Assistencia Social Pos LOAS em Natal - TEDE - PUC-SP

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Iris Maria de Oliveira
ASSISTÊNCIA SOCIAL PÓS-LOAS EM NATAL
a trajetória de uma política social entre o direito e a cultura do atraso
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2005
Iris Maria de Oliveira
ASSISTÊNCIA SOCIAL PÓS-LOAS EM NATAL
a trajetória de uma política social entre o direito e a cultura do atraso
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em Serviço Social sob a orientação
da Professora, Doutora Maria Carmelita Yazbek.
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2005
ASSISTÊNCIA SOCIAL PÓS-LOAS EM NATAL
a trajetória de uma política social entre o direito e a cultura do atraso
Iris Maria de Oliveira
Banca Examinadora:
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
total ou parcial desta tese, por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Iris Maria de Oliveira
São Paulo, 10 de agosto de 2005
AGRADECIMENTOS
O curso de doutorado na PUC-SP e a elaboração desta tese foram
momentos de uma experiência acadêmica, profissional e de vida extremamente
fecunda e bela. Por isso, apesar da solidão imposta pelo momento final da
elaboração da tese, esta é produto de contribuições e interlocuções que
qualificaram as reflexões aqui apresentadas e tornaram esta experiência
prazerosa. Diante disso, não há como deixar de expressar a minha gratidão
àquelas pessoas que de alguma forma, partilharam comigo este momento da
vida.
Em primeiro lugar, uma palavra de agradecimento a minha orientadora
Carmelita Yazbek. Lembro-me que um dos fundadores da Escola de Serviço
Social de Natal, Dom Nivaldo Monte, costuma dizer que a diferença entre o
mestre e o professor é que o professor, apenas ensina; o mestre, antes de tudo
ama. Quem passa pela vida sem contar com o apoio, a orientação e a sabedoria
de alguém a quem possa chamar de mestre? Talvez ninguém, mesmo sem o
perceber. Tive a alegria de poder contar com a sabedoria, a orientação
respeitosa, crítica e incentivadora da Professora Carmelita Yazbek. Posso afirmar
que contei com uma grande companheira, amiga e mestra desde o primeiro
momento da minha chegada à PUC-SP. A ela, o meu reconhecimento e
agradecimento.
A Rosângela, grande companheira de toda experiência vivida no
doutorado, incluindo o
“sanduíche” ou estágio pesquisa em Portugal. A sua
presença e parceria, com certeza, tornou a vida em “Sampa” e a experiência do
“sanduíche” muito mais alegre, prazerosa e tranqüila. Juntas, dividimos muitos
momentos de debates, alegrias, amizade, convivência fraterna e partilha de vida.
Um tempo que ficará guardado com carinho. O meu obrigado por tudo.
A Fernanda Rodrigues, mais que co-orientadora estrangeira, uma
grande companheira na experiência do “sanduíche” em Portugal. Uma palavra de
agradecimento pelo enorme apoio e calorosa acolhida desde a nossa chegada a
cidade do Porto, na discussão do nosso objeto de pesquisa, na abertura de
canais e caminhos para as atividades realizadas em Portugal e para o contato
com outros profissionais de serviço social e pesquisadores brasileiros na
Universidade do Porto, na disponibilidade do acompanhamento e nos belos
momentos de convivência no Porto. A ela, o meu reconhecimento e obrigada por
tudo.
Aos
companheiros
da
Associação
de
Cidadãos
Brasileiros
da
Universidade do Porto – BRASUP, sobretudo Willer, Mary e Mauro, pela acolhida
na chegada, pelo apoio fundamental em nossa inserção na Universidade do
Porto. A Willer, não há como não deixar uma palavra especial de agradecimento
também pelos agradáveis momentos de convivência e partilha da vida em
Portugal.
Às companheiras Silvina, Euniciana, Nice, Neiri com quem dividi salas
de aula, participação no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Seguridade e
Assistência Social, cafés, a vida na PUC-SP e em “Sampa”. Um grande obrigado
pelo apoio, pela amizade e pelo carinho.
Uma palavra de agradecimento também a Maria Olinda e Dalva Gueiros,
pelo apoio, pela amizade, pela vida partilhada em significativos momentos de
convivência na PUC e em “Sampa”.
A Carina Mojo, grande companheira, presença carinhosa e atenta em
tantos momentos da vida em Sampa. Juntas, dividimos também a rica experiência
de participação no Núcleo de Estudos e Aprofundamento Marxista e no Núcleo de
Estudos e Pesquisa Trabalho e Profissão, ambos espaços maravilhosos de
debate acadêmico e de convivência fraterna, sob a coordenação dos queridos
professores José Paulo Neto e Dilséa Adeodata Bonetti. A Carina e a todos o meu
obrigado pela oportunidade, pela convivência, pelo muito que aprendi com vocês.
A Virgínia Siede e a Andréa Oliva uma palavra de agradecimento pela
confiança e apoio na acolhida que permitiu resolver o desafio da moradia em São
Paulo.
A Pedrinho, amigo e companheiro, articulador nacional da Pastoral
Operária, pela acolhida e apoio decisivo nos primeiros dias da minha chegada em
“Sampa”.
A Agripina, Ilsamar e Rose, grandes companheiras e assistentes sociais
com funções de chefia na SEMTAS, a partir de 2004. Um enorme obrigado pelo
apoio fundamental na coleta de dados e no acesso a alguns entrevistados.
A Mary Helena, secretária do Conselho Municipal de Assistência Social,
pela presteza e atenção com que sempre me atendeu na busca de dados e
informações no CMAS.
A todos os entrevistados, pela disponibilidade e atenção durante as
entrevistas.
A Josélia Carvalho, amiga e interlocutora no debate sobre os problemas
de Natal e da Zona Norte, obrigada pelo importante apoio na reta final deste
trabalho.
À minha mãe, D. Antônia, pela compreensão nas ausências e nos
meses de isolamento diante do computador. Ela, mais do que ninguém, partilhou
comigo os momentos de estresse, próprios de um processo como este; e do seu
jeito, deu a maior força. Sei que fez tudo o que foi possível para que os
“problemas de casa” não “atrapalhassem” o tempo e o ambiente de que eu
precisava para dar conta da tese.
Ao Padre Murilo, amigo querido, com quem sempre posso contar; pelo
carinho, pela força, pela amizade e pelas vezes que me fez lembrar que a vida
não poderia se resumir ao doutorado.
Aos companheiros(as) assessores e jovens da Pastoral de Juventude
do Meio Popular - PJMP de Natal, regional e nacional, pela compreensão diante
das ausências e das minhas respostas negativas frente aos vários pedidos de
assessoria durante o tempo em que foi necessário dedicação exclusiva ao
doutorado.
A Raíza, sobrinha querida, cuja presença inocente e carinhosa e
cobranças extratese tornaram esse tempo muito melhor.
Ao professor Otom Anselmo, que como reitor da UFRN em 2001, por
ocasião do início do meu afastamento das atividades acadêmicas, não mediu
esforços no sentido de negociar junto à CAPES a suplementação de bolsas de
que a UFRN necessitava e cuja conquista foi decisiva para efetivação deste
doutorado.
A Maria Pepita Vasconcelos, pelo apoio e atenção nos momentos
decisivos do afastamento da UFRN e da efetivação da bolsa.
A Severina Garcia e Denise Câmara, companheiras do Departamento
de Serviço Social, pela interlocução fecunda e tantas partilhas da vida.
Aos colegas do Departamento de Serviço Social pelo afastamento das
atividades acadêmicas por 48 meses.
A CAPES, pela bolsa concedida dentro do Programa
Institucional de
Capacitação Docente – PICDT e no estágio pesquisa realizado em Portugal.
RESUMO
O trabalho tem por objetivo analisar a política de assistência social em Natal, no
período 1995-2004, procurando apreender, com base nos princípios e diretrizes
da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, em que medida tem se efetivado a
assistência social como direito e se as práticas conservadoras, que marcam a
história desta política, vêm sendo rompidas. É freqüente, nos estudos sobre a
assistência social, a referência a práticas políticas conservadoras. Contudo, a
análise de tais práticas a partir da compreensão de que estas conformam e
reproduzem uma certa cultura política, não tem sido comum. A pesquisa foi
realizada buscando apreender o objeto de estudo em sua totalidade, em nível
teórico e histórico. A coleta de dados ocorreu nos períodos de março a junho de
2003; e maio a dezembro de 2004. Privilegiou a busca de informações de
natureza qualitativa por meio da pesquisa documental e da entrevista semiestruturada com 49 sujeitos diretamente envolvidos com a política municipal de
assistência social em Natal: usuários, gestores, técnicos, coordenadores de
programa e conselheiros da sociedade civil no Conselho Municipal de Assistência
Social. A partir de um conjunto de questões que guiaram a análise, a pesquisa foi
desenvolvida tendo como referência algumas hipóteses: a primeira afirma o
cumprimento legal dos princípios e diretrizes da LOAS pelo poder público
municipal; a segunda ressalta que a LOAS, enquanto instrumento legal norteador
da política de assistência social possui princípios, diretrizes e objetivos que, se
efetivados podem contribuir na construção de uma cultura de direitos; a terceira
consiste na observação de que em Natal, a Política de Assistência Social é
formulada legalmente como direito e incorpora os princípios e diretrizes da LOAS,
mas, em sua operacionalização o direito é substituído pelas velhas práticas do
favor, do paternalismo e do assistencialismo. Quando este se efetiva é um direito
de segunda classe, pela forte seletividade, focalização e baixa qualidade dos
serviços oferecidos. A partir da análise das categorias teóricas centrais do objeto
de estudo – assistência social, cultura política e direitos – da trajetória da
assistência social em Natal historicamente, da análise das forças políticas que
ocuparam o governo municipal no período analisado, da apreensão das práticas e
das concepções dos sujeitos envolvidos com a política, o estudo permite concluir
que as marcas de uma cultura do atraso persistem e são instrumentos para a
hegemonia das classes dominantes. Confirmando as hipóteses levantadas
anteriormente, a implementação da assistência social em Natal revela que ela
ainda é predominantemente uma política inscrita no campo das possibilidades.
Palavras-chave: Assistência Social. Direitos Sociais. Assistência Social em Natal.
Assistência Social e Cultura Política. Gestão Municipal.
ABSTRACT
That work aims to analyze the social assistance policy in Natal city during the
period between 1995-2004, trying to apprehend, on the basis of the guide lines of
the Law of the Social Assistance - LOAS, how the social assistance was applied
as a citizen right, and if the conservative practices, so usual in the history of that
policy, have been broken. It is frequent in the studies about the social assistance,
the reference to the political conservative practices. However, the analysis of such
practices from the comprehension that they conform and reproduce a certain
political culture, has not been common. That research has been done trying to
apprehend the object of study theoretically and historically in its totality. The
collection of data occurred during the period between Mars until June 2003 and
May until December 2004. The information of qualitative nature was privileged
through the documentary research and the half-structuralized interview with 49
people who were directly involved with the city policy of the social assistance in
Natal.: users, managers, experts, program coordinators and delegates of the civil
society in the City council of Social Assistance. With a set of questions that guided
the analysis, the research was developed having as reference some hypotheses:
the first one affirms that there is the legal fulfillment of the guide lines of LOAS in
the City government; the second one affirms that the LOAS, as legal instrument of
the social assistance policy has guide lines and objectives that, if accomplished
can contribute in the construction of a culture of social and citizen rights; the third
one comes from the observation that in Natal, we can find a legal formulation of
the Social Assistance Policy as a civil right, incorporates the guide lines of the
LOAS, but, in its practice the rights are replaced by the old practices of the favor,
paternalism and assistencialism. When that happens, it becomes a second class
right, because of the strong selectivity and the low quality of the offered services.
Going out from the analysis of the central theoretical categories of the study
object, social assistance, political culture and civil rights, from the trajectory of the
social assistance in Natal historically, from the analysis of political forces who
occupied the city government in the analyzed period, the apprehension of the
practices and concepts of the involved citizens with the policy, the study allows to
conclude that the marks of a culture of delay persist and are the instruments for
the hegemony of the ruling classes. Confirming the previously raised hypothesis,
the implementation of the social assistance in Natal discloses that it is mainly a
policy enrolled still in the field of the possibilities.
Key-words: Social Assistance. Social Rights. Social Assistance in Natal. Social
Assistance and Political Culture. City administration.
SUMÁRIO
Lista de Abreviaturas e Siglas
INTRODUÇÃO
16
CAPÍTULO 1
25
POLÍTICA SOCIAL, ASSISTÊNCIA SOCIAL E CULTURA POLÍTICA
1.1 Políticas sociais e assistência social
25
1.2 As noções de cultura e hegemonia na apreensão da cultura do atraso
31
1.3 A cultura do atraso e a formação social brasileira
37
1.4 A cultura do atraso e a assistência social
46
CAPÍTULO 2
55
DIREITOS, CULTURA DE DIREITOS E ASSISTÊNCIA SOCIAL
2.1 O debate sobre a questão dos direitos na sociedade capitalista
55
2.2 Aspectos da efetivação de direitos na sociedade brasileira
63
2.3 Assistência social e cultura de direitos
79
CAPÍTULO 3
89
A FORMAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA DE NATAL E A
ASSISTÊNCIA SOCIAL ANTERIOR À LOAS
3.1 Natal: aspectos da sua história e as primeiras ações de enfrentamento à
pobreza na Cidade
89
3.2 Considerações sobre a formação sócio-econômica de Natal
99
3.3 O acesso aos serviços sociais e aos equipamentos urbanos em Natal
115
3.4 Políticas participacionistas, cultura do atraso e o enfrentamento à
pobreza em Natal no período autoritário
121
3.5 As administrações municipais em Natal na transição democrática e a
assistência social
140
3.6 Democratização, assistência social e forças políticas em Natal pós-1988
149
CAPÍTULO 4
169
DESCENTRALIZAÇÃO E GESTÃO MUNICIPAL DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL EM NATAL
4.1 O Município no processo de execução de políticas sociais públicas e a
política de assistência social
169
4.2 Governo municipal e as ações de combate à pobreza no pós-LOAS
184
4.3 A gestão municipal da assistência social em Natal: uma visão geral das
ações realizadas após a municipalização
202
CAPÍTULO 5
213
ASSISTÊNCIA SOCIAL EM NATAL: UMA POLÍTICA SOCIAL ENTRE O
DIREITO E A “CULTURA DO ATRASO”
5.1 Concepção de assistência social entre os sujeitos envolvidos
214
5.2 Democratização da gestão, participação popular e controle social
222
5.3 A primazia da responsabilidade do Estado
234
5.4 As formas de acesso do usuário e a visão sobre os serviços
246
5.5 A questão da qualidade dos serviços prestados
257
5.6 O lugar da assistência social no enfrentamento das necessidades
sociais para os usuários
263
5.7 Considerações sobre a gestão da assistência social em Natal
264
CONSIDERAÇÕES FINAIS
271
REFERÊNCIAS
282
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
ADOTE – Associação de Orientação aos Deficientes
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
ANAMPOS - Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
ARPI – Associação Norte Riograndense Pró Idosos
ATIVA – Associação de Atividades de Valorização Social
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BNB – Banco do Nordeste Brasileiro
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH – Banco Nacional de Habitação
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CAERN - Companhia de Águas e Esgotos do RN
CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensão
CATRE – Centro de Aplicações Táticas e Recomplementamento de Equipagem
CDS – Conselho de Desenvolvimento Social
CEAS – Conselho Estadual de Assistência Social
CEBELA - Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos
CGT - Central Geral dos Trabalhadores
CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social
CMP – Central dos Movimentos Populares
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNSS – Conselho Nacional de Serviço Social
CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
COHAB – Companhia de Habitação Popular – RN
COMUT – Conselho Municipal do Trabalho
CONAM – Coordenação Nacional das Associações de Moradores
CRAS – Centros de Referência de Assistência Social
CRIAI – Centro de Referência e Atenção ao Idoso
CSU – Centro Social Urbano
CURA – Projeto de Complementação Urbana e Recuperação Acelerada
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DACA – Departamento de Atenção à Criança e ao Adolescente
DAS – Departamento de Assistência Social
DAT – Departamento de Ações para o Trabalho
DEMEC – Delegacia do Ministério da Educação e Cultura
DhESC – Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
DRT – Delegacia Regional do Trabalho
EMPROTURN - Empresa de Promoção e Desenvolvimento do Turismo do Rio
Grande do Norte S/A
FAZ – Fundo de Desenvolvimento Social
FECEB – Federação das Entidades Comunitárias e Beneficentes do RN
FETAC – Fundação Estadual de Trabalho e Ação Comunitária
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FINOR – Fundo de Investimento do Nordeste
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUMAS – Fundo Municipal de Assistência Social
FUMDEC – Fundo Municipal de Desenvolvimento Econômico
FUNDAC – Fundação Estadual da Criança e do Adolescente
GESST – Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho,
GODAS – Gerência Operacional da Descentralização da Assistência Social
IAPM – Instituto de Aposentadoria e Pensão
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias
IDEC – Instituto de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte
IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INOCOOP - Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPLANAT - Instituto de Planejamento Urbano de Natal
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
MAS – Ministério da Assistência Social
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEIOS – Movimento de Integração e Orientação Social
NAS – Núcleo de Ação Social
NOB – Norma Operacional Básica
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
ONG – Organização Não-Governamental
PAC – Programa de Ação Continuada
PAN – Partido dos Aposentados da Nação
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDM – Plano de Desenvolvimento Municipal
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PEQ – Plano Estadual de Qualificação Profissional
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PFL – Partido da Frente Liberal
PGT – Partido Geral dos Trabalhadores
PHS – Partido Humanista da Solidariedade
PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular
PL – Partido Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN – Partido da Mobilização Nacional
PNCCPM - Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte Médio
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNPE – Programa Nacional Primeiro Emprego
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PP – Partido Progressista
PPB – Partido Progressista Brasileiro
PPD – Pessoa Portadora de Deficiência.
PPS – Partido Popular Socialista
PRN – Partido da Reconstrução Nacional
PROFAT - Programa Fundo de Amparo ao Trabalhador
PROGER – Programa de Geração de Emprego e Renda
PRONAV – Programa Nacional do Voluntariado
PRP – Partido Republicano Progressista
PRTB – Partido Renovador Trabalhista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira
PSDC – Partido Social Democrata Cristão
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT – Partido dos Trabalhadores
PT do B - Partido Trabalhista do Brasil
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PTN – Partido Trabalhista Nacional
PV – Partido Verde
RMN – Região Metropolitana de Natal
RN – Rio Grande do Norte
SAC – Serviços de Atenção Continuada
SAS – Secretaria de Estado de Assistência Social
SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
SECRA – Secretaria das Regiões Administrativas
SECTUR – Secretaria Especial de Comércio, Indústria e Turismo de Natal
SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica
SEMPS – Secretaria Municipal de Promoção Social
SEMTAS – Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social
SEMURB – Secretaria Especial de Meio Ambiente e Urbanismo
SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
SER – Sistema de Emprego e Renda
SERAS – Serviço de Reeducação e Assistência Social
SESC – Serviço Social do Comércio
SEST – Serviço Social do Transporte
SETAS – Secretaria Estadual de Trabalho e Assistência Social
SFH – Sistema Financeiro de Habitação
SINE – Sistema Nacional de Emprego
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SOCERN - Sociedade dos Cegos do Rio Grande do Norte
STBS – Secretaria de Trabalho e Bem Estar Social
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUDENE – Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
SUS – Sistema Único de Saúde
UDN – União Democrática Nacional
UDR – União Democrática Ruralista
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB – Universidade de Brasília
UNICAMP – Universidade de Campinas
16
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa o processo de implementação da assistência social
no nível municipal tendo como referência a Lei Orgânica de Assistência Social –
LOAS (Lei n. 8742 de 7 de dezembro de 1993). Para tanto, toma como unidade
de análise a execução desta política em Natal-RN a partir de 1995. O esforço é de
apreender em que medida vem se efetivando a assistência social como direito, e
se as práticas tradicionais, conservadoras, clientelistas e assistencialistas
historicamente predominantes nesta área de política pública vêem sendo
rompidas.
Desde os anos 80 do século XX, a assistência social tem sido um campo
de estudos ao qual vem se dedicando um número significativo de pesquisadores,
sobretudo, na área do Serviço Social1. Os trabalhos produzidos nas duas últimas
décadas abriram o debate em torno de questões como: o papel e o significado da
assistência social na sociedade capitalista contemporânea e no contexto das
políticas sociais públicas, sua configuração, natureza, significado e formas de
gestão na realidade brasileira, o seu processo de institucionalização e gestão
descentralizada e participativa, os impasses teóricos e políticos que esta política
pública enfrenta etc.
A significativa produção teórica em torno desta área de política pública
indica a importância do tema. Contudo, ainda são poucos os estudos voltados a
analisar a assistência social em sua relação como os traços de uma certa cultura
política caracterizada segundo relações de favor, de tutela, paternalista e
clientelista. Estas relações, no âmbito da assistência social, se expressam, entre
1
Destacam-se, além dos inúmeros trabalhos publicados na Revista Serviço Social e Sociedade
sobre o tema, os trabalhos de SPOSATI et al (1986), YAZBEK (1993), SPOSATI (1988), BATTINI
(1998), MENEZES (1993), PEREIRA (1996), SCHONS (1999), RAICHELIS (1998), SILVA E
SILVA (2000), OLIVEIRA (2001), MESTRINER (2001), BOSCHETTI (2003a), SPOSATI (2004),
COUTO (2004), entre outros.
17
outras formas, no uso de relações pessoais com governantes ou lideranças
políticas, como o caminho para o acesso a bens, recursos e serviços
assistenciais. Mas, a existência deste tipo de relação social e política, não é um
privilégio da assistência social. É algo que conforma a nossa cultura política, fazse presente na política social como um todo e é inerente à história política,
econômica e social brasileira.
Em pesquisa destinada a analisar a cultura política dos trabalhadores
rurais assentados, a partir das suas relações com representantes dos poderes
constituídos, Araújo (2005) ressalta, com base num balanço da literatura dedicada
à questão das relações clientelistas, patrimonialistas, do favor e da tutela no
Brasil, que tais relações “são transversais à sociedade brasileira”.2 A sua
persistência no presente contribui para que o acesso a serviços públicos não seja
visto por uma parcela significativa da população brasileira como um direito, mas
como um favor ou ajuda.
Nesta mesma linha, discutindo a cidadania na sociedade brasileira
Roberto Da Matta (2000, p. 83) destaca a importância que aqui assume a ligação
com a pessoa ou instituição de prestígio. Sem isso o indivíduo ou o cidadão “é
tratado como inferior”. A obediência às leis na sociedade brasileira configura “uma
situação de pleno anonimato e grande inferioridade. Normalmente um sinal de
ausência de relações.” Assim, o lugar central ocupado pelas relações de favor,
amizade como forma de acesso a direitos contribui para dificultar o avanço de
políticas universais.
Conforme Da Matta (2000, p. 83), o predomínio dessas relações pode ser
explicitado, entre outras situações, no acesso a serviços públicos. “Antes de ir a
qualquer agência pública, a norma e a ‘sabedoria’ indicam sempre que se deve
primeiro descobrir as nossas relações naquela área. Uma vez que isso é
estabelecido, a atuação da agência muda radicalmente de figura.” O resultado
disso, segundo o autor,
2
Araújo (2001) faz uma análise com base em autores que, mesmo sob perspectivas diversas, têm
em comum o argumento de que as relações pessoais de favor e clientelistas “são transversais à
sociedade brasileira”, havendo inclusive aqueles que consideram tais relações “mecanismos
próprios do exercício da política." Alguns dos trabalhos examinados pela autora foram: Leal
(1975), Queiroz (1976), Chauí (1986), Martins (1999), Palmeira (1996), Da Matta (2000) e Bezerra
(1999).
18
[...] é que todas as instituições sociais brasileiras estão sujeitas a
dois tipos de pressão. Uma delas é a pressão universalista, que
vem das normas burocráticas e legais que definem a própria
existência da agência como serviço público. A outra determinada
pelas redes de relações pessoais a que todos estão submetidos e
aos recursos sociais que essas redes mobilizam e distribuem. [...].
No fundo vivemos em uma sociedade onde existe uma espécie de
combate entre o mundo público das leis universais e do mercado;
e o universo privado da família, dos compadres, parentes e
amigos (DA MATTA, 2000, p. 83; 85).
Ao lado dessa cultura política do favor, da tutela e do clientelismo, integra
a história da assistência social, a sua trajetória como não-política, espaço de
práticas
voluntaristas,
espontaneístas,
dependentes
da
solidariedade
da
sociedade civil ou simplesmente puro assistencialismo destinado aos destituídos.
Enquanto ação do Estado, ela se configurou, até os anos 80 do século XX, como
uma ação paliativa, pontual, fragmentada, secundária, marginal. Uma política
marcada por ações pobres e precárias, destinadas aos mais pobres. Estas
características acabam conferindo um modo de conceber a assistência social no
Brasil como ajuda, assistencialismo ou benesse.
A partir da Constituição Federal de 1988 e da LOAS, a assistência tornouse uma política de responsabilidade do Estado e direito do cidadão. Ao mesmo
tempo, assim como em outras áreas de política pública, de acordo com as
definições legais, a sua gestão passou a ser efetivada por um sistema
descentralizado e participativo, cabendo aos municípios uma parcela significativa
de responsabilidade na sua formulação e execução. Mas, as conquistas legais,
por si só, não efetivam direitos, sobretudo no âmbito das políticas sociais de um
modo geral e, na área da assistência social de modo particular, na qual, ao lado
dos avanços constitucionais se mantém uma herança de negação de direitos.
Conforme Yazbek (1998, p. 53),
[...] o reconhecimento do direito não vem se constituindo como
atributo efetivo das políticas sociais e da seguridade social no
país. No vasto campo de atendimento às necessidades das
classes subalternas administram-se favores. Décadas de
populismo e clientelismo consolidaram uma ‘cultura’ tuteladora
que não tem favorecido o protagonismo dos subalternizados ou
sua emancipação.
19
Mesmo assim, as conquistas legais abrem a possibilidade para a
assistência social deixar de ser um espaço no qual “administram-se favores”,
conquistar o estatuto do direito e se constituir como lugar de práticas
emancipadoras. A LOAS retira a assistência social do campo do assistencialismo
para colocá-la no campo da seguridade social e “aponta a centralidade do Estado
na universalização e garantia de direitos e de acesso a
serviços sociais
qualificados.” (YAZBEK, 1998, p. 56). Ao mesmo tempo propõe uma gestão
orientada por princípios da descentralização e da participação popular.
Decorridos mais de 11 anos da aprovação da LOAS, a assistência social
ainda não se consolidou como uma política pública. Contribui para isso, tanto a
resistência de governos e diferentes setores da sociedade às suas proposições,
como o contexto em que tem se dado a sua implementação no Brasil, marcado
pela efetivação das políticas de ajuste neoliberal. Frente à lógica neoliberal que
tem presidido a política econômica e a política social no país, sobressaem as
ações pulverizadas, descontínuas, assistemáticas e focalizadas nos mais pobres
e miseráveis, ao lado da transferência de responsabilidade do Estado para a
sociedade.
Um exemplo dessa “desresponsabilização” do Estado para com a
assistência social, na perspectiva do direito, foi a criação e funcionamento do
Programa Comunidade Solidária nos dois governos do Fernando Henrique
Cardoso (1995-1999/1999-2003). Este programa, além de ser uma ação paralela
e de expressar a opção do governo com a não efetivação da assistência social
como política de seguridade social, reforçou um dos traços mais conservadores e
atrasados desta área, que é o primeiro-damismo. Ana Elizabete Mota (2004, p. 4)
sintetiza o que tem sido a política de assistência social no Brasil, no contexto do
ajuste neoliberal:
A política de combate à pobreza aparece como política
substitutiva do tratamento da questão social em termos
distributivos. Novos mecanismos de consenso são estimulados,
tais como, a descentralização, as parcerias e a participação
indiferenciada das classes. Junta-se a focalização e a
responsabilização individual. Emergem parâmetros morais
subordinados aos limites dos gastos sociais públicos. A questão
social é despolitizada; as tensões sociais provocadas pelo não
atendimento das demandas sociais coletivas passam a ser
minimizadas através do atendimento a alguns grupos sociais
pauperizados.
20
O presente estudo tenta contribuir com o debate acerca da assistência
social no Brasil, privilegiando a análise de aspectos relacionados à garantia de
direitos e à questão da cultura política na conformação desta política pública no
nível municipal. Neste sentido teve como objetivo analisar as mudanças ocorridas
na política de assistência social em Natal a partir da implantação da LOAS (1995),
no âmbito da concepção e conteúdo desta política, da democratização da gestão,
da garantia de direitos e da primazia da responsabilidade do Estado na sua
condução. Ao mesmo tempo buscou verificar, no desenvolvimento das ações de
assistência social, a reprodução ou não das práticas baseadas na troca de
favores, no clientelismo, enquanto elementos de uma cultura política negadora
dos direitos sociais e da cidadania proposta pela LOAS.
O período analisado foi 1995-2004, por abranger desde a origem até o
momento atual do processo de implementação da assistência social em Natal
com base na LOAS. A aproximação com o universo de estudo foi realizada
inicialmente através de discussões informais com conselheiros e técnicos da
Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social – SEMTAS e da pesquisa
documental, a qual envolveu o estudo e análise da legislação federal, estadual e
municipal relativa à política de assistência social; dos relatórios de todas as
conferências municipais; de todas as atas das reuniões do Conselho Municipal de
Assistência Social – CMAS realizadas de outubro de 1995 a maio 2004; e um
conjunto de documentos relacionados à gestão da política tais como: os planos
municipais, os relatórios de gestão, relatórios da execução orçamentária, de
planejamento, de consultorias e relatórios anuais de atividades da SEMTAS e da
Associação de Atividades de Valorização Social – ATIVA.
Ao lado dessa aproximação com o universo pesquisado através da
pesquisa documental, realizada de março a junho de 2003,
foi realizado o
trabalho de coleta de dados primários através de entrevistas com alguns dos
sujeitos principais da política municipal de assistência social. Para tanto foi
utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada.
Estas, foram realizadas no período de maio a dezembro de 2004, gravadas e
transcritas, sendo que a maioria ocorreu entre os meses de maio a setembro do
referido ano. Apenas duas entrevistas, as que foram realizadas com gestores,
aconteceram em dezembro, quatro meses após a sua solicitação oficial.
21
Ao todo, foram realizadas 49 entrevistas, envolvendo usuários, gestores,
técnicos diretamente responsáveis pela execução dos serviços, coordenadores de
programas ou serviços, e conselheiros da sociedade civil no CMAS. Do total de
entrevistados, os usuários representaram 61% (30 entrevistados). Os usuários,
técnicos e coordenadores foram pessoas integrantes de três ações de assistência
social no município: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, o
Programa de Atenção ao Idoso na modalidade “Conviver” e o Plantão Social, que
é uma ação sob a responsabilidade do Departamento de Assistência Social - DAS
da SEMTAS.
A definição por estas ações foi realizada a partir dos seguintes critérios:
a. ações com continuidade e que tivessem pelo menos três anos de
duração;
b. ações que envolvessem recursos do governo federal (repasses do
fundo nacional para o fundo municipal de assistência social) e do
tesouro municipal;
c. pelo menos uma das ações pesquisadas deveria ser executada pela
ATIVA, uma ONG integrante da rede de assistência social do
município, mas com um papel peculiar na trajetória da assistência
social em Natal;
d. ações que envolvessem uma população representativa dos usuários
da assistência social.
O processo investigativo teve como ponto de partida o conjunto de
questões a seguir que se constituíram em um guia no esforço analítico
empreendido:
a. que mudanças podem ser observadas na política de assistência social
em Natal a partir da implantação da LOAS (1995): na garantia de
direitos e na concepção e conteúdo desta política?
b. como se efetiva, no cotidiano desta política, as diretrizes estabelecidas
pela
LOAS
para
a
sua
organização
e
que
contempla
a
descentralização político administrativa, a participação da população
na sua formulação e no controle das ações e a primazia da
responsabilidade do Estado na sua condução?
22
c. a implementação da LOAS consegue impedir a reprodução da cultura
do favor, da benemerência, do clientelismo que marcou a trajetória da
assistência social e contribuir na afirmação e consolidação de uma
cultura de direitos?
Frente a estas questões, a análise foi desenvolvida a partir de três
hipóteses. A primeira de que as conquistas recentes no campo da relação Estado
x Sociedade têm obrigado o poder público municipal a cumprir, em nível legal, os
princípios e as diretrizes da LOAS, assim como as determinações quanto aos
instrumentos legais e institucionais para uma gestão descentralizada e
participativa da política de assistência social.
A segunda, de que a LOAS, enquanto instrumento legal norteador da
política de assistência social, possui princípios, diretrizes e objetivos que, se
efetivados, podem contribuir na construção de uma cultura política de direitos e da
cidadania; e, portanto, reduzir ou impedir a reprodução da cultura do favor, da
caridade, da benemerência e das ações precárias e emergenciais, que sempre
marcaram esta política.
A terceira, de que a assistência social em Natal tem sido formulada
legalmente como direito e incorporado nesta formulação os princípios e diretrizes
da LOAS. Contudo, em sua operacionalização, o direito é substituído pelas
práticas do favor, do paternalismo, do assistencialismo e da ajuda. E, quando se
efetiva, é um direito de segunda classe, pela seletividade, focalização e baixa
qualidade que caracteriza os serviços oferecidos, pelo baixo grau de
responsabilidade do município com esta política, o qual se configura muito mais
como um mero executor de programas federais.
O resultado dessa trajetória constitui a presente tese e é apresentado em
cinco capítulos. Os dois primeiros apreendem as categorias centrais do objeto de
estudo: política social, assistência social, cultura política e direitos. No capítulo um
é privilegiada a discussão da assistência social e da questão da cultura política.
Compreendendo a assistência social como política social pública, direito do
cidadão e dever do Estado, ela é situada historicamente no contexto da
implementação
das
políticas
sociais
públicas
no
Brasil
e
dos
traços
conservadores e autoritários da formação social, política, econômica e cultural
brasileira. A noção de cultura política é compreendida enquanto os traços
23
conservadores e autoritários da formação brasileira que historicamente se
reproduziram nas práticas da assistência social.
O capítulo dois faz a discussão da questão dos direitos, procurando
apreender essa categoria historicamente, o seu debate atual, o significado da luta
por direitos na sociedade capitalista hoje e a contribuição da política de
assistência social na construção de uma cultura de direitos no país.
O terceiro capítulo analisa assistência social anterior a LOAS em NatalRN. Para tanto, faz uma caracterização da cidade, sua história, sua formação
sócio-econômica, as primeiras ações de enfrentamento à pobreza e como se
apresenta a desigualdade social na realidade local. Procura-se neste capítulo
resgatar, inicialmente, alguns traços da formação social, econômica e política de
Natal que oferecem elementos para compreender o modo como o poder público
tem enfrentado o problema da pobreza na cidade e como se conforma
historicamente a assistência social.
Em seguida faz-se uma análise da assistência social no contexto das
administrações municipais, no período imediatamente anterior à implementação
da LOAS (1975-1995), identificando aí as forças políticas que governaram Natal
nesse período, os instrumentos utilizados por elas para a conquista e
permanência no poder, como obtêm o consenso e apoio de setores das classes
subalternas para os seus projetos e as políticas de enfrentamento à pobreza
desenvolvidas. No período analisado neste capítulo teve início em Natal um
determinado modo de fazer política e um padrão de relação entre governantes e
classes subalternas, que permanece até o presente.
O capítulo quatro apresenta o processo de institucionalização da
assistência social em Natal com base na LOAS, procurando reconstituir a história
recente desta política pública na cidade. O ponto de partida é uma discussão
sobre a noção de descentralização e sua configuração no processo de
implementação das políticas sociais públicas no Brasil. Em seguida analisa a
assistência social no contexto das administrações municipais do período (19952004) e das ações prioritárias de combate à pobreza. Ao mesmo tempo, é feita
uma caracterização da política de assistência social no município, buscando
identificar aquilo que constitui garantia de direitos e a reprodução ou não dos
traços de uma cultura política conservadora, atrasada.
24
Ainda buscando analisar como vem se efetivando em Natal a assistência
social na perspectiva do direito, o capítulo cinco privilegia a análise de alguns
aspectos considerados fundamentais nessa questão: a concepção e o conteúdo
da política entre os sujeitos envolvidos; a garantia da participação popular e do
controle social; a primazia da responsabilidade do Estado na condução da
política; a percepção dos usuários sobre os serviços; a qualidade dos serviços; o
lugar da assistência social no atendimento às necessidades sociais dos usuários
e como vem se dando a organização e a gestão da política.
Sem a pretensão de concluir ou fazer generalizações, as considerações
finais retomam brevemente alguns elementos das reflexões desenvolvidas ao
longo do trabalho. A expectativa é de que o estudo possa contribuir no debate da
assistência social como política pública e direito social no Brasil, com o
aprofundamento sobre o seu papel na construção de uma cultura de direitos e
com o processo de formulação e implementação dessa política pública em Natal.
25
CAPÍTULO 1
POLÍTICA SOCIAL, ASSISTÊNCIA SOCIAL E CULTURA POLÍTICA
1.1 Políticas Sociais e Assistência Social
Na história da humanidade, a assistência aparece inicialmente como
prática de atenção aos pobres, aos doentes, aos miseráveis e aos necessitados,
exercida, sobretudo, por grupos religiosos ou filantrópicos. Ela é, antes de tudo,
um dever de ajuda aos incapazes e destituídos, o que supõe uma concepção de
pobreza enquanto algo normal e natural ou uma fatalidade da vida humana. Isto
contribuiu para que, historicamente e durante muito tempo, o direito à assistência
social fosse substituído por diferentes formas de dominação, marginalização e
subalternização da população mais pobre.
Assim, na sociedade capitalista, até o século XIX, a atenção aos que não
conseguiam resolver a sua sobrevivência no mercado era, em primeiro lugar, um
problema a ser superado pela família ou pela sociedade, por meio da caridade e
da solidariedade humana. No entanto, estas alternativas se mostraram incapazes
de resolver os problemas originados pela acumulação de capital. Como afirma
Ianni (1996, p. 99), “o pauperismo não se produz do nada, mas da pauperização.”
O processo de acumulação capitalista produz o trabalhador disponível
para o capital, uma população sempre maior do que as reais necessidades da
acumulação. O resultado é a produção de uma classe trabalhadora diversificada
na sua forma de inserção na produção, mas que tem em comum o fato de sua
sobrevivência depender da venda da sua força de trabalho; o que, por sua vez,
depende das demandas do capital. O resultado é a produção da pobreza,
originada nos baixos salários dos que se encontram incluídos no mercado de
26
trabalho formal e as mais diferentes situações de inclusão precarizada ou
subordinada para a grande parcela de excluídos que não consegue existir para o
capital.
Segundo Martins (1997, p. 32) a exclusão e a inclusão é parte
estruturante da lógica da sociedade capitalista, a qual, “desenraíza, exclui, para
incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria
lógica”. Trata-se de uma inclusão marginal e precária do ponto de vista
econômico e de uma exclusão moral, política e social permanente e de difícil
superação, dando origem a duas sociedades: uma incluída, constituída por ricos e
pobres, mas, onde todos têm o que vender e o que comprar, direitos
reconhecidos, etc e, uma outra sociedade que se caracteriza como uma “subhumanidade: uma humanidade incorporada através do trabalho precário, do
trambique, no pequeno comércio, no setor de serviços mal pagos ou, até mesmo,
excusos etc.” (MARTINS, 1997, p. 34-35).
As contradições da sociedade capitalista, explicitada na produção coletiva
de riquezas e na sua apropriação privada estão na base da questão social3 e do
surgimento das políticas sociais ou dos sistemas de proteção social no mundo
inteiro. Os liberais argumentam que as políticas sociais se destinam a corrigir os
efeitos malignos produzidos pelo crescimento capitalista. Tais políticas teriam
finalidade redistributiva e o objetivo de reduzir as desigualdades geradas na
esfera
da
produção.
Observa-se,
contudo,
que
enquanto
estratégia
governamental, elas são incapazes de promover uma real melhoria das condições
de vida da classe trabalhadora. O Estado atende apenas àquelas reivindicações
que são aceitáveis para o capital e para o grupo dominante. Ao mesmo tempo, o
seu surgimento acaba revelando as limitações das teses liberais em defesa do
livre jogo do mercado e de uma compreensão da pobreza como algo natural,
evidência da inferioridade do pobre e sobre a qual o Estado não deve interferir.
Nos países do capitalismo avançado, as primeiras medidas de política
social trouxeram, no seu interior, este reconhecimento das limitações do mercado
3
A questão social é aqui entendida como “conjunto de expressões das desigualdades sociais
engendradas na sociedade capitalista madura” a partir das mobilizações operárias do século XIX
(IAMAMOTO, 2001, p.16). As lutas desse período trouxeram para a cena política e econômica as
reivindicações da classe operária, a denúncia da miséria e do pauperismo produzidos pelo
capitalismo e exigiram a interferência do Estado no reconhecimento de direitos sociais e políticos
desta classe.
27
quanto ao atendimento das necessidades de reprodução da força de trabalho.
Assim, o “New Deal”, de Franklin Delano Roosevelt destinava-se a reorganizar a
vida econômica por meio da intervenção do Estado na economia, do controle do
mercado financeiro, do combate ao desemprego, do estímulo à elevação da
produção e da renda, da redução da jornada de trabalho e da produção para o
mercado interno, sem deixar de lado o mercado externo (VIEIRA, 1992, p.85-86).
Ao analisar o Estado de Bem Estar na França, Inglaterra e Alemanha, T.
H. Marshall conclui que, nascendo num contexto de austeridade (o pós-guerra),
as restrições ao mercado livre, mesmo não sendo boas em si mesmas, ofereciam
uma sociedade comprometida com a ‘participação justa’ e com a
distribuição de renda real que se podia justificar racionalmente e
não era resultado imprevisível das forças supostamente cegas de
um mercado competitivo no qual cada um tinha o direito de tomar
para si quanto pudesse. (MARSHALL, 1967, p. 200).
Nesta mesma linha, Vianna (2000, p. 11) ressalta que o Welfare State é
perpassado por uma simbologia: “a sociedade se solidariza com o indivíduo
quando o mercado o coloca em dificuldades”. A miséria passou a não ser mais
um problema individual, mas “uma responsabilidade social, pública”. A proteção
social tornou-se direito de todos os cidadãos porque “a coletividade decidiu pela
incompatibilidade entre destituição e desenvolvimento.”
Contudo, não é somente a degradação das condições de vida do
proletariado e as suas reivindicações que determinam o surgimento das políticas
sociais. Historicamente, os direitos sociais e as medidas jurídicas que consagram
as políticas sociais vinculam-se também as alternativas encontradas pelo capital
frente à crise de acumulação enfrentada no final dos anos 20 do século passado.
