que os sintagmas ligados pela preposição “of” seriam mais
integrados do que aqueles com a preposição “with”.
Os resultados obtidos foram os seguintes: houve efeito principal de
número do termo local, com mais erros na condição nome local plural; efeito
principal de tipo de preposição, com mais erros na condição com a preposição
“of”, e também interação das duas variáveis. O efeito de incongruência entre
50
A integração semântica é definida como uma propriedade do nível da mensagem que diz
respeito ao grau de ligação entre dois termos numa representação discursiva ou num modelo
mental. Os autores exemplificam essa propriedade a partir do contraste entre as estruturas em (1a)
e (1b).
(1) a. The ketchup or the mustard.
b. The bracelet made of silver.
Em (1a), embora os termos ketchup e mustard sejam similares em termos de sentido, eles não
seriam semanticamente integrados, porque (1a) não provê informação sobre como esses nomes se
relacionam um ao outro. Já os termos bracelet e silver em (1b) seriam semanticamente integrados
porque a expressão made off ofereceria informação específica sobre como esses dois nomes se
relacionam no fragmento em questão.
80
número do N1 e número do N2 foi maior para os preâmbulos com “of” do que
para os preâmbulos com “with”.
O problema é que esse experimento confunde diferenças de integração
semântica com a distinção argumento/adjunto. Logo, os resultados tanto podem
ser indicativos de um efeito de integração entre os sintagmas quanto de um efeito
de status argumental do PP modificador.
Nos 3 experimentos seguintes, Solomon & Pearlmutter (2004) manipulam
o grau de integração semântica apenas em PPs não-argumentos, de modo a tentar
isolar um efeito provocado por essa variável de um efeito de status argumental.
Os resultados obtidos revelaram que a incidência de erros de atração é maior após
sintagmas semanticamente mais integrados. Não é claro, no entanto, em que
medida os preâmbulos testados apresentariam todos a mesma estrutura e, nesse
sentido, é questionável a conclusão de que integração semântica é o único fator
que estaria afetando o processamento da concordância.51 Pode-se, pois, dizer que
os resultados desses experimentos não permitem excluir um possível efeito de
status argumental relativo ao PP em que está inserido o núcleo interveniente.
O quinto experimento de Solomon & Pearlmutter (2004) busca contrastar
diretamente a distinção argumento/adjunto e integração semântica. Para isso,
emprega, após o núcleo do sujeito, PPs argumentos, orações relativas e orações
completivas, conforme exemplos reproduzidos a seguir:
a. The report of the nasty auto accident.
b. The report of the nasty auto accidents.
c. The report that described the traffic accident.
d. The report that described the traffic accidents.
e. The report that Megan described the accident.
f. The report that Megan described the accidents.
Segundo os autores, a oração completiva permitiria verificar se o efeito
obtido no experimento 1 com PPs argumento poderia ser atribuído exclusivamente
ao status argumental do modificador, visto que os nomes nas orações completivas
51
Avelar (2005a, 2005b) apresenta evidências de que, no português brasileiro, PPs
tradicionalmente classificados como adjuntos adnominais podem se comportar de modo distinto
tanto semântica quanto sintaticamente e propõe 3 padrões de adjunção para constituintes
preposicionados na função de adjunto adnominal. Considerando-se a possibilidade de se estender
essa análise para o inglês, é possível que os PPs examinados por Solomon & Pearlmutter (2004)
correspondam a diferentes estruturas de adjunção e, nesse sentido, não seria possível atribuir os
resultados obtidos apenas a uma diferença relativa à variável integração semântica.
81
são semanticamente independentes do núcleo do sujeito. A oração relativa, por
sua vez, seria um adjunto ligado ao núcleo do sujeito por co-indexação, o que
garantiria a integração semântica entre o nome local e o núcleo.
Os resultados obtidos foram os seguintes: houve um efeito de estrutura, os
PPs induziram mais erros do que as orações, e as orações relativas induziram mais
erros do que as completivas. Também houve interação entre estrutura e número do
nome local: o efeito de incongruência de número foi maior nas condições com
PPs do que com orações. Não houve efeito de incongruência para as completivas e
identificou-se um efeito intermediário para as relativas.
A diferença entre relativas e completivas é apresentada como evidência de
que o status argumental da estrutura contendo o nome local não influenciaria os
processos envolvidos na concordância sujeito-verbo. Assim, o efeito observado no
experimento 1 seria, segundo os autores, decorrente apenas de integração
semântica. Uma diferença que não é satisfatoriamente explicada pelos autores é
porque nomes locais de PPs induziram mais erros do que nomes locais nas
relativas, já que em ambas as estruturas o nome local está integrado
semanticamente ao núcleo do sujeito. Uma possibilidade por eles considerada é
que, para haver integração semântica, não poderia existir fronteira oracional entre
os sintagmas, visto que a oração deixaria a informação do nome local “insulada”,
como proposto por Bock & Cutting (1992).
Um aspecto que merece atenção no experimento 5 é que as oração
classificada como completiva poderia ser temporariamente analisada como uma
oração relativa de objeto, o que levaria o sujeito a um efeito de garden path
quando encontrasse o nome local “accident(s)”. Os autores não fornecem a lista de
preâmbulos experimentais utilizados; logo, não é possível julgar se isso se repete
em todas as condições experimentais. De qualquer forma, trata-se de um problema
que pode vir a ter afetado os resultados, tendo-se em vista que os preâmbulos
eram apresentados na tela de um computador. Isso somado às críticas feitas aos
experimentos 1 a 4 indica que os resultados de Solomon & Pearlmutter (2004) não
podem ser tomados como conclusivos acerca do papel de status argumental do PP
em que se encontra o núcleo interveniente e que este fator ainda carece de
investigação. No capítulo 8, reportam-se os resultados de um experimento em que
se investiga especificamente a interferência desse fator no processamento da
concordância.
82
4.1.3 Fatores morfofonológicos
Em relação à possível interferência de fatores morfofonológicos no
processamento da concordância, resultados experimentais têm apontado de forma
bastante consistente para uma assimetria entre o número do núcleo do sujeito e o
de um núcleo interveniente, com maior ocorrência de erros na condição em que
aquele é singular e este, plural (Bock & Eberhard, 1993; Fayol et al. 1994;
Vigliocco, Butterworth & Semenza, 1995; Vigliocco, Butterworth & Garrett,
1996; Haskell & MacDonald, 2003, entre outros). Segundo Bock & Eberhard
(1993), esse efeito seria decorrente do modo como informação de número é
representada. Apoiados na visão de Jakobson (1957) de que todas as oposições
lingüísticas refletem uma diferença em termos de posse de uma dada propriedade,
os autores propõem que os nomes no plural apresentariam uma especificação para
número, seriam marcados em relação a essa propriedade, enquanto aqueles no
singular seriam destituídos dessa propriedade, seriam não-marcados. Partindo de
uma proposta de ativação de traços, os autores explicam a assimetria singularplural no processamento da concordância dizendo que, em preâmbulos com N1
sing e N2 pl, o nome local, por ser plural, apresentar-se-ia particularmente
ativado, podendo se sobrepor a N1, o que induziria um erro na seleção da forma
verbal correta.
Importante aqui distinguir marcação de número, enquanto uma
propriedade de natureza mais abstrata, relativa a um traço formal da língua,
relevante para a computação sintática, de uma realização fonológica de um traço
formal de número. Essa distinção, conforme se verá adiante, tem implicações
para o modelo de produção assumido na presente tese.
Uma questão que se coloca ao se investigar um efeito de marcação é em que
medida é possível dissociá-lo de um efeito meramente fônico. Resultados de
experimento com falantes de inglês realizado por Bock & Eberhard (1993) não
evidenciaram nenhum efeito da variável forma fônica do nome local. A forma
fônica foi manipulada a partir do contraste entre nomes flexionados no plural e
substantivos homófonos no singular, com a mesma terminação do afixo de plural:
The gardener with the hoes (pl) vs. The gardener with the hose (sing.) (em que
hose é homófono de hoes). Apenas os nomes flexionados no plural induziram
erros de atração, o que indica que o efeito não é meramente fônico. O experimento
83
não permite, contudo, distinguir entre um efeito morfológico (relativo à presença
de um traço formal de número) e morfofonológico. Esse aspecto será explorado
no experimento 5 do presente trabalho, fazendo-se uso de formas invariantes em
número como pires, no português.
Bock & Eberhard (1993) investigaram se haveria uma diferença entre
formas regulares e formas irregulares de plural em inglês, visto que nessa língua
há algumas poucas palavras para as quais o plural não se forma pelo acréscimo de
um afixo “s”. Alguns exemplos são os pares goose-geese, man-men, womanwomen, child-children, foot-feet, mouse-mice, tooth-teeth, ox-oxen. Os autores
contrastaram esses pares a outros cuja forma de plural é regular: swan-swans, boyboys, lady-ladies, hand-hands, rat-rats, mouth-mouths, horse-horses. A variável
“regularidade do nome local” não teve efeito significativo, isto é, plurais regulares
e irregulares induziram erros de atração igualmente, o que foi interpretado como
compatível com a idéia de que não é apenas a morfologia regular de plural que
controla a concordância, mas uma especificação mais abstrata de número. Esse
experimento foi replicado posteriormente por Haskell & MacDonald (2003),
tendo sido obtidos resultados na mesma direção.
É curioso observar que, na lista de plurais irregulares, alguns pares exibem
uma certa “regularidade” entre a forma singular e a forma plural, regularidade
essa relativa a uma mudança fônica ou no meio da palavra ou no final da palavra:
goose-geese, foot-feet, tooth-teeth; man-men, woman-women, child-children, oxoxen. Tendo isso em vista, talvez se possa considerar que também nos plurais
irregulares há uma informação de natureza fônica associada à informação abstrata
de número que contribua para a produção de erros de atração. Nesse sentido, não
se poderia descartar um efeito morfofonológico com base nesses dados. Em
termos experimentais, cabe citar que Haskell & MacDonald (2003) observaram
um efeito do tipo de plural no contraste de preâmbulos cujo núcleo era um
coletivo (The family of the rats vs. The family of the mice). O resultado indicou
um maior número de erros na condição plural regular.52
52
Haskell & MacDonald (2003) explicam esses resultados com base em um modelo de satisfação
de condições. Nesse modelo, múltiplos fatores interagiriam para determinar a concordância; e
efeitos de fatores sutis só emergeriam em condições nas quais fator(es) mais forte(s) também
estivessem atuando. Assim, a presença de um substantivo coletivo (nocionalmente plural e
gramaticalmente singular) seria uma condição que entraria em conflito com o problema da
marcação morfofonológica de número, fazendo com que a distinção plural regular x irregular
apresentasse um efeito na concordância. Quanto à maior ocorrência de erros com plurais regulares,
84
Outro tipo de dado relevante para se pensar a natureza da interferência
associada à marcação de número são os nomes que apresentam um traço de
número privativo plural, sem uma forma singular correspondente. Retomam-se
aqui os resultados experimentais com substantivos bipartidos e pluralia tantum
examinados na seção 4.1.1.2, referente a efeitos semânticos. Foi visto que esses
substantivos comportaram-se de modo distinto dos plurais regulares em termos de
indução de erros de concordância. Tanto os bipartidos (trousers, scissors), como
os pluralia tantum (accommodations, annals), embora tenham induzido mais
erros de atração do que substantivos no singular, eliciaram menos erros de atração
do que formas regulares de plural. Esse resultado parece sinalizar que o
processador leva em conta também a natureza do traço de número53 e
possivelmente a presença de uma marca aberta claramente associada a número.
Questões associadas à visibilidade da marcação de número no DP sujeito
também precisam ser consideradas na análise de erros de atração. Vigliocco,
Butterworth & Semenza (1995) reportam evidências de um efeito de marcação em
experimento, conduzido com falantes de italiano, no qual manipularam o tipo de
substantivo usado na posição de núcleo do sujeito e de nome local. Foram usados
substantivos flexionáveis em número e substantivos invariantes em relação a uma
forma de plural ou de singular.54 Verificou-se um maior número de erros com os
substantivos invariantes em número do que com os substantivos flexionáveis.
Esse resultado pode ser explicado em termos de visibilidade da informação
de número no DP sujeito como um todo: nos sintagmas com substantivos
invariantes, a informação de número só é expressa no determinante (artigos
definidos, no caso do experimento analisado) e este, por sua vez, não apresenta
Haskell & Mac Donald a atribuem à representação semântica de numerosidade associada a cada
tipo de plural. Segundo eles, os sintagmas com nomes locais de plural regular seriam
representados como sendo de algum modo mais plurais do que os sintagmas contendo nomes
locais de plural irregular. Não deixam claro, contudo, que propriedade dos plurais regulares faria
com que estes fossem representados de forma diferenciada dos irregulares.
53
A distinção entre bipartidos e pluralia tantum vs. plurais regulares pode ser capturada nos
termos de Chomsky (1995) a partir do conceito de traço formal intrínseco e opcional. O traço
intrínseco teria um valor já definido na representação do item lexical e o traço opcional teria seu
valor especificado no momento em que o item entra na numeração, a qual é um conjunto de itens
selecionados do léxico que serão empregados no curso de uma derivação sintática. Os bipartidos e
pluralia tantum teriam um traço intrínseco de número (no caso, plural) e os plurais regulares teriam
um traço opcional de número.
54
Em italiano substantivos como città, cinema são usados tanto acompanhados de determinantes
no singular quanto no plural. A informação de número é dada apenas pelo determinante: la città
(singular) vs. le città (plural); il cinema (singular) vs. i cinema (plural).
85
uma marca flexional exclusiva de número em italiano; além de informação de
número, os determinantes especificam informação relativa ao gênero do
substantivo e há muita variação em função disso. Há as seguintes formas de artigo
definido: la (fem.sing); le (fem.pl.); il (masc.sing.); i (masc.pl.); lo (masc. sing.);
gli (masc. pl.). Nos sintagmas com substantivos flexionáveis, por outro lado, a
informação de número é dada tanto no determinante quanto no nome, o que a
torna mais visível, no sentido de poder ser recuperada em dois pontos distintos.
Ainda em relação a um efeito de marcação associado à visibilidade e
regularidade da informação de número, são interessantes os resultados dos
experimentos de Franck, Vigliocco & Nicol (2002), no qual foi manipulado o
número do núcleo do sujeito (N1) e de núcleos intervenientes (N2 e N3), em
estruturas envolvendo dois PPs: The threat(s)N1 to the president(s)N2 of the
company(ies)N3. Os experimentos foram conduzidos com falantes de inglês e de
francês. Dois resultados chamam inicialmente a atenção: primeiro, o fato de o
total de erros (erros de concordância e de repetição do preâmbulo) ter sido maior
no francês (27.7%) do que no inglês (16.3%); segundo, a ausência de efeito de
número para os 3Ns no francês em comparação ao inglês, em que houve efeito de
número do N1 e do N2. O primeiro resultado está de acordo com o de trabalhos
anteriores, embora, no caso dos experimentos considerados, a diferença observada
se deva apenas aos erros de repetição. Já o segundo resultado, no que diz respeito
ao francês, está na direção contrária a resultados obtidos em experimentos
anteriores, com preâmbulos do tipo N1 + N2. Nesses trabalhos houve uma
assimetria entre singular/plural, com maior número de erros para quando o núcleo
do sujeito era singular.
Os autores explicam a diferença entre francês e inglês em termos de
diferenças de complexidade da morfologia verbal de cada língua. É estabelecida a
seguinte correlação: a probabilidade de se produzir um erro de concordância seria
função da possibilidade de se fazer um erro relativo à escolha da forma verbal
correta. A probabilidade de se produzir a forma verbal correta ao acaso seria
menor quando houvesse muitas formas do que quando houvesse apenas uma.
Como no francês a morfologia verbal é mais complexa e, por conseguinte, a
produção da flexão verbal mais sujeita a erro, também mais erros de concordância
poderiam ser produzidos. Além disso, no inglês as formas verbais de plural seriam
morfofonologicamente mais simples do que as de singular. Em inglês o singular
86
envolve o acréscimo de um –s e, segundo os autores, a adição de flexão teria um
custo computacional alto.55
Uma explicação bastante diferente desta permite dar conta dos resultados.
Tomando-se como fator relevante a questão da “visibilidade” da informação de
número no DP sujeito, pode-se atribuir a ausência de uma assimetria
singular/plural em francês ao fato de nessa língua a distinção singular/plural não
ser saliente nos nomes no caso da produção oral. Embora no experimento com
falantes de francês o preâmbulo tenha sido apresentado visualmente (modalidade
em que a distinção singular e plural é observada), os participantes deveriam ler e
depois repetir o preâmbulo completando a sentença preferencialmente com o
verbo être. Como na fala, a informação de número não é marcada nos nomes e os
determinantes não apresentam uma marca individualizada de número, é possível
que distinção singular/plural no francês não seja tão saliente quanto o é em outras
línguas. Já no caso do inglês, a informação de número é claramente obtida no
nome, o que justifica o menor número de erros de atração para as condições em
que o núcleo do sujeito é plural. 56
55
A hipótese de custo computacional assumida pelos autores foi apresentada por Vigliocco &
Franck (1999) para explicar resultados de experimentos em que investigaram a concordância de
gênero entre sujeito e predicativo. Nesses experimentos, verificou-se que em comparação a
falantes de italiano, os falantes de francês tinham uma particular tendência a produzir erros de
concordância com nomes femininos. A justificativa fornecida foi que enquanto a forma de
feminino de adjetivos em francês seria obtida pelo acréscimo de um morfema (ex. sourdmasc.,
sourdefem), em italiano ela seria resultante de uma variação vocálica [o] [a] (distrattomasc.,
distrattafem. ‘distraído(a)’). Independentemente da adequação desta hipótese para os dados de
gênero – note-se que o “o” final é considerado uma marca de masc. no francês, não nos parece que
o mesmo raciocínio possa ser aplicado aos verbos. Nos verbos regulares, o plural apresenta a
mesma pronúncia do singular e, nos verbos irregulares, em particular no verbo être empregado no
experimento com falantes de francês, as formas de singular e plural são totalmente distintas –
est/sont.
56
Sobre essa assimetria singular/plural observada no inglês, é interessante reportar resultados de
dois experimentos de compreensão, com a técnica de leitura auto-monitorada, realizados por
Pearlmutter (2000). O autor testou o tempo de leitura para preâmbulos como The lamp near the
painting of the house, manipulando, em cada experimento, o número dos núcleos nominais
intervenientes (painting e house). No primeiro experimento, o número do N1 era sempre singular
e, no segundo, plural. Para N1 sing, as condições em que N2 e/ou N3 eram incongruentes em
relação a N1 induziram mais erros do que a condição neutra, porém não houve diferença em
relação ao número de N2 e N3. Já para N1 plural, houve um efeito significativo do número de N2,
com maior tempo de leitura para as condições em que este era singular, incongruente em relação
ao número do núcleo do sujeito (The lamps near the painting of the houses; The lamps near the
painting of the house). Não houve efeito de N3.
A diferença entre o experimento 1 e o experimento 2 pode ser atribuída a um efeito de
marcação. Segundo Pearlmutter, sendo o plural uma forma marcada, os DPS com núcleo do sujeito
plural seriam resistentes à interferência de elementos intervenientes e apenas fatores efetivamente
relevantes poderiam afetar a concordância com o núcleo do sujeito. Assim, segundo o autor, se
houvesse uma diferença entre N2 e N3, ela deveria ter maior probabilidade de se manifestar com
87
O português, como veremos no experimento 2, apresenta-se como uma
língua interessante para distinguir entre as duas hipóteses, visto que, embora a
informação de número seja saliente como no caso do inglês, a morfologia verbal
aproxima-se mais do francês. Logo, se de fato o que conta é a morfologia, o
português deveria se comportar como o francês; se, no entanto, a “visibilidade”
for o fator relevante, o português deverá apresentar resultados semelhantes aos do
inglês.
um núcleo do sujeito plural. A idéia é que o singular seria tão fraco que um elemento interveniente
tanto em N2 quanto em N3 poderiam interferir no processamento, levando a uma redução no
tempo de leitura. Já no caso do plural, sendo este mais forte, ele filtraria efeitos de elementos com
menos possibilidades de gerar interferência, no caso, um efeito de N3. O autor não compara os
dois experimentos no sentido de verificar se, no total, é significativa a diferença de tempo de
leitura entre N1singular e N1 plural; de qualquer modo, os resultados apresentados sugerem que,
assim como na produção, há uma assimetria entre singular e plural e um efeito de marcação no
processamento da concordância.
88
5 Distinguindo casos de concordância licenciados pela
gramática da língua de falhas de processamento – uma
análise da concordância “facultativa” com construções
partitivas
Este capítulo tem como objetivo prover uma análise lingüística para as
construções partitivas do tipo “A maioria de + DP” e “Uma parte de + DP”, as
quais, além da concordância canônica entre sujeito e verbo, também licenciam em
português a concordância com o segundo núcleo nominal do DP sujeito, como se
observa em (1)57.
(1)
a. A maioria dos jogadores de futebol viajou ontem.
b. A maioria dos jogadores de futebol viajaram ontem.
Este tópico integra-se à discussão relativa aos erros de atração, pois permite
diferenciar a concordância enquanto um processo sintático, decorrente de
operações do sistema computacional sobre traços formais da língua, daquilo que
seria uma falha resultante de algum tipo de interferência no processamento da
concordância, como a que se verifica em (2b).
(2)
a.
O treinador dos jogadores de futebol viajou ontem.
b. *O treinador dos jogadores de futebol viajaram ontem.
Partindo-se da hipótese de que cada alternativa de concordância em (1)
corresponde a uma representação estrutural distinta da construção partitiva, buscase determinar o que explicaria a existência de duas representações diferentes e
como seria cada uma delas. Considera-se inicialmente uma explicação baseada na
pluralidade semântica das partitivas. Verifica-se, em seguida, uma possível
associação entre leitura da partitiva (de grupo vs. distributiva) e o termo
selecionado como controlador da concordância (primeiro ou segundo núcleo
nominal do DP sujeito). Discute-se, então, a natureza categorial dos itens lexicais
“maioria” e “parte” e avalia-se como uma distinção entre propriedades lexicais e
funcionais associadas a esses itens poderia dar origem a estruturas sintáticas
distintas, com conseqüente reflexo para a concordância.
57
Com o objetivo de facilitar a leitura, utilizou-se uma seqüência de numeração dos exemplos
própria para o capítulo.
89
Também são apresentados, neste capítulo, os resultados de uma tarefa de
julgamento de gramaticalidade, em que um grupo de falantes avaliou a
concordância verbal (singular e plural) com construções partitivas e com DPs
complexos, em sentenças semelhantes àquelas exemplificadas respectivamente em
(1) e (2). Foi utilizado um procedimento psicolingüístico de testagem a fim de se
poder examinar, de forma mais controlada, como os falantes julgam as referidas
sentenças e determinar em que medida estes diferenciam as duas construções
quanto ao processamento da concordância.
5.1 Análise lingüística
5. 1. 1 Concordância “ad sensum” e leitura de grupo vs. leitura
distributiva
No estudo das partitivas, uma primeira questão que se pode colocar é se a
ocorrência do verbo no plural seria determinada pela atribuição de uma idéia de
pluralidade ao sujeito, fenômeno tratado nas gramáticas tradicionais sob o rótulo
de concordância ad sensum ou silepse. Assim, no lugar de estabelecer a
concordância canônica com o núcleo do sujeito, o verbo concordaria com um
número conceitual plural do sujeito.
A esse respeito, é pertinente a observação de Peres & Móia (1995) de que
não se pode atribuir ao sentido plural da expressão no seu todo o fato de o verbo
vir flexionado no plural. Se assim o fosse, deveriam ser igualmente aceitáveis as
sentenças a seguir:
(3)
*A maior parte do rebanho puseram-se a fugir. (Peres & Móia, 1995,
ex.1603)
(4)
A maior parte das ovelhas puseram-se a fugir. (Peres & Móia, 1995,
ex.1604)
O fenômeno em exame é mais complexo e parece estar associado à escolha
sintática de um dos núcleos nominais como o determinante da concordância
verbal. Cumpre, pois, investigar o que determina a escolha do núcleo com o qual
o verbo irá entrar em relação de concordância.
90
Gramáticas normativas da língua portuguesa (Cunha & Cintra, 1985; Lima,
1986; Bechara, 1999) sugerem que a definição do termo controlador da
concordância dependeria de questões estilísticas: o verbo ficaria no singular
quando o conjunto estivesse em destaque e, no plural, quando a ação verbal
pudesse ser atribuída separadamente aos elementos que compõem o todo.58
Nesse
sentido,
esperar-se-ia
que
o
português
apresentasse
um
comportamento semelhante ao do espanhol em que, de acordo com Brucart (1997
apud Saab, no prelo a), haveria uma correspondência entre concordância verbal e
leitura atribuída a expressões partitivas e pseudo-partitivas na posição de sujeito59.
O verbo no plural estaria associado a uma leitura distributiva dessas expressões e
o verbo no singular, a uma leitura de grupo. A sentença (a) abaixo é um exemplo
de construção pseudo-partitiva e as outras, exemplos de construções partitivas.
(5)
a. Un grupo de senadores votó/votaron la ley.
b. Un grupo de los senadores votó/votaron la ley.
c. La mayoría de los senadores votó/votaron la ley.
d. Una parte de los senadores votó/votaron la ley.
O português, contudo, não se comporta como o espanhol. Em primeiro
lugar, expressões pseudo-partitivas e partitivas encabeçadas pelo substantivo
“grupo” não licenciam verbo no plural, como se pode observar nas sentenças (6a)
e (6b) a seguir, correspondentes, respectivamente, às sentenças (5a) e (5b):
(6)
a. Um grupo de senadores votou/*votaram a lei.
58
A concordância do verbo com o substantivo plural das construções partitivas já se observa em
textos quinhentistas. A esse respeito, ver Said Ali, M., Gramática Histórica da Língua
Portuguesa. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Melhoramentos: Brasília, DF: Editora Universidade de
Brasília, 2001, p. 218, § 1453.
59
A distinção entre construções partitivas e pseudo-partitivas vem sendo estabelecida na literatura
de orientação gerativista desde os trabalhos de Selkirk (1977) e Jackendoff (1977). Embora
superficialmente a diferença entre essas construções pareça se limitar à ocorrência de um
determinante no PP partitivo, elas apresentam comportamentos distintos em relação a um
conjunto de fenômenos, tais como extraposição, modificação por adjetivo, s-seleção, stranding de
preposição, anteposição do sintagma preposicionado, recursividade (cf. Selkirk, 1977; Deevy,
1999; Alexiadou, Haegman & Stavrou, 2003; Stickney, 2004). Para uma discussão do
comportamento sintático de partitivas vs. pseudo-partitivas e de representações estruturais que vêm
sendo propostas, ver Stickney (2004).
91
b. Um grupo dos senadores votou/*votaram a lei.60
Em segundo lugar, os falantes não parecem ter qualquer tipo de preferência
por uma leitura de grupo ou distributiva em função da forma do verbo (singular ou
plural) como ocorre com o espanhol.61 Antes, contudo, de se descartar uma
possível correspondência entre concordância verbal e leitura da partitiva, foram
examinados contextos sintáticos que poderiam licenciar apenas uma possibilidade
de leitura da expressão partitiva, a fim de verificar se nesses contextos uma dada
forma verbal seria privilegiada.
