Saída da crise pode aumentar controle de bancos sobre

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Saída da crise pode aumentar controle de bancos sobre Estados
Em entrevista ao Monitor Mercantil, o economista Plínio de Arruda Sampaio Júnior, professor da Universidade
Federal de Campinas (Unicamp), analisa a crise financeira mundial dentro das crises inerentes ao capitalismo e
buscando o contraste entre as visões marxista e keynesiana.
Nessa comparação, ele acredita que as teses de Karl Marx irão sobressair: o capital ficará mais concentrado e os
trabalhadores ainda mais explorados, até a crise seguinte.
"Temo que, nas condições atuais, o capital financeiro tenha ficado tão forte e com tamanho poder de chantagem
sobre os Estados nacionais, que estes não possam contê-lo. O que está acontecendo é exatamente o oposto do
esperado pela maioria: o capital financeiro está dando um novo passo na conquista do Estado", disse.
Para Sampaio Júnior, a liberalização financeira é o principal mecanismo a garantir o poder de chantagem do
capital financeiro sobre os países.
Qual a diferença básica entre as abordagens de Keynes e Marx em relação às crises do modo capitalista
de produção?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - A diferença é que a crise, para Keynes, é um fenômeno aleatório e passível
de ser corrigido através de políticas de Estado. Já na visão marxista, crise é uma necessidade histórica e um
componente orgânico do capitalismo, passível de ser atenuada, mas não evitada. Sendo assim, esta crise vai
gerar, necessariamente, uma próxima e não há Estado capaz de resolver isso.
Quais as limitações mais evidentes das políticas keynesianas no enfrentamento da crise atual?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Não temos bases nem objetivas nem subjetivas para uma política
keynesiana. Objetivamente, não temos mais um padrão de acumulação baseado na economia nacional. Do ponto
de vista subjetivo, a política keynesiana pressupõe um Estado com capacidade política de se contrapor ao capital
financeiro. Temo que, nas condições atuais, o capital financeiro tenha ficado tão forte, com tamanho poder de
chantagem sobre os Estados nacionais, devido ao poder de mobilização espacial, que não possa ser contido.
O que está acontecendo nesta crise é exatamente o oposto do esperado, o capital financeiro dando um novo
passo na conquista do Estado e não o contrário. Basta observar que a Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (Cepal) compilou o volume de recursos que, até o final de outubro de 2008, tinha sido transferido
para os bancos: US$ 7 trilhões, o que equivale à soma de todos os PIBs latino-americanos.
A América Latina deve considerar esta crise como uma oportunidade para o desenvolvimento?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Não. Sobretudo no caso do Brasil. A crise de 1929 foi boa para nós, pois,
através do isolamento econômico, conseguimos fazer um considerável avanço no desenvolvimento das forças
produtivas. Muitos pensam que esta crise pode ser uma janela de oportunidades. Eu acho que não, pois já temos
um parque industrial montado, mas não temos capacidade de defendê-lo dos países centrais. Por outro lado,
também não temos como competir com a China. Creio que a tendência seja para aceleração do processo de
regressão colonial.
Como Marx explica esse fenômeno?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - No capítulo 3 do livro III de O Capital, Marx aborda o que chamou de
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"tendência decrescente da taxa de lucro". O capitalismo tem várias crises. Minha hipótese é que esta é uma crise
geral do sistema, uma "crise de indigestão". Ou seja, o capitalismo acumulou mais capital do que aquele que pode
converter para a produção e a extração de mais valia.
Quando fica patente que há um excedente absoluto, o circuito da concorrência deixa de estar baseado na
acumulação do lucro e passa para a lógica de ver quem sobrevive. O excedente absoluto de capital impõe uma
queima de capital. E a produção a mais é o que "micou". A crise é isso, só que em todos os níveis - monetário,
produtivo, financeiro e comercial. Isso muda a dinâmica de funcionamento do sistema.
Em que sentido seria essa mudança?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Keynes acredita numa saída civilizada, que é uma saída ideológica, pois o
keynesianismo, por mais refinado que seja, é um produto da crise e da barbárie do liberalismo e da guerra. Em
Marx, está claro que qualquer crise capitalista geral resolve-se, fundamentalmente, com dois movimentos,
necessário para restaurar as condições da rentabilidade: de um lado, queimar capital, aumentando o grau de
monopolização, e, por outro, ampliar a taxa de mais valia, através de todos os expedientes possíveis, inclusive
superexploração da mão-de-obra. Isso permitiria um novo movimento de expansão, que, no entanto, resultaria em
nova crise no futuro.
Então, veremos agora a luta pela sobrevivência dos capitais?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Sim. Essa luta é a destruição do outro (monopolização) e o aumento das
condições de exploração.
Há quem diga que foi a 2ª Guerra, e não as políticas keynesianas, que tirou o mundo da depressão
econômica. Acredita que haverá um confronto de grandes proporções para que a economia mundial se
recupere?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Em primeiro lugar, as grandes guerras, com seus gastos e mobilização de
contingentes, são o keynesianismo puro. Hitler foi o extremo do keynesianismo. Por trás da luta entre os capitais
há a luta dos Estados nacionais associados a eles. Sem dúvida, teremos um redesenho do mundo e nele as
rivalidades nacionais aumentarão. Sobre a crise de 1929, Lênin afirma que o imperialismo inaugura um período de
guerra especifica entre as grandes potências, pois, para o resto do mundo, sempre houve guerra.
Então haverá uma 3ª Guerra Mundial?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Isso hoje é difícil. Em 1929, havia potências que se equivaliam. Atualmente,
os EUA ainda são absolutos financeira e militarmente. Prova disso é que todos fogem para os títulos norteamericanos. Esse tipo de guerra não vejo, mas um movimento de empurrar a crise para um elo fraco, sim.
E o Brasil faz parte desse elo fraco...
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Sim. Não creio que o Brasil jogará um papel importante na saída da crise.
Minha suspeita é que os elogios que o Brasil recebe no G-20 e os convites feitos pelos norte-americanos têm a
finalidade de evitar que partamos para o lado da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba).
E quanto ao G-20, estaria "jogando para a platéia"?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - Esta crise tem coisas assustadoras. Se os diagnósticos estiverem corretos,
assistiremos a uma generalização e ao aprofundamento da barbárie.
Acredita numa nova arquitetura financeira mundial?
Plínio de Arruda Sampaio Júnior - A mudança mais grave está no plano da política, no tipo de relação que os
grandes conglomerados estão estabelecendo com os Estados nacionais. Isso pode configurar uma mudança na
natureza do Estado, que já estava instrumentalizado pelo capital financeiro, e, agora, muda o grau de
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instrumentalização. Agora mesmo, um outro banco (Bank of America) está pedindo mais US$ 34 bilhões ao
Tesouro norte-americano.
Na crise de 1998, o Brasil recebeu cerca de US$ 50 bilhões do FMI. Agora um banquinho pede US$ 34 bilhões
adicionais - já tinha recebido injeção de recursos. Ou seja, as mudanças não estão dando caráter construtivo ao
capitalismo, pelo contrário. Não consigo ver nenhuma nova arquitetura. Apenas retórica. Mesmo ela é bastante
conservadora. Os relatórios das instituições multilaterais dizem que não se pode recuar para a regulação do
sistema, salvo alguma fiscalização dos bancos, o que é absolutamente insuficiente. Não há consenso ideológico
nem político para mudança no padrão.
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