O que se configurou como “Welfare State” foi também uma forma de alargar as
funções econômicas e sociais do Estado. Conforme Francisco de Oliveira (1998a,
p.19), o “Welfare State”
Constituiu-se no padrão de financiamento público da economia
capitalista. Este pode ser sintetizado na sistematização de uma
esfera pública onde a partir de regras universais e pactadas o
fundo público em suas diversas formas, passou a ser o
pressuposto do financiamento da acumulação de capital de um
lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de
28
trabalho, atingindo globalmente a população por meio de gastos
sociais.
A análise das políticas sociais, nesta perspectiva, revela que não se trata
de atender apenas às reivindicações dos trabalhadores. Com o “Welfare State”, o
Estado passa também a financiar a acumulação de capital através de inúmeros
mecanismos: subsídios à produção, criação de setores estatais produtivos,
financiamento dos excedentes agrícolas, da pesquisa e tecnologia, etc. Segundo
Oliveira (1998a, p. 20), os gastos com o financiamento do capital são muito
maiores do que com a reprodução da força de trabalho.
Para o autor, o Estado de Bem Estar não deixou de ser um Estado
classista, mas também não se configura como o Estado enquanto comitê
executivo da burguesia pensado por Marx. Nesse sentido, Oliveira (1998a, p. 39)
concebe o Estado de Bem Estar como um espaço de lutas de classes no qual
ocorre a construção de uma esfera pública caracterizada pela “construção e o
reconhecimento da alteridade do outro, do terreno indevassável de seus direitos,
a partir dos quais se estruturam as relações sociais.” A esfera pública, portanto,
constitui uma negação dos automatismos do mercado e da concentração e
exclusão que ele produz.
A partir dos anos 70 do século XX, a alternativa do Estado de Bem Estar
entrou em crise e houve o retorno às teses liberais em defesa da liberdade do
mercado e da redução do papel do Estado na economia e no social. Para Oliveira
(1998a, p. 46-48), o discurso da crise do Estado de Bem Estar Social associa-se
mais à produção de bens sociais públicos e menos à presença dos fundos
públicos na estruturação da reprodução do capital. Neste sentido,
[...] o que é tentado é a manutenção do fundo público como
pressuposto apenas para o capital: não se trata, como o discurso
da direita pretende difundir, de reduzir o Estado em todas as
arenas, mas apenas naquelas onde a institucionalização da
alteridade se opõe a uma progressão do tipo ‘mal infinito’ do
capital. (OLIVEIRA, 1998a, p. 44, grifo do autor).
No contexto das políticas sociais, a assistência social nos países do
mundo desenvolvido tem integrado sistemas de proteção social que, apesar das
diferenças em termos de modelos ou grau de proteção social e da sua
29
configuração quanto à população usuária, asseguram aos cidadãos destes
países, formas de acesso, de financiamento etc, que têm em comum o fato de se
constituírem enquanto direito e contribuírem para a redução da pobreza nestas
realidades.
Na realidade brasileira nunca se teve um Estado de Bem Estar. Até 1930,
a pobreza foi considerada disfunção social ou problema de polícia. A assistência
social só ganhou estatuto de política social no final da década de 1980. Antes
disso, quando o Estado brasileiro resolveu enfrentar institucionalmente os
problemas decorrentes da questão social, o fez com a criação das primeiras leis
destinadas a regular o mercado de trabalho, como a legislação sobre acidentes
de trabalho (1919), o Código de Menores (1926), as Caixas de Aposentadorias e
Pensões dos Ferroviários, através da Lei Eloy Chaves de 1923. A assistência
social só foi objeto de uma ação institucional em 1942, com a criação da Legião
Brasileira de Assistência – LBA, cujo objetivo inicial foi prestar assistência às
famílias dos soldados brasileiros que lutavam na Segunda Guerra Mundial. Esta
origem configura o que Francisco de Oliveira (1998b, p. 14) denomina de
“filantropia estatal”.
Assim, até a Constituição de 1988, a assistência social enquanto área de
ação governamental foi marcada por seu caráter de ajuda aos necessitados, para
que
subsistissem
na
miséria,
complementaridade
e
excepcionalidade
desenvolvidas através de programas pontuais, desarticulados ou, simplesmente,
puro assistencialismo paternalista destinado aos destituídos. Além disso, outra
característica que marca esta política são as práticas clientelistas, nas quais o
acesso dos usuários aos bens, recursos e serviços assistenciais se realiza
através de relações pessoais entre estes e representantes do poder público, a
quem passam a dever favores freqüentemente pagos através da fidelidade e
lealdade política, sobretudo em momentos eleitorais.
No entanto, a existência deste tipo de relação social e política não é um
privilégio da assistência social. É algo que conforma a cultura política brasileira,
se faz presente na política social como um todo e é inerente à história política,
econômica e social do país. Todavia, “o campo da assistência social, pelos
particularismos em que se assenta, traz a personalização de práticas, seja de
mandonismo de um chefe intermediário, seja de orientação clientelar da
30
autoridade maior que o dirige.” Com isso, “a possível política de proteção social
vai se exprimir em manifestações de protecionismo.” (SPOSATI, 1989, p. 21).
Este tipo de relação social no âmbito da assistência social conforma uma
certa cultura política do atraso, para usar a expressão de José de Souza Martins
(1999), no sentido de que traços conservadores da formação social brasileira e da
política de assistência social se manifestam no presente, seja de forma sutil,
escondido ou transparente, com uma roupagem contemporânea. Martins (1999, p.
14) chama atenção para a importância da leitura de fatos e acontecimentos
“orientada pela necessidade de distinguir no contemporâneo a presença viva e
ativa de estruturas fundamentais do passado.”
Mas, ao tratar de cultura política no campo da assistência social, a opção
aqui não é fazer a discussão desta questão, tendo como referência a abordagem
da sociologia americana sobre o conceito de cultura política, ou a linha de estudos
que, criticando o trabalho inaugural de Almond e Verba4, incorporam elementos
de outras proposições, como a escolha racional, a ação comunicativa de
Habermas, a fenomenologia, o behaviorismo, ou concepções neocontratualistas
(Rawls), pós-estruturalistas5 e pós-materialistas.
Ao falar de cultura política no campo da assistência social, considera-se,
por um lado, os traços conservadores e autoritários da formação social, cultural e
econômica brasileira que historicamente se reproduziram nas práticas da
assistência social e, por outro lado a possibilidade de se forjar uma cultura de
direitos no campo da assistência social a partir da conquista da LOAS e das lutas
pela implementação da assistência social como política de seguridade social.
No que se refere aos traços conservadores e autoritários da formação
brasileira, considera-se que eles integram o conjunto da formação social mesmo.
Além disso, concorda-se com Mota (1994, p. 287) quando este afirma que não
existe uma cultura brasileira “no plano ontológico, mas sim na esfera das
4
Trata-se do trabalho de Grabriel Almond e Sidney Verba “The Civic Culture: polical, attitudes
and democracy in five nations” publicado em 1963. Interessante exame da literatura relacionada
ao conceito de cultura política é feito pelos seguintes autores: Rennó (1998), Baquero (1999,
2000, 2001); Schmidt (2001); Krischke (1997), Andrade (1995) Castro (2002).
5
Conforme Krischke (1997, p.111), na trilha dos estudos na linha pós-materialista tem surgido na
América Latina uma nova linha de estudos culturais pós-estruturalistas. Esta enfatiza “o direito à
diferença e a questão da desigualdade como base para uma expansão da esfera pública além das
fronteiras do Estado”. O trabalho citado pelo autor dentro desta perspectiva teórica é ALVAREZ,
Sônia E., DAGNINO, Evelina e ESCOBAR, Arturo (Org). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos: novas leituras. Minas Gerais: Editora da UFMG. 2000.
31
formações ideológicas de segmentos altamente elitizados da população, tendo
atuado, ideologicamente como um fator dissolvente das contradições reais.” Para
este autor “Cultura Brasileira”, “Consciência Nacional”, “Caráter Nacional” são
muito mais noções ideológicas do que conceitos analíticos. Também para Ianni
(1992, p. 145)
[...] apenas na aparência a cultura vigente na sociedade brasileira
é ‘uma’ cultura. O que parece ser uma ‘cultura brasileira’ é um
complexo de modos de viver e trabalhar, sentir e agir, pensar e
falar que não se organizam em algo único, homogêneo, integrado,
transparente.
Assim, observa-se que no âmbito da assistência social há um campo de
disputa no qual, sob nova roupagem e com ares de modernidade são mantidas
práticas conservadoras como o clientelismo, o assistencialismo, o paternalismo,
assim como a caridade e a benemerência praticadas com dinheiro público por
executivos municipais ou por fundações e associações diversas, que se dizem
prestadoras de serviços assistenciais. Na maioria das vezes, estas entidades têm
à frente prefeitos, vereadores, deputados ou pessoas do grupo familiar e/ou
político.
Por outro lado, e no mesmo campo de disputa, dá-se a construção da
assistência social como política pública, direito do cidadão/ã e dever do Estado.
No debate que hoje se faz em torno desta política no Brasil, sobretudo no Serviço
Social, um dos aspectos fundamentais é a sua afirmação como política social
pública orientada por padrões de universalidade e justiça, capazes de devolver a
dignidade, a autonomia, a liberdade àqueles que se encontram em situações de
exclusão, abrir possibilidades para que estas pessoas estejam em condições de
existir enquanto cidadãs(os) e para a incorporação de uma cultura de direitos.
1.2 As noções de cultura e hegemonia na apreensão da “cultura do atraso”
A cultura é algo criado no contexto das relações sociais de uma dada
sociedade, revela “as diversidades e os antagonismos que se expressam nas
práticas dos grupos sociais” (IANNI, 1992, p. 147). Mas ela, por si só, não é
32
suficiente para apreender as questões que envolvem a combinação entre o
moderno e o tradicional, o avançado e o atrasado, o autoritário e o democráticopopular na vida brasileira e na política de assistência social especificamente; são
mais que uma cultura e relacionam-se ao problema da constituição da hegemonia
das classes dominantes e da contra-hegemonia dos dominados. Conforme Ianni
(1992, p.155) “a cultura é uma dimensão fundamental da hegemonia que pode ser
construída por uma classe, composição de forças sociais, bloco de poder, Estado.
Toda configuração hegemônica é necessariamente cultural.”
Conforme Williams (1979) e Chauí (1989; 1993b), na sua origem e até o
século XVIII, o termo cultura significou “o crescimento e o cuidado das colheitas e
animais e, por extensão das faculdades humanas” (WILLIAMS, 1979, p. 18). Para
Chauí (1989, p. 50), neste significado inicial do termo reside a idéia de “uma ação
que conduz à plena realização das potencialidades de alguma coisa ou de
alguém; é fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios.”
A partir do século XVIII, o termo se articula ao de civilização, que indica
“estado realizado que se podia contrastar com a ‘barbárie’, mas também um
estado realizado de desenvolvimento, que implicava processo histórico e
progresso” (WILLIAMS, 1979, p. 19). Conforme Chauí (1989, p. 50), nessa
articulação com civilização, cultura passou a significar “o padrão ou critério que
mede o grau de civilização de uma sociedade.”
A idéia de progresso é aí incorporada de modo que a cultura de uma
sociedade passa a ser avaliada pelo progresso que traz a uma civilização.
Contudo, essa relação com civilização, conforme Williams (1979, p. 20), não foi
tranqüila. É uma relação que ora articula os dois conceitos de forma positiva, ora
torna-se uma relação de oposição. O autor mostra que a partir de Rousseau e do
movimento romântico houve um sentido alternativo de cultura como “processo de
desenvolvimento ‘íntimo’, associando-a com religião, arte, família e vida pessoal,
em oposição a civilização e sociedade.”
Conforme Chauí (1989, p. 51), desde o século XIX, com o surgimento da
antropologia, até as duas primeiras décadas do século XX vai predominar uma
abordagem da cultura na qual esta possui uma relação profunda com a idéia de
progresso e evolução. E nesta abordagem, o padrão utilizado pelos antropólogos
para medir a cultura de uma dada sociedade, foi a Europa capitalista, considerado
como “o fim necessário ao desenvolvimento de toda a cultura ou de toda
33
civilização.” Apenas na segunda metade do século XX, é que antropólogos
europeus, “irão desmontar essa visão finalizada e evolutiva de cultura.”
A partir da antropologia social e da antropologia política, cada cultura é
tomada em sua individualidade própria. Com isso, conforme Chauí (1989, p. 51),
a cultura “passa a ser entendida como produção e criação da linguagem, da
religião, dos instrumentos de trabalho, formas de lazer, da música, da dança, dos
sistemas de relações sociais [...] e as relações de poder.” No entanto, essa noção
de cultura encontra problemas para se realizar em sociedades de classes,
marcadas pelo isolamento, atomização, divisão de classes. Isto origina a divisão
da própria cultura entre dominante e dominada, de elite e popular etc.
Ainda conforme Chauí (1989, p. 51), a partir do conceito de ideologia, o
lugar da cultura dominante é “aquele a partir do qual o exercício da dominação
política e da exploração econômica se realiza” e a cultura popular “é aquilo que é
possível ser elaborado pelas classes populares e, em particular, pela classe
trabalhadora segundo o que se faz no pólo da dominação.” Mas, para a autora a
noção de cultura popular não é tranqüila. O termo tem recebido três tratamentos:
uma visão romântica de cultura popular, que afirma ser o povo bom e verdadeiro;
uma visão iluminista que considera como cultura popular o lugar do resíduo, da
tradição, do folclore, da ignorância que precisa ser corrigida pela educação; uma
visão populista que articula elementos das duas primeiras e considera que a
cultura do povo, por ser feita por ele é boa e verdadeira, mas tal cultura é
atrasada e “precisa de um processo pedagógico para se atualizar.”
Para Chauí, o conceito que permite apreender a cultura e resolver o
problema da ambigüidade que reside na noção de cultura popular é o de
hegemonia, porque inclui e ultrapassa os conceitos de cultura e de ideologia.
Inclui o conceito de cultura à medida que esta é tomada como “processo social
global que constitui a ‘visão de mundo’ de uma sociedade e de uma época”, mas,
o ultrapassa, porque “indaga sobre as relações de poder e alcança a origem do
fenômeno da obediência e da subordinação.” Inclui o conceito de ideologia ao
tomá-lo como “sistema de representações, normas e valores da classe dominante
que ocultam sua particularidade numa universalidade abstrata.” Mas, o
ultrapassa, porque “envolve todo o processo social vivo, percebendo-o como
práxis, isto é, as representações, as normas e os valores são práticas sociais e se
34
organizam como e através de práticas sociais dominantes e determinadas.”
(CHAUÍ, 1993a, p. 21).
Também para Williams (1979, p. 113), hegemonia é um conceito
importante na compreensão do trabalho e da atividade culturais. O autor observa
duas vantagens no conceito de hegemonia, para a compreensão da cultura. A
primeira vantagem é que “suas formas de domínio e subordinação correspondem
muito mais de perto aos processos normais de organização social e controle nas
sociedades desenvolvidas.” A segunda vantagem é que “há toda uma maneira de
ser a atividade cultural, tanto como tradição quanto como prática.” As tradições e
as práticas culturais são mais que expressões superestruturais da estrutura social
e econômica. Elas “estão entre os processos básicos da própria formação e,
mais, relacionados com uma área muito mais ampla da realidade do que as
abstrações da experiência social e econômica” (WILLIAMS, 1979, p. 116).
Com base em Gramsci, Chauí ressalta que a hegemonia é “um complexo
de experiências, relações e atividades cujos limites estão fixados e interiorizados,
mas que por ser mais que ideologia, tem a capacidade de controlar e produzir
mudanças sociais.” A hegemonia, se compreendida como cultura numa sociedade
de classes,
[...] não é apenas um conjunto de representações, nem
doutrinação e manipulação. É um corpo de práticas e de
expectativas sobre o todo social existente e sobre o todo da
existência: constitui e é constituída pela sociedade sob a forma da
subordinação interiorizada e imperceptível (CHAUÍ, 1993a, p.22).
O conceito de hegemonia aparece em Gramsci ao longo de toda a sua
obra6. Luciano Gruppi (1978) afirma que ele é o fio condutor das análises
gramscianas. Na obra “A questão meridional” aparece uma das suas primeiras
formulações desse conceito, quando ele afirma: “o proletariado pode se tornar
classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de
alianças que lhe permita mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a
maioria da população trabalhadora” (GRAMSCI, 1987, p. 139).
6
Importante lembrar que, conforme Gruppi (1978), Portelli (1977), Coutinho (1992), Gramsci
recupera de Lenin o conceito de hegemonia. “A hegemonia é o ponto de confluência entre
Gramsci e Lênin” (GRUPPI, 1978, p. 1).
35
Nos Cadernos do Cárcere (GRAMSCI, 2001, v.1, p. 84), um dos
momentos em que Gramsci refere-se a questão da hegemonia é ao tratar do
“estudo da filosofia e da história da cultura.” Após afirmar que todos os homens
são filósofos, ele observa que em todo homem existe uma consciência imposta
pelo ambiente em que ele vive.” A consciência neste caso é resultado de um
processo social. Diante de uma concepção de mundo imposta pelo ambiente
exterior coloca-se o desafio de “elaborar a própria concepção do mundo de uma
maneira consciente e crítica [...], escolher a própria esfera de atividade, participar
ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo.”
Observa-se, com base nas anotações de Gramsci (2001, v.1, p. 97-103),
que ele relaciona hegemonia à concepção de mundo; sobretudo, porque, para
ele, filosofia e política não se separam: “a escolha e a crítica de uma concepção
de mundo são, também elas, fatos políticos.” Concebendo o marxismo como
filosofia da práxis e como uma concepção que orienta a práxis no sentido da
transformação revolucionária, argumenta que a filosofia da práxis “não busca
manter os ‘simples’ na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao
contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior.”
Essa concepção de vida superior, que supõe a compreensão crítica de si
mesmo e do mundo “é obtida através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de
direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política,
atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real.”
(GRAMSCI, 2001, v.1, p. 103). Em seguida argumenta:
É por isso que se deve chamar atenção para o fato de que o
desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa,
para além do progresso político-prático um grande progresso
filosófico. Já que implica e supõe necessariamente uma unidade
intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que
superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de
limites ainda restritos (GRAMSCI, 2001, v.1, p. 104).
Ao tratar do Risorgimento Italiano, Gramsci apresenta uma das definições
mais precisas do que seja hegemonia. O Risorgimento é considerado por ele um
exemplo de revolução passiva, a qual caracteriza-se pela exclusão dos sujeitos
históricos do processo revolucionário. No caso da Itália esta modalidade de
36
revolução resultou numa ditadura sem hegemonia.7 Sobre a questão da
hegemonia, afirma o autor:
[...] a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos,
como ‘domínio’ e como e como ‘direção intelectual e moral’. Um
grupo social domina os grupos adversários que visa a ‘liquidar’ ou
a submeter inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins
e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já
antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das
condições principais para a própria conquista do poder), depois,
quando exerce o poder e mesmo se o mantém fortemente nas
mãos torna-se dominante mas deve continuar a ser também
‘dirigente’ (GRAMSCI, 2001, v. 5, p. 62-63).
Com base nestas argumentações de Gramsci, Gruppi (1978, p. 72-73)
mostra que o marxismo é para ele a única concepção de mundo que sabe orientar
o proletariado no sentido de assumir uma função dirigente, “[...] e, portanto, de
construir não só novas relações políticas e estatais mas também uma nova
cultura; no sentido de uma reforma intelectual e moral.” Traduzir-se numa reforma
intelectual e moral é para Gruppi o significado mais profundo da noção
gramsciana de hegemonia, a qual, não é apenas política, mas é também “um fato
cultural, moral, de concepção de mundo.”
Comentando as análises de Gramsci acerca da “Questão Meridional” o
mesmo autor ressalta-a como “capacidade de entender os problemas reais
historicamente especificados e de não ser mero expectador das leis gerais do
capitalismo.” Em seguida define hegemonia da seguinte forma:
[...] determinar os traços específicos de uma condição histórica, de
um processo, tornar-se protagonista de reivindicações que são de
outros estratos sociais, da solução das mesmas, de modo a unir
em torno de si esses estratos, realizando com eles uma aliança na
luta contra o capitalismo e, desse modo, isolando o próprio
capitalismo (GRUPPI, 1978, p. 58-59).
Observa-se que a preocupação central de Gramsci e da maioria dos seus
comentadores reside não só em entender os problemas reais de determinado
país em um determinado contexto histórico; mas, sobretudo, construir a
hegemonia operária com a qual ele buscou contribuir na sua militância socialista.
7
Não se pretende aqui aprofundar a noção de “revolução passiva” em Gramsci. Uma análise
desta noção na realidade brasileira é feita em Coutinho (1992) e Vianna (2004).
37
Direção e domínio, conquista da maioria da população trabalhadora a partir da
persuasão e do consenso são elementos constitutivos da hegemonia e desafios
postos para a classe que deseja superar a subordinação imposta pela ordem
capitalista e pelas classes dominantes. A noção de hegemonia, contudo, permite
analisar não só a hegemonia das classes subalternas8, mas também a hegemonia
das classes dominantes e os instrumentos utilizados por estas no sentido de
reproduzir a subalternidade e a dominação da classe trabalhadora hoje.
Aceitando a afirmação de Williams de que hegemonia “[..] é no sentido
mais forte uma cultura, mas uma cultura que tem também de ser considerada
como o domínio e subordinação vividos de determinadas classes” (WILLIAMS,
1979, p. 113), considera-se que os elementos conservadores da formação social
do Brasil que constituem o que pode ser chamado de “cultura do atraso”, têm
servido como instrumentos utilizados pelas classes dominantes para reprodução
das formas de dominação e de controle das classes subalternas e para a
manutenção da sua hegemonia. Por isso, observa-se que diante do problema da
negação de direitos, e da luta por direitos é preciso considerar a questão da
hegemonia
burguesa,
dos
instrumentos
que
utiliza
para
se
reproduzir
historicamente e como vem se construindo a contra-hegemonia.
1.3 A “cultura do atraso” e a formação social brasileira
A formação social brasileira é perpassada por relações que privilegiam o
favor, o clientelismo, o paternalismo e a privatização do público. Para Francisco
de Oliveira (1999, p. 58-59), a nossa formação, se reconstituída pela interpretação
de seus intelectuais como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de
Holanda, Machado de Assis, Celso Furtado e Florestan Fernandes,
8
A noção de “classes subalternas” é aqui tomada tal como formulada por Carmelita Yazbek (1993,
p. 67-70). Com base em Gramsci, a autora constrói um conceito com o qual procura dar conta
tanto dos incluídos, como dos excluídos do mercado formal de trabalho, o que permite contemplar
as diferenciações internas das classes subalternizadas. Uma análise que privilegia “a condição de
dominação, de exploração e de exclusão do usufruto da riqueza socialmente produzida (contidas
na noção de subalternidade).”
38
é um processo complexo de violência, proibição da fala, mais
modernamente, privatização do público, interpretado por alguns
com a categoria do patrimonialismo, revolução pelo alto e
incompatibilidade radical entre
dominação burguesa e
democracia; em resumo de anulação da política, do dissenso, do
desentendimento, na interpretação de Rancière (OLIVEIRA, 1999,
p. 59).
Em um outro momento, tratando da assistência social Oliveira (1998b)
vê como um grande desafio a superação dos traços da “cultura do atraso”, que,
historicamente, predominaram nesta área.
A constituição da assistência social como política pública percorre
um longo caminho no país ‘cordial’ de Sérgio Buarque de
Holanda, em que a sociabilidade do favor era – e ainda é – a
moeda de troca das relações sociais, principalmente entre
dominantes e dominados. A área da assistência social presta-se,
como poucas, a essa cordialidade. Desfazer isto que é quase uma
‘segunda natureza’ das relações de dominação no Brasil, para
transformá-la numa esfera pública não burguesa que ao mesmo
tempo se estrutura nos direitos e reforça-se com sua prática não é
uma tarefa para poucas décadas (OLIVEIRA, 1998b, p. 12-13).
Outra abordagem dessa questão é feita por Marilena Chauí (1999, p. 4244), a partir da análise das relações sociais e políticas que constituem a formação
social brasileira. A autora caracteriza a sociedade brasileira como autoritária e
violenta, identificando quatro características que justificam essa caracterização:
relações sociais hierárquicas; relações sociais e políticas fundadas em contatos
pessoais; profundas desigualdades sociais e econômicas, que reproduzem
carências e privilégios; uma sociedade em que a lei não é percebida como
expressão de uma vontade social.
Ao predominar relações sociais hierárquicas “os sujeitos sociais se
distribuem como superiores mandantes competentes e inferiores obedientes e
incompetentes” (CHAUÍ, 1999, p. 42). Neste tipo de relação não opera, segundo a
autora, nem o princípio da igualdade formal-jurídica e nem o da igualdade social
real,
Conservando a marca da sociedade colonial escravista, ou aquilo
que alguns estudiosos designam como cultura senhorial, a
sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do
espaço social que determina a forma de uma sociedade
fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela as
39
relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como
relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece
[...]. O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito
de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade nem como
alteridade. As relações entre os que se julgam iguais são de
‘parentesco’, isto é, de cumplicidade ou de compadrio; e entre os
que são vistos como desiguais o relacionamento assume a forma
do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação (CHAUÍ, 2001a,
p. 89).
O paradigma da relação sócio-política, nesta perspectiva, é o favor, a
clientela e a tutela. O que também já foi apontado por Sérgio Buarque de Holanda
(1995), em seu clássico Raízes do Brasil, no qual mostra que é muito presente na
formação brasileira o acesso a bens e serviços a partir de vínculos de amizade,
de camaradagem e de favor; e nunca por uma relação de direito, de autonomia no
aspecto institucional.
Segundo este autor, até mesmo as relações no campo da produção, do
comércio eram marcadas por esse caráter pessoal: “assim, raramente se tem
podido chegar à esfera dos negócios a uma racionalização; o freguês ou cliente
há de assumir de preferência a posição de amigo.” Para o autor, a dificuldade de
aplicação de normas de justiça e de prescrições legais que se encontram nos
países
hispânicos
e
inclusive
no
Brasil,
pode
ser
explicada
por
um
comportamento social no qual “o sistema de relações se edifica essencialmente
sobre laços diretos de pessoa a pessoa” (HOLANDA, 1995, p.134).
Tal relação é a que predomina, na gestão pública, nela, segundo Holanda
(1995, p. 146), a escolha dos que “irão exercer funções públicas faz-se de acordo
com a confiança pessoal que mereçam os candidatos e muito menos de acordo
com as suas capacidades próprias.” No Brasil, o funcionário burocrático só
excepcionalmente serve a interesses objetivos ou a “ordenação impessoal que
caracteriza a vida no Estado burocrático.”
Outra característica apontada por Chauí é a que polariza a sociedade
brasileira entre carência e privilégio, e tem origem, segundo a autora, não só na
concentração de renda mas também na forma contemporânea do capitalismo e
da política liberal. Ela opera “com o encolhimento do espaço público e o
alargamento do espaço privado, com o desemprego estrutural e a exclusão sóciopolítica.” A desigualdade na distribuição de renda “não é percebida como forma
40
dissimulada de apartheid social ou como socialmente inaceitável, mas é
considerada natural e normal” (CHAUÍ, 2001a, p. 93, grifos da autora).
Neste contexto, os direitos não se instituem e não há condições para a
efetivação da cidadania e da democracia. Com isso, a lei “opera como repressão
do lado dos carentes e como conservação de privilégios, do lado dos dominantes”
(CHAUÍ, 1999, p. 43). Por esse motivo, afirma a autora, “as leis são
necessariamente
abstratas
e
aparecem
como
inócuas,
inúteis
ou
incompreensíveis, feitas para ser transgredida e não para ser cumpridas nem,
muito menos, transformadas” (CHAUÍ, 2001a, p. 90).
Outra característica é a indistinção entre o público e o privado, que tem
sua origem na própria colonização, quando a Coroa doava, arrendava ou vendia
terras, deixando-as nas mãos de particulares “que dividiam a autoridade
administrativa com o estamento burocrático.” Marilena mostra que essa partilha
de poder torna-se, no Brasil
a forma mesma da realização da política e de organização do
aparelho do Estado em que os governantes e parlamentares
‘reinam’ [...], mantendo com os cidadãos relações pessoais de
favor, clientela e tutela, e praticam a corrupção sobre os fundos
públicos. Do ponto de vista dos direitos, há um encolhimento do
espaço público; do ponto de vista dos interesses econômicos, um
alargamento do espaço privado (CHAUÍ, 2001a, p. 90).
Em um estudo destinado a fazer um balanço da formação do Estado, da
sociedade e do direito no Brasil, no final do século XX, Dalmo de Abreu Dallari
(2000, p. 449) também ressalta que um dos mais graves vícios herdados do
período colonial “é a concepção de que os interesses privados são sempre
absolutamente predominantes”, justificando-se até o uso de “recursos públicos
para satisfação do interesse exclusivo de uma pessoa ou grupo da elite”
(DALLARI, 2000, p. 449).
Outra característica do autoritarismo da sociedade brasileira, relaciona-se
àquilo que Carlos Nelson Coutinho (1988, p. 42-43) observa como “via prussiana”.
Segundo este autor todos os processos de transformação ocorridos na história do
Brasil não resultaram de movimentos de baixo para cima, envolvendo o conjunto
da população “mas, se processaram sempre através de uma conciliação entre os
representantes dos grupos opositores economicamente dominantes, configuração
41
que se expressa sob a figura política de reformas ‘pelo alto’." Uma conciliação
pelo alto que não esconde jamais, segundo o autor, “a intenção explícita de
manter marginalizada ou reprimidas [...] as classes e camadas sociais ‘de baixo’.”
Nesta mesma linha é que Chauí (2001a, p. 91-92) identifica que somos
uma formação social que tem desenvolvido ações e imagens “com força suficiente
para bloquear o trabalho do conflito e contradições sociais, econômicas e
políticas.” Um exemplo disso são as ideologias do “caráter nacional” e “identidade
nacional” e o papel que tiveram no sentido de negar conflitos, diferenças e
construir a imagem de uma sociedade “indivisa, pacífica, ordeira.” Diante disso
todo conflito é visto como “perigo, crise, desordem e a eles se oferece como
resposta única à repressão policial e militar, para as camadas populares e o
desprezo condescendente para os opositores em geral”. Conforme a autora, no
Brasil a sociedade auto-organizada sempre aparece como perigosa para o Estado
e para o funcionamento racional do mercado.
Chauí (2001a, p. 92) ressalta ainda o fascínio que exerce em nossa
sociedade os signos de prestígio e de poder como se pode observar no uso de
títulos honoríficos “sem qualquer relação com a possível pertinência de sua
atribuição.” A autora cita como exemplos: o uso do título de “doutor”, a
manutenção de criadagem doméstica (sua quantidade indica prestígio, status), a
valorização dos diplomas e o desprezo pelo trabalho manual revelado no
“descaso pelo salário mínimo, nas trapaças no cumprimento de insignificantes
direitos trabalhistas existentes e na culpabilização dos desempregados pelo
desemprego.” E mais:
A existência dos sem terra, dos sem teto, dos milhões de
desempregados é atribuída à ignorância, à preguiça e à
incompetência dos miseráveis. A existência de crianças sem
infância é vista como tendência natural dos pobres à vadiagem, à
mendicância e à criminalidade. Os acidentes de trabalho são
imputados à incompetência e à ignorância dos trabalhadores. As
mulheres que trabalham fora se não forem professoras,
enfermeiras ou assistentes sociais, são consideradas prostitutas
em potencial e as prostitutas, degeneradas, perversas e
criminosas, embora, infelizmente, indispensáveis para conservar a
santidade da família (CHAUÍ, 2001a, p. 92).
42
Também para Dallari (2000, p. 475) há na sociedade brasileira um
autoritarismo em todas as relações sociais, observado, por exemplo, na
arrogância das elites brasileiras para com as camadas mais pobres, além da
indiferença com que sempre trataram as suas necessidades humanas e sociais.
Para as elites, a pobreza e as dificuldades dos outros sempre foram “sinais de
indolência ou incompetência.”
Nesta perspectiva, os direitos são estabelecidos “partindo do pressuposto
de que a proteção do patrimônio e a liberdade econômica são os valores
fundamentais da pessoa.” Ao mesmo tempo “dá-se caráter assistencial à criação
e ao uso de serviços públicos e à ocupação de cargos no setor público.” Estas
práticas, reproduzidas até hoje contribuem para que em muitas regiões do país
uma parcela considerável da população interprete o acesso a serviços públicos,
como o acesso à escola ou a serviços de saúde, como favor pessoal e ato de
caridade de chefes políticos locais (DALLARI, 2000, p. 450). E não só isso. Muitas
vezes, o acesso a bens e serviços públicos é feito através da troca destes
serviços por votos.
A este respeito destaca-se uma reportagem da Folha de São Paulo de 10
de julho de 2000 acerca da troca de votos por doações em São Paulo. Segundo o
jornal,
para cativar eleitores, vale doar de boi a cadeira de rodas, de
óculos a material de construção, de enxoval a remédio, passando
pela tradicional cesta básica. A rede assistencialista não pára por
aí: oferece advogado, emprego, patrocina campeonatos, banca
transporte gratuito, cede ambulâncias (IZIDORO; GOIS, 2000, p.
1).
Em Natal, Rio Grande do Norte, este fenômeno também é bastante
presente, e não é algo que ocorra apenas em períodos eleitorais. Um número
significativo de vereadores, normalmente pertencentes ao bloco de sustentação
do Executivo Municipal, criam fundações por meio das quais atuam em uma ou
mais região administrativa da Cidade. Tais fundações, sustentadas com recursos
públicos, efetuam todo tipo de ação assistencialista: consultas médicas,
odontológicas, concessão de cadeiras de rodas, óculos, ambulâncias, transporte
especial para eventos comunitários, treinamentos e cursos profissionalizantes;
ajuda para funerais, medicamentos etc.
43
Ao mesmo tempo, no campo das classes subalternas, há um número
considerável de associações de bairros e conselhos comunitários, orientados por
uma concepção de movimento popular, baseada na lógica da colaboração com o
Estado e com grupos dominantes locais, os quais reproduzem práticas
tradicionais e não-democráticas, no interior do movimento; e numa relação com o
Estado, baseada no favor, no clientelismo. Este tipo de prática, é bastante
fortalecida, à medida que ocupam o poder, governantes descomprometidos com a
democratização da gestão das políticas sociais públicas e que mantêm com estas
organizações, relações clientelistas e paternalistas.
Assim,
observa-se
que
aquilo
que
se
configura como práticas
conservadoras ou “cultura do atraso” no campo da assistência social, não é algo
do passado e nem exclusivo da assistência social. Com raízes na formação social
brasileira, são práticas que dominam a vida política do país ainda hoje. Contudo é
importante considerar que na atualidade elas têm um “revestimento moderno que
lhe dá uma fachada burocrático-racional-legal” nos termos de José de Souza
Martins (1999, p. 20).
Conforme o autor, a reprodução de vínculos clientelísticos entre políticos
e eleitores nos dias atuais, não acontece pelas velhas práticas patrimonialistas.
Como o patrimônio pessoal já não consegue fazer face ao tamanho da clientela e
o uso declarado do patrimônio público tornou-se mais difícil, o uso dos recursos
públicos se faz hoje pela via das entidades assistenciais e fundações filantrópicas,
muitas delas criadas pelos próprios políticos. Além disso, a manipulação de
verbas nos orçamentos locais, estaduais e federal é outro caminho que tem sido
utilizado para a “privatização do público” e para a reprodução da cultura do favor
(MARTINS, 1999, p. 42-43).
A esse respeito vale destacar a reprodução destas práticas na relação
sócio-política entre parlamentares federais, prefeitos e governadores, conforme
revela uma pesquisa desenvolvida por Marcos Otávio Bezerra (1999, p. 23). O
autor investigou como atuam os parlamentares federais com vistas à liberação de
recursos em favor de estados e municípios a que se vinculam politicamente. Em
primeiro lugar ele mostra que o próprio processo de coleta de dados no
Congresso Nacional só foi possível pela mobilização das redes pessoais dos
funcionários: “o que pesava para que eu fosse atendido era sobretudo o pedido
44
direto das pessoas ou o fato de me apresentar em nome das indicações pessoais
que me haviam sido feitas.”
Em torno da atuação dos parlamentares federais, objeto da referida
pesquisa, o relato de um dos seus entrevistados é exemplar de como se processa
a troca de favores e serviços entre estes e os prefeitos:
Quando você volta seu pensamento para a base eleitoral, para o
município propriamente dito, o prefeito é o cabo eleitoral mais
importante. Ele traz recursos pra obra, faz a obra com recursos
públicos e depois ele inaugura em nome do candidato (ao
parlamento). [...] Essa é uma forma, faz e essa obra é inaugurada
em nome do parlamentar e diz: ‘Pra eu continuar inaugurando
mais eu preciso eleger fulano, eleger sicrano’. Outra forma são os
empregos. Mas você pode dizer que a legislação não permite
empregar, mas se emprega em cargos melhores da administração
porque são cargos de confiança. Então o deputado chega e pede
ao prefeito e o prefeito emprega fulano, sicrano, quer amarrar a
família, aí é contratado alguém daquela família e assim por diante.
Até mesmo não empregando, segurando quem está no emprego.
Esses são os fatos mais comuns, tem outros, como uma
comunidade quer um benefício, quer uma estrada, produtor quer
algum morador, algum sitiante, ou produtor quer uma represa, vai
falar em nome do deputado e assim por diante (BEZERRA, 1999,
p. 135).
Nessa mesma linha, em um trabalho destinado a analisar a prática
parlamentar na Câmara dos Deputados, após as inovações institucionais
introduzidas pela Constituição de 1988, Novaes (1994, p. 103) destaca o
depoimento do deputado Israel Pinheiro Filho do PMDB de Minas Gerais em que
este afirma que o deputado é, em geral, um procurador de partes. “Governista por
vocação e por necessidade, ele trata de arrumar durante os quatro anos de
mandato verbas para os seus municípios preocupado, com a sua reeleição.” Um
outro depoimento citado por Novaes, o do deputado Paulo Bernardo do PT-PR, é
exemplar do enraizamento desse tipo de relação entre representantes do
legislativo federal e executivos municipais na cultura política brasileira:
a pressão em cima dos parlamentares para conseguir recursos no
orçamento existe, nós temos a prefeitura lá em Londrina que é
uma prefeitura do PT. Nosso prefeito fez reuniões com vários
deputados, fez reunião comigo, para pedir empenho e conseguir
recursos da União para o município. Isso existe. Parlamentar que
não consegue se articular aqui para conseguir alguma coisa, ele
praticamente não existe, porque do ponto de vista lá das
45
paróquias, vamos chamar assim, ele não está fazendo nada
(NOVAES, 1994, p. 103).
No âmbito da assistência social a pesquisa coordenada por Boschetti
(2003a, p. 114) junto aos conselhos estaduais e municipais de assistência social
por ocasião do processo preparatório da IV Conferência Nacional de Assistência
Social, revelou que as emendas parlamentares normalmente são dissociadas dos
planos municipais ou estaduais de assistência social, não passam por discussão
nos conselhos, nem na formulação, nem no recebimento e aplicação dos
recursos, “privilegiam programas pontuais, descontínuos, à medida que
parlamentares não se baseiam nos princípios da política de assistência social.”
Além disso, com freqüência as esferas municipais desconhecem a “existência de
emendas federais destinadas a entidades situadas em seu município.”
Contudo, a referida pesquisa mostrou que há iniciativas que apontam
para uma outra direção: a de assegurar a política de assistência social como
direito, dependendo da atuação dos conselhos. Se na elaboração da emenda é
dado parecer do conselho, se este atua junto ao Legislativo para disponibilizar
recursos das emendas para o Fundo, se consegue sensibilizar o legislativo para a
elaboração de emendas conforme as definições do Plano de Assistência Social,
há grandes possibilidades destes recursos de emendas parlamentares, ao invés
de reforçarem o clientelismo, ampliarem o montante de recursos para a área e a
abrangência das ações; e, conseqüentemente, há o fortalecimento da dimensão
pública e do direito, contra o favor, a tutela e o uso de recursos públicos para
atender aos interesses privados, como é o caso da utilização de recursos destas
emendas para beneficiar entidades assistenciais dos próprios parlamentares
(BOSCHETTI, 2003a, p. 114).
Ao tratar da construção da democracia política na América Latina
O’Donnel (1993, p.130) observa que regiões como o Nordeste brasileiro e toda a
Amazônia, as terras altas do Peru e o Centro e Nordeste da Argentina “são
exemplos da evaporação da dimensão pública do Estado.” Neste sentido, ele faz
uma caracterização na qual imagina um mapa de cada um desses países com as
seguintes características:
[...] as áreas cobertas pela cor azul designariam aquelas onde há
um alto grau de presença do estado (em termos de um conjunto
46
de burocracias razoavelmente eficazes e da efetividade da
legalidade devidamente sancionada) seja funcionalmente, seja
territorialmente; a cor verde indica um alto grau de penetração
territorial e uma presença significativamente mais baixa em termos
funcionais/de classe; e a cor marrom um nível muito baixo ou nulo
nessas duas dimensões (O’DONNEL, 1993, p.13)
Frente a um mapa assim, afirma que “o Brasil e o Peru seriam dominados
pelo marrom, e na Argentina a extensão do marrom seria menor.” São países
onde há eleições, governadores, legisladores, mas que no entanto, tanto os
partidos como os governos locais “funcionam com base em fenômenos como o
personalismo, o nepotismo, o prebendalismo e o clientelismo.” Sobre os partidos
que funcionam nessas regiões marrons afirma: “não são mais do que máquinas
personalistas avidamente dependentes das prebendas que podem extrair das
agências estatais” (O’DONNEL, 1993, p.130).
1.4 A “cultura do atraso” e a assistência social
No campo da assistência social, as práticas que conformam a “cultura do
atraso” são diversificadas e nem sempre facilmente identificadas; sobretudo
porque uma das suas características é o caráter privado, doméstico e não
publicizado. Mesmo assim, a trajetória da assistência, segundo o que é possível
identificar na literatura em torno desta política social, apresenta pelo menos
quatro caminhos pelos quais estas práticas se realizam: o clientelismo, o primeirodamismo, a filantropia e o seu caráter de ajuda e caridade, benemerência. Estas
não ocorrem separadamente, a existência de uma não exclui a outra; muito pelo
contrário, com freqüência, é possível que se realizem, concomitantemente, numa
mesma realidade, alimentando-se mutuamente. Muitas vezes, uma depende da
outra. A filantropia, por exemplo, é espaço para o clientelismo, para a
benemerência e para o caráter de ajuda que, por sua vez, alimenta e conforma a
assistência praticada pelo “primeiro-damismo”.
O clientelismo, segundo Avelino Filho (1994, p. 225), foi inicialmente
utilizado pelos antropólogos para demarcar “as relações de poder pessoal
existentes em pequenas comunidades.” O uso do termo pelos cientistas políticos
47
relaciona-se a estudos das ‘sociedades em desenvolvimento’, a fim de explicar
“os desajustes entre desenvolvimento econômico-social e a falta de estabilidade
das instituições públicas.”