Um primeiro contexto sintático examinado foi o de elipse nominal. Em
espanhol, nomes que participam em construções de concordância ad sensum não
podem sofrer elipse. Entre essas estruturas, estariam também as construções
partitivas. De acordo com Saab (no prelo a; no prelo b), embora as sentenças com
o verbo no singular sejam julgadas marginais, é possível ainda assim estabelecer
um contraste entre estas sentenças e aquelas em que o verbo fica no plural.
(7)
a. ? La mayoria de los senadores votó a favor de la ley pero la mayoría de
los diputados votó en contra.
b. *La mayoria de los senadores votaron a favor de la ley pero la mayoría
de los diputados votaron en contra.
60
Na aplicação do teste de julgamento de gramaticalidade, alguns falantes perceberam um
contraste entre as sentenças em (6) quando o verbo estava no plural. Foi considerada menos
marginal a concordância plural com a expressão pseudo-partitiva do que com a expressão partitiva.
De todo modo, em ambos os casos houve uma clara preferência pelo verbo no singular. Quando se
substitui o artigo indefinido “um” por um artigo definido ou por um demonstrativo, não há dúvidas
quanto a agramaticalidade da concordância plural:
O/Aquele grupo de senadores votou/*votaram a lei.
É possível que essas diferenças de julgamento estejam associadas ao status categorial
atribuído à palavra “grupo” em cada sentença. Quando numa construção pseudo-partitiva,
antecedido pelo indefinido, o termo “grupo”, embora não perca seu status de nome, parece
também funcionar com uma espécie de quantificador, o que, como veremos mais adiante, pode
influenciar na concordância verbal.
61
Mesmo para o espanhol, ao contrário do que afirma Brucart (1997), nem sempre é clara a
relação entre concordância verbal e leitura de expressões pseudo-partitivas. Saab (no prelo a) cita
um exemplo de sentença em que um verbo no plural concorda com uma expressão pseudopartitiva a qual, dada a presença de um adjetivo, só pode ser atribuída uma leitura de “grupo”.
Nesse caso, só deveria ser possível a concordância singular, no entanto a sentença é perfeita em
espanhol:
Un numeroso grupo de hombres, mujeres y ninõs formaron una extensa cola.
92
No português, em sentenças semelhantes, o julgamento dos falantes
consultados não foi muito claro, tendo ocorrido um estranhamento quanto à
própria elipse de “maioria”, independentemente da concordância verbal. De todo
modo, assim como no espanhol, também é possível capturar um contraste entre as
sentenças (8a) e (8b).
(8)
a. ?A maioria dos senadores votou a favor da lei, mas a maioria dos
deputados votou contra.
b. *A maioria dos senadores votaram a favor da lei, mas a maioria dos
deputados votaram contra.
Quando se verifica a aceitabilidade de sentenças com o partitivo “parte”, a
elipse nominal não é possível, independentemente da concordância verbal.
(9)
a. *Uma parte dos senadores votou a favor da lei, mas uma parte dos
deputados votou contra.
b. *Uma parte dos senadores votaram a favor da lei, mas uma parte dos
deputados votaram contra.
Logo, parece que a recusa à elipse de nomes que integram as expressões
partitivas analisadas não está relacionada ao valor do traço de número do verbo.
Note-se que, mesmo quando questões de concordância não estão em jogo, tanto
“maioria” quanto “parte” não podem ser elididos.
(10)
a. * Na festa do departamento, eu encontrei a maioria dos alunos, mas não
a maioria dos professores.
b. * Na festa do departamento, eu encontrei uma parte dos alunos, mas
não uma parte dos professores.
93
Em português, portanto, o contexto de elipse não permite testar se a
concordância verbal está associada a uma dada leitura da partitiva, visto que são
marginais ou agramaticais as construções em que há elipse do nome partitivo.62
Excluído o contexto da elipse nominal, buscou-se verificar se era possível
estabelecer alguma correlação entre classe aspectual do verbo e uma dada leitura
da construção partitiva. A idéia de buscar essa correlação surgiu da leitura do
trabalho de Nakanishi & Romero (2004) a respeito de propriedades semânticas de
construções em inglês com “most”.
Partindo das classes aspectuais de Vendler (1967)63, os autores mostram que
a construção “most of the NPs” pode receber uma leitura coletiva com verbos de
atividade e com verbos de accomplishment, mas não com verbos de achievement e
verbos estativos. Nesse aspecto, as construções “Most of the NPs” se distanciam
dos DPs definidos plural, os quais podem receber as duas interpretações
independentemente da classe aspectual do verbo com que ocorrem, e se
aproximam de DPs definidos com “all”, que apresentam exatamente o mesmo
padrão, como pode ser observado no quadro a seguir:
62
Note-se que a elipse é possível quando o termo “maioria” é empregado na acepção de “grupo
que, numa assembléia, reúne o maior número de votos” :
O governo conseguiu o apoio da maioria dos deputados, mas não da dos senadores.
Conforme veremos adiante, nesse caso “maioria” apresenta uma natureza claramente “lexical”, o
que tem implicações estruturais relevantes. Será proposto que nos casos em que “maioria” é um
elemento lexical, ela irá atuar como o termo controlador da concordância. É possível, pois, que na
sentença (10a) a acepção de “grupo dominante” tenha interferido nos julgamentos, levando os
falantes a preferirem o verbo no singular, concordando com “maioria”. O mesmo possivelmente se
aplica ao espanhol para a sentença (9a). Na seção 5.1.2, este tópico será retomado.
63
Vendler (1967) propõe a classificação dos verbos em 4 classes para definir o que seria o
esquema temporal subjacente do verbo, isto é, sua Aktionsart (modo de ação): verbos estativos,
verbos de atividades, verbos de accomplishment e verbos de achievement. Os primeiros se
caracterizam por não denotarem ações nem movimentos e por se manterem por um dado intervalo
de tempo (Paulo ama Maria). Os verbos de atividades denotam um processo que não apresenta
ponto de término definido (Paulo nada bem). A distinção entre os verbos de accomplishment e os
verbos de achievement é determinada pela instantaneidade do evento. Ambos denotam eventos que
apresentam um ponto final inerente, mas os de accomplishment correm em direção a esse ponto
final (Paulo bebeu uma garrafa inteira de vodka) e os de achievement ocorrem em um momento
único (O terrorista explodiu uma bomba). É importante, notar, contudo, que as propriedades de
um predicado podem ser alteradas pela interação desse predicado com os objetos, os adjuntos e os
outros elementos da oração. Logo, certos verbos podem ter um comportamento variável
dependendo de sua realização na frase. Um verbo como correr, por exemplo, é classificado como
de atividade na frase Paulo corre na Lagoa, mas como verbo de accomplishment na frase Paulo
correu 5 km na maratona do Rio de Janeiro. O acréscimo da expressão “5km” ao verbo correr
impõe um limite final intrínseco ao evento expresso pelo predicado determinando a mudança de
classe aspectual. Assim, ao se considerar a interação entre o Aktionsart do verbo e a leitura do DP
partitivo é preciso levar essa variabilidade em consideração.
94
Verbos de estado
Verbos de atividade
Verbos de
The bottles are too
The boys lifted the
heavy to carry.
piano.
Coletiva / Distributiva
All +
DPs
Verbos de achievement
accomplishment
The girls built a raft.
The girls found a cat.
Coletiva / Distributiva
Coletiva / Distributiva
Coletiva / Distributiva
All the bottles are too
All the boys lifted the
All the girls built a raft.
All the girls found a
heavy to carry.
piano.
definidos
*Coletiva / Distributiva
Coletiva / Distributiva
Coletiva / Distributiva
?Coletiva / Distributiva
Most of +
Most of the bottles are
Most of the boys lifted
Most of the girls built a
Most of the girls found
DPs
too heavy to carry.
the piano.
raft.
a cat.
definidos
*Coletiva / Distributiva
Coletiva / Distributiva
Coletiva / Distributiva
?Coletiva / Distributiva
DPs
definidos
cat.
Nakanishi & Romero (2004) observam que os verbos de achievement
podem ser tomados como verbos de accomplishment quando se atribui algum
processo a esses predicados. Isso explica a dúvida quanto à possibilidade de
interpretação coletiva do sujeito de verbos de achievement. Assim, a única classe
de verbos que parece licenciar uma única leitura da expressão “most of the NPs” é
a dos estativos. Essa classe é, portanto, a que pode se mostrar relevante para se
examinar a relação entre concordância verbal e leitura da expressão partitiva em
português. 64
De fato, em português também se verifica a impossibilidade de leitura
coletiva quando o verbo é de estado, conforme ilustram os exemplos a seguir,
correspondentes aos do inglês:
64
Nakanishi & Romero (2004) explicam as diferenças entre DPs definidos plural e all the NPs e
Most of the NPs a partir da análise de Brisson (1998, 2003). De acordo com esse autor, nos DPs
definidos plural haveria um operador distributivo D que se aplicaria opcionalmente ao predicado
verbal: [[ be. heavy]] geraria a leitura coletiva e [[D be.heavy]] geraria a leitura distributiva. Já all
sinalizaria a presença de um operador distributivo. Além disso, Brisson considera que predicados
que expressam atividades e accomplishments, mas não os predicados estativos e de achievements,
seriam decompostos em 2 VPs: um VP mais baixo cujo núcleo seria um estado e um VP mais alto
cujo núcleo seria um verbo abstrato DO. Esse verbo abstrato DO compreenderia um conjunto de
ações ( um conjunto de doings) necessárias à realização da ação expressa pelo predicado em
questão (p.ex., construir uma canoa envolveria um conjunto de Doings –pegar madeira, martelar,
etc.). Haveria, pois, dois locais possíveis de inserção do operador D para verbos de atividade e de
accomplishment. A leitura distributiva seria obtida a partir da inserção do operador distributivo no
VP mais alto e a coletiva com a anexação do operador ao verbo abstrato DO. Assim, na sentença
All the boys lifted the piano, a leitura distributiva significaria que para cada menino há um evento
diferente de erguer o piano. Já, na leitura coletiva, para cada menino haveria um evento diferente
de Doing que seria parte de um evento único coletivo correspondente a erguer. No caso dos
predicados estativos e de achievement, como eles não apresentam um núcleo DO, só seria possível
anexar o operador D ao VP mais alto, logo apenas a leitura distributiva seria gerada. Nakanishi &
Romero estendem essa análise a most of the NPs, dado que essa construção apresenta o mesmo
padrão que all of the NPs em relação às possibilidades de leitura associadas a cada classe aspectual
do verbo.
a . A tiv id a d e s , A c c o m p lis h m e n ts
DV P
d is trib u tiv o
C o le tiv o
DV
A g e n te + D O
b . E s ta d o s , A c h ie v e m e n ts
d is trib u tiv o
VP
lift th e p ia n o , b u ild a ra ft
DV P
B e heavy
95
(11) a. A maioria das garrafas era muito pesada para carregar. (verbo de estado:
*coletiva/distributiva)
b. A maioria dos rapazes ergueu o piano. (verbo de atividade:
coletiva/distributiva)
c. A maioria das garotas construiu um bote. (verbo de accomplishment:
coletiva/distributiva)
d. A maioria das garotas achou um gato. (verbo de achievement:
?coletiva/distributiva)
Isso não significa, contudo, que certos verbos pertencentes a outras classes
aspectuais também não possam privilegiar uma dada leitura do DP ou até mesmo
limitar a leitura do DP a uma dada interpretação. Um verbo de atividade como
nadar, por exemplo, parece deflagrar uma leitura distributiva da partitiva:
(12) A maioria dos alunos nada bem.
Assim, embora seja interessante essa relação entre leitura da partitiva e
classe aspectual, ela precisa ser vista com cuidado, considerando-se tanto a
própria complexidade envolvida na definição da classe aspectual quanto
particularidades semânticas relacionadas à possibilidade de a ação expressa pelo
verbo ser realizada individualmente ou ser uma ação dependente de
implementação coletiva.
Retomando a questão da concordância verbal, buscou-se verificar, a partir
de consulta informal a um grupo de falantes, se em sentenças com DPs partitivos
na posição de sujeito de verbos estativos haveria uma preferência pela
concordância plural, já que essa classe aspectual parece privilegiar uma leitura
distributiva do partitivo e o verbo no singular estaria associado a uma leitura
“coletiva”do sujeito:
(13) a. A maioria das caixas era muito pesada para se carregar.
a’. A maioria das caixas eram muito pesadas para se carregar.
b. A maioria das crianças acredita em Papai Noel.
96
b’. A maioria das crianças acreditam em Papai Noel.
c. Uma parte dos jogadores estava no hotel da concentração.
c’. Uma parte dos jogadores estavam no hotel da concentração.
d. Uma parte dos alunos gosta da aula de matemática.
d’. Uma parte dos alunos gostam da aula de matemática.
Embora alguns falantes expressem uma preferência pelo verbo no singular,
possivelmente determinada por pressões do ensino formal, as sentenças dos pares
acima são consideradas gramaticais, o que sugere ser necessário dissociar a
questão da escolha da forma verbal de possíveis leituras atribuídas à construção
partitiva.
Ainda no sentido de tentar excluir uma possível relação entre concordância
verbal e leitura da partitiva, procurou-se delimitar um contexto sintático que
licenciasse apenas a leitura de grupo do DP partitivo.
De acordo com Mioto & Negrão (2003, p.28), as sentenças clivadas em
português apresentam foco identificacional e a posição de foco identificacional, de
acordo com Kiss (1998), só pode ser ocupada por sintagmas denotadores de
grupo. Isso explicaria o contraste entre as sentenças (14a) e (14b) abaixo, as quais
têm a posição de foco ocupada respectivamente por um sintagma denotador de
grupo e por um sintagma distributivo65:
(14) a. Foram várias bolsas que Maria comprou naquela loja.
b. *Foi cada bolsa que a Maria comprou naquela loja.
Se a leitura distributiva ou de grupo da partitiva for determinada pela
concordância verbal, podemos imaginar que apenas serão licenciadas na posição
de foco da clivada as partitivas que estabelecerem concordância no singular com o
65
De acordo com Mioto & Negrão (2003), Kiss (1998) explica a agramaticalidade da sentença
com o sintagma distributivo a partir da teoria sintática do escopo de sintagmas quantificados
proposta por Beghelli & Stowell (1997), a qual é retomada por Szabolcsi (1997) para tratar da
estrutura sentencial do húngaro. Para detalhes acerca da noção de foco identificacional, ver Mioto
& Negrão (2003).
97
verbo da oração encaixada.66 No entanto não é isto o que se observa nas sentenças
abaixo:
(15) a. Foi a maioria dos alunos que elegeu o diretor.
a’. Foi a maioria dos alunos que elegeram o diretor.
b. Foi a maioria dos deputados que depôs o ministro.
b’. Foi a maioria dos deputados que depuseram o ministro.
c. Foi uma parte dos passageiros que empurrou a Kombi.
c’. Foi uma parte dos passageiros que empurraram a Kombi.
d. Foi uma parte dos funcionários que pediu aumento.
d’. Foi uma parte dos funcionários que pediram aumento.
A leitura coletiva do partitivo é assegurada independentemente da
concordância verbal estabelecida entre a construção partitiva e o verbo da oração
encaixada. Logo, assim como na situação dos verbos estativos que impõem uma
leitura distributiva da partitiva, não parece haver relação entre concordância
verbal e leitura da construção partitiva.
5.1.2 Estrutura das partitivas e dupla possibilidade de concordância
Não há trabalhos em português que examinem especificamente a estrutura
das construções partitivas e o problema da concordância verbal. Há, não obstante,
estudos sob a perspectiva da Teoria da Variação Lingüística que fazem referência
às construções partitivas na investigação da concordância verbal com sujeitos de
estrutura complexa (Scherre & Naro, 1998; Naro & Scherre, 2000; Scherre,
2002). Sob esse rótulo são analisadas construções do tipo [núcleo + sintagma
preposicionado], entre as quais se incluem, além das construções partitivas,
66
Para uma discussão acerca da estrutura de sentenças clivadas, ver Mioto & Negrão (2003). Neste
trabalho duas estruturas são consideradas: uma em que o CP encaixado é relativo e uma small
clause é o complemento da cópula (análise de Lopes Rossi, 1994, com base em Kato, 1993) e
outra em que o CP encaixado é o complemento da cópula (Kiss,1998). Neste trabalho a adoção de
uma ou outra estrutura não acarreta problemas para a questão considerada.
98
expressões que indicam percentual e DPs complexos não-quantitativos, como os
analisados neste trabalho em experimentos de indução de erros de concordância.
Partindo de dados de língua escrita de pessoas escolarizadas (jornais, revistas,
livros, atas, prospectos), Scherre & Naro investigam os fatores responsáveis pela
variação na concordância verbal. Os autores trabalham com a hipótese de que a
concordância verbal não seria governada pelo sujeito da oração, mas sim por um
conjunto de traços que se concentrariam primordialmente nessa posição sintática.
Assim, quando esses traços estivessem concentrados em outra posição, o controle
da concordância poderia ser assumido por outro sintagma que não ocupasse a
posição de núcleo do sujeito. Logo, na existência de dois ou mais candidatos a
assumir o controle da concordância verbal, a definição do elemento controlador da
concordância seria feita a partir de uma hierarquia de traços, como o traço
sintático de número [+-plural], o traço semântico [+-humano] e um traço ligado à
saliência fônica da oposição desinencial das formas verbais [+-saliente]. Note-se
que, nessa perspectiva, não haveria casos especiais de concordância; a
concordância com o núcleo do sujeito ou a concordância com um elemento
nominal do modificador seriam variantes lingüísticas tanto nas partitivas como
nas demais estruturas. Essa visão não parece ser apropriada para pensar o
processamento da concordância verbal, dado que a concordância plural com DPs
complexos não-quantitativos é avaliada como agramatical
pelos falantes da
língua, a despeito de haver ocorrências dessa concordância tanto na fala quanto na
escrita. Parece ser produtivo pensar nessas ocorrências como falhas de
processamento e tentar determinar o momento em que tais falhas ocorreriam.
Dentro do quadro teórico da Gramática Gerativa, as construções partitivas
têm sido examinadas desde os primeiros momentos da teoria67. De acordo com
Girbau (2003), as diferentes propostas acerca da estrutura das construções
partitivas diferem quanto ao status e à posição atribuída aos quantificadores e
também quanto à relação entre os quantificadores e o nome. São pontos de
discussão se os quantificadores são categorias funcionais ou lexicais, se
apresentam uma projeção QP (quantifier phrase) própria ou não, se agem como
modificadores do nome ou como um núcleo que seleciona o nome. Também há
67
Ver Cardinaletti & Giusti (no prelo) para uma apresentação concisa das propostas mais
representativas sobre construções partitivas desenvolvidas no quadro teórico da Gramática
Gerativa nos últimos 40 anos.
99
posições divergentes quanto ao status e ao papel desempenhado pelo elemento
preposicional – se atuaria como um marcador de caso ou como uma preposição.
Neste trabalho, pretendemos contribuir para essa discussão, apontando
aspectos das construções partitivas envolvendo “maioria” e “parte” que sugerem
que estes nomes ora atuariam como núcleos lexicais, que selecionariam DPs
definidos, ora atuariam como elementos funcionais, modificadores dos DPs
definidos.68
Para que se possa entender melhor essa natureza ambígua de “maioria” e
“parte”, é interessante recorrer à classificação semântica que Peres & Moia (1995)
propõem ao analisar sujeitos de estrutura de quantificação complexa em português
europeu, em estudo de orientação descritiva acerca da concordância verbal.
Os autores dividem os sujeitos de estrutura de quantificação complexa em
três subclasses semânticas: i) quantificadores de contagem, que servem para
exprimir quantidades de objetos, sejam essas quantidades absolutas (um milhar
de congressistas, uma dezena de empresas) ou relativas (metade dos alunos, um
terço das provas; a maioria dos deputados; uma parte das pessoas); ii)
quantificadores de medição, em que as expressões não são usadas para
contagem, mas para indicar porções de objetos (uma parte do palácio; um troço
da estrada); iii) nomes de referência dependente, que também não quantificam
objetos, mas servem para referir coleções de objetos (um grupo de amigos; este
conjunto de quadros). A noção de referência dependente advém do fato de essas
expressões não poderem estabelecer referência de forma independente, elas
precisam se combinar a nomes para indicar coleções de objetos; segundo os
autores, tais nomes “funcionam de modo subsidiário na definição de entidades
grupais”.
Quanto à concordância, tanto no português europeu quanto no português
brasileiro, os sujeitos com quantificadores de contagem admitem a concordância
com o segundo nome. Já os sujeitos com termos de medição e com nomes de
referência dependente apenas admitem a concordância com o primeiro nome.
Voltando à análise específica das construções partitivas, considera-se neste
trabalho a seguinte hipótese: “maioria” e “parte” apresentariam um status
68
Ao longo deste capítulo, empregou-se “primeiro nome” e “segundo nome” para fazer referência
aos elementos que compõem as expressões partitivas, respectivamente, o termo partitivo e o
substantivo plural definido. Trata-se de conveniência terminológica, pois, de acordo com a análise
apresentada, o partitivo pode comportar-se como um quantificador.
100
categorial “ambíguo”. Ao lado de uma natureza funcional, que lhes permitiria
realizar operações de quantificação sobre nomes, também apresentariam uma
natureza lexical, com um comportamento semelhante ao de verdadeiros núcleos
nominais. No primeiro caso, o nome plural modificado por “maioria” ou “parte”
seria o termo controlador da concordância; no segundo caso, “maioria” e “parte”
deteriam o controle da concordância. Em termos da terminologia de Peres &
Moia (1995), poder-se-ia dizer que “maioria” e “parte”, além de “quantificadores
de contagem”, também pertenceriam, respectivamente, às subclasses semânticas
de “termos de referência dependente” e “quantificadores de medição”.
Assim, o que a gramática tradicional denomina de concordância
“facultativa” na verdade não teria nada propriamente de “facultativo” na medida
em que cada alternativa de concordância corresponderia a uma dada representação
sintática da expressão partitiva, a qual, por sua vez, seria função do status
categorial de “maioria” e “parte”. A sentença com o verbo no singular e a
sentença com o verbo no plural seriam geradas a partir de Numerações diferentes,
com “maioria” e “parte” correspondendo a conjuntos distintos de traços em cada
caso69. No entanto, como em geral a fronteira entre lexical e funcional para os
termos “maioria” e “parte” fica “esmaecida”, tem-se a falsa impressão de que o
emprego do verbo no singular ou no plural é apenas uma questão estilística.
Contudo, como será visto a seguir, é possível encontrar contextos em que a
distinção fique mais nítida.
Um desses contextos é o de modificação dos termos “maioria” e “parte” por
adjetivo. Considerando-se que adjetivos modificam elementos nominais, dever-seia esperar que a concordância verbal singular fosse favorecida em sentenças nas
quais um adjetivo modificasse “maioria” e “parte”.
(16) a. A grande maioria dos alunos reclamou/?*reclamaram da prova de
matemática.
b. A maioria inteligente dos alunos conseguiu/*conseguiram fazer o
trabalho.
69
Uma questão que certamente carece de investigação é como seria a representação lexical dos
termos “maioria” e “parte”. O fato de apresentarem comportamentos distintos quando atuando
como elementos funcionais e como elementos lexicais justificaria a postulação de representações
lexicais separadas ou seria mais adequado considerar a existência de elementos semi-lexicais (ou
semi-funcionais), que poderiam apresentar um comportamento híbrido?
101
c.Uma grande/boa parte dos alunos reclamou/?*reclamaram da prova de
matemática.
d.Uma parte considerável dos alunos conseguiu/*conseguiram fazer o
trabalho.
O acréscimo do adjetivo parece favorecer a forma singular do verbo, em
particular nos casos em que o adjetivo ocorre posposto a “maioria” e “parte”,
como em (16b) e (16d). Quando o adjetivo ocorre anteposto ao termo “maioria”,
como nas sentenças (16a) e (16c), é mais difícil fazer um julgamento tão claro,
mas a forma singular é de todo modo melhor.70
Ainda em relação aos exemplos em (16), cumpre destacar o sentido de
“maioria” na sentença (16b). Quando “maioria” é modificado por um adjetivo
qualificativo, a acepção que parece estar em jogo é a de “grupo dominante”. Nessa
acepção, o termo “maioria” pode, inclusive, ocorrer sem o sintagma
preposicionado, em frases como “O Governo não conta com a maioria no
Congresso”; “As meninas eram a maioria na festa”; “O líder da maioria/minoria
no Senado”.71
Cumpre também retomar o que foi dito na nota 62 quanto à possibilidade de
elipse de “maioria”. Quando este termo é empregado com a acepção de “grupo
dominante” a elipse não parece alterar a boa-formação da sentença. Contraste-se a
esse respeito a sentença (17a), que retoma o exemplo da nota 62, com a sentença
(17b):
(17)
a. O governo conseguiu o apoio da maioria dos deputados, mas não da
maioria dos senadores.
b. ?O presidente cumprimentou a maioria dos deputados, mas não a
maioria dos senadores.
70
É possível que essas diferenças de julgamento sejam um reflexo de uma distinção mais geral
entre adjetivos que podem aparecer antes do nome em PB. A classe é bem restrita e envolve
idiossincrasias de interpretação: homem grande/grande homem. Note-se, por exemplo, que “boa
parte” não se refere a uma parte que é boa.
71
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa apresenta ainda um sentido obsoleto de “condição
do que é melhor; supremacia, primazia, excelência <sua obra, pela inequívoca maioria que
manifestava sobre as demais, foi a premiada. < a maioria do desprendimento>.
102
A gramaticalidade de (17a) estaria ligada a um emprego de “maioria” como
um nome e a marginalidade de (17b) estaria associada a um emprego de “maioria”
como quantificador. Como será visto a seguir, outros nomes quantificativos
exibem um comportamento bastante semelhante ao de “maioria”, sendo a elipse
licenciada apenas nos casos em que apresentam um natureza claramente lexical.
O termo “parte”, por sua vez, além de realizar quantificações sobre nomes,
pode indicar uma porção de um objeto. Como quantificador, “parte” seria um
modificador do nome plural e não poderia controlar a concordância. Já como
termo de medição, ele seria o núcleo controlador da concordância e tomaria o DP
definido como complemento. Observe-se que, no exemplo a seguir, “parte” foi
empregado com a acepção de “área, espaço delimitado” e funciona como o
controlador da concordância:
(18) a. Uma parte do museu foi destruída.
b. *Uma parte do museu foi destruído.
Em relação a essa natureza “ambígua”, o termo “parte” apresentaria um
comportamento semelhante ao de nomes quantificativos como “montón”, “pila”
em espanhol, os quais podem assumir uma leitura quantificativa ou uma leitura
descritiva (cf. Saab, no prelo a).
Em espanhol, a sentença “Hay um montón de libros”, apresenta as seguintes
leituras:
Leitura quantificativa: Há muitos livros.
Leitura descritiva: Há um objeto físico constituído por livros.
Cada leitura, por sua vez, só pode ocorrer com um tipo de concordância:
quando a leitura é descritiva, o verbo concorda com “montón” e fica no singular;
quando é quantificativa, o verbo concorda com “libros” e fica no plural:
(19) a. Se me cayó um montón de libros (apenas descritiva)
b. Se me cayeron un montón de libros (apenas quantificativa)
Saab (no prelo a) observa ainda que os nomes quantificativos, no contexto
de elipse, apenas admitem uma leitura descritiva:
103
(20) a. Tengo una pila de camisas para planchar (leitura descritiva ou
quantificativa)
b. Tengo una pila de camisas y uma pila de pantalones para planchar (leitura
descritiva)
No
português,
verifica-se
exatamente
o
mesmo
padrão.
Nomes
quantificativos “monte” e “pilha” também são ambíguos entre uma leitura
descritiva e uma leitura quantificativa e há uma correspondência entre
concordância e leitura. Além disso, a elipse também deflagra apenas uma leitura
descritiva:
(21) Há um monte de livros sobre a mesa (leitura descritiva ou quantificativa)
Um monte de livros caiu. (leitura descritiva)
Um monte de livros caíram (leitura quantificativa)
(22) Havia um monte de livros e um monte de revistas sobre a mesa. (leitura
descritiva)
Voltando à análise do nome partitivo “parte”, verificamos que, assim como
os quantificativos, ele pode assumir leituras distintas, uma quantificativa e outra
que se aproximaria da leitura descritiva, com a particularidade de expressar uma
idéia de medição.
Quanto à concordância, foi visto no exemplo (18a) que, quando “parte” tem
o sentido apenas de “área”, isto é, só existe a leitura descritiva, a concordância é
feita com o primeiro nome. Numa sentença em que tanto a leitura quantificativa
quanto a descritiva podem ser atribuídas ao nome partitivo, o verbo no singular,
concordando com o primeiro nome, permite ambas as leituras, como em (23a). Já
quando o verbo está no plural, concordando com o segundo nome, como em
(23b), apenas a leitura quantificativa é licenciada.
(23)
a.Uma parte dos presídios era ocupada por criminosos perigosos. (leitura
descritiva ou quantificativa)
b. Uma parte dos presídios eram ocupados por criminosos perigosos.
(leitura quantificativa)
104
Em relação à elipse, foi visto no exemplo (10b), aqui retomado como (24a),
que os falantes tendem a recusar as sentenças em que apenas uma leitura
quantificativa pode ser atribuída ao nome “parte”. Na sentença (24b), em que
“parte” admite uma leitura descritiva, a elipse é possível. Os julgamentos,
contudo, não são tão claros como no caso de nomes como “monte” e “pilha”. Isso
possivelmente ocorre porque, nas duas leituras, “parte” realiza algum tipo de
delimitação sobre um dado conjunto, tanto é assim que na classificação de Peres
& Móia (1995), “parte” pode ser classificado como um quantificador de contagem
ou como um quantificador de medição.
(24) a. * Na festa do departamento, eu encontrei uma parte dos alunos, mas não
uma parte dos professores. (leitura quantificativa)
b. O arquiteto está seguindo uma nova tendência de decoração nos
apartamentos da Gafisa. Nos prédios do condomínio Novo Mundo, ele
mandou azulejar só uma parte das cozinhas e uma parte dos banheiros. O
restante será pintado. (leitura descritiva/ ?leitura quantificativa).
Um último aspecto a ser observado em relação à ambigüidade de “parte” é o
papel desempenhado pelo artigo indefinido que o antecede. Saab (no prelo a) nota
que, quando o nome quantificativo tem como determinante um artigo definido ou
um demonstrativo, só é possível a leitura descritiva. Assim, na frase a seguir, só é
possível a leitura de “montón” como objeto físico:
(25) Dame ese montón de libros.
O mesmo se observa para o nome “parte”:
(26)
O setor dos presídios onde ficam os criminosos perigosos foi destruído
nas últimas rebeliões. Essa parte dos presídios precisa de reforma
urgente.
105
Sintetizando as idéias apresentadas, pode-se dizer que a análise de “maioria”
e “parte” sugere que as duas alternativas de concordância com expressões
partitivas estariam associadas à natureza
“híbrida” do primeiro nome das
partitivas. Este tanto poderia funcionar como um elemento lexical quanto como
um elemento funcional. No primeiro caso, o verbo concordaria com “maioria” e
“parte”; no segundo caso, com o segundo núcleo nominal.
Essa idéia é
compatível com análises que atribuem uma natureza semi-lexical (ou semifuncional) a termos de medida em expressões pseudo-partitivas (Alexiadou,
Haegman & Stavrou, 2003; Stickney, 2004)72.
72
Alexiadou, Haegman & Stavrou (2003) propõe que o primeiro nome das expressões pseudopartitivas seria um núcleo semi-funcional que teria tanto traços funcionais quanto lexicais. Isso
permitiria que esses termos apresentassem tanto propriedades associadas a nomes, quanto
servissem como projeções funcionais. Essa natureza “híbrida” do primeiro termo de expressões
pseudo-partitivas se reflete no modo como tais expressões se comportam em relação a restrições
de seleção semântica de verbos e à modificação por adjetivos. Nos exemplos (1) e (2) a seguir,
dependendo das restrições semânticas dos verbos, ou o primeiro ou o segundo termo da expressão
pseudo-partitiva é selecionado:
(1) a. Eu quebrei uma garrafa de vinho.
b. Eu embrulhei uma caixa de bombons.
(2) a. Eu bebi uma garrafa de vinho.
b. Eu comi uma caixa de bombons.
O fato de “garrafa” e “caixa” poderem ser selecionados semanticamente pelos verbos em
(1) evidencia sua natureza nominal; já em (2) esses termos apenas modificam os núcleos nominais
que são selecionados pelo verbo, no caso “vinho” e “bombons”.
Em relação à modificação por adjetivos, observe-se o que ocorre quando se acrescenta, às
sentenças em (2), um adjetivo modificador do primeiro nome:
(3) a. Eu bebi uma garrafa de vinho pesada.
b. Eu comi uma caixa de bombons amarela.
A modificação pelo adjetivo requer a leitura lexical de “garrafa” e “caixa” e com isso há,
em (3a), uma violação dos requerimentos de seleção do verbo “beber”, e em (3b), um
estranhamento do ponto de vista pragmático.
O mesmo não ocorre quando se acrescenta o adjetivo às expressões pseudo-partitivas em
(1), pois nesses exemplos os traços nominais de “garrafa” e “caixa” estão ativos.
(4) a. Eu quebrei uma garrafa de vinho pesada.
b. Eu embrulhei uma caixa de bombons amarela.
106
5.1.2.1 Análise proposta
Considerando-se a dupla natureza categorial dos nomes “maioria” e “parte”,
duas possibilidades de representação sintática das expressões partitivas podem ser
propostas.
Como itens lexicais, “maioria” e “parte” seriam núcleos de um NP, o qual
teria como complemento um sintagma preposicional contendo o DP definido
plural. A representação a seguir ilustra a estrutura da construção partitiva:
(27)
DP
D
NP
A
N
PP
maioria
P
de
DP
os alunos
Para os casos em que “maioria” e “parte” atuariam como quantificadores de
nomes, propõe-se uma análise das construções partitivas em termos de uma
estrutura de Small Clause, em que o quantificador ocuparia a posição de
predicado da Small Clause e o DP definido, a posição de sujeito da Small Clause.
As estruturas de Small Clause vêm sendo empregadas para caracterizar
desde um conjunto de construções que expressam relações semânticas de posse
alienável (o carro do menino), posse inalienável (o braço do menino), relações de
continente/conteúdo (a garrafa de cerveja), até sintagmas que envolvem numerais
preposicionais (acima de 100 crianças, entre 10 e 20 crianças) (Hornstein, Rosen
& Uriagereka, 1994; Uriagereka, 1996; Castillo, 2001; Corver & Zwarts, 2004).73
73
As relações semânticas de parte/todo, conteúdo/continente, possuído/possuidor podem ser
analisadas como manifestações de uma relação semântica mais geral, chamada relação R (cf.
Hornstein, Rosen & Uriagereka, 1994; Uriagereka, 1996). De acordo com Uriagereka (1996),
essas relações podem ser concebidas em termos de Espaços conceptuais delimitados
topologicamente. Um dos elementos da relação R representaria o Espaço conceitual (Conceptual
Space) e o outro elemento, a sua Apresentação (Presentation). O Espaço seria determinado de
acordo com detalhes da Apresentação a ele imposta. No caso das relações de parte/todo, o Espaço
107
Parece-nos adequado recorrer a uma estrutura de Small Clause para
caracterizar as partitivas, já que, por um lado, estas aproximam-se das construções
de posse inalienável em termos de predicação semântica, pois expressam relação
de parte/ todo, e, por outro, assemelham-se aos numerais preposicionais, visto que
realizam uma espécie de operação de contagem sobre o conjunto expresso pelo
DP definido.
Neste trabalho, propomos para as partitivas em que “maioria” e “parte”
funcionam como quantificadores uma estrutura semelhante a das construções com
numerais preposicionais, apresentada por Corver & Zwarts (2004).
Esses autores observam que os numerais preposicionais em holandês podem
ocorrer tanto antes quando depois do nome:
(28) a. Er staan getallen boven de 100 op het bord (Corver & Zwarts, 2004, ex. 50)
‘Há números acima de 100 no quadro-negro.’
b. Er staan boven de 100 getallen op het bord
‘Há acima de 100 números no quadro-negro.`
Segundo Corver & Zwarts, o mesmo PP “boven de 100” predicaria sobre
números individuais posnominalmente (caso (a)) e sobre a cardinalidade de
conjuntos pré-nominalmente (caso (b)). O PP funcionaria como um predicador de
primeira-ordem na primeira sentença e um predicador de segunda ordem no
último caso, através de um operador de cardinalidade. O operador de
cardinalidade estaria na base da posição pré-nominal.
Supondo-se
que
cardinalidade
esteja
associada
a
uma
posição
configuracional específica, SpecNumP, o NUM atribuiria a propriedade de
cardinalidade a um elemento em Spec,NumP. A idéia é que cardinalidade não
seria uma propriedade semântica inerente de palavras ou sintagmas, mas uma das
funções que expressões referentes a número podem assumir. Corver & Zwarts
apresentam duas possibilidades de implementação dessa idéia: uma possibilidade
seria que PPs seriam gerados na base, em Spec,NumP e receberiam sua
corresponderia ao elemento que expressa a idéia de “todo” e a Apresentação, ao elemento que
expressa a idéia de “parte”. Essa relação semântica seria mapeada sintaticamente na estrutura da
Small Clause, com o Espaço na posição de sujeito e a Apresentação na posição de predicado.
108
interpretação cardinal de NUM. Nesse caso cardinalidade seria uma espécie de
papel temático atribuído por NUM ao seu especificador, de modo similar ao que
ocorreria na atribuição de papel de possuidor pelo marcador de possessividade “s” ao especificador em inglês.
(29) [NumP[PP rond de 20] [Num’ NUM [NP kinderen]]] (Corver & Zwarts, 2004, ex.51b)
‘em torno de 20 crianças’
A outra alternativa é que o numeral preposicional em Spec,NumP começaria
em um domínio lexical e seria movido para Spec,NumP para fins de checagem de
um traço de cardinalidade [card]:
(30) [NumP [PP rond de 20]i [Num’NUM [NP kinderen ti]]]
(Corver & Zwarts, 2004,
ex. 52b)
‘em torno de 20 crianças’
Essa mesma estrutura é proposta para os numerais cardinais, sendo que no
lugar de um PP haveria um numeral:
(31) [NumP [numeral 20]i [Num’ NUM [NP kinderen ti]]] (Corver & Zwarts, 2004, ex.
52a)
‘20 crianças’
Esse deslocamento dos numerais preposicionais e dos numerais cardinais
para Spec,NumP seria uma instância de movimento de predicado interno ao DP,
que também ocorreria nas construções de posse, de conteúdo/continente e de
parte/todo.
Um problema que se coloca para esse tipo de estrutura diz respeito à
Minimalidade, pois, ao se mover para Spec,NumP, o numeral preposicional
precisa passar por kinderen, o que parece se configurar como um movimento não
local. Segundo Corver & Zwarts, esse movimento de predicado pode ser tomado
como uma operação local se for adotada a noção de domínio mínimo estendido e
de equidistância nos termos de Chomsky (1993). A idéia é que o predicado
poderia cruzar por sobre o sujeito da Small Clause desde que ambos estivessem
109
tecnicamente eqüidistantes, isto é se estivessem dentro do mesmo domínio
mínimo. Essa condição seria assegurada da seguinte maneira: o predicado
deslocado seria originário de uma Small Clause interna ao DP. Nessa Small
Clause, o predicado seria o complemento do núcleo e o sujeito seria o
especificador. Acima da Small Clause haveria uma projeção funcional FP e o
predicado se moveria para o especificador dessa projeção. Antes do movimento
do predicado, contudo, haveria um movimento do núcleo da Small Clause para o
núcleo da projeção funcional FP (no caso, NumP), o que teria como conseqüência
a criação de um domínio mínimo estendido que passaria a conter tanto o
predicado quanto o sujeito da Small Clause. Graças a essa operação, o numeral
preposicional e o nome passariam a estar tecnicamente eqüidistantes do domínio
de extração do predicado, o que licenciaria o movimento do predicado por sobre o
sujeito da Small Clause, sem violação de minimalidade. A representação em (32)
permite visualizar como seria a estrutura proposta:
(32)
FP
F’
F
XP
kinderen
X
X’
rond de 20
É importante notar que, em algumas línguas, o resultado do Spell-out do
núcleo complexo pode ser um morfema, uma espécie de cópula nominal. Isso se
observa, por exemplo, nos numerais preposicionais em romeno, conforme
exemplo abaixo reproduzido de Corver & Zwarts:
(33) [[sub 20] de copii]
Below 20 of children
‘menos do que 20 crianças’
(Cover & Zwarts, 2004, ex. 55a)
110
No exemplo (33), o “de” corresponderia ao Spell-out do núcleo complexo,
resultante do movimento do núcleo X da Small Clause para o núcleo funcional F.
A estrutura em (34) representa o movimento do predicado:
(34) [FP [sub 20]j [F’ F+ Xi (=de) [XP copii [X’ti tj]]]] (FP=NumP) (Cover & Zwarts,
2004, ex. 55b)
Em português, as construções partitivas com “maioria” e “parte” como
quantificadores apresentariam uma estrutura bastante semelhante a dos numerais
preposicionais. O termo “maioria” e “parte” seriam o predicado de uma Small
Clause que teria como sujeito o DP plural. O núcleo da Small Clause se moveria
para o núcleo de uma projeção funcional mais alta na estrutura, dando origem ao
núcleo complexo (F+X); esse movimento criaria um domínio mínimo estendido
que permitiria o movimento do predicado para o Spec,NumP.
Adaptando-se a estrutura em (34) para as partitivas no português, teríamos a
seguinte representação:
(35) [FP [a maioria]j [F’ F+ Xi (=de) [XP os meninos [X’ti tj]]]]74
Uma questão que se coloca é o que deflagra o movimento do predicado nas
construções partitivas. Enquanto nos numerais preposicionais, atribui-se o
movimento à checagem de um traço não-interpretável de cardinalidade presente
no núcleo da projeção funcional FP, esse movimento nas partitivas parece ser
deflagrado pela necessidade de se checar (ou valorar) um traço de partitividade. O
termo partitivo é que possuiria um traço [part] interpretável e, por isso, se moveria
para o Spec, FP.
74
Uma estrutura semelhante é proposta por Girbau (2003) para dar conta de construções partitivas
do tipo “three of the children”. Nesse texto, Girbau apresenta uma análise unificada de partitivas e
do que ela chama de quantitativos, expressões do tipo “theree children”. O propósito do artigo é
mostrar que é possível dar conta da estrutura das partitivas sem precisar recorrer a um nome vazio
(three [e]N1 of the children N2), conforme originalmente proposto por Jackendoff (1977). Girbau,
com base na hipótese do DP de Kayne (1994), propõe que o elemento quantitativo em ambas as
construções seria gerado como um predicado em uma posição mais baixa na árvore e que o nome
seria o sujeito dessa estrutura. O elemento quantitativo seria alçado para uma posição mais alta na
árvore e atuaria como um determinante. Girbau sinaliza que as construções que denotam idéia de
parte/todo possivelmente apresentam uma estrutura semelhante à das demais partitivas. Deixa,
contudo, em aberto a discussão acerca dessas construções.
111
Em relação ao “de” que liga o quantificador ao DP definido, assumindo-se o
quadro teórico da Morfologia Distribuída (Halle & Marantz, 1993), considera-se
que este seria inserido após Spell-out, como resultado de uma operação
morfológica. A preposição seria uma expressão fonológica do traço partitivo
presente na projeção funcional FP.
A esse respeito, cumpre notar que em português a preposição “de”, quando
em domínios nominais, é semanticamente neutra, podendo expressar relações
semânticas diversas. Segundo Avelar (2005a, 2005b, 2006a), a preposição “de”
poderia ser considerada o exemplar mais funcional de sua categoria, não sendo
possível atribuir-lhe um significado sem ancoragem num contexto determinado.
Como evidências dessa neutralidade semântica da preposição “de”, Avelar
menciona a possibilidade de substituí-la por outras preposições, sem aparente
prejuízo de significado, e a possibilidade de inverter a ordem dos constituintes que
são ligados por “de” sem que o papel semântico desses constituintes sofra
alteração. Em relação à substituição por outras preposições, Avelar mostra que,
enquanto a preposição “de” pode ocorrer em diferentes contextos, as outras
preposições não são intercambiáveis entre si. Veja-se, a esse respeito, o conjunto
de exemplos em (36), reproduzidos de Avelar (2005a):
(36) a. Aquele rapaz de/com cabelos longos perguntou pela Ana
b. O leite da/na geladeira é para fazer bolo.
c. Roupa de/para criança custa caro.
d.A notícia do/sobre o acidente vai ser um choque para a família da vítima.
Quanto às possibilidades de inversão de constituintes relacionados por “de”,
os exemplos em (37), também reproduzidos de Avelar (2005a), ilustram que a
relação semântica expressa pelos constituintes é preservada a despeito de
mudanças de ordem, diferentemente do que ocorre com outras preposições, em
que a posição dos constituintes precisa ser fixa:
(37) a. As praias famosas da cidade vão ficar lotadas no verão.
b. A cidade das praias famosas vai receber muitos turistas no verão.
c. As praias famosas *com/em/*p(a)ra a cidade vão ficar lotadas no verão.
d. As cidades com/*em/*p(a)ra as praias famosas vai receber muitos
turistas.
112
Há ainda um outro fato que constitui evidência para o vazio semântico da
preposição “de” – o licenciamento de construções existenciais. De acordo com
Avelar, vários trabalhos têm indicado a necessidade de essas construções
lançarem mão de uma coda75 para serem licenciadas. Atribui-se a necessidade da
coda ao fato de o verbo existencial consistir num item semanticamente fraco, que
seria incapaz de estabelecer uma relação predicativa suficiente com o
complemento. Assim, de modo a poder sustentar a predicação, tornando a
sentença aceitável, a coda seria inserida. Considerando-se, pois, essa propriedade
dos verbos de sentenças existenciais, dever-se-ia esperar que sintagmas nucleados
pela preposição “de” não possam licenciar construções existenciais, dado o vazio
semântico dessa preposição. E é o que ocorre, como ilustram os seguintes
exemplos de Avelar (2005a):
(38) a. *Tem uma calça.
b. *Tem uma calça do Roberto.
c. Tem uma calça (do Roberto) com o Pedro.
d. Tem uma calça (do Roberto) na casa do Pedro.
e. Tem uma calça (do Roberto) para o Pedro lavar.
A coda nucleada por “de” não pode licenciar a sentença existencial (cf.
38b); é necessário uma ancoragem contextual para que a sentença possa ser
considerada bem-formada (38c, d, e).
Avelar (2005a) busca uma explicação para essa neutralidade da preposição
“de” em termos do ponto da derivação da sentença em que este item seria
inserido. O item “de” seria inserido pós-sintaticamente, após Spell-out e, em
função disso, não teria efeito no componente semântico. Isto porque, na
arquitetura da gramática assumida no Programa Minimalista (Chomsky 1995), o
componente semântico não teria acesso às operações que ocorrem em um
componente fonológico. No caso das demais preposições, que teriam uma
75
Convencionou-se chamar de coda, nesse contexto, a combinação de um DP (o complemento do
verbo existencial) a um outro constituinte, como um PP, um AP, um CP relativo ou um VP
gerundial. Os exemplos são de Avelar (2005a):
a. Tinha muitas pessoas na praia.
b. Tem muitos políticos brasileiros extremamente populistas.
c. Tem muita mulher que odeia lavar roupa.
d. Tinha um homem estranho olhando para a Maria.
113
natureza claramente lexical, estas já estariam previstas na sintaxe e, por isso,
poderiam ser interpretadas em Forma Lógica.
Essa análise é compatível com a idéia de que o “de” das construções
partitivas na representação em (35) é a expressão morfofonológica do núcleo
complexo F+X e não tem nenhum conteúdo semântico próprio. Logo, seria um
elemento puramente gramatical.
Quanto ao item “de” na representação sintática em (27), na qual “maioria” é
um núcleo lexical que toma como complemento um PP, este seria de fato uma
preposição, porém funcional, o que explicaria sua impossibilidade de selecionar
semanticamente seu complemento. A preposição nesse caso seria o elemento
responsável por atribuir caso oblíquo ao DP plural.
Para finalizar esta seção, é importante observar que a idéia de que as
construções partitivas apresentariam representações estruturais diferentes em
função da natureza categorial do termo “maioria” e “parte” é compatível em
essência com a análise que vem sendo apresentada por Saab (2004; no prelo a; no
prelo b) para explicar o comportamento de epítetos (burro, bestia, gallina) em
construções Det+N+de+SN, em espanhol. Saab observa que há uma relação entre
o tipo de leitura atribuída ao epíteto (possessiva ou atributiva) e o modo como este
se comporta em relação à elipse nominal e à concordância. Em relação à elipse, o
autor verifica que, em contextos de elipse nominal, apenas uma leitura possessiva
é possível:
(39) El burro de Juan & el burro de Pedro (apenas possessiva = João tem um
burro; Pedro tem um burro).
Em relação à concordância, Saab nota que, nos casos de ambigüidade entre
uma leitura possessiva ou atributiva, a concordância permitiria desambigüizar a
interpretação do epíteto. Na sentença (40), quando o adjetivo concorda com o
primeiro N, só permanece a leitura possessiva (a mulher tem um anjo); quando o
adjetivo concorda com o segundo N, apenas a leitura atributiva permanece (a
mulher é um anjo).
(40) a. El angel de tu mujer está contento (leitura possessiva)
b. El angel de tu mujer está contenta (leitura atributiva)
114
Para dar conta dessas diferenças, Saab propõe que o epíteto na leitura
atributiva ocuparia uma posição pré-nominal, de especificador de uma projeção de
número (NumP) e que, na leitura possessiva, ele seria o núcleo da projeção lexical
do DP. A seguir, apresenta-se, em (41), a estrutura do DP proposta por Saab (no
prelo a) e, em (42), as configurações atribuídas às construções Det+N+de+SN.76 77
(41)
DP
SNum
D
[p e s s o a ]
Num
Sn
[s g /p l]
n
[g ê n e ro ]
S√
(42) a. [DP el[NumP burro [nP de Juan n[male]]] (leitura atributiva)
b. [DP el[NumP [nP n[male] burro de Juan]] (leitura possessiva)
Saab propõe que essa mesma análise seja estendida a nomes quantificativos
(montón, pila) e nomes partitivos e pseudo-partitivos (parte, maioria, grupo),
visto que estes apresentariam um comportamento semelhante ao dos epítetos.
No caso dos nomes quantificativos, foi visto, na seção anterior, que estes
licenciam elipse apenas quando com leitura descritiva, e que há uma relação entre
leitura e concordância: quando a concordância é com o primeiro nome, a leitura
do DP só pode ser descritiva; quando a concordância é com o segundo nome, a
leitura do DP só pode ser quantificativa. A seguir reproduzem-se os exemplos
apresentados:
(43) a. Tengo una pila de camisas para planchar (descritiva ou quantificativa)
76
Nessa estrutura, a projeção D codifica os traços de pessoa (e possivelmente caso) e NumP, os
traços de número. A projeção n porta os traços de gênero e provavelmente alguns traços
semânticos nominais (ex. [humano]) e o n corresponde a um categorizador em teorias que
assumem a idéia de raízes nuas (Marantz 1997, Embick & Halle, no prelo). O símbolo √ representa
a projeção que aloja as raízes.
77
É importante esclarecer que, para Saab, a concordância é um processo de cópia de traços
morfossintáticos que só ocorre pós-sintaticamente, na estrutura morfológica (cf. Halle &
Marantz, 1993).
115
b. Tengo una pila de camisas y uma pila de pantalones para planchar (leitura
descritiva)
(44) a. Se me cayó um montón de libros (apenas descritiva)
b. Se me cayeron un montón de libros (apenas quantificativa)
Para as construções pseudo-partitivas e partitivas, o quadro não é tão claro.
Em princípio, dever-se-ia esperar que a concordância plural estivesse associada a
uma leitura dessas construções (no caso uma leitura distributiva, cf. Brucart,
1997) e que a elipse do nome partitivo só fosse possível quando o verbo estivesse
no singular e, por conseguinte, a partitiva tivesse uma leitura de grupo. No
entanto, o julgamento dos falantes por vezes indica oscilações; há casos de
concordância plural com construções partitivas que só admitem leitura de grupo78
e as sentenças com elipse de nomes partitivos são consideradas marginais, como
foi visto no exemplo (7).
Saab (no prelo a) afirma que diferenças entre nomes quantificativos e nomes
partitivos e pseudo-partitivos deva ser buscada na natureza desses nomes.
Segundo ele, os nomes partitivos, mesmo quando na leitura de grupo, não
deixariam de ser um quantificador e isso explicaria por que poderia ser
considerada gramatical uma concordância plural como um DP partitivo/pseudopartitivo com leitura de grupo. Nesse caso, o DP ocuparia uma posição de
especificador na periferia esquerda do DP. Saab, contudo, não esclarece qual seria
a diferença exata entre um nome partitivo/pseudo-partitivo numa posição prénominal e numa posição interna ao Sn.
Na análise aqui proposta, mostrou-se que os falantes de português não
associam concordância verbal e leitura (distributiva ou de grupo) da construção
partitiva e que, portanto, uma explicação para a dupla alternativa de concordância
não pode ser buscada em termos de uma análise semântica ou pragmática. A
dupla concordância seria determinada por razões estruturais, relacionadas à
posição sintática ocupada pelo nome partitivo (“maioria” e “parte”). Dada sua
natureza categorial “híbrida” (lexical e funcional), este poderia atuar tanto como
um verdadeiro nome quanto como uma espécie de quantificador. Dependendo,
78
Ver nota 61.
116
pois, das propriedades que estejam mais salientes – se lexicais ou funcionais, uma
dada estrutura para o DP é gerada. Nesse sentido, talvez se possa buscar uma
aproximação entre partitivas, epítetos e nomes quantificativos.