Em sociedades tradicionais, tal como existiu em Roma, conforme
Mastropaolo (1995, p. 177), o clientelismo, consistia numa “relação entre sujeitos
de status diversos” e ocorria na “órbita da comunidade familiar”. Esta relação de
dependência aí era tanto econômica como política e era sancionada pelo foro
religioso “entre um indivíduo de posição mais elevada (patronus) [...] e um ou
mais clientes, geralmente escravos libertos ou estrangeiros imigrados.” A
retribuição dos clientes ocorria por meio da submissão e da deferência, assim
como obedecendo e auxiliando o patronus de variadas maneiras.
No Brasil, sobretudo no Nordeste, o clientelismo como forma de fazer
política, tem sua origem com o coronelismo e o caráter autoritário e paternalista
do Estado. Segundo Bursztyn (1985, p. 17), o Estado brasileiro sempre se
manifesta pelo seu caráter autoritário e “busca sua legitimação por meio do
paternalismo.” As relações de paternalismo que o governo central estabelece com
os líderes locais e as relações de obediência e fidelidade destes em relação ao
poder central, são, para este autor, os ingredientes básicos do clientelismo no
Brasil, inclusive após o desaparecimento da figura do coronel.
A este respeito Mastropaolo (1995, p. 177-178), mostra que as relações
de vínculo pessoal e clientela existente numa sociedade tradicional conseguem
sobreviver em sociedades modernas, tanto em administrações centralizadas
quanto em sociedades com perfeito funcionamento de instituições como partidos,
parlamento, eleições etc. Segundo o autor, no sistema político moderno, o
clientelismo tende a “coligar-se e integrar-se numa posição subordinada ao
sistema político.” Neste sentido, “tende a afirmar-se um outro estilo de
clientelismo que compromete, colocando-os acima dos cidadãos, [...] os políticos
de profissão, os quais oferecem em troca de legitimação e apoio toda a sorte de
ajuda pública que têm a seu alcance.”
No âmbito da produção teórica sobre a política de assistência social, um
dos trabalhos que apreende a reprodução destas relações é o de Cleonice
Correia Araújo (2001). Tomando como referência o Programa de Ação
Continuada (PAC) desenvolvido em São Luís, no Maranhão, a autora destaca as
relações que permeiam o processo de construção da assistência social como
48
política pública, procurando demonstrar como as relações clientelistas presentes
na formação social brasileira “se consolidam nos diferentes espaços sociais e
políticos, afirmando-se como mediações que se instauram, num primeiro
momento
no
denominado
campo
da
esfera
privada,
disseminando-se
posteriormente, para a esfera pública.”
A autora analisa então a dinâmica de implementação deste programa,
cuja execução é feita por entidades privadas-filantrópicas, mediante a celebração
de convênio entre estas e a Fundação Municipal da Criança e da Assistência
Social. O PAC, antes gerenciado pela LBA passou a ser assumido pela referida
fundação com o processo de descentralização/municipalização da assistência
social e após a extinção da LBA. O trabalho investiga a relação estabelecida entre
tais entidades e o órgão gestor da assistência social no Maranhão, assim como a
influência de lideranças políticas no acesso de tais entidades a recursos da
assistência social.
Araújo (2001, p. 87) constata entre os dirigentes das entidades que
executam o PAC o privilegiamento e a valorização das relações pessoais no
acesso aos convênios, relações estas que assumem aspectos de normalidade. “A
construção e a afirmação de relações de amizade com políticos, funcionários são
fundamentais para que a entidade cumpra o seu papel de beneficiar a
comunidade.” Em um dos depoimentos de dirigentes das entidades pesquisadas,
citados pela autora, há um relato exemplar destas relações. As descrever certa
dificuldade enfrentada na prestação de contas de um projeto o dirigente afirma
que só conseguiu resolver o problema mediante a colaboração de “um grande
amigo lá da prefeitura.” Em troca, o amigo só pediu “apoio para eleição do
Prefeito. Eu disse que tudo bem. Chamei o pessoal da Associação, os pais das
crianças, os idosos. Aí eu expliquei pra eles o que aconteceu. Pois olhe, eu
consegui mais de 200 títulos (de eleitor).”
O trabalho afirma a existência de processos de rupturas e continuidades
nas relações de favor, caridade, compadrio e assistencialismo no âmbito da
assistência
social.
Tanto
no
aspecto
burocrático-legal,
quanto
político-
institucional, a “cultura do atraso” resiste ou convive com medidas destinadas a
conferir direitos e o caráter público das ações de assistência social. A autora
ressalta também que, para os usuários, o acesso a bens e serviços não se
apresenta como um direito, mas resultado da bondade de alguém, seja um
49
político, um dirigente de entidade, um funcionário da prefeitura ou um assistente
social (ARAÚJO, 2001, p. 129-130).
Referindo-se a ocorrência de práticas assistencialistas e clientelistas no
campo das políticas sociais e de modo particular da assistência social, Yazbek
(1993, p. 41) chama a atenção para a ausência do reconhecimento de direitos,
que acontece nas relações baseadas nestas práticas. Para a autora,
Trata-se de um padrão arcaico de relações que fragmenta e
desorganiza os subalternos ao apresentar como favor ou como
vantagem aquilo que é direito. Além disso, as práticas clientelistas
personalizam as relações com os dominados, o que acarreta sua
adesão e cumplicidade, mesmo quando sua necessidade não é
atendida.
As entidades pesquisadas por Cleonice Correia de Araújo (2001) estão
entre aquelas que constituem o campo da filantropia e esta é uma marca da
assistência social. Mesmo inscrevendo-se como política pública na Constituição
de 1988, até o presente ela incorpora, em todo o Brasil, uma rede de entidades
privadas-filantrópicas prestadoras de serviços de assistência social voltados,
sobretudo, para a parcela dos usuários constituída por crianças, idosos e pessoas
com deficiência.
A filantropia tem suas raízes na Igreja Católica, que a difundiu e conferiu
caráter de caridade e benemerência. Originalmente, a palavra significa “amor ao
outro, a humanidade” (SPOSATI, 1994, p. 75). Diz respeito às práticas de ajuda
aos pobres desenvolvidas por organizações da sociedade civil. Com freqüência
tem sido associada à assistência social e sua origem no Brasil remete ao período
colonial quando são criadas as primeiras casas de misericórdia enquanto ação
social de ordens religiosas.9
Contudo, apesar de ser uma presença antiga, foi somente a partir de
1943, quando o Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS10 assumiu a função
de atribuir mérito na concessão de certificados de filantropia, que esta se
9
Vale destacar dois importantes estudos que analisam a questão da filantropia no Brasil: a
pesquisa do Núcleo da Seguridade e Assistência Social (SPOSATI, 1994) e o trabalho de
MESTRINER (2001), que analisa a filantropia no país na sua relação com a assistência social,
desde a origem até sua a configuração recente. Lançou-se mão destes dois trabalhos para as
considerações que são feitas aqui sobre o assunto.
10
O CNSS foi criado em 1938 e significou a primeira regulamentação da assistência social no
Brasil (MESTRINER, 2001, p. 56-57).
50
institucionalizou no Brasil. Tal certificado é até hoje requisito para que entidades
sem fins lucrativos tenham acesso a recursos públicos e a isenções fiscais. A
esse respeito, afirma Mestriner (2001, p. 102): “o Estado não só incentiva a
benemerência e a solidariedade, mas passa a ser responsável por ela, regulandoa, por meio do CNSS.”
Neste processo, o que tem marcado a relação entre Estado e
organizações filantrópicas no Brasil é o princípio da subsidiariedade, com o qual a
responsabilidade pública diante da questão social é transferida para o indivíduo,
para a família e para a sociedade. Por meio deste princípio, a ação do Estado no
campo da proteção social, foi sempre suplementar às iniciativas privadas,
“instalando uma política de reconhecimento e reforço às instituições sociais já
existentes referendando uma atenção só emergencial e transitória” (MESTRINER,
2001, p. 287).
Mas, o predomínio do princípio da subsidiariedade não é uma
especificidade brasileira. Pesquisas recentes realizadas em Portugal constatam o
que os autores portugueses denominam de “sociedade providência” como uma
das estratégias de sobrevivência utilizadas pelos que se encontram em situação
de exclusão social. Esta se efetiva através da constituição de uma significativa
rede de solidariedade e entreajuda a partir dos laços de parentesco e que se
manifesta no cuidado para com os idosos, as crianças, os deficientes; na partilha
de bens como terra, a habitação, roupas e comida (HESPANHA et al., 2000, p.
92-95).
Há, naquele país, um conjunto diversificado de instituições da sociedade
civil, que realizam proteção social e que revelam a crescente redução do
comprometimento do Estado com a questão. Em geral, são entidades ligadas às
Igrejas entre as quais as seculares misericórdias ligadas à Igreja católica,
organizações de caráter humanitário e caritativo, fundações tradicionais ou
modernas orientadas para captação de fundos comunitários (normalmente
originados na União Européia), variadas formas associativas como cooperativas,
associações de voluntários, fundações ou organizações empresariais, além de
formas não institucionalizadas de ações assistenciais realizadas com recursos
materiais e humanos ligados à caridade cristã, ao trabalho voluntário e às
doações particulares (HESPANHA, 2000).
51
Na realidade brasileira, constata-se, a partir dos anos de 1980 um
crescimento do chamado “terceiro setor”, ou das organizações sem fins lucrativos;
entre as quais se inclui o leque das chamadas entidades assistenciais, para as
quais
os
governos
(municipal,
estadual
e
federal)
têm
transferido
a
responsabilidade da atenção à população mais empobrecida. Esse, contudo, é
um campo muito heterogêneo no qual, como lembra Raichelis (1998, p. 236), não
é possível fazer generalizações simplificadoras. Tais organizações se diferenciam
não só pelo acesso a fundos públicos, mas, sobretudo, pela forma como se
constituem, por suas práticas,
concepções de sociedade e de Estado que
incorporam etc.
Neste campo complexo, e que não será aprofundado no âmbito deste
trabalho,11 é preciso distinguir, por exemplo, aquelas organizações assistenciais,
confessionais ou laicas, antigas ou novas e que, dependem de recursos públicos
para realizar os serviços que justificam a sua existência e que de um modo geral,
substituem o Estado e assumem a determinação neoliberal de que o cuidado para
com os indivíduos que não conseguem se realizar no mercado é responsabilidade
da sociedade. Estas organizações necessitam serem distinguidas daquelas que
possuem um caráter mais movimentalista, o qual caracteriza as organizações que
surgem desde os anos de 1970, em estreita relação com os movimentos
populares, normalmente apoiadas por organismos de cooperação internacional e
filiadas à Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG
e cuja existência e práticas são pautadas na luta por direitos.
Estudo publicado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE (INSTITUTO..., 2004), construiu o perfil das fundações privadas
e associações sem fins lucrativos no Brasil. Segundo este estudo, há 275.895
dessas organizações atuando nas áreas de habitação, saúde, cultura e
recreação; educação e pesquisa; assistência social, religião, associações
patronais e profissionais; meio ambiente e proteção animal; desenvolvimento e
defesa de direitos; e outras, não especificadas.
Até 1970 existiam, no país, 10.998 organizações dessa natureza; já em
1990, elas eram 105.826. Mas, o período no qual o estudo registra maior
crescimento é 1991-2000, quando são criadas 139.187. Neste universo observa11
Para um aprofundamento da questão, ver o trabalho: MONTAÑO, Carlos (2002). Terceiro Setor
e Questão Social. Crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002.
52
se o crescimento significativo das entidades voltadas para atividades de defesa
de direitos e associações patronais e profissionais. Elas representavam 68 mil ou
40% do total de organizações em 2002.
As organizações que atuam, prioritariamente, na área de assistência
social representam 12% do total das fundações e associações sem fins lucrativos.
O estudo inclui aí as entidades voltadas para o atendimento de grupos específicos
da população (crianças, adolescentes infratores, idosos, pessoas com deficiência,
dentre outros). Mas, ressalta: “Nesta área verifica-se uma ambigüidade de
fronteiras com o campo das religiões, onde a função confessional aparece muitas
vezes imbricada com a ação social secular e pública” (INSTITUTO..., 2004, p. 32).
Contudo, este não é o único problema. Em tal universo, é preciso
considerar também que muitas organizações classificadas em áreas como
educação e saúde podem prestar serviços de assistência social, como é o caso
da rede de creches, que em muitos municípios não foram transferidas para a
educação e ainda integram a rede de prestadores de serviços de assistência
social, assim como um conjunto de instituições que prestam serviços de saúde as
pessoas com deficiência. Neste caso, o número de organizações de assistência
social poderá ser superior ao que o estudo classificou como tal.
Além disso, é preciso ressaltar que, no âmbito da assistência social,
permanece até hoje, na relação entre Estado e organizações de assistência
social, a ausência de definição de regras claras, pautadas no estatuto do direito e
que sejam capazes de garantir serviços de qualidade aos usuários. A existência
da filantropia tem conferido ao Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS
uma dimensão executiva, que não se encontra em nenhum outro conselho ligado
as políticas públicas. O CNAS herdou a função antes exercida pelo CNSS de
conferir “registro e certificado de filantropia às entidades que buscam subvenções,
isenções de taxas e impostos” os quais são facultados por uma legislação das
décadas de 1930-1940 (RAICHELIS, 1998, p. 241).
Analisando a relação entre assistência social e filantropia Sposati (2001a,
p. 75-76) pontua as principais questões que demarcam o que chama de
paradigma conservador e paradigma progressista na assistência social. No
paradigma conservador “o direito é travestido de concessão, permanecendo tão
só no plano da retórica.” Considera que o atendimento às necessidades sociais é
responsabilidade do indivíduo “admitindo, quando muito, propostas focalistas
53
sempre fundadas na subsidiariedade.” Na perspectiva da filantropia a assistência
social é campo da “moral privada e não da ética pública.” Conforme a autora,
O modelo conservador trata o Estado como uma grande família,
na qual as esposas de governantes, as primeiras damas, é que
cuidam dos ‘coitados’. É o paradigma do não-direito, da reiteração
da subalternidade, assentado no modelo do Estado patrimonial.
[...] Neste modelo, a assistência social é entendida como espaço
de reconhecimento dos necessitados sociais. Suas ações devem
configurar o reconhecimento dos ‘homens bons’ nos moldes dos
tempos coloniais. Estes se ‘dignificam’ pelas ações sem fins
lucrativos que exercem. [...] Assim, alguns políticos, partidários
dessa concepção conservadora, doam esmolas, subvenções,
contribuições ou entendem o poder como uma distribuição
filantrópica de bens. Desloca-se, no caso, o poder de Estado para
o das instituições de benemerência e filantropia que nem sempre
mantêm uma clara relação de parceria fundada na política pública
asseguradora de direitos. Essas ações negam direitos ao invés de
afirmá-los (SPOSATI, 2001a, p. 76).
Outra questão ressaltada pela autora é a necessidade de distinguir, no
campo da filantropia, “a prática de subsidiariedade e a de parceria no âmbito da
assistência sócial.” Enquanto a subsidiariedade nega a responsabilidade do
Estado, a parceria “deve estar assentada na política pública e no compromisso de
Estado” (SPOSATI, 2001a, p. 77, grifos da autora). A subsidiariedade reforça e
atualiza o que Yazbek (1996)
tem considerado “refilantropização da questão
social”. Para Sposati (2001a, p. 76), na perspectiva do paradigma progressista a
questão social é assunto de justiça social e pública. Nele, a assistência social se
funda na “redistributividade, no direito e na cidadania.” Trata-se de uma
concepção de assistência social que supõe atendimento a necessidades sociais
fora do mercado.
Assim, tanto no campo da assistência social, como na sociedade como
um todo, as marcas de uma “cultura do atraso” persistem e são instrumentos para
a hegemonia das classes dominantes e a sua sempre renovada permanência nos
espaços de poder do Estado em todos os níveis. Essas práticas, à medida que
são mantidas e reproduzidas, contribuem para retardar a realização de direitos e
a construção de uma cultura política baseada no direito, na ética, na cidadania,
nas relações democráticas horizontais e na participação popular. Contudo, esse
também é um campo de disputa e a vitória das forças do atraso não está dada.
54
Há, ao mesmo tempo, a conquista legal de direitos e a luta por efetivá-los, tanto
em nível da sociedade, quanto no interior do próprio Estado.
55
CAPÍTULO 2
DIREITOS, CULTURA DE DIREITOS E ASSISTÊNCIA SOCIAL
2.1 O debate sobre a questão dos direitos na sociedade capitalista
Pensar sobre direitos na contemporaneidade remete à discussão dos
direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, civis e políticos,
além dos “novos direitos”, como os relativos às questões ambientais, de gênero,
de raça, de etnia e de geração (criança e adolescente, terceira idade, juventude).
Neste trabalho, ao tratar de “direitos”, não se pretende dar conta do amplo leque
de questões que o tema envolve. A preocupação é situar aspectos do debate
sobre o tema, que possam orientar e fundamentar as reflexões acerca da
assistência social enquanto política pública e direito social; assim como a
discussão sobre as possibilidades de uma cultura de direitos no âmbito desta
política. Neste sentido, pareceu pertinente trazer presente o debate e as lutas
atuais em torno dos direitos sociais no contexto das discussões sobre direitos
humanos, econômicos, sociais e culturais (DhESC).12
O tema “direitos” remete à questão da cidadania. A discussão da
cidadania, na sociedade capitalista, diz respeito às formas de compreender a
questão da igualdade e da desigualdade nesta sociedade, e a luta de grupos e
classes por participação no poder político e na riqueza social. Numa perspectiva
liberal, a cidadania relaciona-se às lutas da nascente burguesia, para impor
limites ao poder estatal. Neste caso, a luta foi basicamente por direitos civis, os
12
Um dos trabalhos recentes que procura difundir este debate e oferecer uma contribuição
conceitual sobre o tema dos direitos é o de ORTIZ, Maria Helena Rodrigues (Org.). Justiça
social: uma questão de direito. Rio de Janeiro: FASE/DP&A. 2004.
56
quais, até o presente, se referem à liberdade individual e destinam-se a regular a
vida privada. Liberdade, é quase sempre para os liberais, o direito a liberdade de
propriedade, o que aponta para a desigualdade. Conforme Nogueira (2001, p. 89),
“a postulação liberal dos direitos civis sempre admitiu tranqüilamente a
desigualdade social, a dominação de classe, a escravidão e a colonização, a
exploração do trabalho e a submissão de grupos específicos da sociedade.”
Numa perspectiva keynesiana e social democrata, Marshall (1967), a
partir da realidade concreta de seu país, a Inglaterra, analisou a evolução dos
direitos ao longo da história da humanidade e formulou uma compreensão de
cidadania constituída por três elementos ou três dimensões de direitos: civis,
políticos e sociais. Conforme o autor, os direitos civis surgiram no século XVIII e
dizem respeito à liberdade individual e a igualdade perante a lei. Para Marshall
(1967, p. 67), “no setor econômico, o direito civil básico é o direito de trabalhar,
isto é de seguir uma ocupação de seu gosto, no lugar de escolha.” São ainda
exemplos de direitos civis, os destinados a garantir livre movimentação, a
liberdade de pensamento, a “celebração de contratos e a aquisição e manutenção
da propriedade, bem como o direito de acesso a instrumentos necessários à
defesa de todos os direitos anteriores” (SAES, 2003, p. 11).
Os direitos políticos referem-se à participação no exercício do poder
político; seja votando, seja tornando-se elegível. São direitos que dizem respeito à
capacidade de homens e mulheres deliberarem sobre a sua vida, sobre a vida em
sociedade. Diz respeito à participação em mecanismos como sindicatos, partidos,
movimentos sociais, conselhos de representação paritária ou à participação
indireta por meio da atuação em processos eleitorais para escolher governantes e
parlamentares. Conforme Marshall, os direitos políticos datam do século XIX e
estiveram, durante muito tempo, associados aos direitos civis ou à situação
econômica dos “indivíduos”. Foi “próprio da sociedade capitalista do século XIX
tratar os direitos políticos como produto secundário dos direitos civis”
(MARSHALL, 1967, p. 70).
Os direitos sociais surgiram basicamente no século XX e referem-se ao
atendimento das necessidades humanas básicas, como alimentação, habitação,
saúde, educação “direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança, ao
direito de participar por completo da herança social e levar a vida de um ser
civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade” (MARSHALL,
57
1967, p. 63-64). O autor destaca o sistema educacional e os serviços sociais
como instituições mais diretamente relacionadas aos direitos sociais.
Sem dúvida a concepção marshalliana rompe com a concepção liberal de
cidadania ao reconhecer, por um lado, a obrigatoriedade do Estado em fornecer
um mínimo de provisão social básica; e, por outro, a posição do mercado que por
si só é incapaz de assegurar a todos o mínimo necessário à sobrevivência. O
autor considera a desigualdade social necessária e condena a desigualdade
excessiva (MARSHALL, 1967, p. 77-78).
Para Décio Saes (2003, p. 11), a classificação de Marshall em direitos
civis, políticos e sociais “equivale na prática a um quadro de indicadores
concretos de cidadania.” Trata-se de uma classificação que se estabelece
“segundo o critério, mais implícito que explícito, das esferas da vida social onde o
Estado reconhece prerrogativas a todos os indivíduos: a esfera da produção e do
trabalho, a esfera da atividade política e a esfera do consumo.” Contudo, apesar
da importância dessa contribuição de Marshall, inúmeros autores13 apontam
limites nesta abordagem da questão da cidadania.
Conforme Vasconcelos (1988, p. 25), Marshall “não esclarece a natureza,
os limites, o grau e as características qualitativas e quantitativas dos direitos e dos
serviços sociais”, além disso, faz uma abordagem que “pressupõe uma correlação
direta entre evolução do capitalismo e bem estar, trazendo implícita a idéia de
uma
linearidade
na
extensão
dos
direitos
inerentes
à
cidadania”
(VASCONCELOS, 1989, p. 89).
Nesta linha, Saes (2003, p. 13-14) também afirma que o texto de Marshall
desenha “um processo de conquista de direitos em escada; o que sugere a idéia
de uma evolução natural da cidadania.” Ao mesmo tempo mostra que ao afirmar
que os direitos civis haviam sido funcionais ao desenvolvimento do capitalismo e
que os direitos políticos e sociais contribuíam para a diminuição da desigualdade
de classe, Marshall acaba por apresentar “uma concepção subjetivista de classe
social: esta se definiria pelo sentimento de diferenciação e de distanciamento que
cada grupo social experimenta em relação aos demais.”
Mas não são apenas estes os aspectos da crítica à concepção de
cidadania em Marshall que Saes aponta. Para este autor, os movimentos da
13
Ver por exemplo: Saes (2003), Barbalet (1989) e Bendix (1996), Vasconcelos (1988).
58
sociedade e as lutas sociais não são determinantes no processo de criação de
direitos nas formulações de Marshall. Ele cita, por exemplo, o fato deste não fazer
qualquer menção ao papel desempenhado na Inglaterra “pelo ciclo da revolução
antifeudal – a Revolução Puritana de 1640, a Revolução Gloriosa de 1688 – na
instalação das liberdades civis nesse país.” Com isso a instauração da cidadania
civil é vista como “um processo de evolução institucional” (SAES, 2003, p. 16).
Na sociedade capitalista, a postura das classes trabalhadoras diante da
cidadania “tende a ser uma postura dinâmica e progressiva” (SAES, 2003, p. 16,
grifos do autor), o que se explica pela própria natureza da estrutura econômica
capitalista cuja produção “tem um caráter infinito, gerando incessantemente novos
produtos e novas necessidades.” Diante disso, a classe trabalhadora para se
manter inserida no mercado e se reproduzir necessita conquistar “novos direitos
universais como instrumento para satisfação de interesses materiais em processo
de permanente redefinição.” Para Saes, Marshall “não formula com clareza o
papel das classes trabalhadoras no processo de formação e evolução da
cidadania.” E acrescenta: “só a postura das classes trabalhadoras diante da
cidadania tende, de modo geral, a ser dinâmica e progressiva, enquanto a postura
das classes dominantes [...] tende no mínimo a ser estagnacionista, podendo no
máximo ser regressiva” (SAES, 2003, p. 16 -17).
Na realidade, a concepção de cidadania em Marshall é uma concepção
na qual a condição de cidadão é compatível com a desigualdade real inerente à
sociedade capitalista. É nesta perspectiva que Marx, analisando o problema da
emancipação humana no contexto da ordem burguesa do seu tempo, criticou as
noções de igualdade e de liberdade, presentes nos direitos humanos e civis. Para
ele, os direitos humanos são direitos do homem, enquanto membro da sociedade
burguesa, à medida que são garantidos direitos como igualdade, liberdade,
segurança, propriedade, os quais, na essência, destinam-se a fortalecer a ordem
burguesa e portanto, não possibilitam a emancipação humana, não permitem ao
homem descobrir-se como força social (MARX, 1993, p. 56-63).
Para Marx, o direito a liberdade não se funda nas relações entre os
homens, “mas antes na separação do homem a respeito do homem. É o direito de
tal separação, o direito do indivíduo circunscrito, fechado em sim mesmo” e sua
aplicação prática é o direito de propriedade privada, enquanto “o direito de fruir da
própria fortuna e dela dispor como se quiser, sem atenção pelos outros homens,
59
independentemente da sociedade.” Considera que o direito à igualdade não
possui significado político, mas diz respeito apenas ao fato de que “todo homem é
igualmente considerado como mónada auto-suficiente.” A segurança, por sua
vez, refere-se ao conceito de polícia, para garantir o egoísmo da sociedade civil.
Diante disso Marx conclui que “nenhum dos supostos direitos do homem vai além
do homem egoísta, do homem enquanto membro da sociedade civil” (MARX,
1993, p. 56-57).
A análise marxiana permite apreender os limites da noção de cidadania
nas formulações liberal e social-democrata, o seu caráter formal e abstrato, a sua
incapacidade de romper com a desigualdade econômica e as relações de
exploração, próprias da sociedade capitalista. Contudo, os direitos, “por si mesmo
não destroem o capitalismo, mas nem por isso são desejados pelas classes
dominantes” (SAES, 2003, p. 22). Além disso, no contexto dos países do
capitalismo periférico, entre os quais o Brasil, o debate e as lutas em torno da
cidadania assumem importância particular, dada a ausência da efetivação de
direitos, tal como estes se consolidaram nos países do capitalismo central.
Conforme Nogueira (2004b, p. 11), a luta por direitos, “quando devidamente
politizada, nos coloca [...] no terreno dos conflitos, das lutas sociais, e acaba por
nos animar a brigar por uma ordem social justa, sem miséria, sem exclusões, sem
desigualdades.”
Ao longo da história da humanidade e no contexto da ordem burguesa, os
direitos de cidadania se tornaram fundamentais para que as classes subalternas e
o conjunto de forças interessadas na construção de uma sociedade mais
igualitária conseguissem avançar na construção de projetos políticos que
apontassem nesta perspectiva. Com isso, torna-se importante, sobretudo, para os
excluídos do mercado e da participação política, a luta para garantir melhores
condições de vida e por oportunidade de participar das decisões que dizem
respeito à vida de toda a sociedade.
Conforme Décio Saes (2003, p. 22-27), há, no conjunto dos direitos,
aqueles que são essenciais à reprodução do capitalismo e aqueles que não o
são, ou que configuram o que ele chama de “direitos contingentes”. Os direitos
civis, por exemplo, são essenciais ao capitalismo e o seu surgimento se relaciona
também às revoluções jurídicas produzidas pelas revoluções políticas modernas,
que derrubaram o Estado feudal absolutista, as quais “determinaram a
60
instauração nessas sociedades da forma sujeito de direito isto é, a atribuição por
parte do Estado a todos os homens [...] da condição de seres individuais capazes
de praticar atos de vontade.” O autor ressalta que, ao generalizar a forma “sujeito
de direito”
o Estado “criava as condições não só materiais, como também
ideológicas
indispensáveis
à
implantação
de
uma
estrutura
econômica
capitalista.” Com isto, foram criadas as condições institucionais para a “formação
do mercado de trabalho, o assalariamento em massa dos trabalhadores
despossuídos e, conseqüentemente, a instauração de relações sócio-econômicas
especificamente capitalistas” (SAES, 2003, p. 23, grifos do autor).
Nesta perspectiva, Saes (2003, p. 23-25) aponta que a dimensão civil da
cidadania consiste na “corporificação da forma sujeito de direitos” que, ao se
efetivar do ponto de vista da legislação e do exercício concreto de direitos, como
a liberdade de ir e vir, de adquirir e dispor de propriedades, celebrar contratos etc,
tornam-se indispensáveis à reprodução do capitalismo, pois são direitos que,
conforme ressalta Marx, apenas asseguram uma igualdade formal. A relação
entre o capitalista e o trabalhador destituído de tudo, efetivamente nunca é uma
relação entre iguais.
A liberdade de movimento que os direitos civis proporcionaram
possibilitou a classe trabalhadora buscar novos direitos para o atendimento das
suas necessidades de reprodução da força de trabalho, resultando em novos
direitos, que são os direitos políticos. Mas, conforme Saes (2003, p. 26), esta
conquista criou “mais uma ilusão prática: a idéia de que todos os homens,
independentemente de sua condição sócio-econômica estão participando do
exercício do poder político.”
Além disso, a instauração do sufrágio universal e do regime democrático
não implicou o estabelecimento de um efetivo controle dos governantes pela
maioria social. Nesta mesma linha, destaca-se as reflexões de Nogueira (2004b,
p. 9) quando fala da existência de uma “crise da idéia de cidadão” hoje, e da
“crise da idéia de República” e ressalta que:
o cidadão republicano está hoje gravemente reduzido ou à
condição de consumidor ou à condição de eleitor, de alguém que
é chamado a referendar decisões que são tomadas em âmbitos
aos quais ele não tem acesso. Os cidadãos reclamam, protestam,
fazem plebiscitos, votam regularmente de dois em dois anos ou de
61
quatro em quatro, mas não conseguem entrar no ventre em que
são geradas as decisões.
Para Saes (2003, p. 33-35) o resultado prático dos limites da democracia
capitalista é a “apatia política” ou o “conformismo político”, o que se manifesta nas
abstenções, no desinteresse pela macropolítica e pela vida político-partidária. Por
outro lado, “a distribuição desigual dos recursos políticos entre as classes sociais”
é um dos principais obstáculos aos processos participativos. Os trabalhadores de
uma empresa poderão, por exemplo, opinar sobre a substituição de um contramestre, mas jamais opinarão sobre o destino final do produto ou sobre discussões
estratégicas como a questão “se terceiriza ou não serviços ou produção”. No caso
da participação na gestão de políticas públicas via conselhos institucionais, algo
que tem se intensificado com os processos de descentralização é o envolvimento
da população na gestão, que “ocorre dentro dos limites fixados pela linha geral de
ação administrativa do governo local” (SAES, 2003, p. 35).
Saes (2003, p. 36) ressalta que a única possibilidade de existir uma
participação de massa em todas as dimensões da vida política na sociedade
capitalista seria numa situação de pleno emprego absoluto e durável. Contudo,
esta é uma situação que jamais existiu e uma hipótese com poucas chances de
se realizar nesta sociedade. Na realidade, o pleno emprego representa muito
mais um perigo econômico e político que, segundo o autor, as classes
dominantes procuram evitar por meio de políticas recessivas de inovação
tecnológica e de reengenharia organizacional. Nesta perspectiva, uma cidadania
plena exigiria igualdade econômica plena, o que está além do horizonte da
sociedade capitalista.
Todavia, como lembra José Paulo Neto (2004), em conferência no XI
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, dadas as condições do capitalismo
contemporâneo, a luta por direitos, velhos e novos, é hoje uma luta anticapitalista.
Até mesmo a seguridade social se tornou insuportável para o capitalismo. A
relação entre a ordem do capital e as demandas democráticas que antes eram de
contradição, hoje são de antagonismo mesmo.
Neste contexto, compreende-se que a luta por direitos é essencial na
transformação desta sociedade. Conforme Nogueira (2004b, p. 14) “a dinâmica
dos direitos tende a ser sempre subversiva, a se indispor contra a ordem, pois
62
aponta para novos padrões de convivência e de estruturação social.” E, para o
autor, é por causa desta dimensão subversiva que os direitos costumam ser
“banalizados, perseguidos e desvalorizados por todos aqueles que pilotam a
reprodução ampliada da ordem.”
Nesta perspectiva, é que ganha importância a idéia de indivisibilidade dos
Direitos Humanos presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
promulgada em 1948. A referida declaração trata de direitos humanos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais sem fazer distinção entre eles em termos
de geração de direitos. Esta compreensão de direitos humanos vem sendo cada
vez mais retomada e, um exemplo disso, conforme Ortiz (2004, p.143), é a
Declaração de Viena, de 1993.14
A Conferência de Viena (1993) em sua Declaração reconheceu a
interdependência entre os direitos humanos, afirmando que “todos os direitos
humanos têm caráter universal, são interdependentes e indivisíveis, o que
significa que o não respeito a um direito, compromete os esforços relativos aos
outros.” Além disso, também considerou a pobreza e a exclusão social como
violações da dignidade humana, conforme é explicitado na afirmação a seguir:
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos afirma que a
pobreza extrema e a exclusão social constituem uma violação da
dignidade humana e que devem ser tomadas medidas urgentes
para se ter um conhecimento maior do problema da pobreza
extrema e suas causas, particularmente aquelas relacionadas ao
problema do desenvolvimento, visando a promover os direitos
humanos das camadas mais pobres, pôr fim à pobreza extrema e
à exclusão social e promover uma melhor distribuição dos frutos
do progresso social. É essencial que os Estados estimulem a
participação das camadas mais pobres nas decisões adotadas em
relação às suas comunidades, à promoção dos direitos humanos
e aos esforços para combater a pobreza extrema
(CONFERÊNCIA..., 1993)
Nesta perspectiva, a pobreza é a resultante da não-satisfação de direitos
fundamentais, como a alimentação, a saúde e a educação, sendo também “a
principal causa da negação dos direitos humanos porque ela transgride os direitos
fundamentais” (ORTIZ, 2004, p. 144).
14
Trata-se da II Conferência Mundial sobre Direitos do Homem realizada em Viena de 14 a 25 de
junho de 1993. Ver a esse respeito http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/viena/.
63
Tal compreensão, conforme Lima Júnior. (2004, p. 181), constitui uma
crítica à visão dos direitos classificados em geração de acordo com o seu
surgimento, que é, em linhas gerais, a classificação da qual fala Bobbio em seu
livro “A era dos Direitos”. Por esta classificação, os direitos civis e políticos seriam
de primeira geração, os direitos econômicos, sociais e culturais seriam de
segunda geração e os direitos de terceira geração seriam aqueles ligados ao
meio ambiente, à paz e outros direitos que trazem a idéia de vínculo de
solidariedade entre os homens (BINENBOJM, 2004, p. 13).
Ao fazer a crítica a esta classificação Lima Júnior (2004, p. 183) destaca a
dificuldade de considerar certos direitos como de primeira ou de segunda
geração, como, por exemplo, o direito de greve ou a liberdade sindical. Estes
podem ser identificados como direitos civis e políticos porque são oriundos e
correlatos da liberdade de expressão, mas podem também ser considerados
direitos econômicos, sociais e culturais, uma vez que se relacionam aos direitos
trabalhistas. Além disso, é preciso considerar, conforme Nogueira (2004a, p. 62),
que
“não há direitos em abstrato”. O usufruto de direitos “depende tanto da
inserção dos grupos e indivíduos em ‘circunscrições estatais’ concretas,
territoriais, quanto de providências e decisões políticas adotadas por governos
concretos.” Nesta perspectiva, é que se coloca a importância da concepção que
considera todos os direitos como fundamentais e inalienáveis. Assim como a
sociedade hoje recusa a tortura e a morte é necessário recusar também a fome e
a falta de moradia, de saúde, de educação e de emprego, o que exige legislação,
ordenamento institucional e políticas públicas efetivas.
2.2 Aspectos da efetivação de direitos na sociedade brasileira
No Brasil, a garantia de direitos, inexistiu até os anos 30 do século XX15.
No período colonial, por exemplo, conforme Carvalho (2001, p. 24), não havia
cidadãos, pois “os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a
pouquíssimos, dos direitos sociais ainda não se falava, pois a assistência social
15
Um balanço crítico do processo de constituição de direitos no Brasil no século XX é feito por
Couto (2004).
64
estava a cargo da Igreja e de particulares.” Por isso é que a discussão sobre
direitos precisa considerar as características da formação social brasileira.
Conforme Ammann (2003), a cidadania não pode ser pensada “de forma
descolada do contexto histórico e dos condicionamentos de cada formação
social.” Toda discussão acerca da cidadania deve ser “situada e datada,
respondendo às condições históricas concretas” (AMMANN, 2003, p. 122, grifos
da autora).
Neste sentido, observa-se que sendo uma formação social marcada por
“revoluções pelo alto” ou “revolução passiva”16, na qual uma nova ordem ocorre
sem que a antiga seja alterada substancialmente e pelas sucessivas tentativas de
exclusão da maioria das decisões fundamentais da vida do país, a conquista de
direitos tem sido sempre um processo lento, difícil de se efetivar no cotidiano da
vida das pessoas. Conforme Nogueira (1998, p. 270), a revolução passiva
“expressa ‘a ausência de iniciativas populares unitárias’ e organiza-se
principalmente através da reação dos dominantes ao ‘subversivismo esporádico
elementar e inorgânico das massas populares.” Sobre a revolução passiva no
Brasil Nogueira (1998, p. 275) ressalta que esta,
[...] não implicou, como se deduziria de uma aplicação mecânica
do conceito, um monolitismo asfixiante ou o total fechamento
político. Ao contrário: ela sempre conviveu com a vigência de
ideais e práticas liberais, com períodos de vida democrática e
participação política não muito restrita (como entre 1945 e 1964)
e, sobretudo, com a realização de eleições e o funcionamento de
certos mecanismos de representação mesmo em momentos
claramente ditatoriais (como entre 1968 e 1974).
Esta realidade contribui para que os direitos conquistados sejam quase
sempre limitados, seletivos, incapazes de configurar, conforme Vera Telles,
(1999, p. 178), “uma linguagem pública que baliza os critérios pelos quais os
dramas da existência são problematizados em suas exigências de equidade e
justiça.” Um olhar na história da efetivação de direitos no Brasil revela que em
todas as dimensões destes existe uma significativa maioria da população excluída
16
Acerca da revolução passiva enquanto marca da formação social brasileira, Vianna (2004, p. 43)
nos mostra que no Brasil tem se classificado como revolução movimentos políticos que na
realidade só existiram “na firme intenção de evitá-la.” Fatos como a Revolução da Independência,
Revolução de 1930, Revolução de 1964 configuram “uma dialética brasileira em que a tese parece
estar sempre se autonomeando como representação da antítese.” Outros trabalhos que discutem
a questão da revolução passiva na realidade brasileira são: Nogueira (1998) e Coutinho (1988).
65
ou que tem seus direitos violados. No âmbito dos direitos civis, por exemplo,
convive-se em pleno século XXI com situações de graves violações desses
direitos, como o trabalho escravo, o qual ao mesmo tempo em que constitui uma
violação de direitos trabalhistas é também uma negação de um direito civil mais
elementar que é a liberdade de ir e vir.
Assim, a história dos direitos no Brasil é feita de pequenas conquistas e
de uma persistente prática de sua negação. No âmbito dos direitos políticos,
conforme nos mostra Carvalho (2001, p. 30-31), o direito de voto, por exemplo,
teve início com a Constituição de 1824, a qual, segundo o autor, é bastante
avançada em relação à legislação eleitoral de outros países, ao permitir o voto do
analfabeto. Apesar de haver o critério de renda, este, na realidade, não excluía do
direito de voto a maioria da população trabalhadora, já que os que trabalhavam
recebiam salários superiores ao limite de renda estabelecido (100 mil réis). Com
isto, em 1872, 13% da população brasileira votava. Um índice alto, segundo
Carvalho, se comparado à participação eleitoral em países europeus, como a
Inglaterra (em que a participação era de 7%), a Itália (de 2%) e Portugal (de 9%).
Se, do ponto de vista formal, havia avanços nos direitos políticos, nas
condições objetivas para sua realização predominou o retrocesso. O direito de
voto não significava, portanto, participação efetiva na escolha dos dirigentes da
nação. Como 85% da população do país era analfabeta, isso implicava, conforme
Carvalho, a existência de um eleitorado incapaz “de ler um jornal, um decreto do
governo, um alvará da justiça”, assim como não tinha “noção do que fosse um
governo representativo, do que significava o ato de escolher alguém como seu
representante político.” (CARVALHO, 2001, p. 32).
Além disso, os processos eleitorais eram marcados por toda forma de
“malandragem eleitoral” com a falsificação de atas e de resultados eleitorais.
Nesse contexto, o exercício do voto não se constituía participação na vida política
do país. Ao contrário, “era um ato de obediência forçada, ou, na melhor hipótese,
um ato de lealdade e de gratidão. À medida que o votante se dava conta da
importância do voto para os chefes políticos, ele começava a barganhar mais, a
vendê-lo mais caro” (CARVALHO, 2001, p. 32; 35).
Ao lado disso, até 1930 predominou, no país, o tratamento da questão
social como caso de polícia. Neste campo, ao invés de direitos civis, políticos e
sociais se efetivou muito mais o favor, a tutela e a repressão intensa às iniciativas
66
de organização e manifestação da classe trabalhadora. Conforme Santos (1987,
p. 65), “entre 1893 e 1927, é possível relacionar pelo menos cinco leis repressivas
da atividade político-sindical do operariado urbano, todas visando, sobretudo, à
expulsão de trabalhadores estrangeiros por motivos de militância sindical.”
Assim, os direitos sociais vão surgir muito lentamente e assim como os
demais direitos, sua existência será muito mais uma formalidade. A primeira
conquista nesse campo foi o Código de Menores de 1927. Daí até 1930 nenhum
outro direito foi assegurado, apesar das lutas operárias pela regulação da jornada
de trabalho, das condições de higiene, do repouso semanal, das férias, do
trabalho de menores e de mulheres e por indenizações frente aos acidentes de
trabalho (CARVALHO, 2001, p. 63).
Após 1930, predominou o que Wanderley G. Santos (1987) denominou de
“cidadania regulada”, com a garantia de direitos sociais, apenas aos que se
encontravam incluídos no mercado de trabalho. Uma cidadania que não
incomodava às classes dominantes, visto que assegurava tão somente os direitos
do cidadão como eleitor e como trabalhador, incluído no mercado formal de
trabalho17. Neste contexto, a Carteira Profissional era, conforme Santos (1987, p.
69) “uma certidão de nascimento cívico.”