5.1.2.2 A dupla possibilidade de concordância
Resta agora explicar a questão da concordância. Assumindo-se que haveria
duas representações estruturais distintas para as construções partitivas, pode-se
associar cada alternativa de concordância a uma das representações.
A concordância verbal no singular estaria associada à representação em que
“maioria” e “parte” são NPs que tomam como
complemento um sintagma
preposicionado contendo o DP definido.
Algumas análises vêm sendo propostas para dar conta de como seria
computada a concordância de número interna ao DP em estruturas desse tipo.
Uma possibilidade seria assumir Chomsky (1999), que atribui a concordância
interna ao DP a um mecanismo denominado Concord. Esse mecanismo
implementaria a concordância via uma operação de Merge entre determinantes,
que apresentariam traços não-interpretáveis de número, e nomes, que teriam
traços interpretáveis de número. Outra possibilidade seria assumir, nos termos de
Magalhães (2004), que a concordância seria implementada pela operação Agree, a
partir de uma valoração de traços em cascata dentro do DP. Magalhães,
diferentemente de Chomsky, considera que o traço de número seria nãointerpretável em N e interpretável em D. Uma terceira alternativa seria considerar
a existência de um núcleo funcional independente para número, a projeção NumP
(Number Phrase), a qual seria intermediária entre NP e DP (Ritter, 1991; Picallo,
1991)79. Augusto, Ferrari-Neto & Corrêa (submetido) propõe que NumP teria um
traço interpretável de número e que a relação de c-comando estabelecida entre D,
Num e N garantiria que a concordância fosse computada entre os elementos que
integram o DP.
79
Augusto, Ferrari-Neto & Corrêa (submetido) afirmam que há evidências morfológicas,
sintáticas e semânticas a favor da postulação de uma projeção NumP. Em termos morfológicos,
constata-se a presença de um morfema de número independente em algumas línguas (ex. Yapese e
Tagalog); em termos sintáticos, a projeção NumP permitiria explicar diferentes relações de ordem
entre o adjetivo e o nome no DP (Cinque, 1994); em termos semânticos, a presença de NumP
estaria relacionada a distinções entre nomes massivos e nomes contáveis (Vangsnes, 2001; Borer,
2005).
117
Foge ao escopo desta tese avaliar qual dessas propostas melhor explicaria a
computação da concordância interna ao DP. O que é relevante é mostrar que, na
estrutura proposta para quando “maioria” e “parte” são considerados verdadeiros
nomes, o DP definido pl está inserido em um sintagma preposicionado
complemento do primeiro nome, não podendo, pois, interferir na computação
interna da concordância do DP partitivo. Nesse sentido, qualquer uma das
explicações apresentadas poderia, em princípio, ser assumida.
A segunda alternativa de concordância (verbo no plural) estaria associada à
representação em que “maioria” e “parte” se comportam como elementos
funcionais, modificando o DP definido plural.
Nessa análise, esses termos
funcionariam como quantificadores e a concordância verbal seria determinada
pelo número do DP definido plural. Não é, contudo, trivial a implementação dessa
idéia.
Considerando-se a representação estrutural proposta em (45), uma possível
explicação seria pensar que “maioria” e “parte”, quando funcionais, não teriam
um traço formal de número a eles associado. Logo, o elemento que poderia
valorar o traço não-interpretável de número de uma sonda T seria o DP definido
plural.80
(45)
TP
T’
vP
T
[µ Num]
DP
v’
FP
VP
F’
A maioria
F
V
XP
DP
os meninos
[+plural]
X
80
DP
X’
QP
Ver capítulo 3 para uma caracterização da concordância como processo de valoração de traços
no Programa Minimalista.
118
Uma análise alternativa seria assumir que as construções partitivas
apresentam uma estrutura de adjunção semelhante a que vem sendo proposta por
Avelar (2005a; 2005b) para constituintes preposicionados nucleados por “de”
(sintagmas-de).
Avelar, a partir de um conjunto de evidências de que sintagmas-de
comportam-se semântica e morfossintaticamente de forma distinta de outros
constituintes preposicionados na função de adjuntos adnominal, propõe para
aqueles uma configuração de adjunção de DP a DP, como a exemplificada em
(46).
VP
com er
DP
DP
um a
[D P b o m b o m ]
c a ixa
Nesse tipo de configuração de adjunção, um DP com caso inerente genitivo
seria adjungido a outro DP e apenas na morfologia é que um morfema associado
seria conectado ao DP genitivo e realizado como “de” (cf. modelo de Morfologia
Distribuída de Embick & Noyer, 2001).
A configuração de adjunção de DP a DP permitiria explicar o
comportamento diferente do sintagma-de em relação ao sintagma-com nas
sentenças em (47):
(47) a. A criança comeu uma caixa de bombom.
b. #A criança comeu uma caixa com bombom.
c. A criança roubou uma caixa de bombom.
d. A criança roubou uma caixa com bombom.
Nessas sentenças, o que está em jogo são as restrições selecionais do verbo
“comer”. Segundo Avelar, a sentença b é semanticamente anômala porque, na
configuração subjacente ao DP complemento, a preposição impede a interação do
DP interno à preposição com o ambiente sintático externo a ele e, por isso, o
verbo não pode selecionar semanticamente o DP do sintagma-com. No caso do
119
sintagma-de não haveria esse impedimento porque a preposição seria inserida
apenas na morfologia, no caminho para PF, sem impactos, portanto, para a
semântica.81 Veja-se, a esse respeito, as representações em (48), reproduzidas de
Avelar (2005a):
(48)
a.
b.
VP
VP
comer
comer
DP
DP
DP
DP
[ DP bombom]
uma
uma
[ PP com [ DP bombom]]
caixa
caixa
Voltando à questão da concordância com expressões partitivas, vejamos
se uma análise da partitiva em termos de uma estrutura de adjunção de DP a DP
poderia explicar os casos de concordância plural com o DP definido. Considere-se
a representação a seguir:
TP
(49)
T’
vP
T
[µ N u m ]
DP
DP
A
81
m a io ria
v’
D P [+ p l]
os
m e n in o s
VP
V
DP
Avelar assume que o DP em si já constituiria uma fase (cf Boscovic, 2005), o que significa
dizer que esse constituinte poderia ter sua projeção enviada para o componente fonológico tão logo
seja formada. As diferenças entre os DPs poderiam ser atribuídas ao que estaria na margem da fase
do sintagma adjungido. Considerando a discussão desenvolvida em Kato & Nunes (1998), Avelar
explica que, tanto na representação em (42a) quanto em (42b), o elemento adjungido se
encontraria no domínio mínimo de V. O verbo “comer” poderia, portanto, enxergar o sintagma
adjungido nos dois casos: em (42a), o verbo conseguiria interagir semanticamente com o DP
adjungido, satisfazendo seus requerimentos de ordem temática; em (42b), contudo, o mesmo não
seria possível, dado que o PP nucleado por “com”, embora no domínio mínimo do verbo, não
satisfaz seus requerimentos temáticos.
120
Nessa representação, poder-se-ia propor que o núcleo funcional T, que
precisa valorar seu traço de número não-interpretável, busca um traço de mesma
dimensão interpretável, numa configuração de c-comando. Como o DP pl, em
posição de adjunção, está apenas contido pelo DP complemento (e não
dominado), T pode enxergar o DP adjungido e valorar seus traços de número com
esse DP. A preposição “de” seria inserida apenas na morfologia e estaria
associada à expressão de partitividade.
Um ponto que não é claro nessa análise é por que T não valora seu traço de
número com o DP que inclui o termo partitivo, visto que este também estaria
acessível para T. Uma possibilidade, considerando-se a idéia de categorias
híbridas (semi-lexicais ou semi-funcionais), é que “maioria” não estaria com
traços lexicais ativos e, portanto, não poderia entrar em concordância com T.
A título de conclusão, cumpre esclarecer que os pontos discutidos nesta
seção são um primeiro movimento na busca de um tratamento adequado para a
concordância com expressões partitivas. Certamente, ainda há muito que se
explorar em relação a essas estruturas, nomeadamente no que tange à idéia de se
atribuir ao nome partitivo uma natureza semi-lexical. Também ainda precisam ser
refinadas as estruturas aqui apresentadas. Para os propósitos desta tese, contudo, o
importante é deixar claro que a concordância com as partitivas é resultante de um
processo sintático, passível de ser capturado a partir da definição do elemento que
carrega o traço interpretável de número no DP e de configurações específicas
atribuídas à partitiva. Nesse sentido, diferenciam-se das construções em que a
concordância com o segundo nome de um DP complexo constitui uma falha de
processamento.
5.2 Experimento psicolingüístico de julgamento de gramaticalidade construções partitivas x DPs complexos
A análise lingüística apresentada na seção anterior permitiu prover uma
explicação para a concordância com as construções partitivas em termos de
diferenças relativas à natureza categorial dos termos “maioria” e “parte”. Foi visto
que a concordância plural é licenciada por uma representação estrutural em que os
termos “maioria” e “parte” atuam como quantificadores, que modificam o
segundo termo da expressão partitiva. Nesta seção, busca-se verificar, se em
termos de processamento, os falantes i) distinguem as construções partitivas dos
121
DPs complexos responsáveis por erros de atração; e ii) se há uma preferência por
uma forma de singular ou de plural das construções partitivas, em sentenças em
que ambas as alternativas de concordância seriam possíveis.
O experimento consistiu numa tarefa de julgamento de gramaticalidade.
Como se sabe, a técnica de julgamento de gramaticalidade é bastante empregada
nas análises realizadas dentro do quadro teórico do Gerativismo. Ela consiste
basicamente na avaliação por parte de um falante nativo se uma dada sentença
seria ou não considerada parte de sua língua. Esse julgamento não é sempre
simples de ser obtido, e não são incomuns discordâncias entre os próprios
lingüistas quanto à gramaticalidade ou não de uma dada sentença. Isso porque, ao
se emitir um dado julgamento de gramaticalidade, é difícil dissociar esse
julgamento de questões de interpretabilidade, do tipo de variante lingüística que se
fala e até mesmo do conhecimento obtido via ensino formal. Isso, contudo, não
impede que certas construções sejam claramente avaliadas como impossíveis
numa dada língua, ou como bastante marginais, no sentido de que nenhum falante
nativo as produziria.
Nesta tese, buscou-se implementar uma tarefa psicolingüística que
envolvesse julgamento de gramaticalidade. A idéia era buscar capturar de forma
bastante imediata o julgamento do falante. Para isso, foi construído um
experimento em que o participante era apresentado a sentenças cujas palavras
eram projetadas uma a uma em um telão. Foi dito que as sentenças haviam sido
produzidas por falantes estrangeiros e que a tarefa consistia em dizer se o
estrangeiro dominava bem o português, no sentido de poder ser confundido com
um falante nativo de português. Ele deveria marcar SIM ou NÃO em um bloco de
respostas, da forma mais rápida possível, não dando margem, assim, a possíveis
oscilações no julgamento, o que por vezes ocorre quando não se tem essa restrição
de tempo.
As variáveis independentes foram:
a) tipo de DP sujeito: expressão partitiva e DP complexo não quantitativo.
b) número do verbo: singular e plural
A variável dependente foi o total de respostas SIM para a questão “O
estrangeiro domina bem o português?” A seguir apresentam-se exemplos de
sentenças por condição experimental:
122
Construção partitiva/ verbo no sing.: A maioria dos livros da estante QUEIMOU.
Construção partitiva/ verbo no pl.: A maioria dos livros da estante QUEIMARAM.
DP complexo / verbo no sing.: A pasta dos documentos do escritório RASGOU.
DP complexo / verbo no pl.: A pasta dos documentos do escritório RASGARAM.
Assumindo-se como pressuposto que a concordância verbal com as
construções partitivas pode ser feita com o primeiro ou com o segundo nome das
partitivas, e de que apenas a concordância com o primeiro nome é possível no
caso de DPs complexos não quantitativos, previa-se que as primeiras fossem
julgadas gramaticais tanto com o verbo no singular quanto no plural e que as
últimas fossem julgadas agramaticais nos casos de verbo concordando com núcleo
interveniente.
Método
Participantes:
Participaram do experimento, como voluntários, 24 alunos de graduação da
PUC-Rio, com idade média de 20 anos, sendo 13 mulheres.
Material:
Foram construídas 4 sentenças para a fase de treinamento e 48 para a fase de
teste (16 experimentais, sendo 4 por condição, e 32 distratoras). As sentenças
experimentais foram aleatorizadas e eram apresentadas a cada duas sentenças
distratoras. As sentenças distratoras apresentavam, em geral, erros típicos
cometidos por estrangeiros aprendendo português. As sentenças com erros foram
adaptadas da dissertação de mestrado de Scherer (2002), sobre a produção lexical
de falantes de português como língua estrangeira.
Procedimento:
O procedimento experimental consistiu na apresentação de sentenças em
um telão, palavra por palavra, havendo um intervalo de dois slides na passagem
123
de uma sentença para outra. Para a projeção das sentenças foi utilizado um
equipamento de data show. O experimento foi realizado por alunos da PUC-Rio,
no espaço de sala de aula, com sessões envolvendo pequenos grupos de sujeitos
(em torno de 8 pessoas). A apresentação tinha a duração de 10 minutos.
Resultados:
As respostas SIM do experimento foram submetidas a uma análise de
variância por sujeitos com design fatorial 2x2, em que tipo de DP sujeito e
número do verbo foram tomadas como medidas repetidas.
Os resultados de aplicação do teste estatístico ANOVA indicaram um efeito
principal significativo do tipo de DP sujeito: F(1,23) = 9.55, p < .005, com maior
número de respostas SIM para as sentenças com construções partitivas.
5,71
6
4,62
5
médias
4
3
2
1
0
Construção partitiva
DP complexo
Gráfico 1: Médias de respostas SIM em função do tipo de DP sujeito
Houve também efeito principal altamente significativo do número do verbo,
com as médias apontando na direção do verbo no singular: F(1,23) = 35.88, p <
.0001.
124
6,79
7,00
6,00
médias
5,00
3,54
4,00
3,00
2,00
1,00
0,00
Singular
Plural
Gráfico 2: Médias de respostas SIM em função do número do verbo
A interação entre as variáveis tipo de DP sujeito e número do verbo foi
significativa: F(1,23) = 10.18, p <.004.
3,5
3,5
3,29
3
2,42
Médias
2,5
2
1,5
1,13
1
Sing
Plu
0,5
0
Part
Compl
Tipo de DP
Gráfico 3: Médias de respostas SIM em função do tipo de DP sujeito e do número do verbo
Também foi verificado, a partir da aplicação de teste-t, que há uma
preferência pelo emprego de verbo no singular tanto no caso das construções
partitivas (t(df23) = 2,27, p < .02), quanto no caso dos DPs complexos (t(df23) =
7,71, p < .0001).
Discussão:
O efeito principal de tipo de modificador, com maior incidência de respostas
SIM para as sentenças com construções partitivas, é compatível com a visão de
125
que essas expressões licenciam tanto o verbo no singular quanto no plural. Assim,
tanto sentenças do tipo A maioria dos livros queimou quanto sentenças do tipo A
maioria dos livros queimaram foram julgadas gramaticais pelos participantes do
experimento.
O resultado relativo à variável número do verbo, com uma maior incidência
de respostas SIM para verbos no singular, indica que foram consideradas
gramaticais as sentenças em que, independentemente do tipo de DP sujeito, o
verbo concordou com o primeiro núcleo nominal do sujeito. Logo, há, a despeito
do tipo de sujeito, uma preferência pela concordância verbal singular.
Em relação ao cruzamento das variáveis tipo de modificador e número do
verbo, observa-se que há uma diferença entre partitivas e DPs complexos. Há uma
maior incidência de resposta SIM para o verbo no plural com expressões partitivas
(A maioria dos livros queimaram) do que para DPs complexos (A estante dos
livros quebraram), o que sugere que os falantes rejeitam mais a concordância
plural com o segundo tipo de DP.
Cumpre notar, contudo, que, mesmo no caso das construções partitivas, há
uma preferência pelo verbo no singular, situação em que o verbo concorda com o
que seria analisado tradicionalmente como o núcleo do sujeito. Essa preferência
nas partitivas talvez possa ser atribuída a uma interferência do ensino formal, em
que a concordância canônica é avaliada como mais “correta” em termos
prescritivos do que a chamada concordância estilística com o modificador do
sujeito.
Em suma, os resultados do experimento mostram que os falantes atribuem
julgamentos diferentes para a concordância plural com sujeitos partitivos e DPs
complexos. Isso ocorre mesmo quando a sentença com a partitiva não deixa
evidente a natureza categorial dos termos “maioria” e “parte” (se lexical ou
funcional)82. Logo, faz sentido considerar que no caso das expressões partitivas, a
concordância plural está associada a uma dada representação sintática em que o
segundo núcleo nominal funciona como o controlador da concordância e que nas
82
Deevy (1999) realiza experimentos em inglês com construções pseudo-partitivas as quais
também admitiriam duas alternativas de concordância (A box of doghnuts was opened/A box of
doughnts were eaten). Os resultados sugerem que uma estrutura para a partitiva já teria sido
construída quando da apresentação do verbo. Logo, nos casos em que a concordância verbal é
licenciada pela representação atribuída à partitiva, a sentença é julgada gramatical. Interessante
seria manipular os tipos de sentenças em que as partitivas aparecem de modo a tentar evidenciar a
natureza mais lexical ou mais funcional de “maioria” e “parte”, a fim de verificar se há diferenças
de julgamento em experimento on-line.
126
sentenças com DPs complexos, a concordância com o modificador seria o
resultado de uma falha de processamento. Nos capítulos 6 e 7 veremos como é
explicado esse tipo de falha em modelos de produção de sentenças.
127
6 Modelos interativos e não-interativos diante dos erros de
atração
6.1 Modelos interativos
Na revisão da literatura acerca de erros de atração, foi visto que resultados
de experimentos conduzidos com falantes de várias línguas indicam que fatores
semânticos, sintáticos e morfofonológicos interferem no processamento da
concordância, podendo levar o falante a produzir erros de atração. Em princípio,
erros provocados pela manipulação de fatores semânticos e morfofonológicos
parecem constituir evidência a favor de modelos interativos, visto que estes
admitem o acesso a informações de tipos diferentes em cada momento do
processo de formulação de sentenças. Vejamos como isso se daria.
A interferência de informação semântica, relativa à distributividade do
sujeito foi, por exemplo, explicada por Vigliocco e colegas (1995, 1996a, 1996b)
como uma falha durante a codificação gramatical no processo de unificação de
informação de número do sujeito e do verbo. De acordo com os autores, o verbo
teria seu número gramatical definido a partir do nível da mensagem e, no
momento da unificação dos traços deste com os do sujeito, falhas poderiam
ocorrer gerando os erros de concordância.
Quanto à interferência de informação morfofonológica, nos modelos que
admitem upward feedback (Vigliocco & Hartsuiker, 2002; Vigliocco et al, no
prelo), considera-se que a informação morfofonológica poderia interferir no nível
anterior, o nível da codificação gramatical. O processamento da concordância
seria vulnerável à interferência de pistas morfofonológicas disponíveis nas
línguas e propriedades como a disponibilidade e a confiabilidade (padrões
regulares) dessas
pistas permitiriam prever a probabilidade
de erros de
concordância em cada língua. Não é claro nesses modelos, contudo, exatamente
como se daria essa interferência.
Entre os modelos interativos, há ainda propostas que eliminam
completamente a idéia de níveis. Nesses modelos não há limites arquiteturais aos
tipos de informação que podem ser acessados pelo processador, sendo que
algumas condições podem favorecer a interferência de um ou outro tipo de
informação. Haskell & MacDonald (2003), com base em um modelo de satisfação
de condições - inicialmente aplicado a questões de compreensão, vêm sugerindo
128
que fatores sintáticos e não-sintáticos interagem durante o estabelecimento da
concordância. De acordo com esse modelo, o resultado do processamento é
determinado pela interação de informações de natureza distinta, com pesos
diferentes. No caso da concordância sujeito-verbo, assume-se que haveria uma
competição entre formas verbais alternativas e que certas condições favoreceriam
a seleção de uma ou de outra forma verbal. Assim, por exemplo, o fato de o
sujeito da sentença apresentar número conceitual e gramatical incongruentes
poderia gerar uma competição entre formas verbais e induzir um erro de
concordância. Da mesma forma, nomes com uma terminação típica de plural (ex.
pires) poderiam reforçar uma forma verbal no plural e inibir uma forma verbal no
singular. Várias fontes de interferência também poderiam atuar ao mesmo tempo
e, dependendo do peso que tivessem na língua, uma poderia se sobrepor a outra.
6.2 Modelos não-interativos
Para preservar a autonomia do formulador sintático no processamento da
concordância, a solução encontrada pelos modelos seriais, não-interativos, é
atribuir a interferência de fatores semânticos e morfofonológicos a estágios
anteriores ou posteriores à computação sintática da concordância.
Em relação a efeitos de ordem semântica, Bock et al. (2001) situam esses
efeitos em um estágio anterior à computação da concordância. Os autores
incorporam o modelo de produção apresentado em Bock & Levelt (1994), em que
a codificação gramatical compreende duas etapas: uma de atribuição de função
sintática (nível funcional) e uma de composição da estrutura sintagmática da
sentença (nível posicional). O sistema de produção funcionaria da seguinte forma:
com base em uma representação conceitual, seriam definidas as funções sintáticas
(sujeito, objeto direto etc.) dos constituintes da sentença e, através de um processo
chamado number marking, informação de ordem conceitual permitiria a
especificação do valor do número da função sujeito. No nível posicional, o
sintagma que receberia a função de sujeito seria construído com base em
informação codificada nos lemas dos itens lexicais. Montado o sintagma, o traço
de número do núcleo percolaria ascendentemente até o nó mais alto de modo a
especificar o número do sintagma. Haveria, então, uma operação de unificação de
informação de número definida a partir do nível da mensagem e do traço de
número do núcleo do sujeito. Esse processo ocorreria durante o processo de
129
number morphing. Nos casos de incongruência entre o número conceitual e o
número do núcleo do sujeito, poderia ocorrer erro na definição final do valor de
número do DP sujeito. Assim, em preâmbulos com leitura distributiva, como em
O rótulo nas garrafas, prevaleceria, no processo de unificação de traços, a
informação de plural.
Depois de definido o número do sujeito, também durante o processo de
number morphing, o verbo teria seu traço de número especificado, porém por um
processo de cópia do traço de número do NP sujeito. A concordância sujeitoverbo, portanto, seria resultante de um processo de cópia de traços que ocorreria
durante a construção da estrutura hierárquica da sentença. Logo, no caso de erro
relacionado a fator semântico, o verbo terminaria marcado como plural não por
uma falha na computação da concordância sujeito-verbo, mas sim em decorrência
de uma falha na definição final do número do sintagma sujeito. Logo, o erro seria
pré-computação da concordância.
Quanto à interferência de fatores morfofonológicos, estes são atribuídos à
percolação ascendente do traço de número do nome local para o nó mais alto do
NP sujeito. Também aqui o erro não ocorreria propriamente na computação
sintática da concordância, visto que esta ocorreria depois, pelo processo de cópia
do número do sintagma sujeito para o verbo. A seguir apresenta-se uma
representação esquemática do processamento da concordância segundo Bock et al.
(2001):
M ensagem
O telhado das casas...
Número nocional: single token x multiple token
M ARKING
Sujeito
[+pl]
Objeto
Nível
Funcional
Sentença
[+pl]
NP
VP
Nível
unificação
posicional
N
Léxico
[-pl]
cópia
C
o
d
i
f
i
c
a
ç
ã
o
g
r
a
m
a
t
i
c
a
l
M ORPHING
Fig. 7: Operações de Number Marking e Number Morphing no processamento da
concordância sujeito-verbo (adaptado de Bock et al., 2001)
130
O modelo de Bock et al. (2001), embora consiga manter a autonomia do
formulador sintático, não permite explicar, contudo, diferenças no total de erros
de atração provocados por nomes com um traço intrínseco de número plural e
nomes cujo plural é resultado de processo flexional. Conforme foi visto, os
bipartidos e os pluralia tantum, embora tenham induzido mais erros do que nomes
flexionáveis no singular, produziram menos erros do que nomes flexionáveis no
plural. Esse resultado não era previsto pelo modelo, pois a informação de número
tanto num caso como no outro percolaria igualmente até o nó mais alto do DP
sujeito. Esse tipo de interferência, portanto, parece colocar em xeque a idéia de
um formulador sintático autônomo, que não sofre interferência de ordem
morfofonológica.
No próximo capítulo, veremos como no modelo de produção apresentado
em Rodrigues & Corrêa (2004)/Corrêa & Rodrigues (2005) é possível explicar
esse tipo de interferência bem como interferências semânticas, mantendo-se a
autonomia do formulador sintático.
131
7 Modelo PMP – modelo de produção monitorada por parser
Na seção anterior, foi visto que os modelos de processamento da
concordância existentes não provêem uma explicação para efeitos ligados à
distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo e para determinados efeitos de
marcação morfofonológica. Esses modelos também não diferenciam o que seria a
causa dos erros de atração das propriedades que fazem com que um dado núcleo
interveniente venha a provocar interferências na concordância sujeito-verbo.
Nesta tese, assume-se como alternativa a essas propostas um modelo de
processamento da concordância serial, que incorpora um parser-monitorador – o
modelo PMP - produção monitorada por parser (Rodrigues & Corrêa, 2004;
Corrêa & Rodrigues, 2005), o qual tem acesso aos enunciados lingüísticos à
medida que estes são produzidos pelo falante (cf. Levelt, 1989). A idéia é que o
falante é ao mesmo tempo ouvinte de suas produções e realiza o parsing sintático
dos enunciados a que tem acesso, o que lhe permite, em última instância, verificar
se o resultado da formulação está de acordo com o que foi concebido no nível da
mensagem. O modelo, conforme será visto, localiza os erros de atração após o
parsing do DP sujeito, mantendo a autonomia do formulador sintático. O modelo,
além de dar conta da interferência de fatores sintáticos, também permite explicar o
efeito de distância linear entre sujeito e verbo e efeitos de ordem morfofonológica.
Nesta seção será apresentada a primeira versão do modelo (Rodrigues &
Corrêa, 2004; Corrêa & Rodrigues, 2005), que foi originalmente concebida com
vistas a dar conta da interferência de fatores de ordem linear e morfofonológica no
processamento da concordância. Serão comentadas as propriedades básicas do
modelo e os procedimentos por ele implementados. No capítulo 8, serão
reportados os resultados dos experimentos conduzidos com falantes de português
e será avaliado o grau de cobertura do modelo considerando-se esses resultados e
aqueles reportados na resenha da literatura. No capítulo 9, duas explicações
alternativas para explicar os erros de concordância serão consideradas e será
proposta uma versão revista e ampliada do modelo PMP.
132
7.1 Propriedades do modelo
O modelo PMP apresenta 3 propriedades fundamentais, quais sejam:
¾ incrementalidade moderada;
¾ computação automática da concordância como processo de valoração de
traços;
¾ monitoração concomitante à produção por parte de um parser.
7.1.1 Incrementalidade moderada
A expressão “processamento incremental” foi proposta por Kempen &
Hoenkamp (1987), no âmbito de uma teoria acerca da produção sintática de
sentenças, que se pretendia fosse dotada de plausibilidade lingüística e estrutural –
a Gramática Procedural Incremental (IPG – Incremental Procedural Grammar).
Essa gramática buscava capturar uma das principais características da produção
humana de sentenças: a incrementalidade, que diz respeito ao fato de o processo
de articulação de sentenças poder ser iniciado antes de o falante ter concluído o
planejamento completo da sentença que deseja expressar.
Na IPG, a formulação de sentenças se dá paulatinamente (piecemeal), isto
é, a sentença é vista como compreendendo uma série de unidades e, enquanto se
está articulando uma dessas unidades, a unidade seguinte já está sendo planejada.
Tão logo um fragmento de conteúdo conceptual esteja disponível, é transmitido ao
formulador sintático que procura traduzi-lo em um fragmento de sentença, o qual
é então articulado. Enquanto isso, o processamento de outros fragmentos estaria
sendo realizado.
Nesse sentido, pode-se dizer que há um certo grau de
processamento paralelo na produção da linguagem, o que, é importante esclarecer,
não implica interação entre os componentes responsáveis pelo processamento de
cada tipo de informação: tão logo um componente conclua seu trabalho, a
representação desse componente é transmitida a outro que dá continuidade ao
processo de formulação da sentença.
A idéia de incrementalidade foi incorporada por Levelt (1989) a um modelo
psicolingüístico de produção da linguagem. No que diz respeito à estruturação
sintática da sentença, Levelt propõe que, assim que um elemento nominal inicial é
133
ativado, ele projeta não apenas nós do tipo N e NP, mas também o nó da própria
sentença. Não é claro, no entanto, se quando o NP sujeito é enviado para a
codificação fonológica a concordância verbal já teria sido computada.
O modelo de produção aqui assumido é dotado de incrementalidade
moderada. Diferentemente do que propõe Levelt (1989), considera-se que uma
relação sintática teria de ser estabelecida entre o DP sujeito e o verbo antes da
codificação morfofonológica e a articulação daquele. Evidências empíricas a favor
dessa idéia são discutidas em Ferreira (1999). De acordo com a autora, a
codificação de um conceito como sujeito da sentença dependeria de propriedades
do verbo. Ferreira reporta resultados experimentais que apontam nessa direção (cf.
Lindsley, 1975; Kempen & Huijbers, 1983; Ferreira, 1994; Meyer, 1996 apud
Ferreira, 1999). Destaca-se um experimento no qual foi investigado se a escolha
de uma estrutura de ativa ou de passiva seria influenciada por propriedades do
verbo da sentença (Ferreira, 1994). Nesse estudo, foi verificado que os
participantes tratam diferentemente verbos do tipo like e do tipo frighten quanto à
escolha de uma estrutura de passiva para construir a sentença. Partindo da idéia de
que existiria uma hierarquia de papéis temáticos (cf. Kintsch, 1974; Jackendoff,
1972, 1987, 1990), em que os papéis de “agente” e “experienciador” ocupariam o
topo da hierarquia e os papéis de “paciente” e “tema” estaria na base, a autora
propõe que seria selecionada para cada verbo a estrutura sintática que permitisse
posicionar “agentes” e “experienciadores” em uma posição sintática proeminente,
o sujeito da sentença. Com verbos do tipo like, o sujeito da ativa deve ser uma
expressão nominal com papel de “agente” ou de “experienciador”; com verbos do
tipo frighten, a posição de sujeito da ativa é ocupada por uma expressão com
papel de “tema” e a posição de objeto, por um “experienciador” (The thunder
frightened Tom – O trovão assustou Tom). Logo, com verbos como frighten, é a
estrutura de passiva que permite posicionar o elemento com papel de
“experienciador” na posição de sujeito, a mais proeminente da sentença. Logo,
esperava-se que houvesse uma diferença no total de passivas entre as condições
com verbos do tipo like e do tipo frighten, com maior emprego de passivas com
verbos do tipo frighten. Essa previsão foi confirmada. O resultado obtido foi
tomado como evidência de que a decisão se um dado referente conceptualizado
vai ser ou não tomado como o sujeito da sentença depende do verbo, isto é,
134
depende da identificação de propriedades do verbo, o que, por sua vez, é
compatível com a idéia de produção moderadamente incremental.
Resultados experimentais com falantes de odawa, uma língua indígena
norte-americana, também são indicativos de que propriedades do verbo são
verificadas antes de o sujeito ser efetivamente articulado (Christianson & Ferreira,
2005). O odawa é uma língua cujos principais constituintes podem ser livremente
ordenados, o que permite que os falantes comecem uma dada sentença com
qualquer referente conceptualizado que esteja mais acessível. Assim, um NP com
qualquer função sintática pode ocorrer no inicio da sentença, independentemente
da forma verbal usada, sem que para isso seja necessário o falante recorrer a
padrões entonacionais específicos, como se observa em construções de
topicalização em outras línguas. Há, no entanto, três formas verbais distintas cujo
uso está associado ao papel temático e à função sintática do elemento que
funciona como tópico, o que, como será visto, permite que hipóteses relativas à
incrementalidade sejam testadas. As três formas são as seguintes: forma direta usada quando o tópico é o sujeito e tem papel temático de agente; forma inversa –
usada quando o tópico é o objeto e tem papel temático de paciente; forma passiva
– usada quando o tópico é o sujeito e tem papel temático de paciente. A forma
direta é a mais freqüente nessa língua.
Tendo em vista essas características, podem ser feitas as seguintes
previsões para uma língua como o odawa quanto à incrementalidade: se a
produção de sentenças for radicalmente incremental, independentemente do tópico
da sentença ser um agente ou um paciente, os falantes possivelmente privilegiarão
a forma direta, porque ela é a forma mais freqüente na língua. Se, no entanto, a
produção for moderadamente incremental, será privilegiada a forma do verbo em
que o tópico for o sujeito: se o tópico tiver papel de agente, será usada a forma
direta; se o tópico tiver papel de paciente, será usada a forma passiva. A forma
inversa não será usada porque, embora nessa forma verbal o tópico deva ser um
NP com papel de paciente, a função sintática que desempenha é de objeto.
As duas hipóteses puderam ser confrontadas a partir de um experimento de
apresentação de figuras seguido de perguntas de 3 tipos, cada uma
correspondendo a uma condição experimental. Uma das perguntas colocava um
“agente” como tópico (PA) - ex.: O que o menino está fazendo?; outra, o paciente
135
(PP) - ex.: O que aconteceu com o menino?, e uma terceira pergunta funcionou
como controle (PG) - ex.: O que está acontecendo aqui?
Os resultados obtidos foram os seguintes: enquanto nas condições com
pergunta “geral” e pergunta “agente” a forma direta do verbo foi a mais
empregada, nas perguntas “paciente” a forma passiva do verbo foi a
privilegiada.83
Logo, a despeito de a flexibilidade de ordem em odawa permitir que um
referente conceptualizado possa ser imediatamente produzido tão logo se torne
acessível, sem que nenhuma propriedade do verbo seja levada em consideração,
os falantes preferiram a forma passiva (mesmo esta sendo menos freqüente que a
forma direta). A escolha da forma de passiva significa que propriedades do verbo
foram levadas em consideração. Nesse sentido, pode-se dizer que os falantes de
odawa se comportaram de modo semelhante aos falantes de inglês do experimento
de Ferreira (1994), o que pode ser tomado como indicativo de que a produção é
moderadamente incremental.
Um dos pressupostos do modelo de produção apresentado nesta tese é que
a concordância entre sujeito e um núcleo funcional com traço não interpretável de
número (no caso, T de TP) seria computada antes de o DP sujeito ser enviado para
a codificação morfofonológica. Isso só é possível se for assumida a idéia de
incrementalidade moderada. Importante observar que o fato de a concordância ter
sido computada não significa que a codificação morfofonológica do verbo esteja
concluída. Isso abre a possibilidade de essa codificação sofrer interferência de
uma representação gerada pelo parser quando o DP sujeito é emitido. A seguir,
veremos como a concordância é computada e que tipo de informação vai para o
componente onde a codificação morfofonológica é realizada.
7.1.2 Computação automática da concordância como processo de
valoração de traços
Neste tese a computação da concordância de número entre sujeito e verbo é
caracterizada em termos de um processo de valoração de traços formais da língua
83
Cumpre observar que as perguntas do tipo PP também favoreceram respostas com o verbo na
forma inversa (em que o tópico é “paciente”, mas tem função de objeto), embora o efeito tenha
sido pequeno.
136
e o resultado desse processo é encaminhado a um componente morfofonológico84.
Conforme visto no capítulo 3, essa concepção da concordância é compatível tanto
com o que vem sendo proposto para explicar a codificação gramatical em modelos
de produção (cf. Levelt et al. 1999), quanto com o que vem sendo assumido
correntemente no âmbito do Programa Minimalista (Chomsky, 1999). Na modelo
de produção de Levelt, foi visto que os lemas dos verbos têm um diacrítico de
número valorado durante a etapa de codificação gramatical, a partir do número
especificado no lema correspondente ao núcleo do sujeito; no modelo de língua
minimalista, o traço não-interpretável de número do verbo tem seu valor
especificado no curso da derivação sintática, também em função do traço de
número (interpretável) do DP sujeito.
Nos dois domínios teóricos, há também uma separação entre o que seria
uma representação abstrata de número e sua realização morfofonológica. No
modelo de processamento de Levelt, isto se materializa em termos de uma
distinção entre os conceitos de lema e de lexema; no modelo de língua, em termos
de uma distinção entre traços formais e traços fonológicos. Essa separação é
fundamental, pois permite que se pense no erro de concordância como resultante
de uma interferência apenas na codificação morfofonológica do verbo, não
afetando a concordância em si.
7.1.3 Monitoração concomitante à produção por parte de um parser
A idéia de que a produção da fala é monitorada por um parser é uma das
características fundamentais do modelo proposto, pois permite explicar efeitos de
linearidade e de marcação morfofonológica na computação da concordância,
mantendo-se a autonomia do formulador sintático.
De acordo com Levelt (1989), o falante usa seu sistema de compreensão
para monitorar a própria fala, o que lhe permite identificar e corrigir os erros
produzidos. Considerando-se a natureza incremental da fala, pode-se assumir que
o parser segmenta e analisa o material produzido tão logo este é disponibilizado
para a codificação fonética, antes mesmo, inclusive, de ter sido efetivamente
articulado.
84
Nesta tese, a assunção de um mecanismo de valoração de traços para a computação da
concordância restringe-se à idéia de que o verbo teria seu traço de número especificado no curso
da derivação sintática, numa configuração de c-comando.
137
No modelo PMP, foi proposto que o parser atuaria de forma bottom-up, no
sentido de que, no processo de parsing, o DP inicialmente produzido só poderia
ser integrado em uma estrutura sintática na função de sujeito quando o verbo fosse
efetivamente emitido. Esse DP inicial seria mantido num nível temporário de
memória até que o verbo fosse identificado e seu lema acessado. Só nesse
momento uma relação sintática do verbo com o DP inicial seria estabelecida e este
poderia ser identificado como o sujeito da sentença. Considerando-se que o parser
está sujeito a limitações de processamento e de armazenamento de informações
pela memória de trabalho, a representação temporária do DP poderia sofrer um
processo de esvaecimento progressivo, o que viria a afetar a computação da
concordância entre sujeito e verbo.
Conforme veremos no capítulo 9, também é possível imaginar que uma
estrutura sintática top-down já comece a ser projetada tão logo o DP seja
produzido, e que o DP seja analisado como um possível sujeito para a sentença.
Tanto numa alternativa quanto em outra, contudo, ambas as representações do DP
geradas pelo parser estariam sujeitas a esvaecimento, o que poderia ter reflexo na
especificação do número do DP sujeito.
7.2 Procedimentos implementados pelo parser monitorador e
explicação dos erros de atração.
Os procedimentos implementados pelo modelo podem ser descritos da
seguinte forma: o falante, em função de uma intenção de fala, que leva em conta
fatores pragmáticos relacionados ao interlocutor e às condições de produção,
conceptualiza uma mensagem. Há uma seleção, no léxico mental, de itens cujos
lemas correspondem aos conceitos que se deseja expressar. A informação dos
lemas, entendida como um conjunto de traços categorias e formais, é acessada e
utilizada na montagem da árvore sintática. Uma operação de valoração de traços
permite o pareamento de traços entre o DP sujeito e o verbo e a concordância é
computada.
Tão logo a concordância é computada, o DP passa a um processo de
codificação morfofonológica que permitirá sua emissão antes da codificação
morfofonológica do verbo. A representação fonética do DP é gerada, a fim de o
DP poder ser articulado. Essa representação fonética (ou aquela decorrente da
138
articulação da representação fonética do DP) é submetida às operações do parser
monitorador (segmentação, reconhecimento e acesso lexical e criação de um
marcador frasal). A representação do DP gerada pelo parser é então mantida
numa memória temporária para que possa ser integrada ao restante da sentença
que está sendo produzida em paralelo.
Quando o verbo vai ser codificado morfofonologicamente, a representação
morfofonológica do DP ainda pode estar mantida na memória e nesse momento
pode gerar uma interferência no processo de codificação do verbo. Poder-se-ia
pensar nessa interferência em termos de uma espécie de resíduo fônico dos traços
lexicais (correspondentes à informação em PF) que afetaria a codificação
morfofonológica do verbo, com reflexos na sua representação fonética e posterior
articulação.
No modelo proposto, considera-se que determinados fatores podem
contribuir para um maior ou menor grau de acessibilidade dos elementos que
integram a representação do DP sujeito. Entre esses fatores, estariam a marcação
morfofonológica dos núcleos nominais (que está associada à proeminência fônica)
e posição hierárquica dos núcleos intervenientes85. Assim, o modelo faria prever
que haveria uma diferença em termos de acessibilidade entre núcleos nominais no
singular (não-marcado; fonicamente menos proeminente) e no plural (marcado;
fonicamente mais proeminente). Também o modelo faria prever uma diferença
entre núcleos intervenientes em função da posição hierárquica por eles ocupada.
Quanto mais próximo um núcleo interveniente estivesse do nó mais alto do DP
sujeito, maiores as chances de este núcleo gerar interferência. Considerando-se
também as restrições de processamento e o armazenamento de informações pela
memória de trabalho, seria esperado que o fator distância linear sujeito/verbo
viesse a afetar a concordância, pois quanto mais distante estivesse o núcleo do
sujeito do verbo, menos acessível se tornaria e mais erros poderiam ocorrer.
A figura a seguir apresenta uma caracterização esquemática do modelo:
85
Para uma discussão de fatores associados ao grau de acessibilidade de uma representação na
memória de trabalho, ver Arial (1994) e Matthews & Chodorow (1998) e Corrêa (2000).
139
Processamento da concordância na produção (Corrêa & Rodrigues, 2005)
Conceptualização
Traços semânticos
Acessolexical
Lemas
(traçosformais)
Codificação gramatical
Valoração de traços
Spell out
Codificação morfofonológica do
DP sujeito
Codificação
fonética
Enunciado
Parser
monitorador
Spell out
Codificação morfofonológica do verbo
Interferência Codificação
fonética
Representação
do DP sujeito
ERRO
Fig. 8: Modelo PMP de processamento da concordância na produção de sentenças
Para finalizar esta seção, deve-se esclarecer que, diferentemente do que vem
sendo assumido (Vigliocco & Nicol, 1998; Bock et al., 2001), o erro não seria
gerado por falhas em operações do sistema de produção, mas sim por questões de
acessibilidade da representação do DP sujeito gerada pelo parser e mantida na
memória de trabalho. Nesse sentido, não haveria propriamente um erro de
concordância, visto que o “erro” não ocorreria na computação sintática da
concordância, mas sim num momento posterior, após o parsing do DP sujeito.
Outro ponto importante do modelo é que ele consegue explicar efeito de marcação
associado a efeito sintático, sem precisar postular a interferência de um nível
morfofonológico em um nível sintático, isto é, sem precisar recorrer à idéia de
retro-alimentação. Tanto efeitos sintáticos (posição hierárquica) quanto efeitos
morfofonológicos (marcação) podem ser atribuídos à representação do DP gerada
pelo parser, a qual seria vulnerável a esvaecimento progressivo. Mantém-se,
assim, a idéia de um formulador sintático autônomo, encapsulado.
140
8 Experimentos de produção induzida de erros
Neste capítulo serão reportados os resultados de 5 experimentos de
produção induzida de erros, construídos com o intuito de verificar os três tipos de
interferência que vêm sendo investigados na literatura sobre processamento da
concordância: interferência sintática, semântica e morfofonológica.
Nos dois primeiros experimentos, procura-se dissociar as condições que
favorecem o erro das propriedades que levam um dado núcleo interveniente a
afetar o processamento da concordância. Assim, busca-se verificar se i) distância
linear entre o núcleo do sujeito e o verbo e ii) tipo de modificador em que está
inserido o núcleo interveniente são condições necessárias para o erro e se iii) a
posição hierárquica de um dado núcleo interveniente na estrutura do DP sujeito
pode tornar esse núcleo um candidato a afetar a concordância.
O segundo experimento também tem por objetivo verificar os fatores
responsáveis por um efeito de marcação -- se a complexidade da codificação
morfofonológica do verbo, como sugerido em Franck, Vigliocco & Nicol (2002),
em estudo comparativo envolvendo falantes de francês e de inglês, ou se a
visibilidade da marca de número no DP, conforme previsão do modelo de
produção aqui considerado.
O terceiro experimento tem por objetivo avaliar se a natureza argumental do
PP que contém o núcleo interveniente é fator de geração de erros de atração.
Examina-se se o fato de um PP modificador funcionar sintaticamente como
adjunto ou complemento do núcleo do sujeito afeta o processamento da
concordância.
No quarto experimento, tanto fatores semânticos quanto morfofonológicos
são investigados. Procura-se i) dissociar um efeito de distributividade puramente
semântico (O volante de cada carro) de um efeito de distributividade associado à
marcação de número (O volante dos carros); ii) avaliar se erros de atração podem
ser atribuídos exclusivamente à forma fônica (s final) do nome local plural
(ônibus vs. carro) e se diferenças relativas à codificação morfofonológica de
número no núcleo interveniente em DPs locais plurais são consideradas na
computação da concordância em português (O volante dos ônibus vs. O volante
dos carros)
141
O quinto e último experimento busca testar se um efeito de distributividade
com DPs complexos pode ser ampliado pela adição de um segundo PP
modificador, na medida em que este torna o DP mais pesado e amplia a distância
entre o núcleo do sujeito e o verbo (O volante dos carros de corrida).
Nos cinco experimentos foi utilizada a mesma técnica experimental – a
produção induzida de erros, tendo sido todos os experimentos realizados no
LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem), vinculado
ao Departamento de Letras, da PUC-Rio.
A fim de que se possa entender como os experimentos foram conduzidos,
faz-se a seguir uma apresentação da técnica empregada, antecedida de uma breve
discussão acerca de questões metodológicas no estudo da produção da linguagem.
8.1 Questões metodológicas no estudo da produção da linguagem e
a tarefa de indução de erros
Livros introdutórios de Psicolingüística apontam questões de ordem
metodológica como justificativa para o maior número de pesquisas voltadas ao
estudo da compreensão do que ao estudo da produção da linguagem, em particular
no que diz respeito ao planejamento sintático (cf. Garman, 1990; Carroll, 1994;
Harley, 1997). A dificuldade de controlar o input na produção é um dos fatores
que torna mais difícil a sua investigação. Enquanto na compreensão se pode
facilmente manipular o material a ser analisado e compreendido, o que permite o
controle das variáveis que se deseja testar, no estudo da produção essa
manipulação direta não é possível, sendo necessário ou obter os dados a partir de
situações naturais de produção ou criar tarefas que possam induzir a produção do
que se deseja investigar.
Erros cometidos em situação de fala espontânea ou induzidos em situação
experimental têm sido a principal fonte de informação sobre os processos
envolvidos na produção da linguagem. Esses erros funcionam como “pistas” que
permitem ao pesquisador formular hipóteses acerca desses processos. O erro abre
uma janela para que se possam investigar unidades de processamento e estágios
da produção da linguagem, demandas cognitivas dos processos envolvidos,
natureza da informação utilizada por cada componente da arquitetura do sistema
de produção e possíveis fontes de interferência em cada estágio.
142
No âmbito dos estudos psicolingüísticos, portanto, os erros são elementos
altamente informativos acerca de como o falante processa linguagem e, nesse
sentido, se afastam do conceito usual de erro, que remete à idéia de desvio da
norma culta da língua, a ser corrigido com base nas prescrições da gramática
tradicional.
Trabalhos pioneiros como o de Garrett (1975; 1980) com lapsos produzidos
em situação de fala espontânea permitiram a criação dos primeiros modelos sobre
a arquitetura do sistema de produção (cf. Bock, 1996). Investigação baseada em
fala espontânea exige, contudo, uma ampla coleta de dados, e nem sempre
possibilita o controle das variáveis que se pretende investigar. Nesse cenário, o
emprego de técnicas experimentais se apresenta como uma alternativa mais
interessante, visto que permite que o estímulo que desencadeia o processo de
produção seja o mesmo para todos os participantes, viabiliza a manipulação das
variáveis que se deseja investigar bem como o controle da própria situação de
produção.
No estudo da concordância verbal, a principal técnica utilizada é a de
produção induzida de erros. Essa técnica consiste na apresentação de
preâmbulos experimentais que contêm alguma fonte de interferência para o
processamento, levando à produção de erros. Utilizam-se em geral sintagmas
complexos, em que um núcleo nominal é modificado ou por um sintagma
preposicional ou por um sintagma oracional que apresente outro núcleo nominal
(o chamado termo local) com um traço de número incongruente em relação ao
primeiro (exs.: o técnico dos jogadores/ o técnico que convocou os jogadores). A
tarefa experimental consiste na repetição do preâmbulo, apresentado por via
auditiva ou por escrito, e na formulação de uma continuidade para a sentença. Em
geral, a produção do verbo e do restante da sentença são livres, mas há variantes
dessa tarefa em que o experimentador fornece um verbo no infinitivo com o qual
o falante deve completar a frase ou, ainda, um adjetivo que deverá ser combinado
a um verbo cópula. O participante recebe a instrução de que a tarefa deve ser feita
da forma mais rápida possível, sendo o preâmbulo repetido tão logo termine a
apresentação do mesmo, não havendo intervalo entre a repetição e a continuidade
da sentença. A variável dependente é o total de erros de concordância que são
produzidos. Quanto maior o número de erros maior o potencial de interferência
do(s) fator(es) manipulado(s).
143
A representação a seguir indica os passos envolvidos na tarefa de produção
induzida de erros:
O tecido das
cortinas do teatro
rasgou/ rasgaram
Apresentação do
preâmbulo por
via auditiva
Apresentação visual
de verbo
Produção
da frase
Uma crítica feita a este tipo de tarefa é que ela poderia ser “contaminada”
pela compreensão prévia do estímulo. De fato não há como evitar esse tipo de
interferência, mas alguns controles permitem minimizar um efeito desse fator.
Primeiro, busca-se uma entonação “neutra” para o preâmbulo, isto é, ele não
recebe uma leitura ascendente típica de início de sentença, nem uma entonação de
tópico. Além disso, a tarefa é bastante rápida – tão logo ouve o preâmbulo, o
participante já deve repeti-lo e completar a sentença. Mais importante é que o tipo
de erro produzido nesse tipo de experimento bem como a distribuição desses erros
são similares ao que se obtém em situação natural de produção.
8.2 Experimentos
Foram realizados, no total, 6 experimentos para a presente tese. Para
facilitar o acompanhamento deste capítulo, optou-se por apresentar uma
numeração própria para os experimentos de produção induzida. O experimento de
julgamento de gramaticalidade está reportado no capítulo 5.
8.2.1 Experimento 1 - distância linear sujeito-verbo e tipo de modificador
O presente experimento tem como principais objetivos verificar se a
distância entre o núcleo do sujeito e o verbo é fator que afeta a ocorrência de erros
de atração e se esse efeito interage com um efeito de tipo de modificador
As variáveis independentes foram:
a) distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo: curta e longa;
b) tipo de modificador: PP e oração relativa.
144
A tarefa experimental foi de produção induzida bi-modal. Um preâmbulo foi
apresentado por via auditiva para ser posteriormente repetido mediante a
apresentação visual de um verbo no infinitivo, o qual deveria ser flexionado
dando continuidade ao preâmbulo. A variável dependente foi o número de erros
na formulação do verbo.
A hipótese de que distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo afeta
a concordância faz prever um maior número de erros na condição distância longa.
Os resultados de Bock & Cutting (1992) fazem prever uma interação significativa
entre distância linear e tipo de modificador, com maior número de erros na
condição distância longa quando o modificador é um PP. Neste experimento,
distância linear foi manipulada por meio da introdução de um PP modificador do
núcleo nominal interveniente.
Apresentam-se abaixo as condições experimentais dos experimento:
C1: distância linear curta e modificador PP
O diretor arrogante dos funcionários
C2: distância linear curta e modificador Oração Relativa
O jornalista que falou dos empresários
C3: distância linear longa e modificador PP
O instrutor calmo dos pilotos de avião
C4: distância linear longa e modificador Oração Relativa
O ator que discordou dos críticos de teatro
Método
Participantes:
Participaram do experimento, como voluntários, 31 alunos de graduação e
de pós-graduação da PUC-Rio, sendo 18 do sexo feminino, e a idade média foi de
22 anos.
Material:
145
Foram construídos 48 preâmbulos, sendo 16 experimentais (4 por condição)
e 32 distratores. Além desses, foram criados 4 preâmbulos para a fase de
treinamento. Cada preâmbulo foi acompanhado de um verbo no infinitivo. Os
preâmbulos experimentais e os distratores foram aleatorizados, fixando-se,
contudo, a posição dos distratores. O número de sílabas métricas dos preâmbulos
experimentais foi controlado de modo a que todos os estímulos tivessem o mesmo
tamanho, o que gerou a necessidade de se incluir um adjetivo entre o núcleo do
sujeito e o sintagma preposicional modificador do núcleo. Também foi controlada
a animacidade dos núcleos nominais: o núcleo do sujeito e o núcleo interveniente
apresentaram traço [+animado] enquanto que o traço de animacidade do núcleo
nominal do PP adicionado na condição distância linear longa foi sempre [animado].
O aparato experimental consistiu de um PC de 900MHz, um monitor
Syncmaster 550v, fones de ouvido, microfone para registro da produção, uma
caixa-de-botões conectada ao computador, arquivos de som com os preâmbulos
especialmente gravados com entonação o mais neutra possível. O experimento foi
programado por meio do software LabView.