Contudo, o período 1930-1945 pode ser considerado um tempo de
avanços no campo dos direitos sociais, com a implantação de grande parte da
legislação trabalhista e sindical. Destaca-se neste período, a promulgação da
Consolidação das Leis do Trabalho (1943), a criação do Salário Mínimo (pela
Constituição de 1934, tendo sua implantação em 1940) e a criação dos Institutos
de Aposentadoria e Pensão (IAPM’s). Estes, substituem as Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAP’s), criadas no período anterior (a partir de 1923
com a Lei Eloy Chaves) e que atendiam às categorias mais organizadas, como os
ferroviários e os marítimos. A respeito do significado das conquistas deste
período, Vera Telles afirma:
Na história aberta em 1930, o Estado irá atribuir estatuto civil a
uma gente que só encontrava lugar nas relações de favor e estava
17
Hoje, conforme Cocco (2001, p. 88), do ponto de vista do capital e do crescimento econômico,
diante das transformações no mundo do trabalho, “a cidadania não é mais o fruto da inserção
produtiva, mas a condição desta, todas as problemáticas das correlações integração-exclusão,
desenvolvimento-desigualdade se transformam. Ou seja, a desigualdade torna-se a causa e não
mais a conseqüência do crescimento lento.”
67
sujeita à arbitrariedade sem limites do mando patronal. Esse
estatuto civil será definido pelo trabalho, como dever cívico e
obrigação moral perante a Nação. Com isso, é certo, o Estado
getulista conferiu ao trabalho uma dignidade que era recusada por
uma sociedade recém-saída da escravidão. E, através da
legislação trabalhista, quebrou a exclusividade do mando patronal,
colocando o espaço fabril no âmbito da intervenção estatal
(TELLES, 2001. p. 47)
O período seguinte, (1945-1964), foi marcado por avanços nos direitos
políticos, por meio do crescimento, tanto da participação eleitoral quanto das
iniciativas de organização popular em partidos, em sindicatos e em ligas
camponesas. Mas, é também um período que se caracteriza por avanços lentos
no campo dos direitos sociais (CARVALHO, 2001, p. 146; 190).
O período ditatorial, por sua vez, que se inicia em 1964 e vai até 1985, é
marcado pela forte repressão aos direitos civis e políticos, com um certo
investimento nos direitos sociais. No entanto, este fato, não é exclusividade deste
período específico, conforme Santos (1987, p. 89), uma característica da política
social brasileira é “de que os períodos em que se podem observar efetivos
progressos na legislação social coincidem com a existência de governos
autoritários.” O autor destaca, neste sentido, a era Vargas e o pós-1966.
Um exemplo disso foi a criação do Instituto Nacional de Previdência
Social – INPS e do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL nos
anos de ditadura. Este último contribuiu para o acesso dos trabalhadores rurais a
direitos dos quais até então estavam excluídos, como: aposentadoria por velhice;
aposentadoria por invalidez; pensão; auxílio-funeral; serviço de saúde e serviço
social. Além destes, nos anos 70, outras categorias foram incluídas na
previdência: os trabalhadores autônomos e os domésticos.
Contudo, o que marcou o período, em termos de política social, foi a
fragmentação das ações e a centralização das decisões no nível federal, com a
completa ausência dos usuários no seu processo decisório. Foram ações na sua
maioria destinadas a compensar carências e a oferecer legitimidade a grupos no
poder. Na realidade, conforme Vera Telles (2001, p. 22), trata-se de um modelo
de cidadania “dissociado dos direitos políticos e também das regras de
equivalência jurídica” e que tira “a população trabalhadora do arbítrio – até então
sem limite – do poder patronal, para jogá-la por inteiro sob a tutela estatal.”
68
A partir do final dos anos 1970, as lutas dos movimentos sociais
populares fizeram emergir no país o desejo de uma cultura democrática em torno
do uso dos recursos públicos, da participação da população no processo decisório
das políticas sociais públicas, assim como da atividade política baseada na ética.
Tais lutas asseguraram importantes conquistas no campo da cidadania, da
participação popular, da democratização do Estado e da sociedade. Mas, as
conquistas obtidas, na maioria das vezes reduzidas ao nível da legalidade,
encontram limites no agravamento das condições de vida da maioria da
população, na precarização do trabalho e todas as conseqüências daí
decorrentes.
Analisando a noção de cidadania que surge no Brasil, relacionada às
experiências dos movimentos sociais, no final dos anos 1980, Dagnino (1994, p.
107-115) distingue-a da visão liberal, ressaltando alguns elementos que
configuram o seu caráter inovador e estratégico. Em primeiro lugar, mostra a
noção de direitos que ela supõe, cujo ponto de partida é a concepção de “um
direito a ter direitos” e não diz respeito apenas às conquistas legais, mas inclui a
“invenção criativa de novos direitos.” É também uma noção de cidadania, que
surge ‘de baixo para cima’, como estratégia dos não cidadãos. Isto possibilita a
difusão de uma “cultura de direitos”, em que a cidadania se constitui como “uma
proposta de sociabilidade.”
A Constituição Federal de 1988, em certa medida, é resultante desse
processo e, conforme Barcellos (2004, p. 151), “fez uma clara opção pela
dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro e de sua
atuação.” Ela representa um marco na luta por direitos no Brasil. Contudo, as
práticas de negação de direitos para a maioria do povo brasileiro não se encerrou
com a promulgação do texto constitucional. Muitas marcas da forma como se
constituiu os direitos no Brasil ainda se fazem presentes, como o favor e a visão
do acesso a bens e serviços como doação, benesse do Estado ou dos
governantes.
Entretanto, é preciso lembrar que as conquistas na Constituição de 1988,
no âmbito dos direitos, dos quais é exemplar o artigo 6º do título “dos direitos e
69
garantias fundamentais”,18 resultaram da mobilização da sociedade civil
organizada; sobretudo através das Plenárias Pró-Participação Popular na
Constituinte. Tais Plenárias, conseguiram encaminhar inúmeras emendas de
iniciativa popular, sustentadas por 13 milhões de assinaturas. Com isso, apesar
do caráter conservador do Congresso Constituinte, foi possível obter avanços
significativos no âmbito dos direitos.
A Constituição de 1988 é, pois, resultado do jogo de forças presentes no
processo constituinte. Ela avança em relação às constituições anteriores, mas, ao
mesmo tempo, está aquém das aspirações populares, em muitos aspectos.
Analisando o texto constitucional, sobretudo, do ponto de vista da cidadania,
Márcia Leite (1993, p.10) afirma que este revela “um modelo de cidadania que
incorpora tanto a visão liberal quanto direitos e prerrogativas de outras matrizes
políticas.” Os direitos civis por exemplo, aparecem, conforme a autora, formulados
a partir da matriz liberal, consistindo na “igualdade legal, no direito à propriedade,
nas diversas liberdades individuais cuja limitação exclusiva encontra-se na lei e
na segurança.”
Contudo, ainda conforme Leite (1993, p. 10), a Constituição de 1988,
também incorporou novas garantias que apontam para a possibilidade de defesa
dos direitos civis: o direito à informação, o habeas-data, o mandato de injunção, a
gratuidade das ações de habeas-data, habeas-corpus, direito de petição e o
mandato de segurança.19 Em nível dos direitos políticos, a atual Constituição
opera com uma concepção de “cidadania liberal-democrática, que enfatiza o
exercício da soberania popular através do sufrágio universal e da democracia
representativa”, inclusive ampliando os direitos de cidadania, à medida que
garante direito de voto aos analfabetos e maiores de 16 anos.
18
O Artigo 6º da Constituição Federal de 1988 afirma: “São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
19
Estes direitos, aparecem no Capítulo I do Título II da Constituição de 1988. O direito à
informação (XXXIII), assegura que todo cidadão tem direito de receber informações de órgãos
públicos, sejam elas de interesse particular ou coletivo. O mandato de injunção (LXXI), por sua
vez, é um instrumento que assegura a aplicação dos direitos e liberdades que não se encontram
regulamentados. O habeas-corpus (LXVIII) e habeas-data (LXXII) são instrumentos que
asseguram, no caso do primeiro, a defesa do cidadão diante de situações que constituem ameaça
de violência, coação e abuso de poder, e no caso do segundo, permite a todo cidadão conhecer
as informações existentes em entidades públicas sobre sua pessoa, inclusive para a retificação
dos dados. O direito de petição (LXXII), possibilita a todo e qualquer cidadão propor ação popular
para anular atos lesivos aos interesses públicos. O mandato de segurança (LXX), constitui um
instrumento de defesa coletiva de direitos e pode ser requerido por partidos, sindicatos, entidades
de classe e associações (BRASIL, 1988).
70
Para Márcia Leite (1993, p. 13), “os institutos da democracia liberal
representativa e a validação eleitoral de projetos políticos são instrumentos
fundamentais para o desenvolvimento da democracia.” Entretanto, ela ressalta
que, na realidade brasileira, esses institutos “associam-se a uma cultura e
institucionalidade políticas que minam suas possibilidades.” Ressalta, neste
sentido, entre outras coisas, a nossa “forte tradição clientelista e fisiológica
enraizada nas concepções e práticas dos atores políticos e sociais”20 o que
combina-se a uma “frágil cultura cidadã” na qual “parcela considerável da
população brasileira ainda se identifica como clientela daqueles que detêm o
poder.”
Contudo, a Constituição de 1988, incorporou a riqueza da experiência
realizada pela sociedade civil no seu processo de elaboração do texto
constitucional, por meio das Plenárias Pró-Participação Popular na Constituinte,
que mobilizaram movimentos sociais, partidos políticos e diferentes organizações
da sociedade civil, sobretudo, os setores populares, com o objetivo de pressionar
os constituintes e formular emendas constitucionais.
Neste sentido, conforme
Leite (1993, p.13),
[...] transcendendo a matriz liberal-democrática o novo texto
constitucional afirma a possibilidade do exercício direto do poder
pelo povo (Art. 10, parágrafo único). Paralelamente ao instituto
tradicional das democracias representativas (o sufrágio universal
com voto direto e secreto) define o plebiscito, o referendo e a
iniciativa popular legislativa como instrumentos da soberania
popular (Art. 14) em todos os níveis de governo. Esta inovação,
radicalmente oposta à experiência política brasileira, amplia o
conteúdo dos direitos de cidadania no que se refere à liberdade
positiva dos cidadãos através de sua participação direta na
produção do poder político.
Sobre esta questão, Benevides (1991, p. 13) considera ser provável que
boa parte dos constituintes que aprovaram esses institutos de democracia
semidireta, o tenham feito acreditando que, dificilmente seriam implementados,
20
Márcia leite ressalta que além desta forte tradição clientelista, há outros elementos da nossa
cultura política que na sua análise, minam a possibilidade da efetiva realização dos institutos da
democracia liberal-representativa, como a existência de “sobre-representação política dos estados
com menor população e maior predomínio de oligarquias locais, partidos sem nitidez políticoideológica e desvinculados das aspirações da sociedade civil, ausência de controle público sobre
um poder político fortemente centralizado em todos os níveis” tudo isso, acaba por restringir a
participação popular no processo decisório (LEITE, 1993: 13).
71
como ocorre com a antiga fórmula ‘todo poder emana do povo e em seu nome é
exercido’ que sempre foi letra morta, nunca se efetivou na vida do povo brasileiro.
Decorridos 17 anos da aprovação do texto constitucional, como se
configuram os direitos hoje no Brasil? A partir da segunda metade dos anos
1980, a realidade brasileira tem sido marcada por um duplo movimento: por um
lado, uma sociedade civil heterogênea, complexa, mas com significativas
mobilizações e organizações de setores progressistas, cujas lutas conseguiram
contribuir para a inclusão, no texto constitucional, de direitos que jamais haviam
sido conquistados, como o direito à educação e à seguridade social pública,
universal, direitos de todos e dever do Estado, integrada pela saúde, assistência e
previdência.
Por outro lado, há o aprofundamento da crise econômica, cuja face mais
visível, até 1994, era a inflação crescente, e pelo avanço, em nível internacional,
da crítica neoliberal ao Estado de Bem Estar e em defesa do Estado mínimo. Com
isso, na contramão das conquistas da Constituição brasileira de 1988 tem-se, em
nível internacional e local, a aplicação do receituário neoliberal como alternativa
frente à crise econômica, o qual vem, até hoje, investindo na promoção do
desmonte dos sistemas de proteção social nos países do capitalismo central.
Nos países de capitalismo periférico, esta realidade também se faz
presente, sobretudo por meio da imposição do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional (FMI) no sentido da implementação das orientações do
chamado “Consenso de Washington.”21 Segundo Fiori (1997, p. 12), tais
orientações ou recomendações contemplavam uma estratégia seqüencial em três
fases:
[...] a primeira consagrada à estabilização macroeconômica, tendo
como prioridade absoluta um superávit fiscal primário envolvendo
invariavelmente
a
revisão
das
relações
fiscais
intergovernamentais e a reestruturação dos sistemas de
previdência pública; a segunda dedicada ao que o Banco Mundial
vem chamando de ‘reformas estruturais’; liberação financeira e
21
A esse respeito ver Fiori (1997). Trata-se de documento escrito por John Williamson propondo
um plano único de ajuste para as economias periféricas e que a partir de 1993 foi adotado pelo
Fundo Monetário Internacional - FMI e pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento – BIRD, e aplicado em vários países do mundo (mais de sessenta, segundo
Fiori), como o programa de estabilização capaz de viabilizar as reformas preconizadas pelo Banco
Mundial. Fiori mostra que a coerência entre as proposições de John Williamson e o Plano Real no
Brasil não é mera coincidência.
72
comercial, desregulamentação dos mercados, e privatização das
empresas estatais; e a terceira etapa definida como a da
retomada dos investimentos e do crescimento econômico
(FIORI,1997, p. 12).
Trata-se de um programa de ajuste, que tem contribuído para o
aprofundamento da miséria e da exclusão e secundarizado qualquer ação pública
destinada ao enfrentamento da questão social. Na realidade brasileira, os efeitos
das políticas neoliberais tendem a ser mais perversos do que nos países centrais,
não só pela ausência de um Estado de Bem Estar Social, ou de um sistema de
proteção social consolidado. Aliado a isto, tem-se os efeitos de uma cultura
política, fundada no privilégio dos que sempre mandaram, na qual predomina as
relações de mando, o autoritarismo e a prepotência. Uma realidade que
aprofunda o que Vera Telles (2001) chama de “incivilidade” presente na vida
social brasileira. Uma incivilidade que se ancora, segundo a autora, em um
imaginário que
[...] fixa a pobreza como marca da inferioridade, modo de ser que
descredencia indivíduos para o exercício de seus direitos, já que
percebidos numa diferença incomensurável, aquém das regras de
equivalência que a formalidade da lei supõe e o exercício de
direitos deveria concretizar (TELLES, 2001, p. 21).
Neste contexto, o tardio processo de conquista de direitos no Brasil
caminha na contramão da tendência internacional da perda de direitos como
produto das políticas de ajuste neoliberal. Conforme mostra Tavares (2001, p.
172) tais propostas de ajuste econômico e estrutural, sobretudo na América
Latina, têm em comum o fato de estarem “calcadas na âncora cambial” (o que
envolve: sobrevalorização cambial; juros internos altos; medidas de liberalização
financeira; entrada de capitais especulativos de curto prazo; riscos e estabilização
evidente na balança de pagamentos do país). Assim, “a emissão de títulos da
dívida pública trouxe, aliada à política de juros alto, um aumento incontrolável da
dívida interna.”
O Brasil, conforme a autora, passou a adotar o programa de ajuste
neoliberal tardiamente. Por isso “entrou na fase das chamadas ‘medidas
corretivas do ajuste preconizado pelo Consenso de Washington, combinando
medidas ortodoxas no campo econômico com propostas ditas de reforma do
73
Estado.” Ao lado disso, foram implementados os programas de ‘alívio’ para a
pobreza com vistas a enquadrar-se “no chamado Ajuste com Rosto Humano
proposto por alguns organismos internacionais como PNUD.” Mas, o ajuste
brasileiro tornou-se recessivo, gerando “queda nos salários, redução do emprego,
informalidade nos negócios, evasão de impostos e diminuição da base de
arrecadação tributária” (SOARES, 2001b, p. 172).
O resultado para a política social e para os direitos sociais de um modo
geral , conforme Soares (2001b, p. 181), foi um retrocesso, com raras exceções,
para políticas “focalistas, emergencial e parcial onde a população pobre tem que
dar conta dos seus próprios problemas.” Esta lógica normalmente vem embutida
num discurso que enfatiza a ‘participação comunitária’, a ‘auto-gestão’ e a
‘solidariedade’. A última palavra em matéria de política social atualmente tem sido
a ‘autosustentabilidade’. “Os pobres devem tornar-se ‘micro-empreendedores’
criando seus próprios ‘pequenos negócios’. É a nova cara da mercantilização do
social: tudo não só pode como deve ser resolvido no mercado, inclusive a
sobrevivência” (SOARES, 2004c, p. 2).
Diante disso, o período pós-Constituição de 1988, que poderia ser “a era
dos direitos” no Brasil, com a conquista de “sistemas verdadeiramente públicos e
universais que garantissem os direitos essenciais de cidadania” transformou-se
no acesso a “precários e mal financiados serviços públicos.” Para isso contribuiu o
fato de que muitas categorias de trabalhadores inseridos no mercado, mais
organizadas e de maior poder aquisitivo, não terem assumido a luta por políticas
públicas universais. Até mesmo as centrais sindicais nem sempre privilegiaram a
luta por políticas universais. A análise da trajetória da Central Única dos
Trabalhadores - CUT, por exemplo, poderá revelar que a defesa de políticas
públicas universais não foram prioridade na agenda de lutas da central. A esse
respeito Ana Elizabete Mota (2004, p. 6) afirma:
[...] a partir do final dos anos 1970 e em função da conjuntura
política de então, os trabalhadores do núcleo dinâmico da
economia dirigiram para as pautas dos acordos coletivos de
trabalho as suas reivindicações relativas à saúde, previdência e
assistência social como parte dos seus contratos de trabalho, com
a mesma importância e intensidade com que lutavam por
melhores salários, direito de greve, condições de trabalho, etc.
Os desdobramentos desta estratégia implicaram numa
contradição: ao mesmo tempo em que os trabalhadores do núcleo
74
dinâmico da economia conseguiam que as empresas atendessem
suas necessidades como parte dos seus contratos de trabalho,
também estava em gestação um processo de enfraquecimento da
luta coletiva dos trabalhadores por políticas públicas de proteção
social.
Diante disso, é possível afirmar que, no Brasil, a luta por políticas públicas
universais e por direitos sociais de uma forma geral, esteve muito mais presente
no leque de preocupações dos movimentos sociais populares22 do que do
movimento sindical, sempre muito mais corporativista. Corporativismo este, aliás,
que conforme José Paulo Neto (2004), constitui um limite na luta por direitos, foi e
continua sendo até hoje o “caminho da liquidação da luta por direitos no Brasil.”
Se, por um lado, ele garante ganhos para algumas categorias, “liquida a luta por
direitos universalizados.” Em torno dessa questão é que Ana Elizabete Mota
(2004, p. 6) encontra explicação para o comprometimento de integrantes do
governo atual23 com as reformas neoliberais da seguridade social:
Hoje, podemos constatar como aquela história iniciada nos
“gloriosos” anos 1980, no apogeu do processo de organização do
novo sindicalismo se tornou uma das principais mediações
políticas que permitiram, ao lado da precarização do trabalho, do
desemprego, do enfraquecimento do movimento sindical e da
ofensiva neoliberal, transformar o núcleo de resistência vinculado
ao trabalho no núcleo de apoio às reformas da seguridade social
no atual governo.24
Contudo, é preciso considerar algumas conquistas que Soares (2004c, p.
3/7) considera como importantes patrimônios no âmbito das políticas sociais, os
quais continuam a exigir preservação e proteção frente às tentativas do desmonte
neoliberal. Estes patrimônios são, segundo a autora, o Sistema Único de Saúde –
22
A esse respeito é possível destacar movimentos que desde os anos 1970 lutam por políticas
universais: o movimento estudantil (educação), o movimento de mulheres, os movimentos por
saúde, por transporte, por creche (sobretudo em São Paulo e Belo Horizonte nos anos 70). Mais
recentemente, o Movimento dos Sem Terra, os movimentos por moradia etc. Um trabalho que
oferece um mapeamento dos movimentos sociais no Brasil até os anos 90 do século XX é o de
GOHN, Maria da. História dos Movimentos e Lutas Sociais: a construção da cidadania dos
brasileiros. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
23
A referência é, sobretudo, aos integrantes do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos
Trabalhadores, que construíram o chamado “novo sindicalismo” e a história da classe trabalhadora
no país nos anos 1970-1980, que possuem vínculos com grandes categorias, como metalúrgicos,
bancários, previdenciários, e que se encontram hoje ocupando funções no primeiro escalão do
governo federal e têm assumido posições de claro comprometimento com as reformas neoliberais
no âmbito da seguridade social.
24
Em torno dessa questão apresentada por Ana Elizabete ver Oliveira (2003).
75
SUS que é o “único sistema unificado de acesso universal na América Latina” e
tem sido “a única e a mais relevante alternativa de assistência à saúde para
parcelas majoritárias da população brasileira”; a Previdência Rural, “também
única na América Latina” e que se constitui em uma renda decorrente de um
direito social de todos os que trabalham no campo. Como tal, é uma conquista
que confere dignidade a estes. Outros patrimônios citados por Soares são a
Educação Básica, a Merenda Escolar e os programas de transferência de renda,
apesar das suas enormes limitações e reduzido alcance frente a população
indigente do país de aproximadamente 44 milhões de pessoas (SOARES, 2004c,
p. 2).
Os programas de transferência de renda que têm sido implementados no
Brasil, conforme Sposati (2004a, p. 29), “não ingressam no campo dos direitos
sociais.” Para a autora, contribui para isso a alta seletividade adotada, a
substituição das relações sócio-educativas e humanas com o usuário por
“processos informatizados e inflexíveis, sob a justificativa de impedir tradicionais
mecanismos de favor da cultura política coronelista e patrimonialista.” Nesta
lógica, parte-se do princípio de que ‘com dinheiro no bolso’ o indivíduo “escolherá
sua oportunidade no mercado.” Contudo, conforme enfatiza Sposati, para os mais
pobres dentre os pobres, que são os usuários dos programas de transferência de
renda, a atenção às suas necessidades exige muito mais: “acessos sociais,
acessos urbanos, ofertas intersetoriais, oferta de emprego, saúde, apoios
familiares, transporte, endereço para receber carta, entre outras tantas
necessidades.”
Mesmo
possuindo
muitas
limitações,
tais
programas
têm
sido,
recentemente, alvo de constantes críticas por parte da elite brasileira que exige
“maior controle dos pobres”. Um exame das manifestações explicitadas pela
imprensa em torno do assunto feito por Soares (2004d) revelou que os
questionamentos vão desde a acusação de que o governo federal superestimou o
número de pobres no país ao definir a população a ser beneficiada pelo Programa
Bolsa Família, até a afirmação do ‘excessivo’ valor das bolsas pagas, o qual varia
entre R$ 50,00 e R$ 90,00. Conforme matéria do jornal Folha de São Paulo de 31
de março de 2005,
76
[...] o país não sabe quantos brasileiros são pobres. Considerando
os 170 milhões contados pelo Censo 2000, podem ser 8 milhões
de pobres, se o critério for sobreviver com pelo menos US$ 1
(cerca de R$ 3,00) por dia; ou 52,3 milhões, se com uma renda
mínima mensal de meio salário mínimo por pessoa (R$ 130,00 em
valores atuais). Se for para o Bolsa-Família, principal programa de
transferência de renda do país, o corte é R$ 100/mês por pessoa.
Nesse caso, seriam 42 milhões de pobres (METAS..., 2005, p. 3).
Conforme estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(2005, p. 50-53), com uma população de mais de 170 milhões de habitantes, o
Brasil possui 53,9 milhões de pessoas pobres (31,7%), vivendo com uma renda
familiar per capita de até meio salário mínimo. Além destes, 21,9 milhões de
pessoas são indigentes (12,9%) ou muito pobres, sobrevivendo com renda per
capita de até um quarto do salário mínimo. A outra face desta realidade é a de
que o 1% mais rico dos brasileiros ou 1,7 milhão de pessoas se apropriam de
13% da renda nacional. Enquanto isso, os 50% mais pobres ou 86,9 milhões de
pessoas ficam com 13,3% da renda.
A respeito das disparidades observadas nas análises estatísticas sobre
pobreza e indigência no Brasil Vera Telles (1998, p. 9/14), afirma a existência de
uma “batalha estatística”, que decorre da inexistência de uma definição quanto a
patamares de qualidade de vida a serem garantidos a todos. Tudo se reduz “a
uma combinação de critérios supostamente científicos para definir a pobreza.”
Com tal diversidade de indicadores uma das conseqüências é a dificuldade em
conhecer qual é o real tamanho da pobreza no Brasil. Aliado a isto os critérios de
acesso aos programas, cada vez mais focalistas exclui de bens e serviços muitos
dos que necessitam. Juntos, indicadores e critérios de acesso conseguem “a
proeza de fazer os pobres desaparecerem do cenário oficial” afirma (TELLES,
1998, p. 8).
Conseguem assim, transformar a questão social em “problema a ser
administrado tecnicamente ou problema humanitário que interpela a consciência
moral de cada um” (TELLES, 1998, p. 19). Estes argumentos revelam a natureza
conservadora das críticas da elite e da imprensa burguesa ao Programa Bolsa
Família. Na essência sob o discurso contra a corrupção e o desvio de verbas
públicas, elas trazem a defesa do Estado mínimo e a visão neoliberal de que cada
77
um deve resolver as suas necessidades no mercado e de que o aumento do
gasto social implica desperdício de recursos públicos.
Outro aspecto da questão dos direitos no Brasil é de que, se em algumas
áreas, foi possível conquistar uma legislação avançada, ela não se efetivou no
cotidiano dos seus destinatários. Algumas áreas são exemplares neste aspecto,
como as políticas de Seguridade Social e da Criança e do Adolescente. Com
relação a esta última, decorridos 15 anos da aprovação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), ele ainda não conseguiu se traduzir na efetivação dos
direitos para esta parcela da população brasileira, sobretudo os mais pobres. Ao
contrário, ainda persistem no país as práticas de menorização da infância pobre,
inúmeras formas de abuso e maltrato de crianças e de adolescentes, em
decorrência da falta de políticas públicas que assegurem direitos a estes
brasileiros/as. Se, por um lado, a educação básica universal foi conquistada, em
todos os níveis de governo, é precária a atenção para com a faixa etária de 0 a 06
anos, que exige atendimento em creches e educação infantil de qualidade.
Assim, a violação de direitos ainda é muito presente no país e as políticas
públicas destinadas a assegurá-los não se efetivam. No “Informe 2004”,
documento publicado recentemente pelas Relatorias Nacionais em Direitos
Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (RELATORIAS..., 2005, p. 98)25,
constata-se que tais políticas: “atendem apenas à obrigação de prover serviços e,
ainda não incorporam a dimensão de direitos humanos” e, como tal, marcadas por
práticas
discriminatórias
e
clientelistas;
“não
possuem
instrumentos
de
monitoramento; não dispõem de um mecanismo claro e acessível de prestação de
contas; não contemplam a participação social e não vislumbram a indivisibilidade
dos direitos.”
25
O “INFORME 2004” é uma publicação anual da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos
Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil). Uma Rede nacional de articulação de
organizações da sociedade civil que trabalham com a temática dos direitos humanos. Foi fundada
em novembro de 2000 e propõe-se a estabelecer um amplo debate sobre a indivisibilidade e
universalidade entre os direitos. Uma das suas ações é o monitoramento da implementação dos
direitos humanos no país por meio do “acompanhamento do processo de revisão e aplicação dos
direitos econômicos, sociais e culturais.” Para tanto, “criou a figura dos relatores nacionais com a
finalidade de desenvolverem processos de consulta ao nível nacional sobre a situação dos direitos
humanos, econômicos, sociais e culturais no Brasil.” O “INFORME” é resultado da ação desta rede
e inspira-se na experiência de Relatores Especiais das Nações Unidas. Atualmente, existem seis
relatores nacionais que têm a tarefa de investigar a violação aos seguintes direitos: à alimentação,
água e terra rural; ao meio ambiente; à saúde; à moradia adequada e à terra urbana; à educação;
e ao trabalho. Para mais informações acessar a página da Plataforma DhESC Brasil:
www.dhescbrasil.org.br.
78
Entre as dificuldades para efetivar direitos no Brasil, os relatores
destacam o fato de que as normas que instituem as políticas públicas destinadas
a garantir os direitos monitorados (à alimentação, água e terra rural; ao meio
ambiente; à saúde; à moradia adequada e à terra urbana; à educação; e ao
trabalho) não explicitam direitos e responsabilidades e não “estabeleceram
mecanismos claros de recurso administrativo visando a garantia da realização dos
direitos, ou a investigação e reparação de possíveis violações dos mesmos”
(RELATORIAS..., 2005, p. 98).
Ao lado disso, uma outra dificuldade reside no “desconhecimento das
normas
de
direitos
humanos
pelos
cidadãos,
gestores,
e
servidores”
(RELATORIAS..., 2005, p. 99). A esse respeito, José Murilo de Carvalho (2001, p.
99) ressalta que uma pesquisa realizada na região metropolitana do Rio de
Janeiro, em 1997, mostrou que “57% dos entrevistados não sabiam mencionar
um só direito e só 12% mencionaram algum direito civil.” No âmbito da presente
pesquisa esta também foi uma questão observada.
De um modo geral, os direitos e o direito à assistência social, de modo
particular, é pouco conhecido entre os gestores, técnicos, usuários e conselheiros
pesquisados. Ainda é muito presente, por exemplo, a noção de assistência
enquanto ajuda, benevolência, solidariedade da sociedade ou do Estado para
com os necessitados, pronto socorro social, como será demonstrado nos
capítulos que analisam os dados primários do presente estudo.
Nesse contexto, no “Informe 2004”, os relatores concluem que “inexiste
no Brasil, uma cultura de direitos: as pessoas desconhecem seus direitos e
responsabilidades, as autoridades não se comprometem e, muitas vezes, são
obstáculos à realização dos direitos humanos” (RELATORIAS..., 2005, p. 101).
Mas, ao mesmo tempo ressaltam como avanços as mobilizações na sociedade
civil protagonizada por Organizações Não-Governamentais - ONGs e movimentos
sociais, as quais tanto têm contribuído para efetivar direitos, quanto conseguido
trazer para suas lutas, novos atores, um deles é o Ministério Público, que em
muitos casos, por meio dos instrumentos como inquérito civil ou ação civil pública,
tem feito valer direitos em alguns estados e municípios do país.
79
2.3 Assistência social e cultura de direitos
Assim, num contexto marcado pelo crescimento da miséria, das
desigualdades sociais e de constantes violações de direitos, é que se coloca a
importância da assistência social como política pública no Brasil. Num país que
não chegou a construir um sistema de proteção social, em que a cidadania
sempre foi um privilégio para os incluídos no mercado, a defesa da política de
assistência
social,
na
perspectiva
dos
direitos,
da
justiça
social,
da
redistribuitividade e da cidadania, assume uma dimensão estratégica no sentido
de ampliar a capacidade das classes subalternas de alterar o já dado, e construir
novas possibilidades para a conquista de políticas sociais universalizantes, do
seu reconhecimento enquanto sujeitos de direitos e da construção da sua
hegemonia.
O exposto até aqui, parece indicar que chegou-se ao século XXI tendo,
por um lado, importantes conquistas no campo da cidadania, da participação
popular, da democratização do Estado e da sociedade, como resultado das lutas
sociais dos anos 1970-1980. Por outro lado, o avanço de tais conquistas, na
maioria das vezes, reduzidas ao nível da legalidade, encontra limites no
agravamento das condições de vida da maioria da população, na precarização do
trabalho em curso atualmente, e todas as conseqüências daí decorrentes, como a
violência. Uma sociedade, conforme Vera Telles (1994, p. 44),
[...] em que a descoberta dos direitos convive com uma
incivilidade cotidiana feita de violência, discriminações e
preconceitos. O eventual atendimento a reivindicações está longe
de consolidar direitos como referência normativa nas relações
sociais, de tal forma que conquistas alcançadas podem ser
desfeitas ou anuladas sem que isso suscite o protesto e
indignação de uma opinião pública crítica.
A partir da Constituição de 1988 e da LOAS, a assistência tornou-se uma
política de responsabilidade do Estado, direito do cidadão e, portanto, uma
política estratégica no combate à pobreza, e para a constituição da cidadania das
classes subalternas. Ao mesmo tempo, assim como em outras áreas de política
pública, de acordo com as definições legais, a gestão desta política passou a ser
80
efetivada por um sistema descentralizado e participativo, cabendo aos municípios
uma parcela significativa de responsabilidade na sua formulação e execução.
Assim configurada, abriu-se para a assistência social, juntamente com a
saúde e a previdência social, a possibilidade de se constituir como política pública
de seguridade social, direito do cidadão e dever do Estado. Independente dos
problemas de ordem política, gerencial e estrutural que esta política enfrenta, a
partir de 1988 e, principalmente a partir da LOAS, tem-se um aparato legal,
normativo, que pode assegurar a criação de um novo padrão de gestão nesta
área e novas práticas sociais e políticas.
Mas, as possibilidades têm sido acompanhadas de muitas incertezas e
dificuldades para efetivação desta política pública. Aldaíza Sposati (2001a, p. 5758) tem chamado a atenção para a “regressividade na assistência social, apesar
dos aparentes avanços no perfil institucional de sua gestão.” A regressividade,
segundo a autora, apresenta-se no seu não reconhecimento como política de
seguridade social, na ausência de definição das “seguranças que a assistência
social deve prover à população”, no predomínio de “relações conservadoras entre
assistência social e organizações sociais sob a égide da filantropia” e “no
desconhecido impacto dos gastos públicos no âmbito da assistência social entre
as três esferas governamentais [...], o que impede o controle social nessa área de
ação.” 26
Apesar das limitações, da “imensa fratura entre o anúncio do direito e sua
efetiva possibilidade” como afirma Yazbek (2004a, p. 26), as conquistas do ponto
de vista legal e institucional podem contribuir para a afirmação da Assistência
Social como política social orientada por padrões de universalidade e justiça. Uma
política capaz de devolver a dignidade, a autonomia, a liberdade a pessoas que
se encontram em situações de exclusão, abrir possibilidades para que estas
pessoas existam enquanto cidadãos(ãs) e para a incorporação de uma cultura de
direitos pela sociedade civil. Por este caminho, o horizonte que a política de
assistência social permite chegar, talvez, seja o da cidadania.
26
Importante lembrar que a Política Nacional de Assistência Social aprovada em setembro de
2004 pode contribuir para a superação de algumas dessas “regressividades” ao definir que a
proteção social proposta no âmbito da referida política deve garantir as seguranças de
sobrevivência (rendimento e autonomia); de acolhida e de convívio ou vivência familiar (BRASIL,
2004, p. 25).
81
Mesmo que este seja um horizonte limitado e incapaz de pôr fim aos
mecanismos geradores da desigualdade na sociedade capitalista é preciso
considerar o seu significado dentro de cada contexto histórico. E, na realidade
brasileira, a conquista da cidadania pelas classes subalternas não pode ser o
horizonte de um projeto de transformação desta sociedade, mas, não é pouco,
dada a forma como historicamente se constituiu a cidadania neste país.
Ao falar de cidadania a referência aqui não é apenas aos clássicos
direitos civis, políticos e sociais. A cidadania é aqui considerada em sentido
amplo. Envolve além destes direitos, novos direitos, “o direito a ter direitos” e o
protagonismo das classes populares pela sua efetivação e pela conquista de
direitos antigos e novos. Conforme Nogueira,
Nas últimas décadas a cidadania dilatou-se de forma inédita e
inusitada. O campo dos direitos está hoje definido pela reiteração
de antigas conquistas (direitos civis e políticos), pela oscilação dos
direitos sociais e pela afirmação incessante de ‘novos direitos’,
que recobrem territórios tão vastos quanto o meio ambiente, a
sexualidade, a bioética [...]. Paralelamente à reiteração jurídico
formal dos direitos, continuam a se multiplicar as situações de
desrespeito, preconceito, exclusão e indiferença, assim como
continuam a se prolongar as situações de marginalidade,
desproteção e arbítrio (NOGUEIRA, 2004b, p. 3, grifo do autor).
Assim, na direção de uma cidadania que busca continuamente a
afirmação de antigos e novos direitos, no Art. 1º da LOAS a assistência é definida
da seguinte forma:
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é
política de Seguridade Social não contributiva, que provê os
mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de
ações de iniciativa pública e da sociedade para garantir o
atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 2004a, p. 7).
A afirmação da assistência como política que provê “mínimos sociais”
explicitada no texto da LOAS, nada tem a ver com a noção de mínimo defendida
no programa de ajuste neoliberal, que supõe o não comprometimento do Estado
com a redução das desigualdades sociais. Contra a opção neoliberal
por
mercantilizar serviços sociais, que são direitos constitucionais, Vieira (1998, p. 19)
argumenta que “países desenvolvidos asseguram mínimos sociais porque sabem
que esta é uma forma de conter o processo de aprofundamento da miséria. A
82
miséria não gera consciência e solidariedade, mas gera mais miséria.” Ao mesmo
tempo em que ela limita e às vezes destrói a capacidade dos dominados de se
organizarem com vistas a transformações na realidade vivida. A miséria, ainda
conforme Vieira “não cria consciência da miséria, e sim miséria da consciência.”
Conforme Aldaíza Sposati,
[...] a noção de mínimos sociais não é antagônica ao suposto
neoliberal da seletividade e focalismo. Mas é sem dúvida alguma
ao princípio liberal que entende o enfrentamento dos riscos
(sociais e econômicos) como de responsabilidade individual e não
social [...]. Propor mínimos sociais é estabelecer o patamar de
cobertura de riscos e de garantias que uma sociedade quer
garantir a todos os seus cidadãos. Trata-se de definir o padrão
societário de civilidade. Neste sentido ele é universal e
incompatível com a seletividade ou focalismo (SPOSATI, 1997, p.
10, grifos da autora).
Para a autora (1997, p.13-15), “estabelecer mínimos sociais é mais que
um ato jurídico ou um ato formal, pois exige a constituição de um outro estatuto
de responsabilidade pública e social.” A assistência social e a proposição de
mínimos sociais não se colocam numa concepção “minimalista” fundada no limiar
da sobrevivência, mas numa concepção de mínimos sociais que a considera
“ampla e cidadã” e que se fundamenta num “padrão básico de inclusão”. Esta
perspectiva supõe as seguintes garantias: sobrevivência biológica, condições de
poder trabalhar, qualidade de vida, desenvolvimento humano e atendimento às
necessidades humanas.
Além do exposto, alguns elementos parecem centrais no texto da LOAS
enquanto definições que apontam para a afirmação da assistência social como
política social pública e de seguridade social, os quais podem também contribuir
para a formação de uma cultura de direitos no âmbito desta política, à medida que
a coloca no patamar de política social, sob a responsabilidade do Estado (e não
caridade entregue a sociedade) e inclui a noção de acesso universal aos seus
projetos, programas e serviços.
A LOAS pode contribuir para a formação de uma cultura que supõe
compromisso público, não com patamares aceitáveis de pobreza, mas com a
erradicação desta; não com serviços pobres e de baixa qualidade para os mais
empobrecidos, mas com serviços de qualidade e atendimento com dignidade para
83
todos os seus usuários. Uma cultura que, ao colocá-la no patamar de política
social pública com instrumentos de controle social, cria as condições para pôr fim
à sua utilização eleitoreira, paternalista e clientelista. Assim, merecem destaque
na LOAS (BRASIL, 2004a):
a. ter a organização da assistência social estruturada a partir dos
princípios da descentralização político-administrativa, da participação da
população na formulação da política e no controle das ações e da
primazia da responsabilidade do Estado na condução da política em
cada esfera de governo (Art. 5º). Neste último princípio, explicita-se a
obrigação dos governos (federal, estadual e municipal) com a sua
concretização,
apesar
da
significativa
presença
das
chamadas
“entidades de assistência social” na execução das ações;
b. conceber a assistência como direito não contributivo (Art. 1º). Ninguém
necessita comprovar contribuição para ter acesso a esta política
pública. Ao mesmo tempo, que afirma a supremacia do atendimento às
necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica,
a universalização dos direitos27 e o respeito à dignidade do cidadão (Art.
4º, inciso I);
c. afirmar a oferta de um conjunto de ações na forma de benefícios,28
serviços programas e projetos de assistência social os quais, sobretudo
os três últimos, ao serem implementados de forma descentralizada e a
partir da realidades de cada município “pode romper com a lógica
contratual, restritiva que preside as prestações monetárias de
substituição de renda e reforçar o dever do Estado para com os
cidadãos” (BOSCHETTI, 2003b, p. 81);
27
Conforme Boschetti (2003b, p. 83), o princípio da universalidade “indica que a assistência social
deve ser entendida e implementada tendo como horizonte a redução das desigualdades sociais.
Isto não significa que os direitos assistenciais devam ser garantidos a todos os cidadãos, pobres e
ricos indiscriminadamente, mas que é preciso agir no sentido de buscar a inclusão dos cidadãos
no universo de bens, serviços e direitos que são patrimônio de todos, viabilizando-se mediante a
vinculação orgânica da assistência social com as demais políticas econômicas e sociais.”
28
Conforme Sposati (2004, p.127), “O Benefício de Prestação Continuada - BPC é o primeiro
mínimo social não contributivo garantido constitucionalmente a todos os brasileiros, independente
da sua condição de trabalho atual ou anterior, mas dependente da condição atual de renda.” Mas,
o BPC exige a comprovação da situação de necessidade.
84
d. apresentar uma concepção inovadora de assistência social ao afirmá-la
como direito do cidadão e dever do Estado, política de Seguridade
Social;
e. definir
um
novo
descentralizado
e
modelo
de
participativo
gestão
através
constituído
de
pelas
um
sistema
entidades
e
organizações de assistência social (Art. 6º).
Sem dúvida, as definições da Constituição de 1988 no campo dos direitos
sociais e a LOAS contribuem para equiparar tardiamente “o Brasil aos sistemas
securitários das sociedades desenvolvidas” (MOTA, 1995, p. 142). Contudo, o
contexto em que ocorre a aprovação e implantação da LOAS é marcado pelas
reformas neoliberais no Brasil. Diante disso, a seguridade social conquistada em
1988 parece que já nasce condenada ao fracasso, pela total ausência de
condições objetivas para a sua efetivação. O fracasso, ou não, no entanto, não
está dado a priori. Conforme Mota (1995, p. 143), o exercício dos direitos sociais
“é sempre condicionado por processos sociais reais e que não estão
subordinados aos estatutos legais, mas às relações de força entre as classes.”
Assim, é preciso considerar que as conquistas legais significam apenas
um passo em direção à sua efetivação. Isto exige dos que não acreditam no fim
da história, na capacidade de desvendar o momento presente e “ousar remar
contra a corrente”, sem perder de vista a natureza estrutural das situações de
pobreza e de indigência da maioria da população brasileira, diante da qual as
políticas sócio-assistenciais são incapazes de promover o bem estar social.
Mas, a assistência social, como política fundamentada em um padrão
básico de inclusão, não é a realmente existente no Brasil de hoje. Transcorridos
quase 11 anos de aprovação da LOAS ela ainda não se constituiu como política
de seguridade social. Sua execução tem sido marcada por ações “sobrepostas,
pulverizadas, descontínuas, assistemáticas e sem impacto ou efetividade”
(GOMES; YAZBEK; 2001, p. 3-5), focalizadas na população mais vulnerável e
marcada pelo paralelismo com outras ações do governo federal, como o
programa Comunidade Solidária e o Fundo de Combate à Pobreza no governo
Fernando Henrique Cardoso – FHC ou, o Programa Fome Zero no governo atual.
No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1999/1999-2003) a
política de assistência social foi substituída por um conjunto de ações, que no
85
discurso oficial, apareciam como “inovação social” no trato da política social; mas,
na prática caracterizaram-se pelo reduzido grau de responsabilidade do Estado
no enfrentamento à pobreza. A inovação é apontada a partir da adoção dos
princípios da focalização, da descentralização e das parcerias.
Conforme Sônia Fleury (2004, p. 138), além da criação de uma estrutura
paralela pública, o Programa Comunidade Solidária, que se revelou num claro
descompromisso com a assistência social como política pública, a cobertura dos
programas de assistência social implementados pela Secretaria Nacional de
Assistência Social foi muito baixa. Esta variou, conforme a autora entre “3,11%
dos municípios atendidos como o Programa de Atenção à Criança de 0 a 6 anos
a 47,09% de municípios atendidos pelo Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil.” Uma cobertura maior ocorreu apenas para o Benefício de Prestação
Continuada (80,35% dos municípios) e 79,95% de municípios atendidos pelo
programa Gestão Municipal.
Na realidade, o que foi chamado de inovação traduziu-se numa inovação
extremamente conservadora, que não só repôs as velhas características das
políticas sociais no Brasil (fragmentação, desarticulação, descontinuidade,
clientelismo, etc), como as aprofundou, acrescentando novos elementos, como a
focalização, que mascara a pobreza realmente existente, efetiva o corte de
recursos
e
que
privilegia
programas
assistencialistas,
emergenciais
e
descontínuos.
Analisando a política social brasileira nos anos de 1990 Yazbek (1996, p.
38) identifica uma “refilantropização da questão social” na qual, uma das
características é a dependência do investimento público na área social do
desempenho
geral
da
economia
“o
que
abre
caminho
para
políticas
assistencialistas e de precário padrão, cujo resultado maior é a expansão de uma
população sobrante de ‘necessitados’ e ‘desamparados’.” No final do governo
FHC, é bom não esquecer isso, o Comunidade Solidária foi transformado em uma
ONG, a “Comunitas”,29 criada em 2002 com a mesma missão do programa e
presidida pela primeira-dama Ruth Cardoso.
Mas, não é somente a lógica neoliberal que impõe limites à realização da
assistência social como política social. Conforme Aldaíza Sposati (2001b, p. 87)
29
Mais informações podem ser obtidas em http://www.comunitas.org.br/.
86
“o predomínio da cultura patrimonial populista e do favor têm sido forças
predominantes no senso comum sobre a assistência social. Até mesmo nas
esquerdas há resistência em reconhecer a luta pelo direito à assistência social
[...]”. Além disso, ainda conforme a autora, a assistência social enfrenta “tripla
resistência” ao propor o rompimento com aspectos da cultura política do atraso
nesta área: a primeira resistência quando “insinua romper com o paternalismo
[...]”; a segunda, ao exigir “a interlocução entre três políticas sociais de história e
institucionalização fortemente arraigadas e visões setoriais de baixa integração
sob a concepção da seguridade”; a terceira resistência decorre do fato dela por
para a sociedade “a questão política e ética de estabelecer padrões básicos de
dignidade para todos os brasileiros” (SPOSATI, 1995a, p. 73).
Diante disso, nesses 11 anos da aprovação da LOAS como tem se
configurado a Assistência Social no país? Por ocasião do processo preparatório e
da realização da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em
2003, houve um amplo esforço, sobretudo por parte do Conselho Nacional de
Assistência Social – CNAS no sentido de avaliar a assistência social. Um dos
principais instrumentos pra isso foi a pesquisa coordenada pela professora
Ivanete Boschetti (Universidade de Brasília - UNB) denominada “LOAS + 10”.
O estudo objetivou avaliar o sistema descentralizado e participativo
previsto na LOAS (Art. 6º), analisando a atuação dos órgãos de controle social
(os Conselhos em todos os níveis de governo). A leitura do relatório revela uma
realidade de avanços, sobretudo no campo do cumprimento das exigências legais
e institucionais e da criação de instrumentos de gestão na perspectiva proposta
pela LOAS. Nas conclusões do relatório final da pesquisa, afirma-se:
[...] muito já foi feito nestes 10 anos de LOAS no sentido do
cumprimento de várias diretrizes e orientações legais, de modo
que a base do Sistema Descentralizado e Participativo está
assentada. A sua consolidação, contudo, depende da formação
permanente dos sujeitos envolvidos na sua materialização, na
sedimentação e divulgação da assistência social como política
concretizadora de direitos, na garantia permanente e contínua de
recursos financeiros, na qualificação e precisão do que são ações
de assistência social, na melhor delimitação dos papéis das três
esferas de governo, na clarificação do tipo de limite da
colaboração que deve se estabelecer entre governo e entidades
assistenciais, no maior envolvimento dos Conselhos no
planejamento democrático e participativo e, finalmente, no
respeito e reconhecimento dos Conselhos como instâncias
87
deliberativas e espaços de exercício de controle popular
(BOSCHETTI, 2003a, p. 221).
Também avaliando os 10 anos de LOAS, Yazbek (2004a) destaca alguns
aspectos que contribuem para reiterar nesta área o seu caráter de não-política e
“a dificuldade de inscrevê-la como responsabilidade pública e dever do Estado.”
Assim, observa que “persiste como um dos maiores desafios em relação a esta
política sua própria concepção como campo específico de Política Social pública,
como área de cobertura de necessidades sociais.” E a ausência de parâmetros
públicos no reconhecimento dos direitos, implica, conforme a autora na
permanência, nesta política, de “concepções e práticas assistencialistas,
clientelistas, ‘primeiro-damistas’ patrimonialistas. O dever moral e a filantropia, em
si mesmos, não realizam direitos.” A autora ressalta ainda a presença de uma
“cultura moralista e autoritária que culpa o pobre por sua pobreza” (YAZBEK,
2004a, p. 19, grifo da autora)
Yazbek também ressalta a “enorme dificuldade das ações assistenciais
de contribuir efetivamente para a inclusão social [...] numa perspectiva que supere
a ótica tradicional que se tem dos demandatários da assistência social” seja pela
fragmentação e seletividade dos usuários, o que implica ações focalizadas nos
mais miseráveis, seja pela “ausência de ações integradas e intersetoriais” e pela
“ausência de definições quanto a padrões de qualidade dos serviços prestados e
das garantias desta política” (YAZBEK, 2004a, p. 19).
Por fim, não se pode desconhecer o esforço que vem sendo feito
atualmente em alguns municípios e pelo órgão gestor federal, no sentido da
superação destes e de tantos outros limites enfrentados na efetivação da
assistência social como política pública. Um destes esforços relaciona-se à
centralidade que vem ocupando nas ações do órgão gestor federal, no governo
atual, sobretudo a partir de 2004, o debate e a construção de uma antiga
reivindicação das Conferências Nacionais e que foi reafirmada na IV Conferência
Nacional de Assistência Social em 2003: a construção e implementação do
Sistema Único de Assistência Social - SUAS.
Este, tendo como instrumentos a LOAS; a Política Nacional de
Assistência Social; o Plano Nacional de Assistência Social e a uma nova Norma
Operacional Básica de Assistência Social, pretende significar a regulação, em
88
todo o território nacional, da hierarquia, dos vínculos e das responsabilidades do
sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social, sejam aqueles
executados pelas entidades de assistência social, sejam os que têm sua
execução pelo Estado. Na perspectiva do SUAS todas as ações devem ser
desenvolvidas sob critério universal e em rede hierarquizada.
Assim, a nova Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004b)
em vigor desde setembro de 2004, define que a proteção social30 deve ser
realizada a partir de ações de caráter básico e especial, assim como assume
compromissos com a garantia de seguranças sociais próprias da política: de
sobrevivência (de autonomia e de rendimento), de acolhida, de convívio ou
vivência familiar. Estas definições e o compromisso com a construção do SUAS
são inovações que podem contribuir na afirmação da assistência social como
política pública. Os resultados e impactos destas conquistas recentes, no entanto,
ainda estão por acontecer e não serão objeto de análise neste trabalho.
30
Com base em Di Giovanni (1998, p. 10) a “proteção social” na Política Nacional de Assistência
Social (BRASIL, 2004) é entendida como as formas “institucionalizadas que as sociedades
constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas
vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio, as privações.
Incluo neste conceito, também, tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens
materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que
permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social. Incluo, ainda, os
princípios reguladores e as normas que, com intuito de proteção, fazem parte da vida das
coletividades.”
89
CAPÍTULO 3
A FORMAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA, ECONÔMICA DE NATAL E A
ASSISTÊNCIA SOCIAL ANTERIOR A LOAS
Como tem se configurado a assistência social em Natal historicamente? A
tarefa de apreender esta política pública, nesta Cidade, na contemporaneidade,
exige uma aproximação com a sua trajetória. Sem a pretensão de recuperar toda
a formação política, social e econômica de Natal, apresenta-se a seguir, alguns
traços da sua formação social e econômica e do modo como o poder público tem
enfrentado o problema da pobreza, os quais oferecem elementos para
compreender como tem se conformado a assistência social.
A seguir, procura-se identificar as forças políticas que governaram Natal
no período imediatamente anterior à implantação da LOAS (1975-1995), os
instrumentos utilizados por elas para a conquista e a permanência no poder, as
políticas de enfrentamento à pobreza desenvolvidas pela gestão municipal nesse
período, e como essas forças políticas obtêm o consenso e o apoio de setores
das classes subalternas para os seus projetos.
3.1 Natal: aspectos da sua história e as primeiras ações de enfrentamento à
pobreza na Cidade
Natal foi fundada aos 25 de dezembro de 1599, como resultado de um
acordo político entre os índios potiguares e os portugueses. Conforme Vidal
(1998, p. 14), o interesse dos portugueses por Natal limitava-se à sua localização
geográfica como ponto de apoio para a conquista do litoral setentrional. Logo
após a fundação, foi iniciada a construção da Fortaleza dos Reis Magos, para
90
garantir a defesa militar do território. Segundo Lima (2002, p. 33), “ao contrário de
outras cidades, Natal não se originou de uma vila e não havia uma atividade
econômica, que aglutinasse seus moradores.” Por isso, os primeiros anos foram
marcados por “muitas dificuldades para garantir o povoamento”, que vai acontecer
muito lentamente. Segundo o autor,
Quinze dias depois de fundada, Natal ainda estava deserta, não
obstante ostentasse todas as prerrogativas de uma cidade: juiz,
conselho etc. Alguns anos depois, em 1608, existia um pequeno
casario, mas a cidade continuava deserta. Mais tarde, em 1614, a
povoação estava composta por 12 casas e mais uma capela
construída em taipa, coberta de palhas e sem portas. Quase 20
anos depois, (1631), a situação de abandono não mudara muito,
embora o número de casas tenha mudado para 60 (LIMA, 2002 p.
33).
A cidade viveu sob ocupação holandesa durante 21 anos no século XVII
(1633-1654). Para os holandeses também interessava a posse do território em
função da sua localização geográfica estratégica. Neste período, conforme Vidal
(1998, 13-14), com base nos estudos de Câmara Cascudo, o nome da cidade foi
mudado para Nova Amsterdã e o Forte dos Reis Magos para Castelo de Ceulen.
Em 1654, após a derrota dos holandeses, o nome da Cidade voltou a ser Natal.
Conforme Andrade (1987, p. 14), dada a inexistência de qualquer atividade
econômica formal, “vivia-se da pesca, da pequena agricultura e da criação de
gado.”
Assim, até o início do século XX, Natal era uma cidade muito pequena,
com 16 mil habitantes (como pode ser observado no Quadro 1 a seguir). A
presença no RN (assim como em toda região nordeste e no Brasil) de uma
estrutura fundiária onde predomina (até hoje) o latifúndio “obrigando a submissão
e a subserviência dos camponeses aos coronéis oligarcas donos da terra” (LIMA,
2001, p. 151), aliada aos períodos de longa estiagem, que expulsa os
trabalhadores rurais do campo, forneceram a população que viria, ao longo da
história, constituir a pobreza e a miséria de Natal. Sabe-se que, “em 1904,
forçados pela seca que assolava toda a região Nordeste, chegaram à Natal mais
de quinze mil retirantes vindos do sertão, depois de perderem seus animais
domésticos e roçados e ficarem sem comida e sem água” (LIMA, 2001, p. 153,
grifo do autor).
91
Muitos dos que chegaram à Cidade empurrados pela seca, não
retornaram às suas cidades de origem. Contudo, Pedro Lima ressalta a repressão
que esta população sofreu e as medidas que a obrigaram a migrar para outros
centros urbanos. Com base em estudos de Itamar de Souza, Pedro Lima (2001,
p. 153) ressalta que ao chegar na Cidade, muitos dos retirantes não conseguiam
emprego. Em face da fome e do desespero “atacaram e saquearam casas
comerciais para obter comida”, uma lancha no cais, que descarregava farinha e a
casa do governador. Relata o autor que “todos esses ataques foram reprimidos e
rechaçados pela polícia.”
Mas a solução final veio com a “emigração forçada da população expulsa
do sertão pela seca para a Amazônia e para São Paulo.” Era oferecido transporte
gratuito pelo Ministério da Aviação, para o transporte de “flagelados”, tanto para
os seringais do norte, quanto para os cafezais no sul. Os que não queriam ir
embora “a polícia embarcava à força”. Conforme o autor, “cerca de 18 mil
pessoas foram embarcadas no Porto de Natal nessa estranha modalidade de
migração” (LIMA, 2001, p. 153, grifo do autor).
A construção do Porto e do campo de pouso de Parnamirim (atual
aeroporto Augusto Severo), foram determinantes na ocupação urbana e no
crescimento da Cidade. A construção do Porto, ao final do século XIX, no bairro
da Ribeira, torna-o mais dinâmico. Até então Natal possuía apenas dois bairros: a
Ribeira e a Cidade Alta, sendo este último o primeiro bairro e local onde, em
1599, havia sido fincada a cruz para a demarcação do povoado. Sendo o bairro
Cidade Alta o ponto mais elevado, nele foram construídas três Igrejas: a Matriz, a
Igreja do Rosário, dos escravos e a de Santo Antônio. A Ribeira fica localizado
numa área mais próxima ao estuário do Rio Potengi. O Porto favoreceu a
formação do atual bairro das Rocas, numa área constituída por areias e dunas,
também próximo ao estuário do Rio Potengi. Este bairro passou a ser ocupado
por uma população formada de pescadores pobres, operários e mergulhadores
ligados às atividades portuárias (OLIVEIRA, 2000).
O campo de pouso de Parnamirim, por sua vez, num primeiro momento,
proporcionou à Cidade a convivência com outros países, sobretudo, europeus. O
determinante era a localização geográfica. Considerando que na travessia pelo
Oceano Atlântico, era o primeiro ponto de chegada de aviões ao continente sulamericano. Isso contribuiu, segundo Vidal (1998, p. 16) para a “instalação em
92
1939 de uma linha regular de vôos entre Europa e Natal, por uma empresa
italiana – LATI.” Mas, o papel fundamental do campo de pouso de Parnamirim e
da localização geográfica de Natal, no processo de ocupação do seu território e
no seu crescimento urbano, ocorreu, sobretudo, nos anos de 1940, no contexto
da II Guerra Mundial.
Na ocasião, funcionou em Natal uma base americana. Com isto, a Cidade
passou a receber tropas americanas em trânsito e a hospedar, conforme Ferrari
(1968, 51), um grande número de norte-americanos. Segundo GOUVEIA (1993,
p. 21), a Base Aérea de Parnamirim “foi a maior mobilização técnica dos Estados
Unidos, realizada fora do seu território.” A referida base é assim descrita por
Câmara Cascudo (1980, p. 401): “[...] pistas de 2.000 metros facilitando a descida
de 250 aviões diários. 1.500 edifícios abrigavam 10.000 homens” (CASCUDO,
1980, p. 401).
Este papel que Natal cumpriu durante a guerra teve como conseqüência
um enorme crescimento e o surgimento de inúmeros problemas. Ferrari (1968, p.
51) descreve assim este período:
As bases aérea e naval, as linhas aéreas internacionais, a
demanda de domésticas, o desenvolvimento do comércio, o
aparecimento de novos hotéis, bares e cinemas, vieram criar um
grande número de novos empregos na cidade. Tudo isto e mais o
dólar ‘fácil’, que corria abundante, vieram canalizar para a Capital
a já existente corrente migratória, cujo elemento propulsor era
constituído pelas precárias condições de vida no meio rural,
agravadas pelas escassas chuvas nos primeiros anos do decênio
dos [1940].
Ainda conforme Ferrari (1968, p. 52), os imigrantes que não conseguiam
se inserir no mercado formal de trabalho “viviam da mascateação, à caça fácil do
dólar.” Este contexto trouxe para a Cidade também o encarecimento do custo de
vida. Com o fim da Guerra, os americanos foram embora e, com eles, o dólar; o
emprego de doméstica desapareceu; houve uma queda brutal nas atividades do
comércio, sobretudo com o fechamento das atividades ligadas à presença dos
americanos: bares, cafés, hotéis e “as linhas aéreas internacionais retiraram-se
para o Recife. Muitos dos que tinham encontrado na mascateagem o seu ganha
pão, passaram a engrossar as fileiras dos vagabundos.”
93
Mas os problemas não ficam por aí. Há um significativo crescimento de
Natal. Sua população havia saltado de 16.059 habitantes em 1.900 para 54.836
habitantes em 1940 e para 103.215 em 1950. Em 10 anos (1940-1950) a
população cresceu 88,2%. Para isto contribuiu também, o problema da seca, que
será tratado a seguir. Ferrari (1968, p. 52) cita a convivência da Cidade com
problemas que até então não enfrentava: “o desemprego, a vadiagem, a
delinqüência (principalmente juvenil), a mendicância, o menor abandonado, a
prostituição (principalmente de menores), a falta de água, luz, escola, assistência
médico-dentária.”
Sobre este período e os problemas que a Cidade enfrentava ao final da II
Guerra Mundial, Pedro Lima (2001, p. 156) ressalta:
A população pobre de Natal, obviamente, pré-existia ao período
da II Guerra Mundial. Mas as transformações que ocorreram,
principalmente com a criação de um mercado de terras, fazendo
surgir um setor imobiliário organizado, consolidou, desde então,
as posições ocupadas pelas classes sociais no espaço urbano de
Natal. Alem da Cidade Alta e Ribeira, o território correspondente
aos bairros de Petrópolis e Tirol se consolidaram como local de
moradia da burguesia. Enquanto isso, a população pobre foi
concentrada na terceira margem do rio, formada então pelos
bairros das Rocas, Alecrim e Lagoa Seca (grifo do autor).
Concomitante ao envolvimento da Cidade com a Guerra e os problemas
daí decorrentes, Natal convivia com as conseqüências de mais um período de
seca no nordeste (1941-1943). Segundo Gouveia, “a cidade é invadida por
centenas de flagelados”. Famílias inteiras, vindas de municípios mais próximos,
percorriam bairros residenciais e ruas do comércio a procura do que comer. As
maiores vítimas eram as crianças. O jornal “A Ordem” descreve este cenário da
seguinte
forma
“[...]
centenas
de
crianças
maltrapilhas,
em
completa
vagabundagem, sem escolas, sem alimentação, sem teto, sem orientação,
abandonadas material e moralmente nos termos da lei” (O PROBLEMA..., 1943,
p. 4).
Mas a seca no Nordeste e as suas conseqüências não é só um fenômeno
climático. O cenário de Natal, nesse momento, é a manifestação de um problema
cuja raiz se encontra na concentração da terra e da água no nordeste brasileiro. A
população de flagelados que chegava à Cidade era formada por trabalhadores
94
rurais sem terra, minifundistas, moradores nas fazendas. Para eles, diante da
seca, a única alternativa era a migração para áreas urbanas da região, ou para o
centro-sul do país. E, para muitos, a opção foi vir para a Capital.
A chegada de grande número de camponeses miseráveis na cidade
acabou por obrigar os governantes a tomarem uma atitude diante do crescimento
da pobreza que isso provocava. Ao mesmo tempo, esse fato marcou o início do
envolvimento de Aluízio Alves com a assistência social, o que exige, situar,
mesmo que sumariamente, algumas características da trajetória desta liderança
política do Rio Grande do Norte, para então tratar deste seu envolvimento com a
assistência social.
O início da vida pública de Aluízio Alves foi marcado pela sua
aproximação com setores oligárquicos, tendo sido deputado federal pela União
Democrática nacional - UDN em 1946. Em 1960, rompeu com a UDN e foi o
candidato do Partido Social Democrático - PSD ao governo do Estado do RN
como candidato da oposição. Conforme Germano (1982, p. 50-62), embora
aparecesse como uma força modernizadora, representante dos interesses da
industrialização e da burguesia nacional, Aluízio recebeu apoio de uma fração da
oligarquia agrária do estado. De modo que, mesmo apresentando uma posição
“‘favorável ao progresso’, não se tratava de substituir pura e simplesmente a
tradicional dominação oligárquica no comando político do Estado, porém
modernizar para conservar, em essência, essa dominação” (GERMANO, 1982, p.
62).
Assim, Aluízio Alves venceu as eleições e sua gestão no governo do
Estado foi marcada por práticas modernizadoras, como o investimento em
eletrificação, transporte, telecomunicações, ao lado de práticas clientelistas,
conservadoras e repressivas (GERMANO, 1982, p. 48-49). Apoiou o golpe militar
e, em 1969, com o AI-5, acabou sendo cassado pelo regime que apoiou.
Atualmente é presidente do Diretório Estadual do PMDB e o principal
representante da oligarquia Alves. Conforme Trindade (2004, p. 25),
[...] os Alves são o que poderíamos chamar de oligarquia
moderna. Aluízio Alves não construiu uma oligarquia nos moldes
antigos, baseada essencialmente no poder agrário. Em vez disso,
erigiu um império de comunicação, utilizando-o no melhor estilo do
coronelismo eletrônico, sendo dono de jornal, rádios, televisão –
veículos que, naturalmente, são utilizados não para amplificar
95
críticas aos aliados políticos e sim para fazer propaganda dos
representantes da oligarquia (grifo do autor).
O envolvimento de Aluízio Alves com a assistência social ocorreu antes
da sua eleição para governo do estado. Conforme Trindade (2004, p. 67-68),
diante da necessidade de assistência aos flagelados da seca, o então secretário
geral Aldo Fernandes chamou Aluízio Alves31 dizendo que queria fazer uma
reunião com as principais autoridades da cidade. Diante disso, Aluízio escreveu
um artigo com o título “convocação à família natalense!”, chamando as principais
autoridades da cidade para uma reunião no Palácio.
Compareceram à reunião: o bispo, Dom Marcolino Dantas, um
representante da Associação Comercial e o chefe dos escoteiros, Professor. Luis
Soares. Nessa reunião, diante da recusa dos presentes em se dispor a organizar
uma campanha de assistência aos flagelados da seca, Aluízio Alves se dispôs a
fazê-la. De acordo com o Caderno Especial do Jornal Tribuna do Norte sobre a
História do Rio Grande do Norte,
Dentro de três dias, 8 mil pessoas estavam abrigadas. Terminada
a seca Aluízio Alves organizou a volta dos retirantes, fazendo com
que cada um levasse instrumento de trabalho, além de recursos
para recomeçar a vida, inclusive comida para um mês. Aconteceu
que, no final, ficaram 60 menores de ambos os sexos. Aluízio
Alves sugeriu então criar o Serviço de Assistência ao Menor [...].
Incansável, Aluízio Alves, com ajuda da Legião Brasileira de
Assistência, criou o Instituto Padre João Maria e, com auxílio da
prefeitura, organizou o abrigo Juvino Barreto. Ambos foram
inaugurados no dia 19 de abril de 1943 (HISTÓRIA..., 2005, p. 2).
Conforme Trindade (2004, p. 68), a partir desse acontecimento e até 1946
Aluízio Alves tornou-se “um dos mais atuantes líderes envolvidos com projetos de
assistência social no estado.” A coordenação da assistência aos flagelados da
seca foi, conforme o autor, o embrião do Serviço de Reeducação e Assistência
Social - SERAS do qual Aluízio Alves foi o primeiro diretor, assim como lhe
credencia para dirigir a seção estadual da LBA.
Desta forma, na segunda metade da década de 1940, Natal enfrentava os
problemas de uma cidade que cresceu muito rapidamente e de forma
31
Desde 1940, Aluízio Alves trabalhava no jornal “A República” para o qual foi convidado por Aldo
Fernandes (na época, interventor interino do RN) e de onde se tornou repórter e editor
(HISTÓRIA..., 2005, p. 2).
96
desordenada, sem contar com uma infra-estrutura produtiva, capaz de absorver a
mão de obra sobrante existente. Além da seca, é preciso considerar também o
processo de expansão do capital na agricultura do RN, que assim como ocorre
em toda região Nordeste, é um processo que gera a concentração da propriedade
fundiária e expulsa os trabalhadores rurais de suas terras, aumentando o número
de trabalhadores temporários e bóias frias, que passam a procurar os centros
urbanos em busca de sobrevivência.
Contudo, outros estudos revelam que foi somente a partir dos anos 80 do
século XX que Natal recebeu maior contingente de migrantes, sobretudo,
populações rurais expulsas do campo. Conforme Andrade (1987), uma pesquisa
realizada por Itamar de Souza nos anos de 1970 (SOUZA, 1978), destinada a
analisar a origem dos migrantes na Cidade, identificou que 88,7% dos
entrevistados eram “provenientes de áreas urbanas tanto de dentro como de fora
do
Estado.”
Este
dado,
aliado
a
outras pesquisas desenvolvidas por
pesquisadores da UFRN (ANDRADE, 1980), revelam que “Natal não é o destino
imediato
dos
trabalhadores
rurais
expulsos
do
campo.
Estes,
migram
primeiramente para o centro-sul, retornando ao Estado mais tarde com a
recessão econômica dos anos 1980” (ANDRADE, 1987, p. 18).
Se, no início do século XX, houve uma grande migração para Natal em
decorrência dos períodos de seca, talvez pela repressão ocorrida naquele
momento, pela expulsão a qual os migrantes foram submetidos, forçados a uma
nova migração para o sul ou para a Amazônia, a Cidade, durante muito tempo,
não foi o destino principal daqueles que eram expulsos do campo, seja pela
decadência da monocultura da cana de açúcar, seja pela seca, seja pela grilagem
de terras ocupadas. Com isso, os migrantes que chegaram a Natal até a década
de 1970 tiveram um perfil mais de população urbana das cidades do interior.
Conforme Andrade, “até a década de 70, a migração para Natal era caracterizada
por ser de camadas médias da zona rural e de cidades do interior que vinham
para a capital a procura de trabalho e estudo” (ANDRADE, 1987, p. 18).
Assim, no contexto da II Guerra mundial, objetivando apoiar as famílias
dos combatentes de guerra foi criada pelo então presidente Getúlio Vargas, em
1942, a Legião Brasileira de Assistência, presidida pela Sra. Darci Vargas, esposa
do presidente. Logo após, conforme Ferrari (1968, p. 52), em 28 de setembro de
1942
foi
instalada
em
Natal
a
Comissão
Estadual
da
97
LBA, cujo objetivo no Rio Grande do Norte era, segundo o autor, o apoio às forças
armadas e a assistência às famílias dos convocados, como ocorria em todo
Brasil, além disso, objetivava ainda prestar “assistência médico-dentária através
de ambulatórios; assistência aos flagelados das estiagens; assistência financeira
a instituições públicas e particulares de caráter assistencial”.
Como ocorria em todo o país, iniciou-se com a LBA, uma ação mais direta
do Estado frente à pobreza crescente na cidade do Natal. Os trabalhadores
habitantes da cidade ou os migrantes, que não conseguiam prover o seu sustento
são alvos das ações do órgão. Estes eram vistos, antes de tudo, como
necessitados, vagabundos, pedintes, desajustados, pessoas que precisam de
tratamento. Para tanto, era necessário comprovar sua miséria para ter direito a
ajuda e aceitar ser treinado para aprender a sobreviver com os seus próprios
recursos.
Junto com a LBA, foi criado um outro órgão, voltado mais especificamente
para a problemática do “menor abandonado”. Trata-se do Serviço de Reeducação
e Assistência Social - SERAS. Instalado em 26 de março de 1943 pelo governo
do Estado para enfrentar o “problema do menor”. Um inquérito aplicado pelo
SERAS após a sua criação identificou “a existência de 941 menores de - 12 a 17
anos – abandonados moral e materialmente.” Até então a cidade possuía apenas
um abrigo feminino sob a responsabilidade da congregação religiosa Filhas de
Sant’ Ana. Foi então criado um abrigo masculino (GOUVEIA, 1993, p. 35).
O crescente número de “menores abandonados” em Natal era justificado
pelo retorno de muitas famílias aos seus municípios de origem deixando as
crianças em Natal. Diante disso o SERAS desenvolveu ações voltadas para o
serviço a menores nas zonas rural e urbana. A preocupação era fixar o homem ao
campo e favorecer o desenvolvimento das potencialidades das crianças sem
retirá-la do meio em que vivia (GOUVEIA, 1993, p. 36).
Antes da LBA e do SERAS, a pobreza da cidade do Natal era objeto de
preocupação, sobretudo das obras sociais da Igreja Católica, por meio da Ação
Católica e da Congregação Mariana. Estas tiveram grande influência nas ações
dos novos órgãos. A influência católica na LBA é bem explicitada na descrição de
Ferrari (1968, p. 53) segundo a qual, logo que foi instalada a Comissão Estadual
da LBA, “Dom Marcolino reuniu os diretores de todas as instituições católicas a
fim de estudar os meios de colaborar com a LBA. Desenvolveu-se em todo o
98
Estado, estreita colaboração entre a Igreja, a LBA e o SERAS.” Esta colaboração
incluía a ajuda, por parte da LBA, para as “obras católicas já existentes.”
Um exemplo da participação ativa da Ação Católica nas ações da LBA é
dado pelo programa de voluntariado. Segundo Gouveia (1993, p. 30), este
programa era constituído por 15 comissões de visitadoras sociais, em sua quase
totalidade integrantes da Ação Católica. Outros programas desenvolvidos eram o
de Formação de Pessoal; o Plantão de Serviço Social de Casos Individuais,
destinado a prestar assistência à família, assistência médica,
assistência
econômica e encaminhamentos a diversas organizações sociais. Gouveia (1993,
p. 33), afirma que “ao ‘plantão’ compareciam ‘necessitados’ de toda natureza à
busca de soluções para os seus ‘desajustamentos’.” Os procedimentos do
atendimento individual são assim descritos:
Preenchida a ficha com nome, endereço e solicitação do
interessado, era feito o resumo do caso. Levado à apreciação da
chefia, esta determinava a realização de um ‘inquérito’ junto ao
‘necessitado’ e seu meio social. De posse do resultado desse
estudo, elaborava-se o ‘diagnóstico’ e determinava-se o
‘tratamento’. Este visava principalmente estimular o ‘necessitado’
a participar de projetos que se relacionavam com a solução dos
seus problemas (GOUVEIA, 1993, p. 33-34).
No caso do SERAS, além do que já foi exposto, uma das ações mais
importantes foi a realização de um cadastramento de todas as instituições e obras
sociais do RN, com vistas a “cooperação e orientação técnica” na forma de
“concessão de subvenções sociais; elaboração de planos para organização de
‘obras sociais’; orientação às instituições matriculadas visando à melhoria dos
serviços prestados” (GOUVEIA, 1993, p. 38). Isso permitiu “um controle eficiente
da assistência, evitando a duplicidade de auxílios”. Coube ao SERAS também a
criação do “Serviço de Repressão à Mendicância”. Este desenvolveu dois tipos de
ação: “um abrigo para atender os casos de invalidez e abandono e um
atendimento domiciliar para os casos que, por sua natureza, não comportavam
internamento” (GOUVEIA, 1993, p. 38-39).
Em linhas gerais, esse foi o padrão de assistência social que predominou
em Natal até os anos 90 do século XX. A ele se aliará a assistência de caráter
clientelista prestada pelo Gabinete Civil da prefeitura.
99
3.2 Considerações sobre a formação sócio-econômica de Natal
O período 1940-1990 foi marcado por um gradativo crescimento
populacional decorrente das migrações e também da forma como a Cidade se
inseriu no processo de acumulação de capital na região Nordeste, o que
acontecia, sobretudo, por meio da política de incentivos fiscais desenvolvida pela
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. Antes da
SUDENE, a economia nordestina se caracterizava pela exploração da cana-deaçúcar, do algodão, das culturas de subsistência e da pecuária extensiva. Na
atividade industrial, predominava a produção têxtil, de alimentos, de couro, de
bebida e de óleos vegetais (VIDAL, 1998, p. 20).32
Em termos de crescimento demográfico, a população de Natal teve um
grande crescimento até 1991, quando atingiu 606.556 habitantes. A partir desse
período, a taxa de crescimento reduziu significativamente, conforme pode ser
observado no quadro a seguir.
ANO/CENSO
POPULAÇÃO
% DE CRESCIMENTO
1900
16.059
1920
30.696
91,1
1940
54.836
78,6
1950
103.215
88,2
1960
162.537
57,5
1970
264.379
62,7
1980
416.898
57,7
1991
606.556
45,5
1996
656.037
8,1
2000
712.317
8,6
2003
744.794
4,6
Quadro 1 - População de Natal no período 1900-2000
Fonte: IBGE – Censos Demográficos. O dado de 2003 é uma estimativa
feita pelo Departamento de Informação e Informática do SUS - DATASUS
32
Uma análise aprofundada da formação social, econômica e política do Nordeste no período de
1950-1960 é encontrada na obra Elegia para uma re(li)gião de Francisco de Oliveira (OLIVEIRA,
1981). Para o autor, o conceito de região se fundamenta no movimento de reprodução do capital e
das relações de produção. Por esta concepção, é possível encontrar, na história regional, vários
nordestes – o nordeste açucareiro, o nordeste algodoeiro e o nordeste dos latifundiários – os
quais expressam a forma de inserção da região no conjunto do desenvolvimento capitalista do
país e sua inserção no mercado internacional (OLIVEIRA, 1981, p. 32).
100
Conforme Andrade (1987, p. 21), o processo de industrialização que
ocorreu no Nordeste, como resultado da intervenção da SUDENE é caracterizado
pela sua concentração espacial nos estados da Bahia e de Pernambuco. Até o
início dos anos de 1970, estes dois estados, juntos, eram responsáveis por 63,5%
dos investimentos e 52,7% dos projetos aprovados na região. O Rio Grande do
Norte participava com apenas 4,0% dos investimentos e 31 projetos. O ramo
industrial que mais recebeu investimentos no Estado foi o de extração mineral em
virtude do potencial de sua produção salineira.
Segundo Leonardo Guimarães (1989, p. 25), até os anos 1980, é possível
considerar que o Nordeste passou por três etapas no processo de ajustamento e
de integração no contexto nacional. Uma primeira etapa, que ele considera de
“isolamento relativo”, na qual predomina no Nordeste e nas regiões de modo geral
o “comércio internacional de bens primários.” A segunda etapa, é a que ele
denomina “articulação comercial.” Nesta, em decorrência do processo de
industrialização vivido no país e de uma melhora no sistema de transporte e de
comunicação, há a “constituição do mercado nacional de bens e serviços.” A
terceira etapa, denominada de integração produtiva, caracteriza-se pela
“transferência de capital produtivo de uma região para outra região, o que traz
como conseqüência modificações na estrutura produtiva e nas relações de
trabalho.”
Esta terceira etapa, segundo Guimarães (1989, p. 275-276), é
condicionada
pelas
medidas
de
política
de
desenvolvimento
regional,
desenvolvida a partir dos anos 60 e início dos anos 70 do século XX. Neste
período, enquanto a economia nacional entrava em recessão, no Nordeste, foi
criado todo um sistema de incentivos fiscais e financeiros pelo Estado e
oferecidos a grandes empresas nacionais e estrangeiras que quisessem se
instalar na Região. Outro determinante da integração produtiva é mais estrutural e
relaciona-se, conforme Guimarães à “produção de insumos básicos”. Para ele as
formas tomadas pela industrialização brasileira a partir do ciclo expansivo do
“milagre”, “atrelam a região à estrutura industrial concentrada no Sudeste,
definindo para a industria localizada no Nordeste uma função fornecedora de
bens intermediários.”
Com a integração produtiva, há um intenso crescimento da economia na
região Nordeste no período 1960-1980, o qual é marcado pela conjuntura
101
autoritária vivida na história do país. Francisco de Oliveira (1990, p. 67), tomando
como ponto de partida este contexto, ressalta que a conseqüência da política de
desenvolvimento implementada pela Sudene é exatamente a “desregionalização
da economia regional”. Tanto Guimarães (1989, p. 281) quanto Oliveira (1990, p.
67) destacam que a ação do Estado no Nordeste, ao mesmo tempo em que
modernizou a economia, sobretudo na área urbana, reforçou a reprodução de
velhas estruturas ou relações sociais atrasadas, como a presença das velhas
oligarquias rurais, o latifúndio etc.
Na realidade, segundo Francisco de Oliveira (1990, p. 68) os mecanismos
de financiamento (com destaque para o Fundo de Investimento do Nordeste –
FINOR) promoveram a privatização do público, à medida que a lógica do
desempenho das empresas estatais é privada e os fundos que as sustentavam
eram estatais. O resultado desta fase foi um Nordeste desregionalizado e o fim da
homogeneidade com a qual se identificava esse mesmo Nordeste, a partir das
semelhanças entre os estados da Região. Neste sentido, “o discurso regionalista
da economia não faz mais sentido”, assim como a visão de um Nordeste
homogêneo (OLIVEIRA, 1990, p. 88).
Contudo, mesmo ocupando um lugar quase insignificante no contexto dos
investimentos federais antes e depois da SUDENE, conforme já ressaltado,
internamente, estes tiveram outro significado. Conforme Vidal (1998, p. 26), o
investimento recebido no período 1970-1980 promoveu algumas transformações
na economia do RN, como a mecanização das salinas, com implicações na
dinâmica econômica e populacional dos municípios da região salineira;
mecanização na produção agrícola, sobretudo na região canavieira; e na
introdução da produção de frutas tropicais para exportação.
Em Natal, a partir da década de 70 do século XX, tem-se um período
marcado por “uma nova etapa no processo de acumulação de riqueza na cidade”
com a exclusão dos mais pobres dos benefícios desta acumulação. Nesse
período, 35% das indústrias do RN estavam concentradas em municípios
próximos a Natal (Parnamirim, Macaíba e Extremoz). Mesmo assim, as atividades
de comércio e de serviços continuaram predominando na cidade, absorvendo
70,41% da PEA (VIDAL, 1998, p. 26).
Um outro setor bastante dinamizado no período 1970-1980 foi a
construção civil, consolidando-se como um importante setor produtivo (VIDAL,
102
1998, p. 26-28). Uma das explicações para o crescimento do setor da construção
civil e da consolidação do comércio e dos serviços é a participação do RN na
produção petrolífera e de gás natural, aliada a massa salarial de funcionários
públicos civis e militares. Conforme Vidal,
A partir da exploração do petróleo e a produção de gás natural no
Estado, configurou-se um estrato diferenciado de trabalhadores,
com níveis de renda distinto do conjunto dos servidores públicos e
composto por técnicos e operários qualificados. Estes se
distribuem entre a Petrobrás e empresas prestadoras de serviço à
mesma. Desse estrato também fazem parte alguns grupos de
militares e servidores federais que contribuem para o surgimento
de um mercado de consumo ascendente (VIDAL, 1998, p. 28).
O nível de renda dos técnicos e operários qualificados da Petrobrás e das
empresas subsidiárias, implicou na elevação constante do custo de vida na
Cidade, em que a maioria da população tinha uma renda de até 3 Salários
Mínimos. Mas, conforme Andrade (1987, p. 30), “uma parcela da população com
uma renda superior, proveniente do trabalho em repartições públicas federais
civis e militares além de empresas do ramo petrolífero é uma característica da
cidade.” Do ponto de vista militar, por exemplo, Natal concentra o III Distrito
Naval, o Centro de Aplicações Táticas e Recompletamento de Equipamentos –
CATRE, da Aeronáutica; além de vários grupamentos do Exército, tendo abrigado
até o final dos anos de 1990 o Centro de Lançamentos de Foguetes da Barreira
do Inferno.
Com relação ao crescimento da produção industrial no “pós-70”,
sobretudo da industria têxtil, este apresentou como um dos principais
determinantes a criação, pelo Governo do Estado, do “Programa do Parque
Industrial”. Tal programa, conforme Andrade (1987, p. 24-28), consistia em
“oferecer aos investidores um máximo de vantagens locacionais e uma bateria de
incentivos do governo estadual, além dos já oferecidos pela SUDENE.” O referido
programa, conseguiu promover um certo incremento na produção industrial,
principalmente na indústria têxtil, mas sem a implantação de indústrias de base,
que poderiam impulsionar um desenvolvimento econômico mais consistente e
duradouro.
Porém, o desenvolvimento econômico experimentado por Natal e pelo Rio
Grande do Norte no pós-70, como parte do modelo de desenvolvimento adotado
103
no país e intensificado nos anos do regime autoritário, teve como características
marcantes o seu caráter concentrador de renda e produtor de desigualdades
sociais. Por isso, o crescimento experimentado pela Cidade, no período, não
resultou numa melhoria nos níveis de renda da sua população; ao contrário,
houve uma queda significativa da renda. Conforme Andrade (1987, p. 28-29), em
1970, 81,7% das famílias recebiam rendimentos de até 5 Salários Mínimos. Em
1980, 80% das pessoas com 10 anos ou mais residentes em Natal recebiam até
3 Salários Mínimos.
Esta realidade vivida em Natal é coerente com a realidade que Guimarães
(1989, p. 278) identifica no mercado de trabalho que resulta da integração
produtiva que marcou a economia do Nordeste até os anos de 1980. O autor
ressalta que houve um crescimento do emprego no setor de serviços; mas, o que
marca o mercado de trabalho no período é a subocupação e a sub-remuneração.
As relações de trabalho são marcadas pelo trabalho “por conta própria”, pelo
assalariamento sem vínculos empregatícios, pelo “trabalhador sem carteira
assinada, ou aquele que recebe remuneração abaixo do salário mínimo.”