Procedimento:
Os participantes foram testados individualmente em uma cabine acústica do
LAPAL, na qual o monitor, a caixa de botões, os fones de ouvido e o microfone
se encontravam situados. O participante era orientado, pelo experimentador, para
utilizar os fones de ouvido e o microfone e as instruções da tarefa lhe eram
antecipadas oralmente. A sessão era iniciada pelo experimentador, no computador
situado do lado de fora da cabine. Instruções para a tarefa foram apresentadas por
escrito, na tela do monitor, uma vez iniciada a sessão experimental. As instruções
informavam que a tarefa consistia em repetir o início de uma sentença ouvida nos
fones e completá-la com o verbo apresentado no centro da tela do monitor. Em
seguida à leitura das instruções, o participante era submetido a uma fase de
treinamento, que poderia ser repetida à sua vontade. A emissão dos preâmbulos
por áudio era iniciada mediante a pressão no botão C (Continuar) da caixa-debotões pelo participante. Concomitantemente à projeção do preâmbulo, um verbo
no infinitivo era apresentado. Cada verbo permanecia na tela por 1500ms e a
passagem de um item para outro era controlada pelo sujeito-experimental, com o
146
uso da caixa-de-botões. A duração de cada sessão experimental foi de
aproximadamente 10 minutos.
Resultados
Foram obtidos 37 erros de atração num total de 496 sentenças produzidas a
partir dos preâmbulos experimentais (16 itens x 31 sujeitos), o que corresponde a
7.4% desse total. Esses erros foram submetidos a uma análise de variância por
sujeitos, tomando-se como medidas repetidas distância linear entre o núcleo do
sujeito e o verbo e tipo de modificador, num design fatorial (2x2).
O efeito de distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo foi
significativo: F (1,30) = 6.45, p< 0.02. Não houve efeito significativo de tipo de
modificador -- F (1,30) = 1.69 , p = 0.2, nem da interação entre distância linear
e tipo de modificador -- F (1,30) = 0.3, p =0.6.
A Tabela 1 apresenta as médias obtidas e o gráfico permite visualizar o
efeito da variável distância linear.
Tabela 1
Média de erros de concordância por condição experimental (máx. score = 4)
Distância linear sujeito-verbo
Tipo de modificador
Curta
Longa
PP
0,23
0,52
Oração relativa
0,13
0,32
Média Total
0,18
0,42
Gráfico 4: Médias de erros de concordância em função do tipo de modificador e da
distância entre o núcleo do sujeito e o verbo
0,6
0,5
médias
0,4
0,3
0,2
PP
0,1
Relativ
0
Curta
Longa
Distância entre o núcleo do sujeito e o
verbo
147
Observa-se, na tabela 1 e no gráfico, que houve maior número de erros na
condição distância longa, irrespectivamente ao tipo de modificador. Nas duas
condições definidas por distância linear, houve um maior número de erros com
modificador PP, ainda que o efeito de tipo de modificador não tenha atingido o
nível de significância estipulado.
Discussão
Em primeiro lugar, cumpre comentar que tanto o percentual de erros quanto
a média de erros por condição experimental são compatíveis com o que vem
sendo reportado na literatura. O falante comete poucos erros de concordância,
mesmo quando está realizando uma tarefa construída para induzir falhas, o que
aponta para a robustez do sistema computacional da língua.86
Em relação às variáveis manipuladas, os resultados obtidos sugerem que a
distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo, definida pela interpolação de
modificadores, é um fator que favorece a ocorrência de erros de atração, o que é
compatível com os resultados de Bock & Cutting (1992).
Quanto à variável tipo de modificador, os resultados não revelaram um
efeito significativo desse fator, diferentemente do que foi encontrado por Bock &
Miller (1991) e Bock & Cutting (1992), em que foram obtidos mais erros de
atração com PPs do que com modificadores oracionais.87
Também não houve interação entre as variáveis testadas (distância linear e
tipo de modificador): tanto as condições com modificadores PPs quanto aquelas
com modificadores oracionais foram afetadas pela variável distância linear, com
mais erros quando o núcleo do sujeito estava distante do verbo. Esses resultados
também diferem dos obtidos por Bock & Miller (1991) e Bock & Cutting (1992),
86
Em experimentos conduzidos com falantes de inglês, em que o falante deve completar
livremente a sentença após repetir o preâmbulo, o percentual de erros reportado é mais baixo, pois
não é possível distinguir entre uma forma de singular e uma forma de plural quando os verbos são
conjugados no passado.
87
É importante observar que no presente experimento o número de sílabas (métricas) foi
controlado, ao contrário de Bock & Miller (1991). Além disso, é possível que diferenças de
acessibilidade relativas à posição do núcleo interveniente nas relativas tenha de algum modo
influenciado os resultados: enquanto no presente experimento, os núcleos intervenientes eram PPs
complementos de verbos de orações relativas de sujeito (O jornalista que falou dos empresários),
nos experimentos com falantes de inglês, o núcleo interveniente podia ser tanto o sujeito (The
soldier that the officers accused) quanto o complemento direto do verbo (The boy that liked the
snakes) da oração relativa.
148
em que as condições com modificadores oracionais não foram afetadas pela
variável distância linear, o que foi tomado como evidência a favor da hipótese do
“empacotamento oracional”. É possível que diferenças no material de teste
expliquem os resultados conflitantes. No presente experimento, o fator distância
linear foi manipulado pela adjunção de um PP ao núcleo crítico dos dois tipos de
modificadores, enquanto que, em Bock & Cutting (1992), a distância linear foi
ampliada por um adjetivo pré-nominal. Conforme discutido na resenha da
literatura, é possível que a natureza do elemento adicionado apresente demandas
diferenciadas no processamento de um sujeito longo (cf. Pearlmutter, 2000).
Em suma, os resultados obtidos indicaram um efeito de distância linear no
processamento da concordância sujeito-verbo, efeito esse que não encontra
explicação nos modelos de produção que situam o erro de concordância na
produção da linguagem. Um efeito de distância é, contudo, compatível com o
modelo que incorpora um parser monitorador, pois este faz prever que a
ampliação da distância entre o núcleo do sujeito e o verbo viria a afetar a
manutenção da representação do DP sujeito gerada pelo parser, levando a uma
possível perda ou dificuldade de recuperação da informação de número do núcleo
do sujeito, o que, por sua vez, se refletiria na codificação morfofonológica do
verbo.
8.2.2 Experimento 2 – posição linear vs. posição hierárquica do núcleo
interveniente e marcação morfofonológica
Este experimento explora especificamente o contraste entre posição linear e
posição hierárquica do núcleo nominal interveniente, de modo a verificar qual
dessas propriedades faz prever erros de atração em condições favoráveis à sua
ocorrência. Além disso, busca verificar se o valor do traço de número do núcleo
do sujeito é um fator que afeta a concordância, como sugerido na literatura.
Comparam-se os resultados do português com os obtidos em Franck, Vigliocco &
Nicol (2002) para o francês e inglês, a fim de verificar o que seria responsável por
um efeito de marcação – se a complexidade da morfologia verbal, como propõem
esses autores, ou se a visibilidade da marca de número no DP sujeito.
A tarefa experimental foi a mesma do Experimento 1. Contudo,
diferentemente daquele, somente modificadores do tipo PP foram utilizados, dado
seu maior potencial de indução de erros. Além disso, pseudo-verbos foram criados
149
de modo a evitar uma eventual interferência do significado do verbo na
determinação do elemento nominal que viesse afetar a concordância, como
sugerido nos dados de Thornton & MacDonald (2003).
As variáveis independentes foram:
Número do N1 (singular/plural);
Número do N2 (singular/plural);
Número do N3 (singular/plural).
N1, N2 e N3 referem-se, respectivamente, aos núcleos nominais que
integram um DP complexo do tipo:
A tinta do cartucho da impressora
N1
N2
N3
O número do N1 foi tomado como fator grupal88 e o número do N2 e do N3
são medidas repetidas89. A manipulação do número do N1 permite que se
verifique se o núcleo do sujeito plural torna a concordância menos vulnerável a
erro. A manipulação do número do N2 e do número do N3 permite contrastar
posição linear e posição hierárquica como fatores determinantes de erros de
atração. Além disso, essa manipulação permite verificar se a presença do morfema
de número em um núcleo interveniente (N2 e N3 na condição plural) interage com
posição linear ou posição hierárquica. O número de erros de concordância no
verbo foi tomado como variável dependente.
Os preâmbulos abaixo ilustram as condições experimentais:
Grupo N1 singular:
N2sing N3sing: A tinta do cartucho da impressora
N2sing N3pl: A chave do cofre dos documentos
N2 pl N3sing: A propaganda dos produtos da loja
N2pl N3pl: A fábrica das grades das janelas
Grupo N1 plural:
N2sing N3sing: As cortinas do palco do teatro
88
Fator grupal: Variável cujos níveis são distribuídos por grupos de sujeitos pareados, ou seja,
assumidos como semelhantes para os propósitos do teste.
89
Medida repetida: variável cujos níveis são apresentados a um mesmo indivíduo, de modo que
cada sujeito funciona como seu próprio controle nas diferentes condições decorrentes da
manipulação da variável.
150
N2sing N3pl: As prateleiras do armário dos sapatos
N2 pl N3sing: Os preços dos pratos do restaurante
N2pl N3pl: As maçanetas das portas dos carros
As evidências empíricas disponíveis permitem prever um maior número de
erros para N1 singular do que para N1 plural. A hipótese de que a posição
hierárquica é fator determinante da probabilidade de ocorrência de erros de
concordância, associada à previsão acima, permite antecipar um maior número de
erros na condição N2 plural. A hipótese da posição linear do núcleo crítico em
relação ao verbo faria prever um maior número de erros na condição N3 plural.
Método
Participantes:
Participaram do experimento, como voluntários, 34 alunos de graduação e
de pós-graduação da PUC-Rio (17 para cada grupo de preâmbulos), sendo 24
mulheres e 10 homens, e a idade média foi 24 anos.
Material:
Para cada grupo (N1singular/ N1plural), foram construídos 48 preâmbulos,
sendo 12 experimentais (3 por condição) e 36 distratores. Além desses, foram
criados 6 preâmbulos para a fase de treinamento. Os pseudo-verbos criados para
os preâmbulos experimentais foram todos dissílabos de 1a conjugação (ex.: pubar,
bopar, tebar). O tipo de preposição do primeiro sintagma preposicional dos
preâmbulos experimentais foi variado, tendo se mantido constante, no entanto, a
função sintática desse sintagma (no caso, adjuntos adnominais). Apenas nomes
com o traço [-animado] foram utilizados como núcleos nominais dos preâmbulos
experimentais. O número de sílabas métricas desses preâmbulos foi controlado. O
aparato experimental utilizado foi o mesmo do Experimento 1.
Procedimento:
O mesmo procedimento adotado no primeiro experimento foi utilizado. A
única alteração feita foi em relação ao tempo de permanência do verbo na tela do
monitor. Diferentemente do Experimento 1, em que os verbos permaneciam na
151
tela por 1500ms, optou-se por manter o verbo na tela durante todo o tempo de
produção da sentença em questão, visto tratar-se de pseudo-verbos, cuja
memorização poderia dificultar a realização da tarefa. O tempo médio de duração
do experimento foi o mesmo do Experimento 1, em torno de 10 minutos.
Resultados
Foram obtidos 28 erros de concordância nas 408 frases produzidas a partir
dos preâmbulos experimentais (12 itens x 34 sujeitos), o que corresponde a 6.86%
desse total. Esses erros foram submetidos a uma análise de variância por sujeitos
com design fatorial (2x2x2) em que o número de N1 foi tomado como fator grupal
e o número de N2 e o número de N3 foram medidas repetidas.
A variável Número do N1 apresentou um efeito significativo: F(2,32) =
12.46, p = 0.001. A direção das médias indica que esse efeito se deu na direção
prevista.
A variável Número do N2 teve um efeito quase significativo: F(2,32) =3.79,
p=0.06, com maior incidência de erros na condição N2 plural. Esse efeito deveuse à interação significativa entre Número do N1 e Número do N2: F(2,32)=4.95,
p<0.04. Como mostra direção das médias na Tabela 2, o número de erros para N1
singular aumenta quando N2 é plural enquanto que o número de erros não se
altera, e é desprezível, quando N1 é plural.
A variável Número do N3 não teve efeito significativo (p=.5) e não houve
efeito significativo de qualquer interação com este fator.
O gráfico facilita a visualização dos resultados que foram significativos:
Tabela 2
Média de erros de concordância em função de Número de N1 e Número de N2
(máx. score = 3)
Número de N1
Número de N2
Singular
Plural
Singular
0,18
0,03
Plural
0,61
0
Média Total
0.39
0.02
152
Gráfico 5: Médias de erros de concordância em função do número de N1 e do número de
N2
0,7
0,6
médias
0,5
0,4
N2 sing
0,3
N2 plural
0,2
0,1
0
N1 sing
N1 plural
Número do núcleo do sujeito (N1)
Discussão
Os resultados obtidos são compatíveis com a hipótese de que a posição
hierárquica do núcleo nominal interveniente é a propriedade que permite fazer
prever erros de atração no processamento da concordância sujeito-verbo.
Comparando-se esses resultados aos do Experimento 1, considera-se que o efeito
de posição hierárquica deve se manifestar mais expressivamente nas condições
mais favoráveis ao erro de atração, quais sejam: quando a distância linear entre o
núcleo do sujeito e o verbo é longa, quando o núcleo do sujeito é singular e o
núcleo interveniente mais alto é plural.
Quanto ao efeito de marcação, os resultados obtidos aproximam o português
do inglês. Comparando-se os resultados deste experimento com os reportados em
Franck, Vigliocco & Nicol (2002), verificou-se que para o português, assim como
para o inglês, houve um efeito principal do número do N1, com mais erros quando
o núcleo é singular. Isso indica que o fator responsável pelos erros de atração é a
visibilidade da marca de número no DP sujeito e não a complexidade da
morfologia verbal, como sugeriram as autoras. Uma diferença importante, no
entanto, há entre o português e o inglês no que tange à marcação de número no
DP sujeito.
No inglês, o número é explicitamente marcado no nome, não sendo o
determinante informativo sobre o valor do traço (se singular ou plural). Já no
153
português, a informação de número é explicitamente marcada tanto no nome
quanto no determinante. Nos DPs, a informação relevante está no determinante.
No nome, o morfema de número é uma marca redundante. Podem ser tomados
como evidências nessa direção o fato de em certos dialetos do português brasileiro
não haver marca de número no nome (Scherre, 1988), e também resultados
experimentais que indicam que crianças em fase inicial de aquisição da linguagem
se baseiam mais na informação morfofonológica de número codificada no
determinante do que no nome para identificação de um referente como múltiplo
(Corrêa, Augusto & Ferrari-Neto, no prelo)90.
Quanto ao francês, conforme comentado na revisão da literatura, a
informação de número do DP sujeito não é tão visível. Na língua falada, a
diferença entre singular e plural não é observável nos nomes e, em relação aos
determinantes, eles apresentam formas diferentes (le (sing. masc.) ; la (sing.
fem.) ; les (pl. independentemente de gênero). É possível, pois, que esse aspecto
tenha algum tipo de impacto nos resultados, visto que a assimetria singular/plural
no francês não é tão explícita como no inglês e no português.
Em síntese, os resultados experimentais revelam tanto um efeito de posição
hierárquica quanto um efeito de marcação morfofonológica do núcleo do sujeito.
O efeito de posição hierárquica é compatível com resultados obtidos em Vigliocco
& Nicol (1998). Em relação à marcação, os resultados do português coincidem
com os do inglês e se distanciam dos do francês, o que contraria a hipótese de
Franck, Vigliocco & Nicol (2002) de que diferenças entre línguas quanto a um
efeito de marcação deveriam ser atribuídas a particularidades da morfologia
verbal. Os resultados do português sugerem, portanto, que é a visibilidade da
90
Crianças de 2 anos deveriam responder a um teste de identificação de figuras inventadas, a partir
de estímulos com pseudo-nomes em que a expressão morfofonológica de número do DP foi
manipulada, dando origem a duas condições experimentais: gramatical e agramatical. Integravam a
condição gramatical dois tipos de DP: um em que tanto o determinante quanto o nome
apresentavam marca de número (os dabos) e outra em que apenas o determinante apresentava
marca de número (os dabo). Na condição agramatical, também havia dois tipos de DP: um em que
apenas o nome apresentava um s final (o dabos) e um em que um s final era inserido no meio da
palavra como uma espécie de infixo (o dasbo). Havia ainda uma condição singular controle (o
dabo). No experimento, as crianças deveriam indicar para um fantoche chamado Dedé qual a
figura correspondente ao comando dado (ex.: Mostra o dabo pro Dedé). A variável dependente foi
o número de respostas em que a criança apontava para uma imagem com referente múltiplo.
Houve um efeito significativo do tipo de DP, com mais repostas indicando referente múltiplo para
as condições com DP gramatical . Uma segunda análise aplicada às condições com DP gramatical
não detectou diferenças entre o DP correspondente ao dialeto padrão (os dabos) e o DP
correspondente ao dialeto não-padrão (os dabo). As crianças trataram, portanto, indistintamente os
dois tipos de DP da condição gramatical, o que sugere que a informação crucial relativa a número
é extraída do determinante.
154
informação de número do DP sujeito que é relevante para o processamento da
concordância. Esse resultado, por sua vez, só pode ser explicado a partir de um
modelo de produção que leva em consideração um parser monitorador, o qual
gera uma representação do DP sujeito cujos elementos constituintes podem ter sua
acessibilidade afetada tanto por fatores sintáticos quanto morfofonológicos.
8.2.3 Experimento 3 – status argumental do PP modificador
O experimento 3 foi conduzido com o objetivo verificar se a natureza
argumental do PP que contém o núcleo interveniente no DP sujeito pode ser fator
de interferência no processamento da concordância. A primeira motivação para a
aplicação deste experimento foi de natureza metodológica. Observou-se que não
havia um controle do status argumental do PP modificador na elaboração do
material de testagem utilizado nos experimentos de indução de erros91. A segunda
motivação foi de natureza teórica: desejava-se verificar se diferenças estruturais
entre PPs argumentos e adjuntos se refletiriam no modo como estes são
processados.
Evidências de que argumentos e adjuntos são processados de modo distinto
foram reportadas na resenha da literatura. Na compreensão, há uma série de
experimentos que indicam uma preferência do parser pela aposição de
argumentos na resolução de ambigüidades estruturais. Na produção, os resultados
do primeiro experimento realizado por Solomon & Pearlmutter (2004) (cf. seção
4.1.2.3.3), sugerem um efeito de status argumental, com maior número de erros de
atração após PPs argumentos do que PPs adjuntos. A interpretação que os autores
fazem desses resultados é, contudo, diferente. Eles consideram que aquilo que se
apresentaria como um efeito de status argumental naquele experimento seria na
verdade um efeito de integração semântica e buscam dissociar os dois efeitos a
partir de um conjunto de experimentos. As estruturas por eles testadas não
permitem, no entanto, eliminar a possibilidade de fatores estruturais estarem
afetando os resultados e, por conseguinte, é provável que os resultados do
91
Exemplos de preâmbulos que indicam ausência de controle do tipo de PP modificador (cf.
Vigliocco & Nicol, 1998, apêndice A, p. B27): The discussion about the topic/ The threat to the
president (PPs argumentos) x The museum with the picture/ The statue in the garden (adjuntos).
155
primeiro experimento desses autores de fato indiquem um efeito do status
argumental do PP modificador. Justifica-se, pois, um experimento que busque
avaliar a interferência dessa variável.
A variável independente no presente experimento é o status argumental
do PP que contém o núcleo interveniente: PP adjunto x PP complemento.
A variável dependente é o erro de concordância. A tarefa experimental foi
de produção induzida bi-modal, idêntica à realizada no experimento 2.
Apresenta-se, abaixo, um exemplo de preâmbulo para cada condição
experimental92.
Condição 1: PP complemento: O consumo de alimentos estragados.
Condição 2: PP adjunto: O parque de cachoeiras naturais.
Método
Participantes:
Participaram do experimento, como voluntários, 23 alunos de graduação da
PUC-Rio, com idade média de 22 anos, sendo 15 mulheres.
Material:
Foram construídas 6 frases para fase de treinamento e 48 para fase de teste 12 experimentais (6 por condição) e 36 distratoras. As frases experimentais foram
aleatorizadas e apresentadas sempre após 3 distratoras.
Conforme discutido na resenha da literatura, a distinção entre argumentos e
adjuntos não é fácil de ser estabelecida, havendo, inclusive, alguns autores que
pensam nessa distinção mais em termos de uma gradação do que propriamente de
uma polarização (cf. Schütze & Gibson, 1999). A montagem de experimentos que
investiguem esse fator não é, pois, tarefa trivial. Utilizou-se aqui o seguinte
critério para verificar se os PPs modificadores selecionados apresentavam o status
argumental desejado (argumento ou adjunto): na condição PP argumento, o
núcleo do sujeito selecionado era sempre uma forma nominalizada deverbal e o
PP, um sintagma com papel de tema; na condição PP adjunto, o núcleo era sempre
92
O acréscimo de um adjetivo às condições experimentais foi feito com o intuito de ampliar o
tamanho do DP sujeito e, dessa maneira, tentar magnificar o efeito de atração. Não se entra no
mérito do modo como o adjetivo é processado no DP.
156
um substantivo concreto acompanhado de um PP de natureza restritiva. Foram
também aplicados testes sintáticos envolvendo coordenação e deslocamento de
PPs para estabelecer a distinção entre argumentos e adjuntos.
Procedimento:
Foi utilizado o mesmo procedimento do experimento 2, inclusive no que diz
respeito ao emprego de pseudo-verbos. O tempo médio de duração do
experimento foi de 10 minutos.
Resultados:
Foram obtidos 56 erros de concordância nas 276 frases produzidas a partir
dos preâmbulos experimentais (12 itens x 23 sujeitos), o que corresponde a 20.3%
desse total. A aplicação de teste t aos erros de concordância nas duas condições
experimentais revelou um efeito significativo da variável status argumental do PP
que contém o núcleo interveniente: t(df22) = 2.9 p < .005, com mais erros de
concordância após PPs argumentos do que após PPs adjuntos. A tabela a seguir
apresenta a média de erros dos sujeitos por condição experimental e o gráfico
representa a diferença entre PPs argumentos e PPs adjuntos.
Tabela 3
Média de erros de concordância em função do status argumental do PP que contém o
núcleo interveniente (máx. score = 6)
PP argumento
PP adjunto
1,7
0,74
Gráfico 6: Médias de erros de concordância em função do status argumental do PP
modificador.
1,8
1,6
1,4
m édias
1,2
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
PP argumento
PP adjunto
157
Discussão:
Os resultados obtidos são compatíveis com a hipótese de que a informação
relativa ao status argumental do modificador em que está inserido o núcleo
interveniente é um fator que atua no processamento da concordância. Essa
interferência pode ser explicada em termos do grau de acessibilidade diferenciado
de informação no PP argumento e no PP adjunto. O grau de acessibilidade seria
função da posição estrutural do PP na projeção máxima do NP.
Os PPs argumentos fazem parte da estrutural argumental do núcleo do NP;
logo, quando o lema do núcleo é acessado, já está prevista uma posição a ser
preenchida. Quanto ao adjunto, este não está previsto na estrutura argumental do
núcleo. Isso é mapeado na sintaxe em termos de posições estruturais diferenciadas
para argumentos e adjuntos. O PP argumento é o nó irmão do núcleo e o PP
adjunto é concatenado a um dos segmentos da projeção máxima do núcleo.
Assim, enquanto o PP argumento está incluído no NP, o PP adjunto está apenas
contido no NP. Considerando-se que fatores estruturais podem determinar o grau
de acessibilidade de representações na memória (Matthews & Chodorow, 1988),
essa diferença de posição estrutural faria com que PPs argumentos, por estarem
mais fortemente vinculados à estrutura sintática, ficassem mais acessíveis na
memória, permitindo que a informação de número do núcleo interveniente viesse
a afetar o processamento da concordância. Os núcleos intervenientes em PPs
adjuntos teriam menos chance de afetar o processamento porque os adjuntos
ocupariam uma posição mais “marginal” na estrutura e, em função disso, a
informação neles contida ficaria menos ativada na memória de trabalho. Essa
distinção está de acordo com a Hipótese de Construal, de Frazier & Clifton
(1996), que diferencia sintagmas primários e não-primários. Os sintagmas
primários são apostos de forma determinística a árvores sintática e os sintagmas
não-primários são apenas “associados” à estrutura, isto é, concatenados de forma
“fraca”, sintaticamente subespecificada.
No modelo de produção PMP, a interferência do status argumental do PP
modificador seria posterior à computação da concordância na formulação.
Ocorreria após o parsing do DP sujeito pelo parser monitorador. A informação de
número do núcleo interveniente, quando este estivesse inserido em PPs
158
argumentos, poderia se manter particularmente ativada num nível de memória
temporária, vindo a afetar a codificação morfofonológica do verbo.
8.2.4 Experimento 4 – distributividade e marcação morfofonológica
Este experimento tem 3 objetivos principais: i) verificar se distributividade
atua no processamento da concordância e se pode ser dissociada de um efeito de
marcação; ii) verificar se informação puramente fônica, mais especificamente o
“s” final do núcleo interveniente, pode deflagrar erros de atração; iii) verificar se
diferenças relativas à codificação morfofonológica de número no núcleo
interveniente em DPs locais plurais são consideradas na computação da
concordância em português.
Para isso, foram manipuladas as seguintes variáveis:
a) Distributividade do DP sujeito: distributivo e não-distributivo
b) Número do DP do nome local: singular ou plural
c) Tipo de nome local quanto à realização morfofonológica: substantivo
flexionável; substantivo de forma invariante.
A seguir, são fornecidos exemplos de preâmbulos por condição experimental:
C1: Sujeito distributivo, DP local singular, nome local flexionável: O trinco de
cada porta
C2: Sujeito distributivo, DP local singular, nome local invariante: A roda de cada
ônibus
C3: Sujeito distributivo, DP local plural, nome local flexionável: A maçaneta das
portas
C4: Sujeito distributivo, DP local plural, nome local invariante: O volante dos
ônibus
C5: Sujeito não-distributivo, DP local singular, nome local flexionável : A lata do
biscoito
C6: Sujeito não-distributivo, DP local singular, nome local invariante: A
prateleira do pires
C7: Sujeito não-distributivo, DP local plural, nome local flexionável: O armário
dos sapatos
159
C8: Sujeito não-distributivo, DP local plural, nome local invariante: O estojo dos
lápis.
Conforme visto na resenha da literatura, distributividade parece ser um fator
semântico que gera interferência no processamento da concordância de número
em várias línguas. Em todos os experimentos, contudo, sempre se verifica um
efeito de distributividade com preâmbulos em que há um núcleo interveniente
plural. Logo, nesses experimentos, distributividade está sempre associada a um
efeito de marcação. Neste experimento procuramos testar não apenas se a
concordância sujeito-verbo no português é sensível a efeitos de distributividade,
mas também se sintagmas cuja leitura distributiva não estivesse associada à
presença de um núcleo interveniente plural poderiam afetar a concordância. Para
isso foi empregado o operador “cada” nas condições experimentais C1 e C2. O
contraste entre essas condições e as condições C3 e C4 permite testar esse ponto.