Como em todo o país os anos de 1980 em Natal são marcados por
recessão, fechamento de grandes indústrias, sobretudo têxtil e de confecções.
Contudo, a partir da segunda metade desta década, há uma grande expansão da
atividade turística, com investimentos na construção de grandes hotéis na orla
marítima e na “Via Costeira”, uma avenida beira-mar, com 12 km de extensão e
que liga a praia de Ponta Negra às praias do Centro e ao bairro de Petrópolis.
Esta avenida representou um dos maiores investimentos públicos na
questão do turismo. O seu projeto inicial contrariava a legislação urbana e
ocasionou a reação de ecologistas, moradores dos conjuntos residenciais da zona
sul e vários outros setores da cidade, gerando um amplo movimento com grande
repercussão na imprensa, o que obrigou o governo a rever o projeto inicial.
Mesmo assim, para construí-la foi cortada toda uma área de dunas.
A principal conquista do movimento popular foi impedir que nestas áreas
fossem construídos hotéis e outras grandes edificações. Mesmo tendo sido
preservada a área das dunas (que constitui atualmente o “Parque das Dunas”), a
grande maioria dos hotéis da Cidade se situam nesta área, localizados à beira
mar, o que tem gerado um outro problema, que é a privatização das praias aí
localizadas.
104
O turismo consolidou o setor de comércio e serviços na Cidade que
cresce em decorrência da “circulação intensiva de moeda, a qual em sua maioria
é proveniente de fora, seja pelo pagamento de funcionários públicos civis e
militares, seja pelo crescente fluxo de turistas que chegam à Natal” (ANDRADE,
1987, p. 31).
Ainda sobre a atividade turística em Natal, um estudo da Secretaria
Especial de Comércio, Indústria e Turismo de Natal (SECTUR) ressalta que, até
1969, Natal possuía apenas três hotéis (o Hotel Internacional Reis Magos, o Hotel
Samburá, e o Grande Hotel). Além do que já foi exposto o investimento do poder
público, tanto municipal quanto estadual, neste tipo de atividade desde os anos de
1970 ocorre, sobretudo, por meio da criação de infra-estrutura. Merecem
destaque, por exemplo, obras como a nova ponte de Igapó, sobre o estuário do
Rio Potengi, que possibilitou o acesso ao litoral norte; a duplicação da rodovia
Natal-Parnamirim que dá acesso ao aeroporto Augusto Severo e a construção de
viadutos (do Baldo e de Ponta Negra); a urbanização das praias do centro da
Cidade e a construção do Centro de Turismo, entre outras (NATAL..., 2004b, p. 823).
Outra medida de impacto na área turística foi a criação da Empresa de
Promoção e Desenvolvimento do Turismo do Rio Grande do Norte S.A –
EMPROTURN, em dezembro de 1971. Sobre o seu papel o documento da
SECTUR ressalta:
Essa empresa durante o Governo Cortez Pereira, teve como
objetivo desenvolver três grandes linhas de ação: a) estudar as
potencialidades turísticas do Estado; b) divulgar as belezas de
Natal em outros Estados; c) construir uma infra-estrutura local
para o turismo. Desse modo, o nosso artesanato, a culinária
potiguar e demais produtos da terra foram divulgados em Brasília,
Rio de Janeiro e outros centros brasileiros e estrangeiros. Em
1973, o Rio Grande do Norte passou a integrar também a
exposição permanente do Brasil no Centro Internacional de Roma
(NATAL..., 2004b, p. 11-12).
O resultado do investimento público nesta atividade à época e que
continua acontecendo até o presente foi que a receita resultante do turismo na
Grande Natal em 2002 teve um montante de US$ 34.882.823,00; e em 2003, US$
77.716.364. Um crescimento, portanto, de 123% somente entre 2002 e 2003.
105
Em termos de fluxo turístico, Natal recebeu em 2003 um total de 1.006.766
turistas, sendo 837.911 brasileiros e 168.855 estrangeiros.
Apesar dos investimentos voltados para o turismo que embelezam a
Cidade, e, de alguma forma, melhora a vida da parcela dos seus habitantes que
conseguem usar os bens e serviços construídos em função do turismo, do ponto
de vista da ocupação do espaço urbano e das condições de vida da maioria da
população, Natal chegou aos anos 90 dividida entre carências e privilégios, uma
divisão determinada, sobretudo, pela contradição entre a produção coletiva de
riquezas e a sua apropriação privada.
Em 1993, o “mapa da fome” no estado do RN (RIO GRANDE DO NORTE,
1993) revelou a existência de 170.100 pessoas em situação de indigência em
Natal, correspondendo a 30% da sua população total. Este foi, inclusive um dos
melhores índices encontrados no estado, considerando que 137, do total dos 152
municípios existentes no RN àquela época, tiveram índices de indigência que
variavam entre 45% e 74%. Em todo o RN, este índice foi de 46% (no nordeste, o
mesmo mapa produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA
revelou, na época, um índice de 45%).
Do ponto de vista da ocupação do seu espaço urbano o período 19701990 foi marcado por um grande crescimento da Cidade, em virtude da
construção de conjuntos habitacionais. Em 1986, haviam sido construídas 36.859
moradias, que abrigavam uma população de mais de 202.724. A maioria na
região Norte da cidade. Segundo Silva (2005, p. 10), até 1991 haviam sido
construídos 127 conjuntos habitacionais.33 O primeiro, a Cidade da Esperança, na
região Oeste, ainda nos anos de 1960. A região Norte concentrou 60% dos
conjuntos habitacionais construídos pela Companhia de Habitação Popular – RN COHAB. Na região Sul, predominaram os conjuntos construídos pelo Instituto de
Orientação as Cooperativas Habitacionais – INOCOOP, mais voltados para a
classe média, assim como aqueles construídos por empresas da construção civil
sem uma relação direta com a política habitacional.
A construção de conjuntos habitacionais de forma fragmentada, aliada à
ausência de ordenamento por parte do poder público, no sentido de disciplinar o
processo de ocupação do solo urbano, contribuiu para a formação de vazios que
33
Dados da SEMURB, de 2002, informam a existência de 179 conjuntos habitacionais. Sendo, 50
na Zona Norte, 80 na Zona Sul, 24 na Zona Leste e 23 na Zona Oeste.
106
intensificam o mercado de terras em Natal. Segundo Silva (2005, p. 11) “tal
padrão de construção periférica deixava em seu rastro uma sobrevalorização nos
terrenos particulares, pois permitia a estes um acesso a infra-estrutura até então
inexistente.”
Mas, a moradia proveniente dos conjuntos habitacionais não estava ao
alcance da maioria da população cuja renda era de até 3 Salários Mínimos. O
resultado foi o surgimento de favelas e de outras formas precárias de habitação e
ocupação do solo urbano (ANDRADE, 1987, p. 33). Os números quanto à
quantidade de favelas em Natal nos anos 80 não são muito precisos. Contudo,
conforme Mineiro e Passos (1998, p. 152-154), com base em dados do Instituto
de Planejamento Urbano de Natal - IPLANAT, afirmam que havia na cidade 32
favelas em 1981 com 37.307 pessoas, o que correspondia a 8,9% da população
total. Em 1993, esse número de favelas havia mais que duplicado: contabilizavase a existência de 70 favelas, com uma população de 57.912 pessoas equivalente
a 9,5% da população total da Cidade.
Entretanto, o problema da habitação em Natal não se explicita apenas
pelo número de favelas. Há outras formas que a população utiliza para enfrentá-lo
e que consiste na subdivisão de casas e de lotes, sobretudo, nos bairros mais
populares e de maior densidade populacional, como é o caso de bairros como
Rocas, Alecrim e Quintas; bem como a formação de vilas e de loteamentos
irregulares. Em 1992, contabilizava-se 40.395 pessoas morando em 2.217 vilas e
118 loteamentos irregulares, nos quais predomina a autoconstrução (MINEIRO;
PASSOS, 1998, p. 156-157). Nos anos de 1990, foi pela via dos loteamentos e
ocupações que a Cidade mais cresceu, principalmente na região norte. Na região
sul, predominou os loteamentos regulares e grandes condomínios, destinados à
classe média alta e à elite. Não há dados do número de pessoas que habitam
estes loteamentos na periferia.
A moradia, conforme Kowarick (2000, p. 83-87), constitui “fator primordial
no processo de inclusão-exclusão.” A favela e o cortiço são os últimos redutos da
escala habitacional, por serem alternativas que apresentam condições materiais
e simbólicas muito deterioradas. Contudo, para o autor, sem negar “a espoliação
urbana inerente à autoconstrução” esta modalidade de alternativa habitacional
pode significar um dispêndio monetário mais baixo.
107
Apesar
de
requerer
trabalho
extenuante
da
família,
pode
ser
compensador por resultar na aquisição de um bem. Na realidade, “a mercadoria
habitação, feita pelo tortuoso e sacrificante processo autoconstrutivo, é o único
bem material cujo preço aumenta ao mesmo tempo que é consumido.” Mas, por
integrar projetos individuais, a autoconstrução faz ressurgir “com pleno vigor o
que pode ser nomeado de cidadão privado: aquele que, com seu esforço e
perseverança, venceu na vida, pois ergueu durante muitos e penosos anos a sua
própria casa” (KOWARICK, 2000, p. 94, grifo do autor).
Atualmente, Natal é uma cidade com uma área territorial de 169,9 km² e
744.794 habitantes conforme já explicitado anteriormente, o que representa
25,6% da população total do Rio Grande do Norte. Conforme apresentado no
Quadro 1 houve um crescimento relativo de 71% da população da Cidade nos
últimos 20 anos. Mas, entre 1996 e 2000, Natal teve uma taxa de crescimento
anual, segundo o IBGE, de 1,98%, registrando-se, portanto, uma desaceleração
em relação ao crescimento demográfico anterior. Em termos das regiões
administrativas a população é assim distribuída: 244.734 habitantes, na região
Norte; 155.884, na região Sul; 116.106, na região Leste e 195.584, na região
Oeste (INSTITUTO..., 2001).
Hoje não é possível pensar esta Cidade descolada da Região
Metropolitana de Natal (RMN) a qual tem uma área total de 2.522,8 km² e uma
população de 1.097.273 habitantes. Natal, com 169,9 km² ocupa apenas 6,7%
desta área total. Mas, possui 70% da população e arrecada 72% do ICMS da
região. Conforme mapa a seguir, a RMN é constituída por 8 municípios: Natal,
Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Macaíba, Extremoz, Ceará Mirim, Nísia
Floresta e São José de Mipibu.
A Região Metropolitana de Natal foi instituída pela Lei Complementar n.º
152 de 16 de janeiro de 1997 com seis municípios. Em 2002, pela Lei
Complementar n.º 221, de 10 de janeiro de 2002, foram incluídos mais dois
municípios: Nísia Floresta e São José do Mipibu. É uma das poucas regiões
metropolitanas do país, instituída por iniciativa do legislativo e a partir de uma
demanda da sociedade e de um debate com esta. A maioria das regiões
metropolitanas do país foram instituídas de forma autoritária pelos governos
militares. É o caso das que foram implantadas em 1974 como uma das primeiras
estratégias de ação do II Plano Nacional de Desenvolvimento dos governos da
108
ditadura: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre,
Recife, Salvador, Curitiba e Belém.
REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL
São Gonçalo
do Amarante
Macaíba
Natal
Parnamirim
São José
de Mipibu
Nísia
Floresta
n o
O c e a
Extremoz
o
n t i c
â
l
A t
Ceará Mirim
N
ESCALA
Mapa-base: Sempla - Setor de Estatística e Informações
Trabalhado por Josélia Carvalho
0
8
16km
Figura 1 – Mapa da Região Metropolitana de Natal
Fonte: SEMPLA – Setor de Estatística e Informações
A maioria dos municípios da RMN teve significativo crescimento
populacional no período 1991-2000. Contudo, Parnamirim, distante 25 km de
109
Natal, foi o que mais cresceu, com uma taxa de crescimento anual34 de 7,9
conforme dados do Censo Demográfico 2000 do IBGE, sendo atualmente o
terceiro município do RN em população, com 124.690 habitantes35, e o que
apresenta mais intensamente uma gradativa integração populacional, territorial e
sócio-econômica com Natal. Outros municípios tiveram aumento populacional a
uma taxa de crescimento anual superior a 2,0: São Gonçalo do Amarante (4,9),
Extremoz (3,1), Nísia Floresta (3,6), Macaíba (2,7), São José do Mipibu (2,4). A
taxa de crescimento de Natal, no período, foi de 1,8 e de Ceará Mirim, de 2,0.
Há vários fatores que explicam o crescimento demográfico de Natal e que
foram explicitados anteriormente, como o processo de industrialização induzida
via incentivos fiscais, a expansão da construção civil, a urbanização da região
Norte da Cidade e o êxodo rural. Mas, conforme França (2003, p. 01-02), o
elevado crescimento da população de Natal nas últimas quatro décadas, é
decorrente, principalmente, do êxodo rural. A Cidade tem sido o principal destino
da população migrante do Estado. Com isso, pobres rurais transformam-se em
miseráveis urbanos, num processo de urbanização desordenada, de periferização
e empobrecimento urbano.
Natal tem seu território organizado politicamente em 36 bairros e quatro
regiões administrativas (Norte, Sul, Leste, Oeste), conforme o mapa a seguir.
34
35
Taxa média geométrica de crescimento anual 1991/2000, divulgada pelo IBGE.
Conforme dados do IBGE, em 1991 sua população era de 63.312 habitantes.
110
NATAL - REGIÕES ADMINISTRATIVAS
Região
Oeste
Região
Sul
Parque das Dunas
Região
Leste
n o
O c e a
o
n t i c
â
l
A t
Região
Norte
N
ESCALA
Mapa-base: Sempla - Setor de Estatística e Informações
Trabalhado por: Josélia Carvalho
0
8
16km
Figura 2: Mapa de Natal – Regiões Administrativas
Fonte: SEMPLA – Setor de Estatística e Informações
O processo de urbanização desordenada, de periferização e de
empobrecimento urbano em Natal, se explicita na existência de 70 favelas36, a
maior parte delas nas regiões Leste e Oeste, de 392 loteamentos sendo que, 163
não registrados ou
irregulares37 e 03 bolsões de miséria segundo dados da
Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS). Os chamados
bolsões de miséria se distribuem em três, das quatro regiões administrativas
36
O número de favelas não tem mudado, conforme os dados pesquisados. O que há é um
gradativo crescimento do número de pessoas vivendo nesses espaços, assim como o número de
loteamentos irregulares.
37
Os loteamentos irregulares se concentram na região Norte, onde estão 35,5% destes. O
restante, é assim distribuído: 28% na região Sul, 21,2% na região Leste e 15,2% na região Oeste
(MINEIRO; PASSOS, 1998, p. 157). Conforme a Secretaria Especial de Meio Ambiente e
Urbanismo - SEMURB (NATAL..., 2003, p. 56), Natal possui atualmente 392 loteamentos, sendo
229 registrados e 163 não registrados.
111
(norte, leste e oeste), o que revela uma cidade partida entre a zona sul (rica e
privilegiada) e o restante das regiões. Conforme Mineiro e Passos (1998, p. 154),
em 1993 o número de habitantes em favelas em Natal era 57.912 pessoas.
Atualmente, segundo a SEMURB (NATAL..., 2003c, p. 54), com base em
dados da SEMTAS de 2002, existem 70 favelas que reúnem 14.458 habitações e
uma população de 65.122 pessoas. Este total corresponde, na realidade, a 9% da
população da Cidade. A distribuição das favelas segundo as regiões revela que a
região Norte e a Oeste são as que possuem o maior o número de favelas (20 e 22
respectivamente ou 60% do total). A região Sul possui 11 favelas e a região Leste
17.
Estudos da Fundação Instituto de Desenvolvimento Econômico do RN –
IDEC-RN (RIO GRANDE DO NORTE..., 1996), com base em dados do Censo
Demográfico de 1991 do IBGE, revelaram que neste período 54,9% dos chefes de
família ganhavam até 2 Salários Mínimos, sendo que, deste total, 30,9% recebem
de ½ a 1 Salário Mínimo. No Censo Demográfico de 2000, os chefes de família
com rendimento de até 2 Salários Mínimos eram de 41,7%, destes, 20,4%
recebiam até 1 Salário Mínimo, incluindo neste total os 8,6% que se declararam
sem rendimento, segundo o IBGE. Os dados atuais sinalizam, portanto, uma
melhora neste dado em relação a
situação identificada no censo anterior
(INSTITUTO..., 2001).
Os dados relativos à renda dos habitantes da cidade apresentados nos
quadros 2 e 3 a seguir revelam a divisão entre riqueza e miséria no espaço
urbano de Natal.
Região
Administrativa
Leste
Norte
Oeste
Sul
Rendimento Nominal Médio
Mensal
(Salários Mínimos)
9,00
2,92
2,92
11,62
Rendimento Mediano
Mensal
(Salários Mínimos)
3,31
1,99
1,65
7,28
Quadro 2 - Rendimento médio e mediano nominal mensal das pessoas com rendimento por
região administrativa da cidade – Natal – RN
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (INSTITUTO..., 2001)
112
Região
Sem
Até 1
De 1 a 3
De 3 a 5
De 5 a 10 De 10 a 20
Acima de
renda
SM
SM
SM
SM
SM
20 SM
Norte
29.022
56.311
96.246
32.906
22.764
5.351
943
Sul
5.465
12.078
25.735
17.532
37.223
34.105
23.145
Leste
7.910
22.113
29.316
13.023
17.928
13.281
11.488
Oeste
22.355
54.421
73.996
21.987
15.321
4.834
1.797
TOTAL
64.752
144.923
225.293
85.448
93.236
57.571
37.373
Quadro 3 - Moradores em domicílios por classe de rendimento em Natal – Distribuição por região
administrativa.
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 (INSTITUTO..., 2001) e SEMURB (NATAL..., 2003c).
Um dado que chama a atenção, a partir do Quadro 3 é a existência de
209.675 pessoas, 29,43% que não têm qualquer rendimento ou recebem, no
máximo, um Salário Mínimo e que podem ser incluídos na condição de indigentes.
“O mapa da exclusão social no Brasil” (POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 57)
indica para Natal 0,624 de índice de pobreza, 0,595 de índice de exclusão, 0,307
de índice de emprego formal e 0,287 de índice de desigualdade. Considerando
que, conforme os autores, o índice varia de 0 a 1 e que os valores mais próximos
de zero revelam as piores situações, é no campo das desigualdades sociais e do
emprego formal que se concentram as piores situações em Natal. Segundo
Francisco de Oliveira (1995, p.5)
[...] o que diferencia os indigentes dos pobres, num recorte
puramente analítico, posto que a rigor são um grupo só, é que na
maior parte, são trabalhadoras e trabalhadores que não recebem
salário, nem o mínimo. São os do chamado setor informal, que às
vezes dispõem de emprego fixo, mas não têm sua situação
trabalhista regularizada, são os trabalhadores que não têm
qualquer classe de emprego e ocupam-se ou subocupam-se em
atividades típicas da informalidade do trabalho: biscateiros,
vendedores de bugigangas nas ruas [...].
Mas, o retrato em preto e branco ou a feiúra social de Natal exposta nos
números e em seus bairros periféricos, “não estão ao alcance dos olhos dos seus
visitantes nem dos nativos mais segregados” como afirma França (2004, p. 0103), pela própria configuração de sua malha urbana. Para o autor, coexistem três
cidades dentro de Natal: a cidade dos pobres, a dos arremediados e a dos ricos.
A Natal dos pobres é formada por 50% da população total, possui renda
média de R$ 375,00 e 56% dos seus chefes de família ganham menos de 2
Salários Mínimos. Outros indicadores destacados por ele são os seguintes: o
analfabetismo atinge 18 de pessoas a cada grupo de 100 pessoas com mais de
113
15 anos, “para cada grupo de 100 jovens menores de 15 anos existem apenas 12
pessoas idosas com mais de 65 anos; apresenta a maior densidade domiciliar,
com uma média de 4,2 pessoas por domicílio” (FRANÇA, 2004, p. 03).
A Natal dos ricos, por sua vez, é formada por 26% da população. A renda
média dos seus habitantes é de R$ 2.007,00. Mas, é uma cidade envelhecida em
relação à Natal dos pobres, “para cada grupo de 100 jovens com menos de 15
anos de idade, há 33 pessoas com mais de 65 anos. Nesta cidade o
analfabetismo é relativamente baixo, apenas 4%.” A densidade familiar é de 3,7
pessoas por domicílio (FRANÇA, 2004a, p. 04). Para o autor, a importância de
tais dados reside no fato de que eles revelam o status social e econômico da
Cidade.
Não é necessário muito esforço para compreender que
indicadores de natalidade, mortalidade e migração elevada, quase
sempre, são manifestações negativas decorrentes da pobreza,
porque a dinâmica demográfica é fortemente influenciada pela
dinâmica econômica, principalmente em regiões de grandes
desigualdades sociais. Nesse sentido, as duas dinâmicas –
demográfica e econômica – são mutuamente dependentes.
(FRANÇA, 2004, p. 02).
A Natal dos arremediados é constituída por 24% da população total de
744.794 habitantes. Possui uma renda média de R$ 743,00 e situa-se nos bairros
mais antigos da cidade: Cidade Alta, Rocas, Ribeira e Alecrim. Nesta Natal, 40%
dos chefes de família ganham menos de dois Salários Mínimos e integram
famílias que têm em média 2,1 filhos. É uma cidade que cresce pouco e na última
década teve crescimento negativo de 1,16%. Possui uma população idosa
significativa: 30 idosos para cada 100 jovens. A taxa de analfabetismo entre os
adultos é de 10% e a densidade domiciliar é de 3,9 pessoas por domicílio
(FRANÇA, 2004, p. 03).
Nesta mesma linha, Pedro Lima (2001, p. 149) observa Natal dividida a
partir do estuário do rio Potengi, e afirma que “enquanto Natal se desenvolvia
como uma cidade legal e provida de serviços e equipamentos urbanos, em ambas
as margens do rio Potengi uma outra cidade clandestina e pobre também se
desenvolveu.” Por isso, Natal é uma Cidade com “uma terceira margem” que há
trinta anos não existia, e que permitiu ao urbanista Jorge Wilheim descrevê-la, em
1968, da seguinte forma:
114
A ponta de terra formada pelo rio Potengi, desembocando no
Atlântico constitui um sítio de rara beleza, uma das mais
interessantes localizações urbanas do Brasil. A estrutura física
desse sítio se caracteriza por uma série de elementos
importantes:
- o rio, lento e curvo, de pouco calado, suas infiltrações e
inundações
- o longo recife formando pequenas baías em forma de meia lua,
do lado do mar
- a divisão entre um sítio ‘baixo’ e um sítio ‘alto’ com as
conseqüentes rampas de contato e visuais panorâmicas
- a linha de altas dunas cobertas por vegetação, anteparo que
isola o mar da plataforma em que se desenvolve a cidade
- uma linha de dunas fechando ao sul o sítio provável da cidade
(WILHEIM, 1977, apud LIMA, 2001, p. 149).
Pedro Lima (2001) denuncia que o processo de urbanização que vem
ocorrendo na Cidade, com a ocupação de dunas e de mangues por favelas e
conjuntos habitacionais de baixa renda, mas também por hotéis e habitações de
luxo,
como
os
principais
responsáveis
pela
destruição
dos
elementos
paisagísticos e ambientais que justificaram a inspiração poética de Jorge Wilheim.
Segundo o autor, hoje, “o rio Potengi está contaminado e tende a morrer. Os
mangues nas margens do rio, berçário natural da vida marinha estão ameaçados
[...]. As dunas situadas a leste foram preservadas pela criação do Parque das
Dunas.” Mas, a parte oriental do referido parque continua em constante ameaça
pela construção da Via Costeira, da rede de hotéis aí localizada e da construção
do Centro de Convenções (LIMA, 2001, p. 149-150).
Esta Cidade, dividida entre pobres, arremediados e ricos; ou divida entre
uma cidade oficial, normal e uma terceira margem, clandestina, é a resultante de
um desenvolvimento e de um processo de urbanização que foi incapaz de incluir,
nos benefícios que produziu, a maioria da sua população. Com isso, o que cresce
é o produto negativo destas opções: analfabetismo; baixa escolaridade; serviços
de saúde precários; condições precárias de habitabilidade de grande parcela da
população; sérias agressões ao meio ambiente; falta de saneamento básico;
sistema de transporte precário, sem planejamento incapaz de atender as
necessidades do número crescente de usuários; elevados índices de desemprego
etc (FRANÇA, 2004, p. 6). Há uma profunda carência de direitos, que gera
vulnerabilidades e pauperização. Conforme Oliveira (1995, p. 1) “os grupos
115
sociais vulneráveis não o são como portadores de atributos que no conjunto da
sociedade os distinguiram. Eles se tornam vulneráveis, melhor dizendo,
discriminados pela ação de outros agentes sociais.”
E uma das razões que torna uma grande parte da população natalense
vulnerável é a ausência de investimento em serviços públicos, os quais não
resolvem a desigualdade social e a precarização das condições de vida dos
pauperizados, dos vulnerabilizados, mas, afiançam direitos e podem garantir a
estes uma sobrevivência com mais dignidade. Tais serviços não significam
ruptura com a situação política de subalternidade em que estes se encontram, já
que, muitas vezes, “ao invés de consolidarem direitos, esses serviços são, via de
regra, operados como favores fugazes do Estado aos mais espoliados”
(SPOSATI, 1988, p. 23-24). Contudo, eles possibilitam acessos sociais,
atendimento a necessidades elementares, como alimentar-se, beber água tratada,
não adoecer pela ausência de rede de esgoto, ter condições de moradia digna,
locomover-se, ter acesso a educação, atendimento de saúde quando necessita,
cultura, lazer e outras necessidades que dificilmente conseguirão resolver ou
adquirir no mercado.
3.3 O acesso a serviços sociais e aos equipamentos urbanos em Natal
Observa-se que em Natal, a criação e garantia dos serviços e
equipamentos urbanos não acontece na mesma proporção que o crescimento da
Cidade, nem com a mesma prioridade que esta cidade se preparara para receber
seus visitantes. Importante ressaltar que tais serviços, na maioria do centros
urbanos e, particularmente, em Natal, estão muito mais ao alcance dos ricos e
arremediados do que dos pauperizados. Sem a pretensão de apresentar um
quadro da situação das principais políticas públicas em Natal, vale situar
sumariamente como se apresentam alguns dos serviços sociais básicos
fundamentais tais como saneamento, acesso a água, saúde e educação.
Em termos de saneamento básico, conforme Mineiro (2001a), apenas
29% dos natalenses têm acesso a este serviço. Essa parcela inclui, sobretudo os
116
bairros onde residem os ricos da Cidade38 (Tirol, Petrópolis, Morro Branco, Lagoa
Nova). Natal convive cada vez mais com problemas decorrentes da falta de
drenagem. Apesar de não contar com períodos chuvosos rigorosos, é crescente a
ocorrência de alagamentos em áreas centrais e inundações em bairros
periféricos, normalmente, naqueles construídos a partir loteamentos irregulares.
Em termos de acesso à água, a Cidade apresenta uma boa cobertura do
serviço, o qual atinge, segundo Mineiro (2001a, p. 4-5), com base em dados da
Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte - CAERN, 98% da área
da cidade. O serviço de coleta e tratamento de esgotos no entanto é insignificante
para o tamanho da cidade. Em 2001, “os dejetos produzidos por 71% da
população, ou 503.202 habitantes, eram lançados diretamente em fossas sépticas
e sumidouros com riscos para o aqüífero subterrâneo.” 39
O resultado é o aumento da contaminação por nitrato das águas
subterrâneas de Natal, sua principal fonte de abastecimento. Além da
contaminação das suas águas subterrâneas, há também a destruição do estuário
do rio Potengi, o qual recebe in natura a parte do esgoto (doméstico e industrial)
que Natal produz e que não é lançado em fossas sépticas e sumidouros. Uma
situação que segundo Mineiro (2001a), compromete não só o futuro da Cidade
mas também o da Região Metropolitana.
No campo da saúde, as unidades da rede básica com melhor
atendimento e melhores profissionais são as localizadas em bairros da elite, ou de
classe média. Os serviços mais precários na atenção à saúde estão exatamente
nas unidades da rede localizadas em bairros periféricos. Nestas, falta de tudo,
inclusive profissionais em quantidade e com competência técnica para atender às
necessidades da população. Mas, de um modo geral, a maioria das unidades
básicas de saúde existentes em Natal, um total de 47, estão sucateadas pela falta
de investimento nos últimos dez anos, tanto do ponto de vista da estrutura física e
material, quanto da qualificação de recursos humanos, como aponta o relatório da
IV Conferência Municipal de Saúde (NATAL..., 2003b).
38
Conforme Mineiro (2001a, p. 4), com base em dados da CAERN, os bairros ligados à rede de
coleta de esgotos são: Rocas, Santos Reis, Praia do Meio, Ribeira, Petrópolis, Areia Preta, Mãe
Luiza, Cidade Alta, Tirol, Lagoa Seca, Barro Vermelho, Morro Branco, Lagoa Nova, Alecrim, Felipe
Camarão, Quintas, Bairro Nordeste, Nazaré, Dix-Sept-Rosado, Cidade da Esperança e Igapó.
39
Até o presente (2005) não houve nenhuma ação no sentido de mudar este quadro.
117
Apesar da consolidação do Sistema Único de Saúde - SUS na cidade, o
modelo de atenção básica predominante é centrado na clínica individual, com
pouca resolutividade. É uma atenção que os profissionais de saúde caracterizam
como fragmentada, focalizada e medicamentosa. O rompimento com esta
situação exige um conjunto de investimentos. Por outro lado, o Programa Saúde
da Família - PSF com 101 equipes e cobertura de 46,1% da população poderia
significar uma melhoria na qualidade da atenção, sobretudo, no campo da
prevenção de doenças.
Entretanto, à medida que a implantação de equipes do PSF ocorre ao
lado do sucateamento das unidades da rede de atenção básica, o resultado é a
substituição de uma atenção, já ruim, por outra muito mais pobre e precária.
Porém, o serviço que é prestado passa à população a idéia de que há uma
melhora na qualidade do atendimento, porque há “médicos” mais próximos dela.
Com relação à educação, em 2002 o Município possuía 808 salas de
aula, 114 estabelecimentos de ensino e 47.586 matrículas, das quais, 8.037 eram
na educação infantil e o restante no ensino fundamental. Nesta área registra-se
um crescimento de 49,62% no número de salas de aula entre 1996 e 2002, o que
possibilitou um aumento no número de matrículas em torno de 71,05% que era de
33.813 em 1996. Não há matrículas municipais no ensino médio (RIO GRANDE
DO NORTE..., 2003).
A Educação infantil, por lei, deve atender a crianças de 0 a 06 anos de
idade em creches (0 a 03 anos) e pré-escolas (04 a 06 anos). Os dados do
Censo Demográfico de 2000 revelam que existiam em Natal, naquele ano 91.339
crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. Destas, 50.937 encontravam-se na faixa
etária até 03 anos. A rede de creches do Município, incluindo aí as creches
públicas e filantrópicas que recebem recursos públicos, atendiam apenas 12.777
crianças, o que correspondia a 25,08% da demanda. Hoje, 2005, esta situação
não mudou muito. A referida rede atende a 12.907 crianças, na faixa etária de 0 a
06 anos. Este serviço, como ocorre em muitos municípios do país, continua com a
sua gestão sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social
e não da Secretaria de Educação, como determina a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – LDB (NATAL...,2001d; 2004a).
A falta de acesso à educação, juntamente com a baixa qualidade do
ensino, torna as pessoas mais pobres ou constitui uma vulnerabilidade que
118
conduz à pobreza. A baixa qualidade do ensino, aliás, faz com que o dado relativo
aos anos de estudo não signifique, necessariamente, o domínio da leitura, da
escrita e o desenvolvimento de capacidades e habilidades que uma educação de
qualidade possibilita. Conforme dados do IBGE, no Censo Demográfico de 2000,
a taxa de alfabetização em Natal era de 84,81%. Em 1991 era de 78,53%. Nas
regiões da Cidade onde reside a população mais empobrecida, a taxa de
alfabetização cai para 78,19% na Região Oeste e 82,62% na região Norte
(INSTITUTO..., 2001; 1991).
Outro dado relativo à educação, que merece ser ressaltado é que 52,75%
das pessoas responsáveis por domicílios em Natal têm até no máximo 7 anos de
estudo. Contudo, 21.604 pessoas, ou 12,15% do total de responsáveis por
domicílios não têm instrução, junto com os que têm de 01 a 03, anos
correspondem a 26,09% desse grupo. Se considerado a qualidade do ensino, a
taxa de alfabetização real em Natal pode ser bastante inferior ao encontrado pelo
IBGE no Censo Demográfico de 2000 (INSTITUTO..., 2001).
Apesar do quadro de pobreza e da precariedade dos serviços públicos,
Natal ostenta um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDH-M de médio
desenvolvimento humano, segundo a classificação do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Humano - PNUD. O IDH-M, segundo o PNUD é
um índice que tem como componentes: educação, renda e longevidade. O IDH,
supõe o acesso (ou não) de uma população a conhecimentos, recursos
necessários a um padrão de vida digno e uma vida longa e saudável.
Contudo, para o PNUD, desenvolvimento humano é um processo mais
amplo e relaciona-se à possibilidade das pessoas terem acesso a instrumentos e
a oportunidades para fazerem as suas escolhas. O Relatório do Desenvolvimento
Humano de 1997 afirma que “o processo de alargamento das escolhas das
pessoas e o nível de bem-estar que atingiram estão na essência da noção de
desenvolvimento humano. Tais escolhas não são finitas nem estáticas.” Conforme
o Relatório, três escolhas são essenciais: “capacidade para ter uma vida longa e
saudável, adquirir conhecimentos e ter acesso aos recursos necessários a um
padrão de vida adequado.” Considera ainda importante a liberdade política,
econômica e social, a oportunidade de ser criativo e produtivo, o respeito próprio
e aos direitos humanos garantidos (PROGRAMA..., 1997).
119
A partir da referida concepção de desenvolvimento humano, o IDH é
construído numa escala que varia de 0 a 1 e classifica o desenvolvimento humano
em alto, médio e baixo. Com um índice até 0,499, o município é considerado de
baixo desenvolvimento humano; até 0,799, de médio desenvolvimento humano; e
acima de 0,799, de alto desenvolvimento humano.
Em Natal, um estudo da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão
Estratégica – SEMPLA (NATAL..., 2003d) analisou a evolução do IDH-M entre
1991 e 2000. Segundo este, o IDH-M de Natal em 2000 foi de 0,787, maior que o
do RN que foi de 0,702. Em 1991 este índice havia sido de 0,733 para Natal e
0,618 para o Rio Grande do Norte. Entre as capitais do Nordeste, Salvador,
Recife
e
Aracaju
têm
IDH-M
superior
a
Natal
(0,805,
0,797,
0,794
respectivamente) (NATAL..., 2003d, p. 09-12).
Para compor tal índice o referido documento ressalta que foram
analisados os aspectos da educação, da renda e da longevidade na Cidade,
conforme determina a metodologia de construção do indicador. No caso da
educação, entrou na composição do índice a taxa de alfabetização das pessoas
com 15 anos ou mais de idade e a freqüência escolar. A taxa de freqüência
escolar em Natal cresceu 17,9%; passando de 76,61% em 1991 para 90,33% em
2000. A taxa de alfabetização passou de 78,53% em 1991 para 84,81% em
2000. (NATAL..., 2003d, p.18)
No caso da renda, o documento ressalta que a renda per capita de Natal
passou de R$ 252,97 em 1991, para R$ 339,92 em 2000, correspondendo a um
acréscimo de 34%. No contexto da região nordeste, trata-se de um crescimento
significativo, tendo em vista que a renda per capita na Região variou, no ano
2000, entre R$ 250,69 em Teresina e R$ 392,46 em Recife. Junto com Recife e
Aracaju, Natal é a terceira capital com o melhor IDH-M em termos de renda
(NATAL..., 2003d, p.16).
Com relação à longevidade o documento ainda aponta que este foi o
componente que menos influiu no crescimento do IDH-M de Natal, passando de
0,693 em 1991 para 0,730 em 2000. Assim, “a esperança de vida (vida média)
dos moradores de Natal passou de 66,59 anos, em 1991, para 68,78 em 2000.”
No contexto da região Nordeste “as capitais que apresentaram vida média
superior a Natal, em 2000, foram Fortaleza, com 69,63, Salvador, com 69,64, São
Luiz, indicando 69,19, e Teresina, com 69,06 anos.” (NATAL..., 2003d, p. 17).
120
Diante do exposto, vale lembrar, conforme Vera Telles (1998, p. 8), que a
pobreza no Brasil “é e sempre foi notada, registrada, documentada.” O
conhecimento da realidade da pobreza, no entanto, não tem sido suficiente para
“constituir uma opinião pública crítica capaz de mobilizar vontades políticas na
defesa de padrões mínimos de vida.” Diante das disparidades observadas nas
análises estatísticas sobre pobreza e indigência no Brasil, a autora observa a
existência de uma “batalha estatística”, que decorre da inexistência de uma
definição quanto a patamares de qualidade de vida, a serem garantidos a todos.
Tudo se reduz “a uma combinação de critérios supostamente científicos
para definir a pobreza” (TELLES, 1998, p. 14 e 9). Com tal diversidade de
indicadores, uma das conseqüências é a dificuldade em conhecer qual é o real
tamanho da pobreza no Brasil. Aliado a isto, os critérios de acesso aos
programas, cada vez mais focalistas, exclui de bens e serviços muitos dos que
necessitam. Juntos, indicadores e critérios de acesso, conseguem “a proeza de
fazer os pobres desaparecerem do cenário oficial” (TELLES, 1998, p. 8).
Além disso, a preocupação dos formuladores dos índices de pobreza
recai sobre a chamada “pobreza absoluta”, como se houvesse uma pobreza
aceitável e, outra que diz respeito àqueles que não conseguiram se adequar às
exigências do mercado. Conforme os neoliberais, é para esta gente que as
políticas sociais devem se voltar, no sentido de garantir-lhes as condições de
disputar seu lugar no mercado competitivo. Contudo, “Os pobres, em geral podem
ser definidos como aqueles para os quais o salário é claramente insuficiente em
vista das condições gerais da mercantilização da vida nas cidades e, já há muito,
no campo também” (OLIVEIRA, 1995, p. 4).
A superação das situações de pobreza e de vulnerabilidade da maioria da
população, exige que tais situações sejam tratadas não como carências, mas
como direitos, ou direito a ter direitos. Nessa perspectiva, a política de assistência
social está no centro do debate acerca das políticas sociais, ao modo como estas
são formuladas e executadas. Todavia, a assistência social pode existir na
perspectiva da carência, da caridade pública ou privada, do favor, da tutela, da
benemerência e da reprodução da subalternidade, mas, pode existir também na
perspectiva do direito, sobretudo, a partir da auto-organização e da participação
ativa dos que se encontram em situação de pobreza.
121
Já foi ressaltado que, em Natal, a assistência social até os anos de 1990,
foi exercida enquanto objeto da caridade privada, filantrópica ou da caridade
pública via LBA e Assessoria de Promoção Social do Gabinete Civil da Prefeitura.
Aliado a isso, houve um outro tipo de caridade pública destinada muito mais a
reproduzir as situações de subalternidade e favorecer a dominação política das
frações das classes dominantes do RN ocupantes do poder do Estado. Diante
desse quadro, quais as forças políticas que governaram Natal no período
imediatamente anterior à LOAS? Quais os instrumentos utilizados por estas
forças para a conquista e permanência no poder? Como conseguem obter o
consenso e o apoio dos dominados aos seus projetos? São questões que se
busca responder nos capítulos seguintes.
3.4 Políticas participacionistas, “cultura do atraso” e o enfrentamento à
pobreza em Natal no período autoritário
As características da sociedade brasileira, que configuram uma cultura
conservadora, uma “cultura do atraso” e conferem a esta sociedade, conforme
Marilena Chauí (2001a), um perfil autoritário e violento, embora não sejam um
fenômeno brasileiro40, são bastante recorrentes na sociedade contemporânea e
reproduzem-se, ao lado das conquistas e das lutas por justiça, cidadania e
democracia que vêm sendo travadas no Brasil. São características que, enquanto
relações presentes na sociedade como um todo, marcam, por sua vez, as
relações sociais e políticas que se estabelecem entre Executivo e Legislativo nas
diferentes esferas de governo, assim como entre estes e as classes populares em
todos os níveis de governo.
Nesse
contexto,
por
quais
caminhos
a
cultura
do
favor,
do
assistencialismo e a não-política no campo da assistência social se reproduz
historicamente em Natal? Como os grupos no poder constroem a sua
40
Um estudo de Maria Helena Guimarães Castro (1988, p. 64-65) discute, com base em Tarrow o
clientelismo em países como França e Itália. Neste trabalho ela afirma que, “tanto o clientelismo
italiano como o dirigismo francês limitavam a ação dos governos locais de esquerda e
obstaculizaram a participação política dos cidadãos no processo decisório das políticas permeado
por mecanismos não transparentes e bastante informais” (TARROW, S. Between Center and
Periphery: Grassroots politics in Italy and France. Yale, Yale Univ. Press. 1977, citado pela
autora).
122
hegemonia? Como o assistencialismo, a caridade pública e a filantropia,
contribuem para a construção da hegemonia dos grupos no poder? Como se
articulam, em Natal, o assistencialismo e o controle da população? Frente a tais
questões, um dos elementos que se levanta no sentido de desvendá-las é de que
as práticas que conformam a cultura do favor, da tutela e do assistencialismo
encontram, em Natal, um campo fértil para se reproduzir a partir das políticas
participacionistas implementadas pelo poder público a partir da segunda metade
dos anos 70 do século XX.
As formas tradicionais de fazer política, baseadas no clientelismo, na troca
de favores e no autoritarismo, como estilo de governar, ganham mais visibilidade
a partir desse período, nas práticas e nos discursos de governantes e assumem
uma forma renovada, embutida num discurso que incorpora idéias de democracia,
cidadania e participação popular. Tais práticas tiveram grande impulso com as
políticas participacionistas41 dos últimos prefeitos da Ditadura militar, enquanto
aplicação, em nível local, das ações previstas no II Plano Nacional de
Desenvolvimento – PND dos governos militares.
Diante da crise política e econômica, dos primeiros sinais de esgotamento
do chamando milagre econômico e diante do agravamento dos problemas sociais,
expresso na concentração de renda e no crescimento da pobreza, o Governo
Federal lançou, para o período de 1975-1979, o II PND. Os programas propostos
no plano incorporavam um discurso participativo e abrangiam várias áreas: saúde,
nutrição, educação, habitação, bem estar social do menor e desenvolvimento de
comunidade. A coordenação era do Conselho de Desenvolvimento Social – CDS
e o financiamento, do Fundo de Desenvolvimento Social (FAS)42.