Quanto ao papel de informação fônica, foi visto que esta apenas tem
capacidade de produzir interferência se estiver associada a um traço formal de
número, isto é, se for de natureza morfofonológica. O contraste entre as condições
com nome local flexionável x invariante (carro vs. ônibus), inseridos em DP
singular, permite testar essa questão. Será verificado, portanto, a diferença entre as
condições C1 (O trinco de cada porta) e C5 (A lata do biscoito) X as condições
C2 (A roda de cada ônibus) e C6 (A prateleira do pires).
Um último ponto a ser considerado é se diferenças relativas à codificação
morfofonológica de número no núcleo interveniente em DPs locais plurais podem
ser verificadas em português. Para isso, contrastam-se as condições com nomes
locais flexionáveis C3 (A maçaneta das portas) e C7 (O armário dos sapatos) e as
condições com nomes locais de forma invariante C4 (O volante dos ônibus) e C7
(O estojo dos lápis). A hipótese é que, no português, o traço de número do
determinante já provê a informação de número necessária à computação da
concordância e, por conseguinte, não deve haver diferenças entre os DPs com
nomes flexionáveis e nomes invariantes. Conforme comentado no experimento 2,
a idéia de que no português a informação crucial de número do DP é extraída do
determinante é corroborada tanto pela existência de dialetos que marcam número
apenas no nome como por dados de aquisição da linguagem (cf. Corrêa, Augusto
& Ferrari-Neto, no prelo).
160
Método
Participantes:
Participaram do experimento, como voluntários, 20 alunos de graduação e
de pós-graduação, sendo 13 do sexo feminino, e a idade média foi de 22 anos.
Material:
Foram organizadas duas listas de frases experimentais – uma para nome
local singular e outra para nome local plural. Para cada lista, foram construídos 48
preâmbulos, sendo 16 experimentais (4 por condição) e 32 distratores. Além
desses, foram criados 6 preâmbulos para a fase de treinamento.
Procedimento: mesmo procedimento adotado no experimento 2.
Resultados:
Os erros de concordância foram submetidos a uma análise de variância por
sujeitos com design fatorial (2x2x2) em que o número do DP do nome local
(singular ou plural) foi tomado como fator grupal e distributividade do DP sujeito
(distributivo e não-distributivo) e tipo de nome local (substantivo flexionável e
substantivo invariante) foram medidas repetidas.
A variável Número do DP do nome local apresentou um efeito significativo:
F(2,18) = 6.18, p = 0.023. A direção das médias indica que esse efeito se deu na
direção prevista, com mais erros nas condições em que o DP do nome local era
plural e, portanto, incongruente em relação ao número no núcleo do sujeito.
Tabela 4
Média de erros de concordância em função do número do DP do nome local
(máx. score = 4)
Número do DP do nome local
Condições experimentais
Singular
Plural
Suj. distributivo; nome local flexionável
Suj. distributivo; nome local invariante
Suj. não-distributivo; nome local flexionável
Suj. não-distributivo; nome local invariante
Média Total
0,2
0,2
0,1
0,1
0,15
1,2
1,1
0,8
0,9
1
161
Gráfico 7: Médias de erros de concordância em função do número do DP do nome local
1
1
médias
0,8
0,6
0,4
0,15
0,2
0
singular
plural
Número do DP do nome local
Não houve efeito principal da variável tipo de nome local (substantivo
flexionável e substantivo invariante), nem da interação dessa variável com
número do DP do nome local.
A média de erros de concordância nas condições DP local singular e DP
local plural foi bastante semelhante para os substantivos flexionáveis e os
invariantes,
Com base nos dados da tabela 4 acima, pode-se dizer que a diferença entre
substantivos invariantes no singular (o pires) e no plural (os pires) faz parte de um
efeito principal de número.
Não houve efeito principal da variável distributividade nem de sua interação
com número do DP do nome local. Quando, no entanto, se examina o efeito do
tipo de expressão lingüística de distributividade, observa-se uma diferença
significativa entre DP com o operador cada (O trinco de cada porta) e DP com
nome local plural (A maçaneta das portas). Os últimos têm mais chances de
induzir erros de atração: (t(df18) = 2,70 p < .01). A tabela abaixo apresenta a
média de erros de cada tipo de expressão.
Tabela 5: Média de erros de concordância em função
do tipo de expressão lingüística de distributividade (máx. score = 4)
DP com operador “cada”
DP com nome local plural
0,4
2,3
162
Gráfico 8: Médias de erros de concordância em função do tipo
de expressão lingüística do DP distributivo
2,5
médias
2
1,5
1
0,5
0
DP operador "cada"
DP nome local plural
A aplicação de teste-t apenas a DPs distributivos e não-distributivos com
nome local plural não revelou, contudo, efeito de distributividade (p = .12). A
direção das médias, contudo, foi no sentido esperado, com mais erros após
distributivos do que após não-distributivos.
Discussão:
O efeito da variável número do DP local, com mais erros para DP plural do
que para DP singular é compatível com os resultados reportados na literatura que
revelam haver uma assimetria singular-plural na indução de erros de atração.
Foi verificado também que a diferença entre singular e plural tanto nos
DPs com substantivos invariantes quanto nos DPs com substantivos flexionáveis
faz parte de um efeito principal de número. Logo, não foi detectado um efeito
fônico do “s” final dos substantivos invariantes – isto é, não há diferença entre
pires e carro em termos de erros de atração.
Um efeito principal de número, independente de tipo de nome local, é
compatível com a hipótese de que a informação de número dos DPs no caso do
português é especificada pelo determinante; a marca flexional no nome seria,
nesse sentido, uma informação redundante.
Em relação à questão da distributividade, embora não se tenha obtido efeito
principal desta variável, foi verificado que o tipo de expressão lingüística afeta as
chances de um DP distributivo vir a induzir erros de atração: há mais erros de
atração para DPs com nome local plural do que para DPs com o operador “cada”.
Esse resultado sugere que a interferência semântica de distributividade só se
163
manifesta após o parsing do primeiro DP, quando informação morfofonológica
está disponível para o processador. No próximo experimento aumenta-se o
tamanho do DP com vistas a tentar obter um efeito de distributividade. Na
discussão, os resultados relativos à expressão lingüística da distributividade serão
retomados.
8.2.5 Experimento 5 - distributividade
Este experimento teve por objetivo verificar se um efeito de distributividade
poderia ser obtido com a ampliação do tamanho do DP sujeito. No experimento
anterior, não houve resultados significativos para essa variável; no entanto,
quando os DPs com núcleo interveniente plural foram analisados separadamente,
as médias obtidas foram na direção esperada, com mais erros após DPs
distributivos do que após DPs não distributivos. Logo, partindo-se dos resultados
do experimento 1, que indicaram que a distância linear entre o núcleo do sujeito e
o verbo é um fator que pode afetar o processamento da concordância, buscou-se
aumentar o tamanho do DP distributivo com o acréscimo de um segundo PP, a
fim de tentar ampliar o total de erros de atração. A seguir exemplifica-se cada
condição experimental. Note-se que para ampliar o DP foi acrescentado um
segundo sintagma preposicionado aos preâmbulos.
C1: Sujeito distributivo: A alça das xícaras de porcelana
C2: Sujeito não-distributivo: A lata dos biscoitos de polvilho
Método
Participantes:
Participaram do experimento, como voluntários, 22 alunos de graduação,
sendo 17 do sexo feminino, e a idade média foi de 23 anos.
Material:
Foram organizadas duas listas de frases experimentais – uma apenas com
DPs distributivos e outra com DPs não distributivos. Para cada lista, foram
164
construídos 48 preâmbulos, sendo 16 experimentais e 32 distratores. Além desses,
foram criados 6 preâmbulos para a fase de treinamento.
Procedimento:
Foi utilizado o mesmo procedimento adotado no experimento 2, com o
acréscimo de uma recomendação para que os verbos fossem conjugados no
passado (perfeito). Essa instrução tinha por objetivo evitar que o preâmbulo fosse
usado para fazer uma referência genérica não-distributiva, o que poderia ser
favorecido pelo emprego de verbo no presente (ex.: O volante dos carros de
corrida é feito de borracha especial).
Resultados:
A aplicação de teste t aos erros de concordância nas duas condições
experimentais
revelou
um
efeito
altamente
significativo
da
variável
distributividade: t(df20) = 6.71 p < . 0005, com mais erros de concordância após
DPs distributivos. A tabela e o gráfico abaixo indicam a média de erros por
condição experimental.
Tabela 6:
Média de erros de concordância em função da distributividade
do DP sujeito (máx. score = 16)
DP distributivo
DP não-distributivo
6,91
0,45
Gráfico 9: Médias de erros de concordância em função da distributividade do DP sujeito
7
6
médias
5
4
3
2
1
0
DP distributivo
DP não-distributivo
Além dos erros de concordância, também foram analisados os erros de
repetição de preâmbulo que envolveram a produção do N1 no plural, como em
“As alças das xícaras de porcelana”, no lugar de “A alça das xícaras de
porcelana”. Aplicação de teste t indicou ser significativa a diferença entre as duas
165
condições no que diz respeito a esse fator: t(df20) = 3,18 p < .005 . Houve mais
erros de repetição de preâmbulo após os DPs distributivos do que após os DPs
não-distributivos, o que revela que, já ao ouvir o preâmbulo, alguns participantes
fizeram uma leitura distributiva do mesmo e produziram o N1 no plural. A tabela
e o gráfico abaixo apresentam as médias de erros de repetição por tipo de DP
sujeito.
Tabela 7: Média de erros de repetição do preâmbulo
em função da distributividade do DP sujeito (máx. score = 16)
DP distributivo
DP não-distributivo
3,1
0,45
Gráfico 10: Médias de erros de repetição do DP sujeito
3,5
3
médias
2,5
2
1,5
1
0,5
0
DP distributivo
DP não-distributivo
Discussão:
Os resultados obtidos no experimento 5 estão de acordo com o que vem
sendo reportado na literatura para falantes de várias línguas: distributividade é um
fator que pode interferir no processamento da concordância. Note-se, contudo, que
em português um efeito dessa variável só foi obtido quando foi ampliada a
distância entre o núcleo do sujeito e o verbo. Além disso, foi visto, no
experimento anterior, que DPs distributivos com nome local plural têm
significativamente mais chance de induzir erros do que DPs distributivos com
operador “cada”.
Logo, uma explicação para esse efeito semântico de distributividade não
pode ser localizada em um momento pré-sintático, quando da codificação da
mensagem em termos de traços lexicais. A explicação proposta por Bock et al.
166
(2001) de que a interferência semântica se daria em um momento de number
marking não se sustenta. Segundo esses autores, a especificação de número do DP
sujeito se faria a partir de um processo de unificação da informação de número
proveniente do nível da mensagem e aquela proveniente do lema do núcleo do
sujeito. Nenhuma dessas representações de número seria de natureza
morfofonológica. Logo, pode-se dizer que o modelo de Bock et al. (2001) não
consegue explicar por que apenas DPs com um núcleo interveniente plural são
capazes de gerar erros de atração. O modelo de Bock et al. (2001) também não
consegue explicar porque esse efeito de distributividade só se manifesta, no caso
do experimento em português, quando se amplia o tamanho do DP.
Uma explicação para esses resultados deve ser buscada em termos de uma
interferência provocada por uma representação gerada pelo parser monitorador,
nos termos do que é proposto no modelo PMP. Em sua 1ª versão, contudo, não
havia previsões específicas quanto a possíveis efeitos semânticos. Estes serão
considerados numa versão revista e ampliada do modelo, apresentada no capítulo
9.
167
9 Modelo de produção PMP revisto e ampliado
O Modelo PMP (produção monitorada por parser) foi concebido com vistas
a explicar a interferência de fatores não sintáticos no processamento da
concordância, nomeadamente efeitos de distância linear entre sujeito e verbo e
efeitos de marcação morfofonológica dos núcleos nominais do DP sujeito.
Efeitos desse tipo permitem questionar a hipótese de um formulador
sintático autônomo, não sujeito à interferência de outros componentes do sistema
de produção, e parecem, em princípio, favorecer a idéia de interação entre níveis
de processamento e de retroalimentação (upward feedback) no fluxo de
informações.
Nesse contexto, o modelo apresenta-se como uma alternativa entre os
modelos de natureza serial para explicar tanto interferências de fatores sintáticos
como de fatores não-sintáticos. A incorporação de um parser monitorador à
arquitetura do sistema de produção permite unificar a explicação para todos os
efeitos em termos de acessibilidade de uma representação do DP sujeito gerada
pelo parser. O erro deixa de ser atribuído a falhas no curso da formulação
sintática do enunciado (a codificação gramatical) e passa a ser associado a
limitações de processamento e armazenamento de informação pela memória de
trabalho.
Nesta seção, apresenta-se uma versão revista e ampliada do modelo, na
qual são consideradas três alternativas de explicação para os erros de
concordância, a partir da hipótese de uma escala de acessibilidade das
representações geradas pelo parser.
9.1 Erros de atração e escala de acessibilidade das representações
geradas pelo parser
Em estudos relativo à acessibilidade de formas pronominais na produção e
na compreensão de sentenças, Corrêa (1993; 2000) explica a possibilidade de
recuperação de um dado referente por uma forma anafórica a partir de uma escala
de acessibilidade desse antecedente. Essa explicação tem como um de seus
pressupostos teóricos a idéia de que o processamento da sentença no discurso é
dependente de um sistema de memória de trabalho, o qual compreenderia pelos
168
menos dois níveis distintos de processamento, que poderiam ser caracterizados em
termos de subsistemas de memória. O primeiro subsistema, correspondente a
uma memória de curto-prazo, manteria representações de natureza literal
(envolvendo itens lexicais) ou quase literal (envolvendo informação de natureza
gramatical depreendida dos itens lexicais). O segundo sub-sistema manteria de
forma mais estável representações conceptuais abstraídas das primeiras,
possivelmente já de natureza semântica ou proposicional.93
Se considerarmos que as representações do DP sujeito geradas pelo parser
estão sujeitas a essa escala de acessibilidade e que a acessibilidade de uma
informação na memória é função tanto do próprio material lingüístico quanto de
limitações individuais de memória, 3 possibilidades de explicação podem ser
formuladas para dar conta dos erros de atração:
Explicação 1:
Esta explicação para os erros de atração corresponde exatamente à
apresentada na primeira versão do modelo (cf. Rodrigues & Corrêa (2004); Corrêa
& Rodrigues (2005)). Nesta versão, assumia-se que o parser monitorador atuaria
de forma bottom-up.
Considerava-se que o primeiro DP emitido só seria
analisado pelo parser como o sujeito da sentença quando o verbo fosse produzido.
A memória manteria, num componente temporário, informação de natureza
morfofonológica associada aos traços de número dos núcleos nominais que
integram a representação do DP sujeito gerada pelo parser-monitorador. No caso
de DPs com núcleo do sujeito singular, questões de acessibilidade associadas à
saliência fônica da marca de número fariam com que um núcleo interveniente
(plural) mais alto na estrutura hierárquica desse sintagma (ou num PP argumento)
fosse tomado como elemento definidor do número do DP sujeito como um todo.
No momento em que fosse ocorrer a codificação morfofonológica do verbo, uma
espécie de resíduo morfofonológico associado à representação do DP gerada pelo
parsing poderia ainda estar presente na memória e vir a gerar interferência nessa
93
Haveria ainda um nível de memória mais alto, relacionado ao processamento do discurso, Este
nível manteria em ativação constante a representação dos elementos em torno dos quais o discurso
como um todo se organiza bem como o planejamento de natureza pré-textual, o qual seria passível
de alteração a partir da produção dos enunciados (van Dijk & Kintsch, 1983). Neste trabalho,
como está sendo analisada a concordância sujeito-verbo em sentenças isoladas, não será discutido
o processamento de informações nesse nível de memória.
169
codificação do verbo. No caso de DPs com N1 plural, não ocorreria erro porque a
informação de número associada ao núcleo do sujeito seria menos suscetível a
esvaecimento. Para uma representação do modelo, ver esquema apresentado ao
final do capítulo 7.
Explicação 2:
Diferentemente do que foi proposto na primeira versão do modelo, nesta
segunda explicação considera-se que o parser poderia analisar o DP enviado da
formulação como o sujeito da sentença e gerar uma árvore top-down para a
sentença. Com base na informação referente ao número do DP sujeito, o parser já
poderia antecipar (em termos de expectativa) qual seria a flexão do verbo.
Vejamos, em detalhes, como isso se daria.
A representação do DP gerada pelo parser manteria ativa informação de
natureza morfológica, associada à informação de número extraída dos núcleos
nominais do DP sujeito. Nesse caso, a informação de número teria uma natureza
menos “literal”, em termos de um morfema abstrato de número, o qual poderia vir
a afetar a codificação morfofonológica do verbo da seguinte maneira:
O DP, tão logo é disponibilizado pelo sistema de produção, dentro de uma
estrutura prosódica específica94, é analisado pelo parser, que, após o acesso aos
itens lexicais, começa a construir o esqueleto funcional da sentença. Partindo-se
da idéia de que, na compreensão de sentenças, o número do verbo (que irá
aparecer no afixo verbal) já pode ser antecipado com base em informação de
número do DP sujeito, pode-se propor que esta informação ficaria ativa na
memória de trabalho e poderia vir a afetar a codificação morfofonológica do
verbo.
Paralelamente ao parsing do DP sujeito, o processo de codificação
morfofonológica do restante da sentença estaria ocorrendo. Quando, no
componente morfofonológico, o verbo fosse ser concatenado a um morfema
abstrato de número resultante da computação da concordância na produção, dois
morfemas de número estariam disponibilizados – aquele resultante da
94
Nessa explicação, considera-se que o parser poderia levar em conta informação prosódica ao
segmentar o continuum da fala e que essa informação já daria indicações acerca da natureza do DP
emitido, fazendo com que este fosse analisado como potencial sujeito da sentença. Assim, o
esqueleto funcional começaria a ser projetado paralelamente ao reconhecimento de elementos do
léxico em uma janela de processamento.
170
concordância na produção e aquele resultante da “previsão” estabelecida com
base no número do DP sujeito. Haveria, então, uma espécie de competição entre
dois possíveis morfemas. No caso de identidade entre os morfemas, o resultado
seria uma forma verbal cujo afixo de número espelharia o número do DP sujeito.
No caso de não-identidade, o erro poderia ocorrer.95
Note-se que essa situação seria semelhante àquela que pode ocorrer quando há
o processamento da fala de outra pessoa: o DP inicial seria analisado como o
sujeito da sentença e uma previsão acerca do número e a pessoa do verbo seria
estabelecida. Se um erro de concordância é produzido, o ouvinte pode
imediatamente perceber o erro, visto que há uma quebra de expectativa em relação
à informação inicial.
O erro, assim como na explicação 1, estaria associado a questões de
acessibilidade e manutenção, na memória de trabalho, da informação de número
da representação do DP sujeito gerada pelo parser. Quando o sujeito é um DP
complexo, a informação de número do núcleo, em função de questões de distância
linear e de marcação, pode ter sua acessibilidade afetada, levando a que se tome
como informação de número aquela codificada em um segundo núcleo nominal
mais acessível. A acessibilidade desse outro núcleo será função de questões de sua
posição estrutural e de marcação morfofonológica. É, portanto, com base na
informação do núcleo interveniente que o processador pode “antecipar” qual será
o número do verbo que está prestes a ser produzido.
Um dado interessante que pode ser tomado como evidência a favor da idéia de
competição entre os morfemas são as correções feitas pelo falante: é relativamente
comum que o falante, tão logo produza o erro, corrija o que disse; muitas vezes, a
correção tem início antes mesmo de o verbo ter sido concluído (ex.: O tecido das
cortinas do teatro rasgaram/rasgo). Também ocorre de o falante começar com a
forma correta e substituir pela forma errada (ex. O tecido das cortinas do teatro
rasgou/rasgaram). O quadro a seguir ilustra como se daria o processamento da
concordância e o ponto em que ocorreria o erro:
95
Nessa proposta, assume-se que o radical verbal é representado separadamente de sua flexão.
Essa separação entre morfema lexical e morfema flexional vem sendo atestada desde os primeiros
trabalhos sobre erros produzidos na fala espontânea (Garrett, 1975, 1980). Erros como o da frase
“A menina caixou a guarda” (no lugar de “A menina guardou a caixa”) são tomados como
evidência de que os morfemas flexionais seriam representados separadamente dos radicais ou
morfemas lexicais.
171
CP
C’
Formulação
sintática
TP
T’
DP
vP
T
v’
Concordância
como valoração
v
de traços
VP
V
Codificação
morfofonológica
Morfema abstrato
Pessoa e número
3ª SING
Morfema abstrato Radical + {3ª
Pessoa e número
3ª PL
Recuperação de lexemas
correspondentes aos
morfemas abstratos
Articulação
O treinador dos jogadores de futebol
CP
C’
Monitoração
por parser
TP
T’
DP T
viajaram
/
viajou
ontem
vP
v’
v
PL ou 3ª SING?}
VP
V
Fig. 9: Modelo PMP revisto e ampliado (explicação 2) – Em vermelho, morfema
abstrato de número gerado pelo parser a partir de previsão feita com base em
informação de número do DP analisado como sujeito da sentença.
Explicação 3: A representação do DP gerada pelo parser, uma vez interpretada
e integrada com informação prévia, daria origem a uma representação
semântica/conceptual, a qual seria retomada na forma de um elemento
pronominal nulo. Esse elemento pronominal, por sua vez, teria seu traço de
número especificado a partir dessa representação semântica do DP.
A idéia de atribuir a interferência de fatores semânticos/contextuais na
concordância à retomada do DP por um elemento pronominal nulo foi
originalmente proposta por Corrêa (2005b; 2006) para explicar efeitos semânticos
na concordância de gênero sujeito-predicativo. Nesses trabalhos, Corrêa investiga
a possibilidade de o DP inicial, processado como tópico, ser fechado como uma
unidade semanticamente independente antes de o verbo ser introduzido na
formulação, o que iria requerer a introdução de um elemento pronominal que
retomasse seu referente como sujeito do verbo. Esse elemento pronominal nulo
recuperaria, então, os traços semânticos do referente do DP inicial fechado como
uma unidade semanticamente autônoma e a concordância procederia, sem
problemas, com o predicativo concordando com o sujeito nulo recém incorporado
à formulação do enunciado. Uma vez que o predicativo concordaria com o sujeito
172
nulo, o resultado soaria como um erro de concordância entre este e o DP
processado como tópico.
Assim, por exemplo, no caso de erros de concordância em sentenças com DPs
com leitura distributiva, o que seria retomado pelo elemento pronominal nulo
sujeito do verbo seria a idéia de pluralidade do referente do DP inicial, levando a
um aparente erro de concordância.
É possível que também com DPs não-distributivos a concordância verbal se
estabeleça com um pronome nulo. Isso ocorreria toda vez que o DP inicial fosse
tomado como um tópico e que a representação mantida na memória fosse de
natureza conceptual, correspondente ao DP “fechado”. Como nos DPs nãodistributivos (o engradado das garrafas), o que seria retomado seria um referente
singular, esse processo não seria evidenciado na forma verbal, que seria singular.
Conceptualização da
mensagem
[O rótulo das
garrafas
de cerveja]
[rasgar]
CP
C’
Formulação sintática
DP
TP
T’
Pronome
nulo
3ª pl
vP
T
v’
Concordância
como valoração
de traços
V
Codificação
morfofonológica
Radical + 3ª
O rótulo das garrafas de cerveja
Monitoração
por parser
VP
v
DP
pl
rasgaram
Representação conceptual
do DP semanticamente
interpretado/integrado com
conhecimento de mundo
Fig.10 : Modelo PMP revisto e ampliado (explicação 3) – Retomada da representação
conceptual do DP resultante do parsing através de pronome resumptivo e computação
da concordância. Os colchetes indicam representação de natureza conceptual.
173
9.2 Modelo PMP e Programa Minimalista: considerações acerca de
um
tratamento
unificado
para
a
computação
sintática
da
concordância
Para fechar a seção, cumpre fazer algumas observações acerca da
compatibilidade entre o tratamento da concordância sujeito-verbo no modelo PMP
e a computação sintática da concordância no modelo de língua proposto no
Programa Minimalista. Em primeiro lugar, cabe notar que, embora no modelo
PMP, assuma-se a idéia de valoração de traços formais para caracterizar a
computação da concordância, não há um comprometimento com uma
implementação específica da computação da concordância desenvolvida no
âmbito do Programa Minimalista. Isso significaria tomar a derivação sintática no
modelo formal de língua como idêntica à derivação on-line da sentença, o que
pode ser problemático em termos de dois aspectos básicos: i) a direcionalidade da
derivação sintática x formulação sintática; ii) questões de ordem associadas a
movimento sintático.
Em relação ao primeiro ponto, tem-se apontado como dificuldade para um
tratamento unificado da derivação/formulação de sentenças, o fato de a derivação
sintática no Programa Minimalista ser bottom-up (ascendente), da direita para a
esquerda, enquanto a formulação de sentenças seria top-down (descendente), da
esquerda para a direita (cf. Phillips, 1996, 2003). Corrêa (2005a, submetido)
observa que, em termos estritamente formais, no momento em que o Minimalismo
passa a assumir uma abordagem relacional para a caracterização de nós sintáticos
(bare phrase), não é mais tão claro o quão crucial é a direção da derivação
sintática. Nesse sentido, talvez seja possível buscar uma compatibilidade entre
derivação em termos formais e derivação em tempo real. Corrêa propõe que a
derivação em tempo real se daria tanto numa direção top-down quanto numa
direção bottom-up. O esqueleto funcional, que permite a explicitação da força
ilocucionária da sentença e a indicação de informação temporal acerca do evento
descrito seria derivado top-down, e a concatenação de categorias lexicais, que
permitem expressar o conteúdo propriamente dito da mensagem (a partir das
relações argumentais), seria feita bottom-up. Um modelo de processamento que
incorpore uma derivação on-line do formulador sintático nos termos propostos por
174
Corrêa precisará, portanto, acoplar uma derivação top-down com uma derivação
bottom-up.96
Em relação ao segundo ponto – a questão do movimento sintático, Corrêa
(2005 a, submetido) argumenta que uma teoria que proponha identificação entre
derivação lingüística e processamento precisaria distinguir dois tipos de
movimento sintático: movimentos que descrevem processos pertinentes ao
posicionamento de elementos na ordem canônica com que se apresentam na
língua (ex. movimento de núcleo e movimento de DP para posição A) e
movimentos que descrevem processos que alteram essa ordem canônica, com
vistas a adequar a fórmula do enunciado lingüístico a um particular contexto
discursivo (ex. Movimento WH, Topicalização, e Focalização). Segundo Corrêa,
o primeiro tipo de movimento estaria associado ao processo de aquisição da
língua e poderia ser visto como uma descrição do tipo de operação envolvida
quando da fixação de parâmetros de ordem. Esse movimento corresponderia, pois,
a um processo bem inicial na aquisição da língua e possivelmente estaria
“gravado” no cérebro, o que tornaria sua condução automática quando os
parâmetros correspondentes estivessem fixados. Já o segundo tipo de movimento
seria determinado por ajustes do enunciado a propósitos comunicativos
específicos e, nesse sentido, seria decorrente de cada emissão/compreensão e
ocorreria durante o processamento dos enunciados. Essas diferenças se refletiriam
em termos de custos computacionais: enquanto o primeiro tipo deveria ser isento
de custo, dada sua natureza automática, o segundo deveria ter um custo
determinado por demandas específicas de processamento.
Logo, uma aproximação entre derivação lingüística e processamento
precisaria levar em conta essa distinção, o que possivelmente teria impactos no
96
“ [...] o acesso a elementos de categorias funcionais do léxico na produção partiria de relações
de interface entre o sistema da língua e “sistemas intencionais”, viabilizadas pelos traços
semânticos/pragmáticos dos mesmos e os elementos recuperados seriam tomados como projeção
máxima. O acesso a elementos de categorias lexicais, por sua vez, partiria de relações de interface
entre o sistema da língua e “sistemas conceptuais”, viabilizadas pelos traços semânticos desses
elementos. Torna-se necessário, pois, dissociar os chamados sistemas C-I (Conceptuais intencionais), quando se considera computação em tempo real. Os sistemas conceptuais
interagiriam com elementos de categorias lexicais, enquanto que os intencionais com elementos de
categorias funcionais, cada um dos quais dando início, possivelmente em paralelo, a
derivações/computações com direcionalidades distintas, as quais se acoplam, uma vez que verbo e
tempo se relacionam numa única estrutura hierárquica.” (Corrêa, 2005a)
175
que tange aos mecanismos formais usados para a caracterização da derivação
sintática da sentença.
Não é claro, por exemplo, em que medida a computação sintática da
concordância na produção/compreensão poderia ser caracterizada em termos de
um sistema de Probe-Goal, implementado pela operação Agree. Nesse sistema, a
valoração de traços se dá a partir de uma relação de c-comando, que se estabelece
entre um núcleo mais alto (probe- sonda) cujos traços são não-interpretáveis e
precisam ser valorados e um núcleo mais baixo (goal – alvo), com traços
interpretáveis. Se, como propõe Corrêa, o DP inicial já se encontra na sua posição
estrutural final, definida no processo de fixação de parâmetros, não haveria como
o traço não-interpretável de número de T ser valorado. Isso só seria possível se
imaginássemos que uma cópia do DP estaria nessa posição mais baixa, como uma
forma de estabelecer uma relação temática entre o DP e o verbo da sentença.
Em suma um tratamento unificado da computação sintática concordância
ainda carece de investigação mais aprofundada. De todo modo, a despeito de o
modelo PMP não se comprometer com um sistema específico da implementação
da concordância, pode-se dizer que é compatível com a idéia de que a derivação
sintática transcorreria automaticamente. Isso porque o modelo explica os “erros de
atração” não como falhas no processo de formulação sintática, mas sim em
termos de uma interferência de uma representação gerada pelo parser, a qual
estaria sujeita a limitações da memória de processamento. Outro ponto
interessante do modelo é que ele permite explicar diferenças entre línguas em
termos da visibilidade de como informação de número é expressa, o que também é
compatível com a idéia de que as línguas se diferenciam em relação a seus traços
formais e a como estes são realizados.
176
10 Síntese e considerações finais
A questão da autonomia do formulador sintático é um dos temas centrais
para as teorias psicolingüísticas voltadas à investigação do processamento de
sentenças. Nesse cenário, erros de concordância entre sujeito-verbo se apresentam
como um caminho para se examinar em que medida processos sintáticos podem
sofrer interferência de informação diferente da que pode ser codificada como
traços formais do léxico em um modelo de língua. Nesta tese, buscou-se examinar
qual a natureza dos erros de atração e o momento do processamento em que tais
erros atuariam. Também foi objetivo do estudo diferenciar erros de atração de
casos de concordância licenciados pela gramática da língua. Assumiu-se como
hipótese de trabalho a idéia de que o formulador sintático é autônomo e funciona
de modo encapsulado, sem sofrer interferência de outras fontes de informação
durante o processamento.
Buscou-se, nesta tese, uma aproximação com a teoria gerativista nos seus
desenvolvimentos mais recentes – o Programa Minimalista, o qual assume que o
sistema cognitivo da língua deve atender a condições de legibilidade impostas
pelos sistemas de desempenho com os quais a língua faz interface. Pontos de
compatibilidade entre o que seria a derivação de uma sentença nesse modelo de
língua e a derivação de sentenças em tempo-real foram apresentados e questões
relativas a uma integração entre o modelo de língua proposto no Minimalismo e
modelos de processamento foram discutidas.
Com vistas a distinguir estruturas responsáveis por erros de atração de
construções que admitem a concordância com um nome plural de um PP
modificador, realizou-se uma análise lingüística das chamadas construções
partitivas, as quais permitem tanto a concordância com o termo que designa a
parte quanto com o termo que designa o todo. Propôs-se que cada alternativa de
concordância seria função da natureza “hibrida” (lexical e funcional) dos termos
partitivos “maioria” e “parte”. Duas representações estruturais distintas para a
construção partitiva foram, então, consideradas, associando-se cada estrutura a
uma alternativa de concordância. Um experimento de julgamento de
gramaticalidade indicou diferenças entre construções partitivas e DPs complexos,
tendo sido consideradas gramaticais as sentenças com construções partitivas,
177
independentemente da concordância verbal. Também foi verificado que há menor
rejeição à concordância plural com as partitivas.
A revisão da literatura acerca de erros de atração revelou que fatores
sintáticos, semânticos e morfofonológicos podem atuar no processamento da
concordância. Os fatores sintáticos que induziram erros foram a distância linear
entre o núcleo do sujeito e o verbo; o tipo de modificador e a posição hierárquica
de um núcleo interveniente no DP sujeito. Entre os fatores semânticos, destaca-se
a distributividade do DP sujeito. Quanto a efeitos morfofonológicos, houve efeito
de marcação associado ao número do núcleo do sujeito e número do nome local.
Também foi verificado que as línguas podem exibir diferenças quanto a uma
assimetria entre singular e plural na indução de erros de atração. Experimentos
conduzidos em inglês mostraram ser possível dissociar um efeito morfofonológico
de um efeito meramente fônico.
Foi visto que explicações fornecidas por modelos interativos e nãointerativos não dão conta de efeitos de ordem linear entre o núcleo do sujeito e o
verbo e de diferenças entre línguas quanto a efeitos morfofonológicos. O modelo
de produção monitorada por parser (PMP) (Rodrigues & Corrêa, 2004; Corrêa
& Rodrigues, 2005) apresenta-se como uma alternativa a esses modelos. As
principais propriedades deste modelo são a produção moderadamente
incremental e o monitoração concomitante à fala por um parser, que atua de
forma bottom-up. A idéia de uma produção moderadamente incremental é
compatível com a hipótese de que a concordância verbal (entendida como
processo de valoração de traços formais da língua) seria computada antes de o DP
sujeito ser enviado para a codificação morfofonológica com vistas a sua
articulação. A proposta de um parser monitorador permite manter a autonomia do
formulador sintático e explicar efeitos de distância linear e efeitos
morfofonológicos no processamento da concordância. Neste modelo, os erros são
atribuídos a uma interferência na codificação morfofonológica do verbo
provocada por uma representação do DP sujeito gerada pelo parser.
Os resultados de cinco experimentos de produção induzida de erros
conduzidos com falantes de português revelaram a interferência dos seguintes
fatores:
178
i)
Distância linear entre o núcleo do sujeito e verbo: a incidência de
erros foi maior nas condições em que a distância linear entre núcleo do
sujeito era longa.
ii)
Posição hierárquica do núcleo interveniente no DP sujeito: em
preâmbulos do tipo A tinta do cartucho da impressora, houve mais
erros de concordância quando o núcleo interveniente era o N2 do que o
3, isto é, núcleos próximos do nó mais alto do DP sujeito induziram
mais erros do que aqueles numa posição linear adjacente ao verbo.
iii)
Status argumental do PP modificador: núcleos intervenientes
inseridos em PPs argumentos induziram mais erros do que aqueles
inseridos em PPs adjuntos.
iv)
Número do núcleo do sujeito: a incidência de erros de atração foi
maior quando o núcleo do sujeito era singular (não-marcado); não
houve erros após núcleos do sujeito plural.
v)
Número do DP do nome local: houve mais erros quando o número do
DP do nome local era plural do quando era singular. Esse efeito se
observou independentemente da realização morfofonológica do nome
local: se este era um substantivo flexionável (os carros) ou um
substantivo de forma invariante (os ônibus).
vi)
Tipo de DP distributivo: DPs com núcleo interveniente plural (a
maçaneta das portas) induziram mais erros de atração do que DPs
distributivos com o operador “cada” (a maçaneta de cada porta).
vii)
Distributividade: foi obtido um efeito de distributividade, quando se
ampliou o tamanho do DP distributivo com núcleo interveniente. O
total de erros de atração foi muito maior após DPs distributivos (a sola
dos sapatos de couro) do que após DPs não-distributivos (o armário
dos sapatos de couro).
Efeitos de distância linear entre o núcleo do sujeito e o verbo podem ser
explicados a partir do Modelo PMP que incorpora um parser monitorador. No
processo de parsing, representações mantidas na memória de trabalho estariam
sujeitas a esvaecimento progressivo. Na condição distância linear longa, haveria
possível perda de informação de número codificada no núcleo do sujeito, o que
favoreceria a interferência de informação de número de um núcleo interveniente.
Efeitos de posição hierárquica e de número do DP do nome local também
179
são compatíveis com a proposta de um parser monitorador, pois uma
representação gerada pelo parser conteria informação relativa à posição
hierárquica dos elementos do léxico reconhecidos, bem como informação relativa
aos traços morfofonológicos identificados. A acessibilidade do traço de número
de um núcleo interveniente seria função de sua posição hierárquica e de marcação:
quanto mais próximo um núcleo interveniente marcado (plural) estivesse do nó
mais alto do DP sujeito mais acessível seria sua informação de número e maior a
chance de esta vir a causar interferência.
Um efeito do status argumental do PP em que está inserido o núcleo
interveniente também pode ser explicado em termos da manutenção, na memória,
dos elementos que integram a representação gerada pelo parser. O núcleo
interveniente que estivesse inserido em um PP argumento ficaria mais acessível
do que aquele inserido em um PP adjunto, porque os argumentos estariam mais
estreitamente associados à projeção do NP do que os PPs adjuntos. Estes seriam
mais “marginais” na estrutura; logo, menos acessíveis. Daí o maior numero de
erros de atração provocados por núcleos intervenientes em PPs argumentos.
O modelo PMP também permite explicar o efeito de número do núcleo do
sujeito e por que o português apresenta um comportamento semelhante ao do
inglês (e diferente do francês) em relação a essa variável. De acordo com o
modelo, a marcação de número do núcleo do sujeito afeta a manutenção, na
memória, da representação do DP sujeito gerada pelo parser, a qual, por sua vez,
pode interferir na codificação morfofonológica do verbo. Considerando-se que as
línguas apresentariam diferenças quanto à visibilidade da informação de número
do DP sujeito, haveria mais chance de se obter efeito da variável número do
núcleo do sujeito naquelas línguas em que a informação de número do sujeito
fosse mais visível. O português é bastante semelhante ao inglês em relação a essa
propriedade; em ambas as línguas a informação de número é bastante visível (um
afixo –s no final dos nomes, no inglês; um afixo –s no final dos determinantes e
dos nomes, em português). No francês, por outro lado, a informação de número é
menos visível, visto que na fala a informação de número não é marcada nos
nomes e os determinantes não apresentam uma marca individualizada de número.
Isso explica, portanto, por que em português e inglês apenas o singular induz erros
de atração. Nessas línguas, nos preâmbulos com N1plural, a informação
morfofonológica de número estaria mais saliente e, por conseguinte, menos
180
vulnerável a esvaecimento, o que dificultaria a ocorrência de erros nessa condição.
Ainda em relação a fatores morfofonológicos, também é possível explicar a
partir do modelo PMP por que não há diferenças em termos de erros de atração
entre preâmbulos cujo nome local é um substantivo flexionável (os carros) ou um
substantivo de forma invariante (os ônibus). Em português, a informação de
número relevante é aquele codificada no determinante do DP do nome local; logo,
o parser, ao extrair a informação de número desse DP, leva em consideração o
traço de número do determinante, independentemente de informação expressa no
nome local. Quando o número do determinante é plural (marcada), fica mais
acessível na memória e tem maiores chances de prevalecer sobre a informação do
núcleo do sujeito.
O modelo PMP, em sua primeira versão, foi concebido com vistas a explicar
particularmente efeitos sintáticos e morfofonológicos no processamento da
concordância. Para explicar efeitos semânticos, como o de distributividade, bem
como para tentar distinguir interferências provocadas por informação morfológica
de número daquelas provocadas por informação morfofonológica, uma versão
revista e ampliada do modelo foi proposta.
Nessa versão, buscou-se integrar 3 possibilidades de explicação para o erro
tendo em vista uma escala de acessibilidade, na memória de trabalho, da
representação do DP sujeito gerada pelo parser.
Uma das explicações do modelo ampliado corresponde exatamente ao
proposto na primeira versão do modelo PMP. Após o parsing do DP, informação
de natureza literal (envolvendo itens lexicais) ou quase literal (envolvendo
informação de natureza gramatical depreendida dos itens lexicais) seria mantida
numa memória temporária para que pudesse ser integrada ao restante da sentença
que está sendo produzida em paralelo. Quando o verbo fosse ser codificado
morfofonologicamente, uma espécie de resíduo morfofonológico resultante do
parsing do DP produzido, ainda mantido na memória, poderia interferir no
processo de codificação do verbo, com reflexos na sua representação fonética.
Importante notar que nesta versão o parser atua de forma bottom-up e o DP
inicialmente produzido só é integrado em uma estrutura sintática, na função de
sujeito, quando o verbo é efetivamente emitido.
Outra possibilidade, no entanto, precisa ser considerada, a de que o parser
comece a construir o esqueleto da sentença de modo top-down e que o DP inicial
181
seja identificado como o sujeito da sentença. Essa possibilidade é que levou a
ampliação do modelo PMP.
Nessa segunda explicação para os erros, considera-se que informação de
número de natureza menos literal, associada a um morfema abstrato de número do
DP sujeito seria mantida na memória. Com base nessa informação, o falante
poderia antecipar, em termos de expectativa, qual seria o morfema abstrato de
número do verbo, que seria expresso por meio de um sufixo no caso do português.
Paralelamente ao parsing do DP sujeito, o processo de codificação
morfofonológica do restante da sentença estaria ocorrendo. Assim, quando, no
componente morfofonológico, o verbo fosse ser concatenado a um morfema
abstrato de número resultante da computação da concordância na produção, dois
morfemas de número estariam disponibilizados – o morfema de número resultante
da concordância na produção e o morfema “antecipado” a partir de uma
expectativa do número do verbo. Quando por questões de acessibilidade houvesse
perda de informação relativa ao traço de número do núcleo do sujeito, a
“previsão” feita com base na representação do DP sujeito gerada pelo parser seria
incongruente em relação ao resultado da computação sintática na produção. Nesse
caso, dois morfemas abstratos de número não idênticos estariam competindo no
momento da codificação morfofonológica do verbo e poderia ocorrer uma
associação do verbo ao morfema resultante da “expectativa” gerada no processo
de parsing, fazendo com que parecesse ter ocorrido um erro de concordância.
A terceira explicação considera que uma representação semântica do DP
sujeito, tomado como tópico da sentença, poderia ser retomada na forma de um
elemento pronominal nulo e que seria com base na informação de número desse
elemento pronominal que a concordância sujeito-verbo seria computada. O
elemento pronominal codificaria informação de número associada à representação
semântica do referente do DP sujeito, o que explicaria efeitos de distributividade
no processamento da concordância. Note-se que, de acordo com essa explicação, a
valoração do traço de número do verbo seria feita com base no traço de número do
pronome e, nesse sentido, não haveria uma falha ou um erro de concordância.
Com base, pois, nas explicações do modelo PMP ampliado é possível
sustentar a idéia de que a computação sintática da concordância na produção não
seria em si afetada por informação de natureza semântica ou morfofonológica. Os
erros seriam decorrentes de questões de acessibilidade, na memória, da
182
representação do DP sujeito gerada pelo parser e, nesse sentido, o erro seria
posterior ao parsing do DP sujeito. Logo, pode-se dizer que os resultados da
presente pesquisa dão suporte à hipótese da autonomia do formulador sintático.
Vários tópicos de pesquisa podem ser desenvolvidos como desdobramentos
do presente trabalho. Em termos mais amplos, tem-se a articulação entre modelos
de processamento e modelos de língua, em particular o modelo desenvolvido no
âmbito do Programa Minimalista. Foi visto, ao longo da tese, que a relação
gramática e processador não pode ser estabelecida em termos de uma relação de
identidade plena e que especificidades do processamento on-line de sentenças
precisam ser consideradas ao se procurar estabelecer uma aproximação entre o
que ocorre na produção/compreensão de sentenças e o modo como se dá a
derivação formal destas em modelos de língua. Nesse cenário, questões ligadas a
movimento sintático e direcionalidade da derivação se apresentam como pontos
de investigação (cf. Corrêa 2005a, submetido). Em termos do tratamento da
concordância sujeito-verbo na produção, seria interessante explorar em que
medida os mecanismos formais de implementação da concordância no modelo de
língua (checagem, valoração no sistema de Agree) estariam de acordo com a
implementação da concordância em um modelo de processamento da produção.
Em termos mais específicos, a tese abre para uma investigação de tópicos
tanto em Teoria Lingüística quanto em Psicolingüística. Em Lingüística, a análise
da estrutura das construções partitivas indicou que ainda há muito o que se
explorar quanto à questão da natureza semi-lexical dos itens que entram na
derivação sintática da sentença. A computação da concordância de número interna
ao DP no caso de DPs complexos também é uma área bastante promissora em
termos de pesquisa. Questões de representação de adjuntos e de argumentos e seu
impacto para a computação sintática é outro ponto que merece ser investigado.
Em Psicolingüística, há vários aspectos do processamento da concordância a
explorar. Seria interessante, por exemplo, comparar resultados de compreensão
com os de produção. Não são muitos os trabalhos em compreensão nesta área e
certamente há bastante o que ser examinado, em particular quanto à hipótese de
que o parser atuaria baseado em “expectativas” geradas a partir da análise do
material lingüístico em processamento. No estudo específico da produção, a
distinção entre concordância de gênero e número, passível de ser observada em
estruturas com adjetivos ou com particípios, também merece ser investigada.
183
Nesta tese, foram identificados erros em que uma forma de particípio concordava
em número com o núcleo do sujeito e em gênero com o nome local (O depósito
das armas de fogo foi desativada; A prateleira dos livros de história estava
quebrado), o que sugere que haveria diferenças em termos de como o processador
lida com informação de número e informação de gênero no DP sujeito. Quanto às
estruturas responsáveis por erros de atração, foram examinados em detalhes DPs
modificados por PPs. Cumpre ainda verificar o que ocorre com modificadores
oracionais em termos de indução de erros de atração. Em que medida, como
propõe Bock & Nicol (1993), a oração de fato insularia informação de um núcleo
interveniente nela inserido é um ponto a ser explorado. Também em termos
metodológicos, há bastante o que se desenvolver. É preciso buscar metodologias
experimentais alternativas que permitam induzir erros de atração, sem que seja
necessário o falante partir de um preâmbulo apresentado pelo experimentador.
Em suma, há muito trabalho a ser feito e, nesse cenário, a presente tese
pretende ter contribuído com elementos que possam servir como ponto de partida
para pesquisas futuras sobre o processo de produção de sentenças, área em que
ainda há poucos trabalhos em português.
184
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WANNER, E. & MARATSOS, M. An ATN approach to comprehension. EmM.
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(Ed.). Modularity in Knowledge Representation and Natural Language
Understanding. Cambridge, Mass: MIT Press, 1987. p. 259-276.
198
12 Apêndice - FRASES E PREÂMBULOS EXPERIMENTAIS
Experimento de julgamento de gramaticalidade
Construção partitiva + verbo no singular
A maioria dos livros da estante queimou.
A maioria dos quadros da galeria empenou.
Uma parte das plantas do jardim brotou.
Uma parte dos carnes da escola extraviou.
Construção partitiva + verbo no plural
A maioria das roupas da lavanderia mancharam.
A maioria das cadeiras da sala desmontaram.
Uma parte dos alimentos da geladeira estragaram.
Uma parte das árvores da escola morreram.
DP complexo não-quantitativo + verbo no singular:
A pasta dos documentos do escritório rasgou.
O baú dos brinquedos da creche quebrou.
A maleta das ferramentas da oficina enferrujou.
O isopor das bebidas da festa virou.
DP complexo não-quantitativo + verbo no plural:
O álbum das fotos do casamento sumiram.
A caixa dos remédios da enfermaria desapareceram.
O armário das panelas do restaurante caíram.
O cesto dos brindes do aniversário desarmaram.
Experimentos de produção induzida de erros
Experimento 1- distância linear sujeito-verbo e tipo de modificador
PP/ Distância linear curta
1 O diretor arrogante dos funcionários (voltar)
2 O treinador experiente dos atletas (criar)
3 O empresário competente dos jogadores (lembrar)
4 O advogado desonesto dos banqueiros (comprar)
Oração/Distância linear curta
5 O jornalista que falou dos empresários (chegar)
6 O assaltante que escapou dos policiais (entrar)
7 O enfermeiro que cuidou dos acidentados (tirar)
8 O síndico que suspeitou dos faxineiros (chamar)
199
PP/ Distância linear longa
9 O gerente honesto dos chefes de seção (ganhar)
10 O instrutor calmo dos pilotos de avião (usar)11 O chefe novo dos locutores de rádio (pensar) 12 O cliente antigo dos agentes de viagem (pagar)Oração/Distância linear longa
13 O aluno que riu dos professores de história (falar)
14 O engenheiro que zombou dos mestres de obra (mandar)
15 O ator que discordou dos críticos de teatro (parar)
16 O ciclista que fugiu dos guardas de trânsito (morar)
Experimento 2 – posição linear vs. posição hierárquica do núcleo
interveniente/ número dos NPs
Grupo 1 - N1singular
N2sing N3sing
1. A lenda sobre o mapa do tesouro PUBAR
2. A tinta do cartucho da impressora TEBAR
3. A sacola com a roupa do casamento BOPAR
N2sing N3pl
4. O relatório sobre o custo das obras DEGAR
5. A chave do cofre dos documentos BETAR
6. A pasta com o questionário das turmas MOCAR
N2pl N3pl
7. O artigo sobre as dívidas dos estados VOMAR
8. A fábrica das grades das janelas LUPAR
9. A gaveta com os cheques das empresas VECAR
N2spl N3sing
10. O filme sobre as favelas do bairro RIGAR
11. A propaganda dos produtos da loja FUVAR
12. A bandeja com as bebidas da festa RUPAR
Grupo 2 - N1 plural
N2pl N3pl
1. As fotos sobre as enchentes das cidades PUBAR
2. As maçanetas das portas dos carros TEBAR
3. Os arquivos com as provas do concursos BOPAR
N2pl N3sing
4. Os anúncios sobre as ofertas da loja DEGAR
5. Os preços dos pratos do restaurante BETAR
6. As caixas com os convites do aniversário MOCAR
200
N2sing N3sing
7. Os panfletos sobre a festa da igreja VOMAR
8. As cortinas do palco do teatro LUPAR
9. As garrafas com o refresco do lanche VECAR
N2sing N3pl
10. Os boatos sobre a fraude das urnas RIGAR
11. As prateleiras do armário dos sapatos FUVAR
12. As fichas com o resultado das vendas RUPAR
Experimento 3 – status argumental do PP modificador
PP argumento
O cancelamento de consultas médicas
O rompimento de contratos antigos
A recuperação de dados bancários
A restauração de quadros valiosos
A compra de medicamentos genéricos
O consumo de alimentos estragados
PP adjunto
A blusa de desenhos engraçados
O álbum de páginas amareladas
A janela de grades enferrujadas
O apartamento de cômodos pequenos
O parque de cachoeiras naturais
A casa de muros eletrificados
Experimento 4 – distributividade e marcação morfofonológica
Sujeito distributivo, DP local singular, nome local flexionável :
O trinco de cada porta
A tampa de cada pote
O teto de cada casa
O colchão de cada cama
Sujeito distributivo, DP local singular, nome local invariante:
A roda de cada ônibus
A capa de cada Atlas
A luz de cada cais
A forma de cada vírus
201
Sujeito distributivo, DP local plural, nome local flexionável:
A maçaneta das portas
A tampa das garrafas
O telhado das casas
O encosto das cadeiras
Sujeito distributivo, DP local plural, nome local invariante:
O volante dos ônibus
A legenda dos Atlas
A plataforma dos cais
O tamanho dos vírus
Sujeito não-distributivo, DP local singular, nome local flexionável :
A lata do biscoito
O armário do sapato
A pasta do documento
A caixa da ferramenta
Sujeito não-distributivo, DP local singular, nome local invariante:
A prateleira do pires
O estojo do lápis
A região do oásis
A vitrine do tênis
Sujeito não-distributivo, DP local plural, nome local flexionável:
A lata dos biscoitos
O armário dos sapatos
A pasta dos documentos
A caixa das ferramentas
Sujeito não-distributivo, DP local plural, nome local invariante:
A prateleira dos pires
O estojo dos lápis
A região dos oásis
A vitrine dos tênis
Experimento 5 – distributividade
Grupo 1 – DP distributivo
O volante dos carros de corrida
A grama dos campos de futebol
A caçamba dos caminhões de lixo
A sola dos sapatos de camurça
O tecido das roupas de mergulho
A tampa das panelas de pressão
A capa dos livros de matemática
O encosto das cadeiras de balanço
202
O tecido das barracas de praia
O rótulo das garrafas de suco
O cadeado das malas de viagem
A agulha das máquinas de costura
A maçaneta das portas de madeira
O telhado das casas de veraneio
A cabeceira das camas de casal
A alça das xícaras de porcelana
Grupo 2 – DP não-distributivo
A lata dos biscoitos de polvilho
A vitrine dos vestidos de noiva
A prateleira dos livros de história
O armário das louças de porcelana
A gaveta dos talheres de prata
O baú dos brinquedos de madeira
O depósito das armas de fogo
A seção dos produtos de limpeza
A loja dos doces de chocolate
A sala dos estofados de couro
A bandeja dos sanduíches de queijo
O vestiário dos armários de metal
O cinema das cadeiras de veludo
O palácio dos lustres de cristal
A rua das lojas de decoração
A sacola dos brindes de aniversário
203
BANCA EXAMINADORA
Professora Doutora Letícia Maria Sicuro Corrêa (PUC-Rio) – orientadora
Professor Doutor Jairo Morais Nunes (USP-SP) – co-orientador
Professora Doutora Eneida do Rego M. Bomfim (PUC-Rio)
Professor Doutora Margarida Maria de Paula Basílio (PUC-Rio)
Professor Doutor Marcus Antônio Rezende Maia (UFRJ)
Professora Doutora Mary Aizawa Kato (UNICAMP-SP)
Professor Doutor Humberto Peixoto Menezes (UFRJ) – suplente
Professora Doutora Marina Rosa Ana Augusto (PUC-Rio/ LAPAL)- suplente
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