A
implementação,
no
Rio
Grande
do
Norte,
da
política
de
desenvolvimento prevista no II PND, ocorreu sem maiores problemas, sobretudo
pela aproximação das forças governistas locais com o governo federal. O ator
41
O termo “políticas participacionistas” é usado para definir processos que propagam a idéia de
participação social, de participação popular, por meio da utilização de práticas nas quais a
população não decide absolutamente nada das finalidades ou resultados desses processos. Um
trabalho que aprofunda essa questão é o de Ammann (1997). Analisando a ideologia do
desenvolvimento de comunidade no Brasil, a autora explicita como o recurso da participação foi
utilizado no período da Ditadura militar para legitimar os interesses políticos e econômicos dos que
ocupavam o poder no Brasil naquele período.
42
O Conselho de Desenvolvimento Social – CDS, foi criado pela Lei nº 6.118, de 9 de outubro de
1974, como órgão de assessoramento do Presidente da República. O Fundo de Apoio ao
Desenvolvimento Social – FAS, por sua vez, foi criado pela Lei nº 6.168, de 9 de dezembro de
1974 com a finalidade de dar apoio financeiro aos programas do PND.
123
principal neste cenário era o Senador Dinarte Mariz, o qual, segundo Andrade
(1996, p.123), desenvolveu todo um trabalho de articulação política, a fim de
conseguir a aceitação do Sr. Tarcísio Maia pelos grupos políticos locais, após
este ter sido indicado pelo General Golbery do Couto e Silva para assumir o
governo do Estado, em 1975. Com isso, teve início um período marcado pela
hegemonia da família Maia à frente da prefeitura de Natal e do governo do Estado
no RN.
A família Maia, enquanto força política, se vinculava à oligarquia agrária
algodoeira-pecuária cujo representante principal na década de 1970 era o então
Senador Dinarte Mariz, o qual surgiu na vida política do RN como coronel na
região do Seridó, havia sido governador do Estado no período 1955-1960 e
conforme Trindade (2004, p. 60), era um político tradicional, financiou o Partido
Popular nos anos 30 com dinheiro ganho no comércio do algodão e financiava a
União Democrática Nacional – UDN.
Um dos atos marcantes do governo de Dinarte Mariz, conforme Germano
(1982, p. 52), foi a aprovação, em 1960, pela Assembléia Legislativa, numa
sessão que reuniu apenas deputados governistas, do que ficou conhecido como o
‘inventário político’, que “consistia, essencialmente, em contemplar amigos e
correligionários com empregos e aposentadorias em bons cargos públicos.” O
Diário Oficial que publicou esse “inventário” foi recolhido das bancas e apreendido
pela polícia militar a mando do então governador. De modo que até hoje não se
sabe quais foram os atos que o governador Dinarte Mariz tomou e que impediu
sua divulgação.
Assim, em 1975, o Governo Militar, por influência e indicação sua,
nomeou Tarcísio Maia para governo do Estado. Foi uma estratégia bem sucedida
com vistas a superar a derrota sofrida nas eleições parlamentares de 1974,
quando a população do RN votou majoritariamente no Movimento Democrático
Brasileiro – MDB, acompanhando uma tendência que acontecia em todo o país.
Ao mesmo tempo, este fato também marcou um processo de renovação dos
quadros políticos de direita, no RN, pois conforme Andrade (1996, p. 123), sua
tarefa principal era “criar novas bases de sustentação política para o partido
governista e de se firmar como uma nova liderança, capaz de articular o projeto
de renovação política que o momento requeria”.
124
Em sua administração, Tarcísio Maia se preocupou em criar a estrutura
social necessária à implementação do II PND no Estado e fez um governo
marcado pela boa convivência com a oposição, tendo conseguido atrair o apoio
de Aluízio Alves, principal liderança da oposição naquele período. Ao final do seu
governo, Tarcísio encontrava-se na posição de principal articulador das forças
políticas governistas, o que lhe assegurou o comando da sucessão para o
Governo do Estado, cargo para o qual indicou o seu primo, Lavoisier Maia. Este,
por sua vez, indicou para prefeito da capital, um dos filhos de Tarcísio Maia, José
Agripino Maia, um jovem engenheiro de 33 anos que, à época, residia no
Maranhão (ANDRADE, 1996, p. 126).
Como governador, Tarcísio Maia escolheu43 para prefeito de Natal o
Senhor Vauban Bezerra de Faria. Em termos das ações na capital, tanto o
governo estadual, como municipal priorizaram a realização de obras de grande
impacto: o projeto da “Via Costeira” pelo governo estadual e obras de infraestrutura viária pelo governo municipal.
O período do governo de Tarcísio Maia à frente do governo do Estado e
de Vauban Bezerra de Faria na prefeitura de Natal foi marcado também pela
regulamentação do Plano Diretor de Natal, o qual, depois de aprovado, passou a
ser um instrumento utilizado pela população na defesa dos seus interesses, como
a defesa de áreas de preservação ambiental, contra a especulação imobiliária, a
construção de grandes edifícios de forma desordenada na orla marítima, tendo
em vista que tais edifícios acabariam aumentando a temperatura na Cidade por
impedir a entrada de ventos vindo do Oceano Atlântico (ANDRADE, 1987, p. 44).
A política habitacional foi uma outra prioridade do período, a qual se aliou
a implementação do Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos – PNCSUs,
destinado a desenvolver serviços sociais e promover atividades comunitárias,
complementares
aos
programas
de
habitação,
abastecimento
d’água,
saneamento, transportes coletivos, segurança pública, controle de poluição etc.
Os serviços prestados no âmbito dos Centros Sociais Urbanos - CSUs
eram considerados de alta relevância social e envolviam ações no campo da
educação e cultura, do desporto, da saúde e nutrição, do trabalho, da previdência
e assistência social e da recreação e lazer. Os serviços voltados ao trabalho
43
Durante a Ditadura militar os prefeitos das capitais não eram eleitos, era uma escolha dos
governadores, que por sua vez eram escolhidos e nomeados pelo Presidente da República.
125
correspondiam ao “treinamento profissional e orientação para o trabalho e
agências de emprego”, e as ações no campo da previdência voltavam-se para
“expedição de carteiras de trabalho e assistência previdenciária” (BRASIL...,
1975, p. 8).
Em termos de assistência social, as ações recaíam basicamente sobre a
“assistência ao menor abandonado e a velhice”. O projeto voltado para a questão
do “menor”, no âmbito de uma das unidades do CSU em Natal44, conforme estudo
realizado por Nicolau (1984, p. 53), desenvolvia atividades de iniciação
ocupacional e ação educativa junto aos pais, o que envolvia a busca do
compromisso destes com a educação dos filhos e questões relativas ao direito
previdenciário.
De modo geral, as ações realizadas, além de cumprir o papel próprio das
políticas sociais de redução dos custos com a reprodução da força de trabalho,
buscavam integrar a população usuária destes serviços à ordem vigente. Um
exemplo disso é a ênfase dada ao projeto de participação comunitária por meio
da institucionalização de núcleos de base, ou grupos de representantes,
assessoramento a grupos de jovens, “articulação de canais de comunicação entre
os grupos, o governo e o povo em função do desenvolvimento comunitário”
(NICOLAU, 1984, p.52). Neste aspecto da relação povo-governo, o projeto de
participação comunitária implementado pelo CSU foi apenas o ponto de partida
para uma política muito mais agressiva e ousada dos governantes do grupo Maia
nos anos seguintes.
O espaço do CSU foi também o lugar para o desenvolvimento e
fortalecimento das práticas clientelistas, sobretudo pelo repasse dos serviços
como favor, e da construção da imagem dos governantes como benfeitores. Para
isso, conforme Nicolau (1984) era necessário contar com direções e um corpo
técnico comprometidos com os chefes políticos e com a prática clientelista. A
autora observa que “na maioria dos CSU’s implantados, cerca de 10 CSU’s até
1979, a força política oligárquica usa os cargos existentes nestes Centros e o
próprio local físico-social em função dos seus interesses partidários” (NICOLAU,
1984, p. 45).
44
Natal foi a primeira cidade do país a implantar a política de Centros Sociais Urbanos. A primeira
unidade do CSU foi instalada num conjunto habitacional – Cidade da Esperança, na zona oeste de
Natal.
126
Em nível do RN, para garantir esta política, o Governo Estadual criou a
Secretaria de Trabalho e Bem Estar Social (STBS), órgão responsável pela
execução do Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos. Desde a sua
criação esta secretaria foi o espaço político fundamental de construção das
políticas de participação comunitária, desenvolvendo ações diretas junto à
população, criando ou cooptando os mais diferentes grupos: de jovens, de idosos,
conselhos comunitários etc.
Em 1986, o jornal “Nova Gente” (A STBS..., 1986, p. 5), um boletim
informativo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) da Arquidiocese de
Natal, denunciava a manipulação política e o assédio que vinha sendo praticado
junto aos grupos de jovens vinculados a esta pastoral, tanto na capital, quanto no
interior do RN, por técnicos da STBS, desde 1985. O Órgão vinha promovendo,
segundo o boletim, atividades como encontros, festivais de quadrilhas juninas,
visitas de técnicos da secretaria aos grupos de jovens e uma campanha de
cadastramento de grupos de jovens. O jornal chamava atenção para que os
grupos de jovens estivessem atentos a possíveis práticas de cooptação e
manipulação política por parte da STBS, sobretudo por ser 1986, um ano eleitoral.
Assim, pela ação do Estado, surgiu em Natal nos anos de 1970, um tipo
de participação popular45 viabilizada a partir de políticas públicas voltadas para o
urbano, cujo objetivo era integrar as classes subalternas no desenvolvimento
urbano e evitar o surgimento de conflitos sociais, considerados prejudiciais à
harmonia da sociedade.
Com um discurso democratizante, este tipo de participação popular
originou também um padrão de relação entre poder público municipal e classes
subalternas,
que
reeditou
as
velhas
práticas
populistas,
clientelistas,
assistencialistas e de reprodução da subalternidade da parcela mais empobrecida
45
No âmbito da Universidade Federal do Rio G. do Norte, vários pesquisadores já desenvolveram
estudos voltados para a análise das políticas participativas desenvolvidas nos governos
autoritários, o papel que as forças governistas locais desempenharam no período e a relação
destas políticas com o processo de constituição das organizações comunitárias e do movimento
de bairro em Natal. Um dos trabalhos mais significativos a esse respeito foi a pesquisa de âmbito
regional “Estado e Movimentos Sociais Urbanos no Nordeste”, desenvolvida no período 1988-1990
por pesquisadores dos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais das Universidades Federais
do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia, coordenada pelo Centro Josué
de Castro Estudos e Pesquisas, do Recife. Na UFRN, ela foi desenvolvida por professores do
Mestrado em Ciências Sociais e de outros departamentos, sob a coordenação da Professora Ilza
Araújo L. de Andrade e teve como título “Estado e Movimentos Sociais Urbanos - o caso de Natal”
(ANDRADE, 1987,1990,1991). Além desta pesquisa, há outros trabalhos que tratam destas
questões, como Paiva (1994) e Andrade (1996).
127
da população. Tal “participação popular” encontrou, na realidade de Natal, terreno
fértil para se desenvolver, dada a existência de uma sociedade civil pouco
organizada e da ausência de organizações comunitárias consolidadas e criadas a
partir de iniciativas da própria população.
O outro fator favorável às políticas participacionistas foi a política
habitacional do governo autoritário. Conforme exposto anteriormente, Natal
sofreu, a partir dos anos 70 do século XX, uma grande expansão do seu espaço
urbano por meio da construção de conjuntos habitacionais46. Estes se tornaram
espaços privilegiados para o desenvolvimento de programas “participativos”,
através dos quais o Estado tomou para si a tarefa de “organizar a população.”
Em 1979 a família Maia continuou ocupando o governo estadual. A
liderança escolhida pelo então presidente Geisel para governador do RN foi
Lavoisier Maia Sobrinho, o qual, convidou para assumir a prefeitura de Natal o
jovem engenheiro José Agripino Maia. Este é um período em que em várias
regiões do país, sobretudo no sul-sudeste, pouco a pouco, os movimento sociais
voltavam à cena política, tornando visível a insatisfação popular com a Ditadura
militar e com a crescente desigualdade social. Em Natal, contudo, convive-se com
uma sociedade civil pouco mobilizada e grupos políticos que utilizam estratégias
participativas para se consolidar no poder (ANDRADE, 1987, p. 47).
José Agripino Maia, penúltimo prefeito “biônico”47 de Natal, tomou posse
aos 23 de março de 1979 e dedicou-se a implementar, em nível local, a Política
Urbana Nacional definida no Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte
Médio (PNCCPM), cuja versão local foi, conforme Andrade (1996, p. 131), o Plano
de Desenvolvimento Municipal – PDM. O PDM, segundo a autora, incorporou
também outros projetos nacionais como: o Projeto de Complementação Urbana e
Recuperação
Acelerada
–
CURA
e
o
Programa
de
Erradicação
da
Sub-Habitação – PROMORAR, cujo objetivo era a erradicação de favelas. Logo
no início da sua gestão, José Agripino Maia se destacou pela nova forma de
atuação ligada ao atendimento às demandas da população de baixa renda e “à
46
Conforme Andrade (1996, p. 135), foram construídos em Natal, no período 1974-1985, 34.825
unidades habitacionais, que atingiram uma média de 191.537 pessoas, num momento em que a
Cidade possuía 416.898 habitantes. Cerca de 60% deste total de habitações (20.254 unidades),
foram entregues à população no período 1980-1983 (MINEIRO, 1998, p. 143-144). Atualmente,
dados da SEMURB de 2003 informam a existência de 151 conjuntos habitacionais e um total de
55.999 unidades (NATAL...,, 2003c).
47
Não escolhido pelo voto popular.
128
promoção de programas envolvendo a organização popular, como os encontros
de bairros, onde discute com a população os seus problemas.”48 (ANDRADE,
1987, p. 47, grifos da autora).
Com os recursos do projeto CURA, o prefeito realizou grandes obras de
pavimentação e abrigos de ônibus, uma das obras marcantes da sua
administração.49 A preocupação do prefeito José Agripino para com a população
mais carente, aparece em um dos seus primeiros pronunciamentos, na
solenidade de anúncio do secretariado, publicado no jornal “A República” de
23.03.79 e citado por Andrade (1996, p. 127): ‘vamos governar para toda a
cidade, mas a ênfase maior será dada àqueles que não têm força para nos estirar
a mão. Nós vamos até eles. Vamos estender a mão do Poder Executivo da cidade
ao povo humilde que precisa de nós’.
Este discurso, juntamente com alguns atributos pessoais do prefeito,
foram capazes de impressionar a população e fazer com que ele aparecesse
como alguém que se diferenciava do perfil dos políticos existentes até então. O
primeiro diferencial era sua juventude; o segundo, o fato de possuir uma formação
técnica; e um terceiro diferencial era a demonstração de conhecimento da
realidade da cidade. Com isto, ele se tornou uma das lideranças políticas de
direita de maior expressão em Natal (ANDRADE, 1996, p.127).50
A política participativa era desenvolvida basicamente por meio do trabalho
da Assessoria de Promoção Social,51 da realização de encontros do prefeito com
a população nos diversos bairros da periferia de Natal; do envolvimento da
população em obras, como pavimentação de ruas; e ações da política de
48
Essa prática foi o embrião do que nos anos 90 em diante se configurou em uma das estratégias
mais bem sucedidas de Vilma de Faria para se manter em contato direto com o povo e que tem
sido apresentado como uma importante iniciativa de promoção da “cidadania” e da “participação
popular”: o Programa “Prefeitura nos Bairros”, o qual será melhor apresentado no capítulo 4.
49
O projeto também se destinava a financiar: pontes, sinalização de tráfego, equipamentos de
saúde, educação e lazer (Andrade 1987, p. 48; 51-52).
50
Mas, José Agripino Maia, ou este perfil de liderança política não é um caso isolado. Há no
nordeste, neste período, o surgimento de várias lideranças novas de direita, quadros políticos
novos que nasceram da ditadura e passaram a construir um campo próprio e uma política
diferenciada em relação ao que até então era praticado pelos velhos coronéis. Além de José
Agripino Maia tiveram esta origem políticos como Roberto Magalhães em Pernambuco, Wilson
Braga na Paraíba, Hugo Napoleão no Piauí, Divaldo Suruagy em Alagoas, Gonzaga Mota no
Ceará. Todos com trajetórias muito parecidas: foram prefeitos das capitais, depois governadores e
construíram o PFL em seus estados.
51
Conforme Andrade, a Assessoria de Promoção Social era uma estrutura administrativa
vinculada ao gabinete do prefeito para coordenar as ações da área social e fazer a articulação do
executivo com as organizações de bairro (Andrade, 1996, p. 137).
129
desenvolvimento comunitário, cujos locais privilegiados eram os conjuntos
habitacionais.
Um depoimento da Assessora de Promoção Social na administração José
Agripino, em entrevista à equipe da pesquisa “Estado e Movimentos sociais
Urbanos no Nordeste”, citado por Andrade (1996, p. 137-138), é bastante
esclarecedor de como se desenvolvia este processo participativo no contexto de
Natal:
[...] nós discutíamos a proposta da prefeitura naquele bairro, nós
ouvíamos a comunidade, fazíamos triagem dos pedidos e o
encaminhamento aos diversos órgãos da prefeitura para atendêlos. O prefeito tomava conhecimento e definia as prioridades
dentro da limitação de recursos que a prefeitura tinha e se dava
uma resposta ao povo: de como ia ser feito, de quando seria
feito... Isso quando se tratava de uma obra física. Quando a obra
era concluída, a própria comunidade era responsável pela
promoção da inauguração. Eles estavam sempre presentes nos
palanques das inaugurações, falando em nome da comunidade.
Então eles tinham uma participação do começo ao fim.
Trata-se de uma participação que, em primeiro lugar, destinava-se a
legitimar a definição de prioridades frente às demandas por serviços públicos que
a prefeitura necessitava fazer, diante da escassez de recursos. Ao mesmo tempo,
era uma forma de baratear custos. A moradia construída em mutirão, por
exemplo, reduz de forma significativa todo o custo com mão de obra. Andrade
(1996, p.134) lembra que desenvolver políticas voltadas à melhoria da qualidade
vida da população mais pobre, a um custo mais baixo, usando procedimentos
criados pela própria comunidade era um procedimento recomendado pelo Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD, órgão
financiador de muitos programas federais implementados pela Prefeitura de Natal
neste período.
Este tipo de prática participativa, que segundo Andrade (1996, p. 132138), não significava exatamente uma novidade, posto que era uma exigência dos
programas federais implementados. Contudo, o desenvolvimento comunitário
mereceu, em Natal, uma ênfase muito maior que a recomendada. Além disso,
diferentemente do que ocorria em outras capitais, como Recife, onde as políticas
participativas tiveram que ampliar a qualidade da participação, pela pressão das
forças sociais envolvidas; em Natal, isto não aconteceu. Não havia resistência
130
nem oposição. Na realidade “a população pobre da cidade, ao ser reconhecida
pelo estado e ao poder tomar parte nas ações governamentais, se sente
reinserindo-se na sociedade e ocupando o seu lugar.”
O período 1979-1982 em que José Agripino Maia governou Natal, foi
marcado por mais uma estiagem no Nordeste brasileiro, com ondas de saques,
invasão por parte da população atingida pela seca. Este foi um momento
“particularmente dramático para milhares de despossuídos, que acorriam aos
centros urbanos em busca da caridade pública” (ANDRADE, 1996, p.134). A
política habitacional voltada para a população de baixa renda, em parte, atendia a
esta população que tentava encontrar teto e sobreviver em Natal, nas áreas de
ocupação recente.
Os conjuntos habitacionais, sobretudo, os construídos pelo programa
PROMORAR e pela Companhia de Habitação Popular - COHAB-RN, por estarem
voltados a atender à população de baixa renda, foram os espaços privilegiados
para o desenvolvimento da política de desenvolvimento comunitário. Na região
Norte de Natal, a totalidade das unidades habitacionais foram destinadas à
população de baixa renda. Enquanto que a região Sul, apesar de possuir uma
quantidade de conjuntos habitacionais bem superior, poucos foram os construídos
pela COHAB ou destinados a população de baixa renda, predominando, na
verdade, duas modalidades de construções: aquelas financiadas pelo Sistema
Financeiro de Habitação representado em nível estadual pela COHAB-RN; e
aquelas construídas pelo INOCOOP ou outro órgão e destinadas à classe média,
e ainda um número significativo de construções que resultaram da iniciativa da
própria indústria da construção civil. Neste caso, são conjuntos de casas ou
apartamentos, com uma quantidade menor de unidades habitacionais.
Segundo Andrade (1996, p. 136), o programa de desenvolvimento
comunitário que integrava as ações da COHAB em todo o Brasil, objetivava
preparar as famílias para a ocupação da casa própria, organizar a vida
comunitária nos conjuntos habitacionais, promover o desenvolvimento da vida
associativa, o que incluía manutenção dos conjuntos ou das habitações e
atividades, com vistas a suplementar a renda familiar. Os Conselhos Comunitários
tinham um papel importante neste processo, como “um elemento complementar
ao programa de construção de unidades habitacionais e a sede dessa entidade
131
era o primeiro e, na maioria das vezes, o único equipamento social entregue à
população dos conjuntos habitacionais.”
Andrade (1996, p. 140) mostra que a experiência de Conselho
Comunitário não é nova. Os órgãos públicos que a implementaram se
apropriaram apenas do nome de uma outra experiência de organização
comunitária executada pela Igreja católica nos anos de 1960 e que consistia na
formação destas entidades enquanto um “fórum de decisões formado pelos
representantes de todas as entidades existentes no bairro – agremiações
esportivas, recreativas, corporativas, religiosas, assim como associações de
jovens e idosos.”
Na perspectiva da Assessoria de Promoção Social da Prefeitura de Natal
e dos demais órgãos públicos criados pelo governo do estado com a finalidade de
cuidar do “desenvolvimento comunitário”, trabalhar com este formato de Conselho
Comunitário dos anos de 1960 implicava aceitar entidades criadas pela própria
população e suas lideranças. Isto “parecia temerário dentro da estratégia de
participação sob controle” (ANDRADE, 1996, p. 140).
Conforme Andrade (1996, p. 169-172), alguns estudos realizados sobre
experiências
participativas,
envolvendo
poder
público
e
organizações
comunitárias, “vêem as novas relações entre governantes e atores coletivos, no
âmbito dessas práticas, como um fenômeno que denominam neoclientelismo”.
Analisando a política participacionista da prefeitura de Natal no governo José
Agripino Maia ao final dos anos 70 e a sua relação com as organizações
comunitárias, a autora contesta esta visão. Para ela o que ocorre em Natal, neste
período é o “velho clientelismo de bases individuais”. Contudo ele reaparece na
cena política, num contexto das lutas pela democratização do país, conforme
Andrade (1996, p.172), “de uma forma renovada, intermediado por lideranças
populares que assumem, no contexto da modernidade, o papel de agenciadores
de relações de troca, difíceis de realizar, de forma direta, no meio urbano.”
Enquanto candidato mais provável do grupo Maia ao Governo do Estado
nas eleições de 1982, as primeiras após o período da ditadura militar, Andrade
(1987, p. 51) constata que “Estado e Prefeitura inauguram obras em profusão, a
maioria delas com sérias deficiências.” Ao mesmo tempo ambos promovem “o
envolvimento das chamadas lideranças comunitárias” por meio do “trabalho de
manipulação política nos bairros e entidades.” Uma expressão disso é que a sua
132
candidatura ao governo do Estado foi proposta e anunciada pelo presidente da
Federação das Entidades Comunitárias e Beneficentes do RN – FECEB.
A FECEB foi fundada aos 08 de outubro de 1980; e, conforme Andrade
(1996, p. 145), com o incentivo da Assessoria de Promoção Social, em uma
reunião com algumas lideranças de Conselhos Comunitários dos conjuntos
habitacionais. O vínculo entre esta e o Executivo Municipal era tal, que no
primeiro ano de sua existência, funcionou em uma sala, no prédio da Prefeitura.
Além disso, “para se ter uma idéia da presença da assessoria do prefeito nessa
Federação, a indicação por aclamação do primeiro presidente recai numa
funcionária da prefeitura sem qualquer liderança comunitária anterior.”
A colaboração da FECEB com o poder público consistia, basicamente, na
criação de Conselhos Comunitários nos bairros, no financiamento de suas
candidaturas e na organização das eleições para estas entidades. No tocante ao
processo de criação de Conselhos Comunitários, Andrade (1996, p. 146)
apresenta o depoimento de uma liderança comunitária, bastante esclarecedor de
como atuava a FECEB:
A tática da federação era visitar os bairros, entrando em contato
com algumas lideranças comunitárias, principalmente aquelas que
poderiam ter possibilidade de envolvimento político. Nestas
visitas, colocava-se a necessidade de criar no bairro o Conselho
Comunitário, marcando para breve uma reunião para escolher a
diretoria. A reunião era feita de imediato, de forma a não dar
espaço de tempo para ser difundida, no bairro, a notícia da
criação da entidade. Na reunião, geralmente com as poucas
pessoas que tinham sido contactadas anteriormente, eram
indicados os nomes para compor a diretoria e, através da coleta
de assinatura dos presentes, considerava-se a diretoria eleita. Os
moradores do bairro portanto, não participavam do processo de
criação do conselho e da eleição dos membros da diretoria, e a
grande maioria ignorava a existência da entidade (ANDRADE,
1996, p. 146).
Com isso, surge em Natal, um movimento de bairro sem o mínimo de
autonomia em relação ao poder público. Frente a Conselhos Comunitários criados
sob a ação direta de um órgão público, no caso, a COHAB ou de uma entidade
atrelada ao Executivo Municipal como a FECEB, dava-se a formação da principal
base de sustentação de um tipo de relação entre poder público municipal e
classes subalternas baseada no clientelismo e na manipulação política de
133
organizações e lideranças comunitárias. Tratava-se de uma prática na qual a
subalternidade das classes populares era reproduzida pela prestação de serviços
precários e pela negação de direitos e pela cooptação e uso eleitoreiro de suas
organizações, como forma de se antecipar a estas e evitar o surgimento de
organizações autônomas.
Aliada a esta prática e para reforçá-la, o Governo do Estado também criou
a Fundação Estadual de Trabalho e Ação Comunitária (FETAC), destinada a
coordenar o Programa de Artesanato, os Centros Sociais Urbanos e o Sistema
Nacional de Emprego (SINE). Mas o principal papel da FETAC foi o trabalho
desenvolvido junto às entidades e organizações comunitárias.
No início dos anos de 1980, num contexto político nacional marcado pela
abertura política, aconteceu a eleição de 1982 para governador. No Rio Grande
do Norte, este foi um momento de disputa política, que teve por um lado, o retorno
de Aluízio Alves (pelo PMDB) ao cenário político do estado e, por outro, a
afirmação, do então prefeito de Natal, José Agripino Maia (pelo PDS), como uma
das maiores lideranças de direita no Estado.
Aluízio Alves havia sido cassado pela ditadura em 1969, junto com outros
dois integrantes da família Alves: Garibaldi Alves e Agnelo Alves. Aluízio Alves
retornou à vida pública nas eleições legislativas de 1978, liderando o então MDB.
Nesta eleição, apoiou um candidato da ARENA ao Senado, ligado ao emergente
grupo Maia (que desejava constituir-se como uma segunda força política no
estado), o Senhor Jessé Pinto Freire. Contudo, esta aliança entre Alves e Maia
durou apenas nesta eleição (TRINDADE, 2004, p. 245).
José Agripino Maia, conforme já exposto, contava com o apoio das
organizações comunitárias. Seu trabalho e sua popularidade à frente da prefeitura
permitiram-lhe entrar nesta disputa com muita segurança e grande chance de
vitória. Os demais candidatos eram Rubens Manoel Lemos (PT) e Vicente Cabral
de Brito (PTB). José Agripino foi o candidato vitorioso, conforme o Quadro 4:
134
CANDIDATO
PARTIDO
VOTOS NOMINAIS
José Agripino Maia
Aluízio Alves
Rubens Manoel de Lemos
Vicente Cabral de Brito
TOTAL
PDS
PMDB
PT
PTB
Absolutos Relativos (%)
389.924
57,6
283.572
41,9
3.207
00,5
441
0,06
677.144
100
Quadro 4 – Resultado das eleições estaduais de 1982 para Governo do RN
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral do RN - TRE/RN (BRASIL..., 1997)
Como Governador do Estado, José Agripino indicou para Prefeito de
Natal o Senhor Marcos César Formiga, um ex-secretário de planejamento do
governo do Estado e que procurou dar continuidade à política de ação
comunitária da gestão anterior,52 sobretudo com o objetivo de fortalecer a
liderança do governador. Contudo, o Prefeito encontrou sérias dificuldades, em
virtude da crise mais geral em que se encontrava o Brasil, da crise do “milagre”,
do endividamento externo e do fim do financiamento dos projetos que vinham
sendo implementados; sendo a escassez de recursos uma das maiores
dificuldades que enfrentou. Mesmo assim, conforme Andrade (1996, p. 52-55), o
prefeito tentou “imprimir um estilo de administração participativa, trazendo as
entidades de bairro à discussão de programas de trabalho.”
No que diz respeito às políticas de atenção à pobreza, merece destaque
a criação de uma secretaria específica para cuidar das questões relacionadas ao
“desenvolvimento comunitário” e ao que chamaram de “ação social”. Até então
estas questões tinham como lócus institucional a Assessoria de Promoção Social
vinculada ao gabinete civil do prefeito. Marcos Formiga extinguiu esta assessoria
e criou, pela Lei 3.366, de 01 de novembro de 1985 a Secretaria Municipal de
Promoção Social – SEMPS, tendo seu corpo funcional sido constituído pelos
funcionários da Assessoria de Promoção Social.
A referida Lei define como competências do novo órgão:
I – orientar e apoiar as associações comunitárias de Natal;
II – coordenar e executar as ações que visem assistir e promover
o menor carente;
52
Neste período, esta política passou a ser desenvolvida de forma articulada com o Governo do
Estado por meio da Secretaria de Trabalho e Ação Social (STBS) e da Fundação Estadual do
Trabalho e Ação Comunitária (FETAC), entre outras entidades.
135
III – coordenar e executar programas de desenvolvimento
comunitário e educação complementar
IV – desenvolver programas e projetos relacionados com o
emprego de mão de obra no Município de Natal;
V – desenvolver programas de orientação, assistência e
readaptação social de grupos especiais da população;
VI – prestar assistência social às famílias de baixo nível de renda;
VII – supervisionar entidades assistenciais subvencionadas pelo
Município de Natal;
VIII – articular com organismos federais, estaduais e municipais
sobre assuntos de sua competência;
IX – exercer outras atividades concernentes à política de
Promoção Social da Prefeitura Municipal de Natal (NATAL...,
1985).
Posteriormente, por meio da Lei 4.067, de 15 de fevereiro de 1990
(NATAL..., 1990), que promoveu ajustes na estrutura organizacional da
administração direta do Município, foram excluídas as competências definidas nos
itens III, V, VI, VII, IX e acrescentadas outras duas competências: a “coordenação
e execução de ações de promoção social direcionadas para a população carente.”
e “atividades de apoio a programas e projetos voltados para o idoso e
deficientes.” A perda de competências por parte da SEMPS explica-se pela
criação, no ano anterior (1989) de uma entidade civil sem fins lucrativos, mas
ligada ao gabinete civil: a Associação de Atividades de Valorização Social ATIVA. Esta, constitui-se até hoje numa entidade com função paralela ao órgão
gestor da assistência social.
No ato da sua criação, a SEMPS possuía, na sua estrutura
organizacional, três coordenadorias: desenvolvimento comunitário (para cuidar
das ações de apoio às associações comunitárias, de educação de base, de
promoção social e de trabalho e participação social); bem estar do menor (para
desenvolver projetos de apoio ao “menor carente” e projetos especiais); de ação
social (responsável pelas ações orientação, assistência e readaptação de grupos
especiais e de assistência social).
É possível afirmar que, ao ser criada, a SEMPS incorporou no seu perfil
institucional, a cultura e as práticas predominantes na história de atenção aos
pobres em Natal. Assim como acontecia com a Assessoria de Promoção Social,
incorporou o controle, a cooptação e o uso político das organizações
comunitárias. Instituiu-se cada vez mais um padrão de relação entre poder público
e organizações comunitárias, no qual para estas o bom trânsito junto às
136
autoridades e os acordos de gabinetes são a estratégia principal para conseguir o
atendimento de necessidades coletivas.
Por outro lado, a concepção de assistência incorporada ao Órgão criado
configurou-se como não-política, “promoção social”, com ações pontuais e
espontaneístas, ao mesmo tempo em que as relações sociais praticadas no seu
interior
eram
conservadoras,
marcadas
pelo
favor,
pela
tutela,
pelo
assistencialismo, pelo paternalismo e pelo clientelismo. Práticas que conformam o
que pode ser considerado como uma “cultura do atraso”, porque concebe a
assistência social como caridade pública e ajuda aos pobres; porque utiliza a
assistência social nesta perspectiva (assistencialismo, ajuda, favor) para
promover a dominação política e a reprodução de práticas que a sustentam, como
as relações clientelistas e de dependência pessoal por meio da troca de bens e
serviços por voto.
Entretanto, do lado das classes subalternas, o uso do voto como
instrumento de troca, freqüentemente, é algo praticado por necessidade, último
recurso para atender necessidades sociais. É alternativa de sobrevivência.
Porém, ao conquistar o acesso a bens e serviços, sem acesso à informação sobre
direitos, a fidelidade política é uma conseqüência bastante presente.
Ainda com relação ao governo estadual e sua atuação em Natal, vale
lembrar que, dentro da sua equipe de governo, José Agripino escolheu para a
STBS, a Senhora Vilma Maia,
fim de conduzir todo o trabalho de ação
comunitária e de implementação de projetos assistenciais voltados para a
população de baixa renda. Vilma Maia, por ser esposa do ex-Governador
Lavoisier Maia, enquanto primeira dama, esteve à frente do Programa de
Voluntários e do Movimento de Integração e Orientação Social no governo
anterior. Ao mesmo tempo José Agripino Maia criou quatro projetos especiais que
incluíam a “participação popular” na definição e execução de suas ações: Terra
Verde, Vilarejo, Crescer e Capital. “Os dois últimos direcionados para o meio
urbano” (ANDRADE, 1987, p. 52).
À frente da STBS, Vilma Maia desenvolveu um intenso trabalho junto às
organizações comunitárias. Conforme Andrade (1987, p. 52-53), os governos
anteriores haviam elegido a COHAB-RN como “instrumento de sua política
habitacional no Estado. Ao chegar ao poder, José Agripino Maia escolheu a STBS
para lançar um grande programa de melhoria habitacional no Estado: o projeto
137
Crescer.” Este programa foi intensamente implementado em Natal, meses antes
das eleições diretas para prefeito das capitais que ocorreu em 1985 e que teve
Vilma Maia como uma das candidatas (ANDRADE, 1987, p. 53).
O Projeto Crescer era financiado pelo Banco Nacional de Habitação BNH e destinava-se à construção de habitações para a população de baixa renda,
por meio do sistema de mutirão. Aliado às ações de melhoria habitacional, a
STBS desenvolvia todo um trabalho de organização da comunidade, incentivando
a criação de Conselhos Comunitários, Clubes de Mães, Grupos de Jovens,
Grupos de Idosos etc.
Em entrevista a Andrade (1996, p. 156), Vilma Maia afirmou que “a
concepção
inicial
do
projeto
era
provocar
mudanças
naqueles
bairros
desorganizados socialmente em todos os sentidos”. Com isso, a casa era apenas
um instrumento, “uma atração imediatista”, o ponto de partida para um outro
trabalho na perspectiva de que “a comunidade assumisse seu papel, que a
comunidade se organizasse” mas, sobretudo, para aproximação do governante
com a comunidade: “o projeto CRESCER fazia a casa em mutirão com a própria
população e era a partir deste trabalho que a gente se aproximava da
comunidade.” Segundo a entrevistada, os recursos para o programa não foi difícil
conseguir, já que o BNH “comprou logo a idéia, porque achou incrível que a gente
pudesse fazer uma casa com menos de um quarto do preço que uma construtora
fazia” (ANDRADE, 1996, p. 156).
Assim, como ocorreu no período anterior, que teve à frente da gestão do
Governo do Estado, Lavoisier Maia e da Prefeitura de Natal José Agripino Maia,
os vínculos entre o Governo do Estado e Prefeitura no período se mantiveram
bem fortalecidos. Um instrumento forte na sustentação dos vínculos entre governo
do Estado e Prefeitura foi, “a Política de Ação Comunitária do governo do Estado,
efetivada pela STBS, na periferia da cidade, com o intuito de fortalecer a liderança
de José Agripino Maia em Natal.” Juntos STBS, FETAC, Movimento de Integração
e Orientação Social – MEIOS e Programa Nacional do Voluntariado – PRONAV53
investiram recursos e trabalho, sobretudo na Região Norte, “de forma a obter o
53
O Programa Nacional do Voluntariado da LBA - PRONAV foi lançado em 1979. Tanto MEIOS
como PRONAV funcionam como organizações não-governamentais, filantrópicas. Contudo, no
real existem para executar programas governamentais. MEIOS, por exemplo, tem sido
historicamente o espaço principal das primeiras damas em nível estadual. Foi presidido por Vilma
Maia durante a gestão de Lavoisier Maia no Governo do Estado, então seu marido, e por Anita
Catalão, esposa de José Agripino Maia quando este foi governador.
138
apoio dos conselhos comunitários da área.” A história mostra que na perspectiva
do projeto político destas lideranças, esta foi uma estratégia bem sucedida e que
tem o reconhecimento de muitas lideranças comunitárias até hoje. É o que revela
o depoimento de uma liderança comunitária, coordenadora de um Grupo de
Idosos na região Norte de Natal:
[...] quando eu cheguei aqui, eu morava no Rio de Janeiro, eu
cheguei no Panatis e não tinha Grupo de Idosos. Aí naquela
época, a esposa de Zé Agripino, Dona Anita Catalão, ela foi e se
envolveu no trabalho com idosos. Aí eu fui e me envolvi também
com ela, ela precisava muito, aí fazendo pintura, fazendo... aí eu
morava em casa alugada, saí de lá. Isso era 1981, 1982,
juntamente com Dona Vilma, que hoje em dia é governadora.
Dona Vilma foi quem apoiou, dava muito apoio. Era muito bonito
isso, a atenção que elas estavam dando para os idosos. No Rio
de Janeiro, onde eu morei, não tinha isso, eu não conheci
ninguém que fizesse isso. Era difícil ter uma associação de
idosos.... Aí de repente eu achei muito bonito o trabalho da Dona
Vilma no Projeto Capital. Ela dava o lanche, ela dava até passeio.
Tudo ela conseguia pra gente. Eu me formei muito naquele
momento nessas coisas e eu digo, bom, eu vou ajudar também,
vou entrar como voluntária. Eu sei que isso não dá dinheiro, não
dá nada, mas, como eu gosto de trabalhar, eu vou ajudar. Aí me
envolvi. Fui pra Pajuçara, cheguei em Pajuçara fundei outro grupo
de idosos, Raízes das Rosas. Aí meu filho comprou uma casa no
Soledade I. Nunca teve grupo de idosos aqui na comunidade. O
presidente do conselho perguntou: D. Filomena, a senhora quer
abrir um grupo de idosos aqui? Aí eu estou formando, esse grupo
de idosos tem três anos e eu estou muito satisfeita porque tenho o
apoio da prefeitura. Aí eu me apeguei mais ainda, porque a gente
tendo apoio, é bom pra gente, isso ajuda. A gente não tem nada
para oferecer... aí elas vêm e ficam só conversando, não tem um
cafezinho, não tem um lanche, isso desanima né? Graças a Deus
que o Prefeito ta segurando a barra do mesmo jeito de Vilma.54
A atuação de Vilma Maia à frente da STBS, sobretudo em Natal, a
credenciou para ser escolhida, dentro do grupo articulado em torno do PDS e
liderado pelo governador José Agripino Maia e por Tarcísio Maia, para disputar a
Prefeitura de Natal em 1985, na primeira eleição municipal para as capitais, após
os 20 anos de ditadura militar. A sua capacidade de trabalho e a sua habilidade
política tornaram a experiência participativa no RN diferente e significativa em
54
Dona Filomena. Coordenadora do Grupo de Idosos “Sol Nascente” que funciona na sede do
Conselho Comunitário do conjunto Soledade I – Região Norte. Entrevista realizada em 04 de junho
de 2004.
139
relação ao que havia acontecido até então neste campo. Isto lhe garantiu o lugar
de “candidata natural do esquema governista.” 55
A sua inserção na periferia de Natal e “no movimento associativo urbano
foi tão significativa que o lançamento de sua candidatura a prefeita, em 1985, foi
feita primeiramente por um movimento denominado ‘Aliança Comunitária’“,
formado por Conselhos Comunitários e um número significativo de Clubes de
Mães, de Grupos de Jovens e de Idosos, que haviam sido criados por ela ou
recebido a sua atenção em algum momento.
Por este movimento as lideranças de bairro pressionaram o PDS pela
escolha da candidata. O slogan de sua campanha levava exatamente este nome
“Aliança Comunitária”, com o qual a candidata procurava demarcar a idéia de uma
candidatura popular “cujo único compromisso político era com o povo da periferia
da cidade e com os seus conselhos comunitários” (ANDRADE, 1996, p. 156157).56
A disputa entre os grupos dominantes, nesta eleição, envolveu além de
Vilma Maia como candidata do PDS/PFL, uma candidatura da oposição
“confiável”, o deputado estadual Garibaldi Alves Filho, pelo PMDB, ligado a família
Alves e apoiado por forças de esquerda, como o PC do B e PCB. Além destas
duas candidaturas dos grupos dominantes, houve também a do Professor
Waldson José Bastos Pinheiro e de Miriam Garcia de Araújo Sousa, esposa do
então deputado federal Carlos Alberto de Araújo, um ex-radialista que havia sido
ligado ao grupo Alves.
Cumprindo uma tendência que acontecia em todo Brasil, em que a
população votou majoritariamente na oposição, o deputado Garibaldi Alves foi
eleito Prefeito de Natal, conforme o quadro IV, a seguir, o que marcou o retorno
da família Alves aos espaços de poder no Rio G. do Norte.
55
Vilma Maia disputou internamente, no grupo governista, a preferência pela candidatura do
PDS/PFL a Prefeitura de Natal com o então prefeito de Natal Marcos César Formiga.
56
O resultado da política participacionista de José Agripino e Vilma Maia foi a proliferação de
conselhos comunitários na cidade. Em 1987, 67% destas organizações existentes em Natal
haviam sido criadas neste governo. Atualmente existem em Natal 365 organizações comunitárias
incluindo aí associações e centros comunitários, conselhos, grupos de idosos e clubes de mães.
Deste total os conselhos comunitários são 104, correspondendo a 28,5% do conjunto das
organizações comunitárias.
140
CANDIDATO
PARTIDO
Garibaldi Alves Filho
Vilma Maria de Faria Maia
Waldson José Bastos Pinheiro
Miriam Garcia de Araújo Sousa
TOTAL
PMDB
PDS
PDT
PTB
VOTOS NOMINAIS
Absolutos Relativos (%)
97.920
53,2
82.136
44,6
2.725
1,5
1.240
0,7
184.021
100
Quadro 5 – Resultado das eleições municipais de 1985 para Prefeito de Natal
FONTE: Tribunal Regional Eleitoral do RN - TRE/RN (BRASIL..., 1997)
Segundo Andrade (1996, p. 157), “a secretária Vilma Maia tinha um
projeto pessoal e foi até as últimas conseqüências para realizá-lo.” Não conseguiu
vencer as eleições para prefeito de Natal em 1985, mas o trabalho realizado à
frente dos órgãos ligados às políticas de desenvolvimento comunitário a levou a
candidatar-se pelo PDS à Câmara Federal, nas eleições legislativas de 1986,
destinadas a eleger os deputados que iriam elaborar a nova Constituição Federal.
Foi a deputada constituinte mais votada do Rio Grande do Norte.
3.5 As administrações municipais em Natal na transição democrática e a
assistência social
No momento em que o primeiro prefeito eleito pelo voto popular assumia
a Prefeitura de Natal, o país vivia o início da chamada Nova República. Um
período de transição que marca o começo da redemocratização após 20 anos de
ditadura militar. Antes de tratar da administração municipal deste período, vale a
pena situar, mesmo que sumariamente, alguns aspectos fundamentais do
significado da ditadura e do processo que conduziu a Nova República para situar
as forças dominantes na política do RN e de Natal no novo contexto nacional.
A ditadura não foi apenas um regime político, ela cumpriu o papel de
promover o desenvolvimento econômico e de criar condições para a expansão e
acumulação do capital no país, de acordo com os interesses da burguesia local e
atendendo à lógica do capital, em nível internacional. Conforme José Paulo Neto
(2004, p. 31), as “linhas mestras” do modelo econômico da ditadura baseavam-se
em “benesses ao capital estrangeiro e aos grandes grupos nativos, concentração
e centralização em todos os níveis, etc.” Essa política se realizava por meio da
141
abertura ao capital estrangeiro, do incremento à exportação, da realização de
grandes obras de infra-estrutura, do investimento na indústria pesada e de bens
de capital.
No caso de Natal, conforme Andrade (1996, p.154), é flagrante o papel
desempenhado pelo poder público para o fortalecimento de determinados grupos
econômicos do estado “em especial daqueles ligados ao turismo e à construção
civil.” Os empresários da construção civil foram os grandes beneficiários dos
recursos do Sistema Financeiro de Habitação. No RN e em Natal estes recursos
tiveram o papel de capitalizar antigas e poderosas empreiteiras.
A partir de 1973 o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro
começou a entrar em crise. Revelava-se a farsa do discurso que prometia
promover o crescimento econômico com distribuição de renda (ou o “crescimento
do bolo” para que depois este fosse repartido). Ao final da primeira metade da
década de 1980, o país encontrava-se mergulhado numa de suas piores crises
econômicas, com recessão, desemprego e crescimento da dívida externa.
Também do ponto de vista político, é neste período que o regime militar sofreu a
sua primeira derrota. Mesmo numa eleição controlada, sem que o dissenso
pudesse se explicitar, os militares saíram derrotados das eleições de 1974.
Esta derrota apareceu como uma ameaça ao regime, o qual, diante da
crise econômica, do agravamento dos problemas sociais e da ameaça de uma
crise política, começou a buscar formas de legitimação. Por um lado, prometia
promover a redistribuição de renda, ajustar a economia e iniciar o processo de
abertura política. Ao mesmo tempo foi desencadeada a implementação de
programas sociais, sob um discurso participacionista.
Iniciou-se, deste modo, o processo de democratização no Brasil, o qual,
em hipótese alguma, decorreu da boa vontade do regime militar. Diferentemente
do que acontecia em Natal, em que somente em 1979 é que se registrou as
primeiras greves (de rodoviários e de professores da rede pública), houve, em
amplos setores da sociedade civil brasileira, já no início da segunda metade da
década de 1970, todo um sentimento de rejeição à política autoritária e de reação
ao agravamento da pauperização, em termos das condições de vida da maioria
da população. É bastante extenso o leque de experiências organizativas,
142
movimentos e lutas sociais deste período57, as quais, conforme Carvalho e
Laniado (1989, p. 109-110), expressaram lutas pela sobrevivência mas também
lutas por mudanças políticas, na perspectiva de uma sociedade democrática.
Estes movimentos, sobretudo os que têm os dominados como
protagonistas, não surgem por acaso, nem decorrem simplesmente do
autoritarismo e da política econômica dos governos da ditadura. Eles surgem
relacionados às mais diversas experiências de organização vivenciadas, pelas
classes populares antes e durante o período autoritário. Destaca-se a esse
respeito, as experiências das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, ligadas à
Igreja Católica, da esquerda católica, dos ex-militantes de esquerda que haviam
passado pela experiência da luta armada ou por outras experiências da esquerda.
Uma parcela considerável destes grupos vivenciava um momento de
avaliação dos erros do passado e buscava reconstruir sonhos e projetos que
haviam sido destruídos pela ditadura. Além disso, os movimentos resultavam
também da existência de pessoas que, diante das situações de carência, nas
grandes e médias cidades, resolveram se mobilizar para buscar solução para
determinados problemas imediatos.
O fato da sociedade civil brasileira conseguir fortalecer-se, mesmo sob a
ditadura militar, pode, segundo Coutinho (1988, p. 123), ser explicado pelo fato
de que a ditadura no Brasil não se constituiu num regime fascista, isto é, não foi
um regime com base de massa. Se, no momento do golpe, os militares
conseguiram algum apoio da sociedade, sobretudo da classe média, isso não se
manteve ao longo dos anos de repressão.
A luta pela reconstrução de uma sociedade e de um Estado democráticos
no Brasil, tem conseguido avanços significativos mas, também, tem sido repleta
57
Glória Gohn (1995) oferece uma visão bastante completa das lutas e movimentos sociais no
Brasil, desde o século XIX, até os anos de 1990. No que se refere aos movimentos que ocorreram
na sociedade brasileira no período 1970-1980, lembra-se alguns, entre os que são destacados
pela autora. Nos anos de 1970, destacam-se por exemplo, os movimentos do custo de vida, dos
loteamentos clandestinos, por creches, por transporte coletivos, movimento feminista, pela anistia
e o movimento sindical, que dará origem ao Novo Sindicalismo; o Movimento dos Sem Terra, a
criação da Comissão Pastoral da Terra e a rearticulação do movimento estudantil. Na década de
1980, destaca-se, por exemplo, a Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais ANAMPOS, a qual deu origem a pelo menos três grandes organizações com atuação nacional: a
Central Única dos Trabalhadores - CUT, a Central Geral dos Trabalhadores e a Coordenação
Nacional das Associações de Moradores CONAM e, recentemente, a Central dos Movimentos
Populares - CMP; destaca-se ainda a criação do Partido dos Trabalhadores, o Congresso
Nacional de Luta contra a Carestia, os movimentos dos desempregados, o movimento negro, o
movimento nacional de meninos e meninas de rua, o movimento pró-participação popular na
constituinte, o movimento em defesa da escola pública, a criação da UDR e da Força Sindical.
143
de retrocessos e derrotas. No âmbito do processo de redemocratização, muitos
dos sonhos e aspirações das forças populares foram frustrados. A primeira
grande frustração foi o fato de não conseguir eleger diretamente o primeiro
presidente civil, após os anos de ditadura militar.
Apesar do amplo movimento por Eleições Diretas ocorrido no país em
1984, repetiu-se a velha tradição da burguesia brasileira, de promover
“mudanças” pelo alto, quando sente que a organização das classes subalternas
poderá, de alguma forma, impedir a realização do seu projeto de dominação. Este
tipo de prática situa-se bem naquilo que Gramsci denomina de “revolução
passiva”, conceito que
permite entender o papel da burguesia brasileira
historicamente, assim como o processo de modernização capitalista no Brasil.
A “revolução passiva” segundo Coutinho (1988, p. 108) implica sempre
em dois momentos: o da “restauração” enquanto uma reação da burguesia aos
movimentos das classes populares e o da “renovação”, que significa a
incorporação pela burguesia de demandas das classes populares.
No contexto dos países do capitalismo avançado, a burguesia foi uma
classe revolucionária no enfrentamento do regime feudal e no processo de
construção do capitalismo, realizando revoluções democrático-burguesas, com
apoio popular. No Brasil, não houve uma realidade na qual fosse possível afirmar
a existência de regime feudal. Segundo Coutinho (1988, p. 106) “o latifúndio précapitalista e a dependência em face do imperialismo, não se revelaram obstáculos
insuperáveis ao completo desenvolvimento capitalista.” No Brasil, o latifúndio
“transforma-se em empresa capitalista agrária” e o capital internacional, longe de
ser um problema, “contribuiu para reforçar a conversão do Brasil em país
industrial moderno.”
Este processo de modernização capitalista no Brasil, se faz pela ação do
Estado. Isso porque “a transformação capitalista teve lugar graças ao acordo
entre as frações das classes dominantes, à exclusão das forças populares e à
utilização permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do
Estado” (COUTINHO, 1988, p. 106). Segundo o autor, a ditadura de Vargas e o
golpe militar de 1964 são exemplos concretos da capacidade da burguesia
144
brasileira de realizar “transformações pelo alto” e impedir o avanço de
transformações efetivas vindas das classes subalternas.58
A revolução passiva tem ainda, segundo Coutinho (1988, p. 112-114)
duas conseqüências: “o fortalecimento do Estado” e a “prática do transformismo
como modalidade de desenvolvimento histórico.” Citando Gramsci, ele observa
que, numa revolução passiva, ‘um Estado substitui os grupos sociais locais na
função de dirigir uma luta de renovação.’ Neste sentido, no Brasil, o Estado teve,
historicamente, “o papel de substituir as classes em sua função de protagonistas
do processo de transformação e o de assumir a tarefa de ‘dirigir’ politicamente as
próprias classes economicamente dominantes.” O que Gramsci chama de prática
do transformismo consiste, exatamente, na capacidade dos grupos dominantes de
incorporar ou cooptar “frações rivais das próprias classes dominantes ou até
mesmo de setores das classes subalternas.”
O padrão de relação entre governantes e a quase totalidade do
movimento de bairro inaugurado por José Agripino Maia e Vilma Maia, em Natal
pode ser definido como uma espécie de “transformismo”. O conceito gramsciano
parece dar conta dessa realidade, à medida que a prática desses governantes
tem significado um modo de incorporação e cooptação de um número significativo
de lideranças do movimento comunitário nos espaços de poder através das
políticas participacionistas, ao mesmo tempo em que conquista também o apoio
da população em geral.
A noção de transformismo pode ainda elucidar, por exemplo, as
sucessivas vitórias eleitorais do grupo político dominante, assim como o reduzido
surgimento de movimentos populares autônomos nos bairros de Natal. Contribui
para isso a existência de um movimento de bairro que privilegia as práticas de
colaboração com o Estado, e no qual as organizações comunitárias são espaços
de legitimação e de colaboração com o Executivo municipal.
Gramsci (2002, p. 286) distingue, na realidade italiana, duas formas de
transformismo: o “transformismo molecular”, por meio do qual “personalidades
58
A expressão “transformações pelo alto” é usada por Coutinho (1988) para designar uma prática
política em que, diante de situações de mobilização popular que podem ameaçar a ordem
burguesa, os dominantes sempre encontram saídas cuja característica principal é a exclusão da
sociedade de qualquer debate e o privilegiamento dos acordos de gabinete, feitos nos centros do
poder. O processo que culminou com a não aprovação da emenda constitucional Dante de
Oliveira, que daria ao país a oportunidade de por fim à ditadura militar elegendo diretamente o
novo Presidente da República, é um exemplo desta prática das classes dominantes no Brasil. É
uma forma de promover mudanças, alterações, para que na realidade “tudo fique como está”.
145
políticas elaboradas pelos partidos políticos democráticos de oposição se
incorporam individualmente à ‘classe política’ conservadora e moderada”. A outra
forma é o “transformismo de grupos radicais inteiros que passam ao campo
moderado”. A prática das classes dominantes em Natal, aproxima-se mais da
segunda modalidade de transformismo identificada por Gramsci. Referindo-se à
realidade brasileira, Coutinho (1988, p. 115) mostra que é possível observar no
Brasil as duas formas de transformismo. Apesar do transformismo molecular ser
mais freqüente, ele observa que também ocorre a incorporação de grupos sociais
e de massas, pois “sob muitos aspectos o populismo pode ser interpretado como
uma tentativa de incorporar ao bloco de poder, em posição subalterna, os
trabalhadores urbanos, através da concessão de direitos sociais e de vantagens
econômicas reais.”
O período que vai da campanha por Eleições Diretas, até o início do
governo de transição, revela a fragilidade do movimento das classes subalternas
e a capacidade da burguesia brasileira evitar as transformações. O movimento
por eleições diretas, talvez o maior da história política brasileira até aquele
momento, colocava na ordem do dia, a necessidade de romper com o regime
militar e com a própria hegemonia burguesa por meio de um governo
democrático. Entretanto, conforme Perseu Abramo (1988, p. 03),
[...] os setores liberais percebem o perigo a tempo. Nos
palanques, continuam gritando ‘diretas já’. Mas nos corredores
palacianos, articulam o fim da campanha, a derrota das diretas, a
eleição indireta pelo Colégio Eleitoral e a manutenção da
burguesia no poder. Fazem um pacto com a ditadura: haverá
transição, sim, mas ‘lenta, gradual e segura’, sem traumas nem
retaliações, sem mudanças essenciais e sem povo no poder.
Com isso, ocorre o fim da ditadura militar, mas este processo não implica
encerramento do regime e da forma de dominação, nem resulta numa democracia
burguesa de tipo clássico. O que vai existir é um regime civil sob tutela militar, à
medida em que é mantido pelo governo de transição todo o aparato repressivo do
período autoritário, e não há um efetivo afastamento dos militares da cena
política.
O continuísmo do governo da transição é identificado por Potyara A.
Pereira (1988, p. 70-72) a partir de três fatores: na permanência dos atores
146
políticos do antigo regime; na composição das suas forças políticas, onde
ressalta-se a presença de atores cuja prática baseia-se no fisiologismo, na
corrupção e na ausência de fidelidade partidária; e, na ausência de
representantes do povo nas instituições políticas de cúpula como o congresso,
partidos e outros.
A transição democrática59, denominada “Nova República” iniciou-se,
portanto, com um governo civil, eleito indiretamente num Colégio Eleitoral, e com
enormes tarefas, difíceis de serem cumpridas, entre outras razões, pela
composição de forças do próprio governo da transição. A expectativa era de que
se controlasse a inflação e a crise econômica e se construísse uma nova
institucionalidade, sobretudo por meio da convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte, que elaboraria uma nova Constituição; e ainda, removesse
todos os instrumentos autoritários, enfrentasse a questão agrária, a dívida externa
e os graves problemas sociais.
Em praticamente todas as áreas, o governo da transição foi um grande
fracasso. As conquistas do período, sobretudo as conquistas políticas, podem ser
creditadas à resistência e à capacidade de mobilização da sociedade civil. No
âmbito dos problemas sociais, o governo expressava um discurso democratizante
e de prioridade ao social; mas, na essência, manteve a estrutura centralizada do
período anterior com algumas exceções, como foi o caso da política de saúde, em
que registram-se alguns avanços. Mas, conforme Carvalho e Laniado (1989, p.
127), foi no campo das políticas sociais, que o continuísmo da Nova República
abriu espaço para o neocorporativismo, dentro e fora da máquina estatal; e para o
recrudescimento do clientelismo particularista, à medida que limitou a definição de
programas sociais àqueles que poderiam ser negociados na arena de trocas
políticas.
59
O governo de transição foi constituído por forças de centro-direita reunidas em torno da
chamada “Aliança Democrática”. Foi uma composição possível a partir de um pacto político entre
a Frente Liberal liderada pelo então Vice-Presidente Aureliano Chaves, o PDS do José Sarney,
partido que dava sustentação ao regime militar, o PMDB, que era para o regime militar a “oposição
confiável” e o partido ao qual havia se filiado o Tancredo Neves. Contudo, vale ressaltar o papel
de Tancredo Neves neste contexto. Conforme Martins (1986, p.29), com a reforma partidária de
1979, os militares tinham o projeto de dividir as oposições criando “um grande partido de centro
que fosse o mediador entre as posições do PMDB, à esquerda, e do PDS, à direita. Esse partido
seria o PP, do qual Tancredo Neves foi o fundador e presidente.” Apesar do PP não ter se
consolidado, a eleição de Tancredo Neves, conforme Martins, “constitui a vitória desse ponto de
vista”. Com esta composição de forças políticas é que foram eleitos, em colégio eleitoral, os
Senhores Tancredo Neves e José Sarney, tendo início a chamada “Nova República”.
147
Neste sentido, apesar do discurso e da elaboração de planos que
poderiam supor a preocupação com a justiça social e a democratização, o que
marcou, conforme Barreira e Braga (1991, p. 83), o governo da Nova República
foi a criação de
[...] novos mecanismos de articulação e intervenção na sociedade
sedimentados numa estratégia participativa através da qual, os
setores organizados do movimento popular são convocados a
colaborar e a negociar com o Estado a solução de seus problemas
e a participar do gerenciamento e execução de projetos nas área
de habitação, saúde, nutrição, creches e outras.
A
transição
terminou
com
uma
crise
de
hegemonia
e
com
aprofundamento da crise econômica e social. Diferentemente da crise da ditadura,
a crise de hegemonia que a burguesia enfrentou neste momento foi uma crise
política, a qual se revelava na falta de unidade e de liderança dentro do próprio
bloco de forças que constituiu a “Nova República”.
A elaboração da nova Constituição, um dos acontecimentos mais
importantes deste período, foi antecedida por mais uma derrota das forças
populares, na medida em que, ao invés de uma
Assembléia Nacional
Constituinte, com representantes eleitos exclusivamente para este fim, houve um
Congresso Constituinte. Isto significou a impossibilidade de realizar um processo
de transição com soberania e participação popular.
A forma como o governo da “Nova República” tentou assegurar que a
nova Constituição não resultasse em uma ameaça à ordem burguesa foi, não só,
impedindo que sua elaboração acontecesse por meio de uma Assembléia
Nacional Constituinte, mas, também, influenciando decisivamente no processo
eleitoral de escolha dos deputados e senadores constituintes, nas eleições de
1986.
Diante da crise econômica, do desgaste político e da insatisfação popular
que enfrentava, o Governo sentiu que, das eleições de 1986, poderia resultar um
Congresso Constituinte de maioria progressista. O Plano Cruzado60, lançado
poucos meses antes da eleição, congelando preços e salários e transformando
grande parcela da população em “fiscal do Sarney” no controle de preços, foi a
60
O Plano Cruzado foi o primeiro dos três planos econômicos lançados pelo governo da “Nova
República” (Cruzado - 1986; Bresser - 1987 e Verão - 1989). O principal objetivo destes planos
era conseguir a estabilização monetária.
148
alternativa mais eficiente para evitar que isso acontecesse. O resultado foi que o
PMDB elegeu, nestas eleições, 305 constituintes e o PFL, 120. Esta maioria das
forças que davam sustentação ao governo, teve um imenso poder de
organização, sobretudo, aqueles que se articularam em torno do que ficou
conhecido como “centrão” e conseguiu impedir importantes avanços no texto
constitucional.
No Rio Grande do Norte, as divisões ocorridas no bloco governista a partir
de 1985, que resultaram na formação do PFL, que apoiou a eleição de Tancredo
Neves/José Sarney, e na continuidade do PDS, que apoiou a candidatura de
Paulo Maluf, contribuiu para a divisão do grupo articulado em torno da família
Maia. Um bloco mais ligado ao então governador José Agripino Maia passou a
integrar o PFL e uma outra parcela, mais ligada ao ex-governador Lavoisier Maia
permaneceu no PDS. Neste grupo estava Vilma Maia. O outro grupo político
dominante existente no estado, o liderado pela família Alves, permaneceu no
PMDB, o qual, ao assumir a Prefeitura de Natal tendo à frente Garibaldi Alves
Filho, implementou, em nível local, a política da Nova República.
Apesar de eleito numa composição política que envolvia partidos de
esquerda, as mudanças mais substanciais, em termos de democratização do
poder na administração de Garibaldi Alves, restringiram-se à implementação, em
nível local, de políticas que, nacionalmente, já vinham sofrendo algum tipo de
mudança nesse sentido, como foi o caso da política de saúde.
Nesta área houve grandes avanços na Cidade. Garibaldi criou a
Secretaria Municipal de Saúde, sob um discurso que enfatizava o acesso do
cidadão da periferia à saúde. Neste sentido, criticava o modelo de saúde
predominante, por estar baseado em ações convencionais da medicina curativa,
incapaz de enfrentar doenças, cujos determinantes são a desinformação, a
desnutrição, a falta de condições sanitárias. Conseguiu ampliar a rede básica,
com a construção de novas unidades de saúde na periferia e com a realização de
concurso público.
Entretanto, sua administração foi marcada por ações pontuais e paliativas
nos bairros, atendendo às demandas vindas das entidades comunitárias, por
desenvolver um trabalho junto a estas organizações, por meio do Programa
Nacional do Leite para Crianças Carentes (PNLCC - “o leite do Sarney”). Este
programa é conhecido pelo seu caráter paternalista e que representou a essência
149
da política assistencial do governo da “Nova República”, enquanto parte de um
projeto mais amplo de “ação comunitária” desenvolvido pela Secretaria de Ação
Comunitária – SEAC.61
O programa aliava a distribuição de leite para as crianças carentes à
utilização do trabalho voluntário e gratuito de entidades comunitárias, sobretudo,
os Conselhos Comunitários e Clubes de Mães, a quem competia administrar todo
o processo, desde a distribuição do ticket do leite, até a seleção de beneficiários e
a prestação de esclarecimentos acerca do programa (ESTEVÃO; NERY;
GOUVÊA, 1993, p. 66).
Apesar da aparente descentralização, este foi um programa desenvolvido
com enorme grau de centralização em nível federal. Contudo, nos municípios,
este programa e as ações da SEAC serviam também para fortalecer os grupos
políticos ligados ao governo da “Nova República”. No caso de Natal, foi bastante
útil para fortalecer o Prefeito Garibaldi Alves e seu grau de influência junto às
entidades comunitárias.
3.6 Democratização, assistência social e forças políticas em Natal, pós-1988
Em 1988, houve uma nova eleição municipal, na qual Vilma Maia, então
Deputada Federal, conseguiu ser vitoriosa. Com isso, ressurgiu com mais vigor na
Cidade o estilo de governar e de relação com a população dos bairros periféricos
e com as organizações comunitárias, inaugurado por José Agripino Maia e por
ela, quando esteve à frente da STBS.
Contudo, antes de situar os aspectos que marcaram a sua gestão à frente
da Prefeitura de Natal, no tocante à relação com as classes subalternas, com as
lideranças e organizações comunitárias, bem como as ações no campo da
assistência social, é preciso lembrar alguns fatos da trajetória política da Prefeita,
que repercutem na sua prática à frente da Prefeitura de Natal. Em primeiro lugar,
trata-se do processo que culminou com a sua saída do PDS. Durante o
Congresso Constituinte, Vilma surpreendeu o PDS/PFL e até mesmo as
61
A SEAC foi uma secretaria criada pelo então presidente José Sarney, vinculada ao Gabinete da
Presidência da República para implementar projetos na área de ação comunitária.
150
lideranças e parlamentares de oposição e da esquerda no RN, ao votar a favor de
cláusulas sociais que beneficiavam os trabalhadores.
A partir daí, assumiu um discurso progressista em defesa da cidadania e
dos direitos dos trabalhadores. Após o Congresso Constituinte, filiou-se ao PDT,
fato que acabou provocando uma crise interna neste partido, em nível de Natal, e
a saída dos seus quadros, de figuras expressivas das posições de “centro
esquerda” na Cidade, como foi o caso do Professor Waldson Pinheiro. Estas
pessoas acabaram fundando o PSB. Com um discurso progressista, defendendo
a democratização, a participação popular no seu governo, e a cidadania, Vilma
Maia conseguiu ganhar a eleição para a Prefeitura de Natal, com uma votação
conforme é apresentado no quadro a seguir:
CANDIDATO
PARTIDO
Vilma Maria de Faria Maia
Henrique Eduardo Lira Alves
Waldson José Bastos Pinheiro
Marcos César Formiga Ramos
TOTAL
PDT
PMDB
PSB
PL
VOTOS NOMINAIS
Absolutos Relativos (%)
93.728
46,9
86.808
43,4
13.493
6,8
5.748
2,9
199.777
100
Quadro 6 – Resultado das Eleições Municipais de 1988 para Prefeito de Natal
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral do RN - TRE/RN
Algumas medidas marcaram a primeira administração de Vilma Maia
(1989-1993) à frente da Prefeitura de Natal: um discurso participativo, com amplo
envolvimento das entidades comunitárias ligadas à Federação das Entidades
Comunitárias e Beneficentes do RN – FECEB, em algumas iniciativas; algumas
medidas legais de descentralização administrativa mas, sem uma efetiva
descentralização do poder; a implementação, em nível local, de exigências legais
relativas à política de saúde, com a implantação do SUS iniciada no governo
anterior.
No campo da assistência social, manteve a SEMPS com o papel que já
vinha cumprindo desde a administração de Marcos César Formiga e criou a
Associação de Atividades de Valorização Social – ATIVA, em 13 de abril de 1989,
como uma “entidade civil sem fins lucrativos.” Contudo, concretamente, foi uma
151
entidade vinculada diretamente ao Gabinete da Prefeita, presidida por um dos
seus auxiliares mais diretos, vinculados ao trabalho comunitário.
A ATIVA é, até hoje uma ONG cujo quadro de pessoal é pago com
recursos públicos municipais; bem como os recursos para o seu funcionamento
são do município por meio de convênios diversos, ao mesmo tempo recebe
também recursos provenientes de convênios de origem federal, estadual ou
municipal. É possível afirmar que a ATIVA foi criada com o claro objetivo de
desenvolver ações para dar sustentação política e fortalecer o apoio popular ao
Executivo municipal.62 Formalmente, em termos dos estatutos a “ONG” ATIVA
tem como finalidade:
I – Realizar estudos e pesquisas no campo da assistência e
promoção social;
II - Promover a coordenação e a conjugação de esforços para a
melhoria das condições de vida das comunidades;
Desenvolver programas, prestação de serviços e assistência
social à família carente, à infância, à maternidade, à adolescência
e à 3ª idade, complementando a atuação de órgãos
governamentais e organizações privadas.
IV – Integrar a ação com participação ativa de um corpo de
voluntários, visando despertar a cooperação em prol da melhoria
da assistência e pesquisa no campo social;
V – Desenvolver, por si ou em colaboração com voluntários e/ou
outras entidades, quaisquer atividades compreendidas nos
objetivos e propósitos da instituição;
VI – Promover e desenvolver atividades econômicas, voltadas
para seu objeto social, revertendo sua receita para manutenção,
funcionamento e desempenho de atividades da ATIVA
(ASSOCIAÇÃO..., 1989)
Até 1998 a ATIVA praticamente tornou sem função a SEMPS. Mantida até
o presente, sua atuação sempre esteve marcada por atividades assistencialistas
junto à população dos bairros mais carentes da Cidade e às organizações
comunitárias. O público priorizado em suas ações são os Clubes de Mães, os
Grupos de Idosos e Grupos de Jovens. Define como principais diretrizes:
ocupação e geração de renda; combate à subnutrição; organização e participação
comunitária.
Neste contexto, a relação com as organizações comunitárias era de
vínculo direto entre estas e a governante. Para as lideranças e dirigentes
62
A ATIVA foi reconhecida como uma entidade de utilidade pública pela Lei nº 3817 de 24 de
agosto de 1989.
152
comunitários, sobretudo daquelas organizações que nasceram da ação do Estado
nos anos 1970-1980, como a FECEB, há uma avaliação bastante positiva e um
grande consenso quanto ao investimento da administração de Vilma Maia, e sua
forma de resolver as necessidades da população dos bairros periféricos. Para
isto, além da sua trajetória e do trabalho que desenvolveu enquanto esteve à
frente da STBS, contava com um partido, o PDT que havia se constituído em
Natal, aglutinando na sua militância, pessoas do movimento de bairro, conforme
afirma Sergio Freitas, uma liderança comunitária ligada a FECEB:
Olha, eu vou começar pelo princípio básico: o partido que Vilma
era filiada era o PDT, um partido que tinha uma base muito boa
em Natal. A maioria das pessoas de bairro era ligada ao PDT,
uma militância muito boa [...]. Então, a Vilma sabendo disso, ela
investia muito no pessoal de comunidade durante o mandato dela.
Eu vou dizer pra você, por exemplo, em Felipe Camarão a
população reivindicava uma determinada rua para ser
pavimentada. O que ela fazia? Ela designava o secretário de
obras e dizia: olha, chama o pessoal lá da população e diga que o
calçamento vai sair. Ele chamava o pessoal e dizia: tal dia o
calçamento vai. Claro, valorizava o pessoal da base: ‘aquela
reivindicação nossa vai chegar tal dia, pode se preparar que a
prefeitura vem aqui dar uma vista na rua, ver como é que está a
rua pra começar a terraplanagem’. Depois da terraplanagem ela
mesmo vinha com o pessoal que fez a reivindicação e alguns
moradores da rua fazer inspeção se a obra estava sendo feita ou
não. No final, era a inauguração, aquela festividade, com todo
pessoal da rua. Isso foi uma marca da gestão dela. Ela realmente
63
valorizou os conselhos comunitários (OLIVEIRA, 1997, p. 93).
Fortalecendo o lugar ocupado pelas lideranças comunitárias na
administração municipal, Vilma lançou um amplo programa de descentralização
administrativa, com a criação de quatro Regiões Administrativas (norte, sul, leste,
oeste) e quatro subprefeituras, trabalho que esteve sob a responsabilidade de
uma secretaria criada para este fim: Secretaria das Regiões Administrativas SECRA. Conforme o Decreto Municipal 4.067, de 15 de fevereiro de 1990,
competia a esta secretaria o desenvolvimento de atividades:
63
Sergio Freitas do Nascimento, entrevista concedida à autora em 07.02.97, durante pesquisa de
mestrado (OLIVEIRA, 1997).
153
a. de coordenação no âmbito das Regiões Administrativas,
dos serviços de diversos órgãos que integram a estrutura
da Prefeitura Municipal do Natal;
b. de articulação entre a comunidade e os diversos órgãos
da Administração Municipal;
c. de identificação de problemas nas comunidades que
integram as Regiões Administrativas, elegendo
prioridade e adotando providência junto aos diversos
órgãos da Administração Municipal (NATAL..., 1990).
Em tese, a criação da SECRA foi uma iniciativa inovadora em termos de
descentralização administrativa. Contudo, esta não funcionou, nem na gestão, de
Vilma Maia, nem na administração seguinte. Para algumas lideranças
comunitárias a SECRA e as subprefeituras serviram muito mais para empregar
cabos eleitorais ou como “cabide de emprego” e ressaltam, sobretudo, a falta de
poder de decisão dos subprefeitos: “[...] os presidentes de conselho quando
procuram essa pessoa ele não pode fazer nada porque quem faz é a prefeitura,
não tem poder de decisão, fica como subprefeito mas é só cabide de emprego, só
pra dizer que ali é o local dele” (OLIVEIRA, 1997, p. 94). 64
Mas, os dirigentes comunitários costumam ressaltar também a facilidade
que tinham de acesso ao Executivo durante a administração de Vilma Maia, assim
como a competência dela na forma de se relacionar com estas organizações, em
decorrência do trabalho desenvolvido por ela anteriormente.
Com Vilma funciona normalmente, sem problema nenhum. Até
porque, o pessoal de Vilma, o staf de Vilma é um pessoal muito
ligado às organizações comunitárias [...].Todo o pessoal que
trabalha com Vilma é político. E Vilma já leva uma vantagem que
foi secretária do trabalho e bem estar social desse Estado, tem um
conhecimento, Vilma conhece todas as lideranças comunitárias
[...]. Ela dá muito apoio às lideranças comunitárias. Vilma talvez,
em termos de políticos hoje no Estado, seja o político que dê mais
condições de viabilizar projetos dentro da comunidade. Apoio no
sentido de facilitar acesso, o comunitário tem mais acesso na
administração de Vilma. Ela procura realmente entre os membros
do seu secretariado, procura que eles atendam às lideranças
comunitárias. Se vai resolver o problema ou não, é outra esfera,
mas, ao menos, atenda! Escute o comunitário! Veja o que ele está
precisando!(OLIVEIRA, 1997, p. 95).65
64
Ronaldo de Carvalho. Entrevista concedida à autora em 14.02.97, durante a pesquisa de
mestrado (OLIVEIRA, 1997).
65
Valdefran Pereira Câmara. Entrevista concedida à autora em 19.02.97, durante a pesquisa de
mestrado (OLIVEIRA, 1997).
154
Assim, ao assumir a Prefeitura Vilma Maia deu continuidade ao estilo de
governar praticado por José Agripino Maia e por ela anteriormente, incorporando
a estes novos elementos para atualizá-lo e adequá-lo ao contexto democrático.
Um estilo que se caracteriza até hoje por práticas autoritárias66 e um discurso em
defesa da participação popular e da cidadania, sustentado por meio da relação
com as lideranças e organizações comunitárias, e com o povo em geral, baseada
no vínculo pessoal com o governante, no assistencialismo, através do
atendimento às demandas mais imediatas e na troca de favores com lideranças
comunitárias e com o legislativo.
Ao final do seu mandato, Vilma Maia deixou o PDT e filiou-se ao PSB.
Apresentou como candidato à sua sucessão nas eleições municipais de 1992, o
seu Secretário de Obras, Aldo da Fonseca Tinôco Filho, numa tentativa de se
constituir como terceira força política no Estado e com um discurso de
independência em relação às duas oligarquias.67
A disputa eleitoral na Cidade, nestas eleições, envolveu ainda o candidato
do grupo Alves, Henrique Eduardo Alves pelo PMDB e outras três candidaturas: o
deputado estadual Manoel Júnior Souto pelo PT; Pedro Lucena Dias pelo PSC e
Ana Catarina Alves Wanderley pelo PFL. Esta última, filha do Sr. Aluízio Alves,
irmã do candidato do PMDB, aliou-se ao grupo liderado pelo Sr. José Agripino
Maia.
66
Um exemplo foi o que ocorreu na política de saúde. Ao assumir a Prefeitura em seu segundo
mandato (1997-2001), Vilma proibiu a realização de eleições diretas para diretores de Unidades
de Saúde, substituindo os diretores existentes nas unidades (os quais haviam sido eleitos
diretamente por usuários e servidores), por pessoas da sua confiança, na maioria alheias à
realidade da unidade de saúde que iriam dirigir. Outro exemplo são os Conselhos Municipais.
Sempre foram instrumentos legais para cumprir determinações da legislação federal das políticas
públicas e para referendar decisões já tomadas. Esta é a principal conclusão da pesquisa de
Almeida (2001), que entrevistou integrantes de 4 Conselhos Municipais: assistência, saúde,
criança e adolescente e planejamento urbano e meio ambiente.
67
Com este discurso, e sem o apoio financeiro do grupo político que sempre lhe deu sustentação
(PDS/PFL) e da “máquina do Estado”, foi candidata ao governo do Estado pelo PSB nas eleições
de 1994 e obteve 35.591 votos (3,1%), ficando em 4º lugar. Na oportunidade, já divorciada do
então senador Lavoisier Maia, passou a chamar-se VILMA DE FARIA. Esta eleição, na qual foi
eleito governador o Senador Garibaldi Alves Filho, teve para os demais candidatos, o seguinte
resultado: Garibaldi Alves (pela coligação “Unidade Popular” que reuniu PMDB/PSDB/PPR)
489.765 votos (42,5%); Lavoisier Maia (pela coligação “Vontade do Povo” que reuniu
PDT/PTB/PL/PFL/PP) 359.870 (31,2%) e Fernando Mineiro (pela “Frente Popular Potiguar” que
reuniu PT/PSTU) 44.596 votos (3,9%) (BRASIL..., 1997).
155
CANDIDATO
Henrique Eduardo Alves
Aldo da Fonseca Tinôco Filho
Ana Catarina Alves Wanderley
Manoel Júnior Souto de Souza
Pedro Lucena Dias
PARTIDO
VOTOS NOMINAIS
Absolutos Relativos (%)
PMDB
81.495
39,3
PSB
55.903
27,0
PFL
44.254
21,4
PT
14.286
6,9
PSC
11.300
5,4
TOTAL 207.238
100
Quadro 7 – Resultado do primeiro turno das Eleições Municipais de 1992 para
Prefeito de Natal.
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral do RN - TRE/RN (BRASIL..., 1997)
O resultado da eleição no primeiro turno, conforme o quadro acima,
garantiu ao candidato do grupo Alves a liderança da disputa no segundo turno.
Contudo, o resultado final foi a eleição de Aldo Tinôco Filho, com uma maioria de
apenas 961 votos. Os números desta eleição foram os seguintes: num total de
227.777 votos válidos, Aldo Tinoco Filho obteve 112.993 votos (49,6%) e
Henrique Eduardo Alves 112.032 (49,2%).
Para a maioria da população natalense, a administração Aldo Tinôco foi
um grande desastre. Ao assumir a Prefeitura, ele tentou seguir um caminho
próprio, dispensando a influência da ex-prefeita em seu governo. No primeiro ano
de mandato, deixou o PSB e filiou-se ao PSDB. Sua administração foi uma
sucessão de escândalos, com denúncias de corrupção e mudanças constantes no
secretariado. A isto, aliavam-se um discurso favorável à participação popular e
alguns projetos com bastante divulgação na imprensa local, os quais, ou não
saíram do papel, como foi o caso da construção de uma ponte sobre estuário do
rio Potengi, ligando a Zona Norte ao centro da Cidade; ou foram implementados
com muitas distorções entre o discurso e a prática, como foi o caso do “orçamento
participativo”.
A idéia de “orçamento participativo”, tal como a experiência desenvolvida
pelo PT na Prefeitura de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul - RS, implica antes
de tudo, num compromisso do Executivo municipal em romper com a prática da
apropriação privada do recurso público. Prática esta que historicamente tem
integrado a forma como as elites dominantes governam os municípios brasileiros
e o país. Trata-se de romper com as práticas clientelísticas, fisiológicas,
paternalistas, assistencialistas, do “jeitinho”, da troca de favores, do empreguismo
156
e da corrupção, que sempre marcaram a relação do Executivo municipal com o
Legislativo e com a população.
Nas administrações democrático-populares, o “orçamento participativo”
supõe a democratização do poder como algo que integra o projeto político do
governo. Se no município existe uma tradição organizativa da sociedade, a
construção de uma gestão participativa resulta da articulação entre a vontade
política do governante, com a dinâmica organizativa da sociedade civil, tendo
portanto, mais facilidade para se realizar.
Em lugares onde a sociedade civil não possui uma tradição organizativa,
que é a realidade da grande maioria dos municípios brasileiros, a participação
popular na perspectiva de um projeto democratizante, necessariamente, possui
um caráter pedagógico. À medida em que o poder público se abre à efetiva
participação da população nas decisões de políticas públicas, ele realiza um
processo pedagógico de organização e capacitação da população, a fim de que
esta possa assumir-se como um conjunto de cidadãos, com real capacidade para
influenciar e tomar decisões sobre as grandes questões que dizem respeito à vida
de todos.
Nesta perspectiva, a participação popular, por meio do orçamento
participativo, se configura como uma disputa de interesses; disputa pelo poder na
Cidade, com vistas à construção de um outro modelo de sociedade e de
administração pública, que pode por fim ao monopólio do poder, do saber, do
conhecimento, da informação e da apropriação de recursos públicos por uma
minoria. Isto supõe vontade política do governante para criar mecanismos de
gestão participativa e implementar as decisões tomadas coletivamente nestes
fóruns. Supõe também organização e acesso da sociedade civil a conhecimentos
e informações sobre recursos e projetos, para que possa exercer o seu papel.
Diante da cultura política autoritária, clientelista e paternalista que marca
a sociedade brasileira, a proposta de orçamento participativo possui um apelo
pedagógico muito forte. Considerando que esta cultura política se encontra
profundamente enraizada na vida da população, o primeiro grande desafio é
romper com ela. Conforme Genro (1995, p. 22), é possível encontrar, por
exemplo, lideranças populares que têm uma ética comunitária e estabelecem nas
comunidades, uma relação de solidariedade que “tende a valores de
transformação socialista da sociedade.” Mas é possível encontrar também
157
aquelas lideranças que “reproduzem a ética mais degenerada da nossa cultura
burguesa dominante.”
Neste caso, conforme o autor, nas relações com o poder público, este
último tipo de liderança privilegia os interesses pessoais, ao invés dos interesses
comunitários e coletivos; no momento das disputas políticas, utilizam todos os
mecanismos para destruir os que se opõem às suas idéias e impedem o
surgimento de novas lideranças, para que o seu poder autoritário não seja
destruído etc. Conforme o que foi exposto até aqui, considera-se que este é o tipo
de liderança comunitária que predomina em Natal.
O orçamento participativo, na administração Aldo Tinoco, não se
constituiu como tal, sobretudo, porque a democratização do poder não integrava o
projeto do seu governo. Foi um processo que se desenvolveu num curto período
de 30 dias, entre os meses de julho e agosto de 1994. Um período insuficiente
para que a população, mesmo os setores organizados, tivessem a oportunidade
de se mobilizar e intervir de forma qualificada; assim como, para o
desenvolvimento de um processo educativo em torno da questão do orçamento
municipal. O programa foi lançado no dia 20 de julho e, no dia 21 de agosto,
estava sendo encerrada a I Conferência Municipal de Orçamento, na qual os
delegados definiram as prioridades.
O processo foi, basicamente, o seguinte: a Prefeitura realizou inicialmente
reuniões nos 35 bairros da Cidade, nas quais os técnicos prestavam
esclarecimentos à população quanto aos serviços públicos existentes, aos limites
geográficos, o número de habitantes etc. Nestas ocasiões, ocorria também a
escolha dos delegados do bairro para a Conferência de Orçamento, marcada para
o período de 19 a 21 de agosto de 1994.
Além destas reuniões, a população foi convocada a indicar, por meio de
uma eleição, que aconteceu no dia 06 de agosto 1994, três prioridades: uma para
o bairro, uma para a Região Administrativa e uma para a Cidade. A votação
ocorreu em todos os bairros, em locais estratégicos de movimentação, como
supermercados, bancas de revistas, escolas etc. Desta etapa participaram,
aproximadamente 5.600 pessoas, o que significou o envolvimento de apenas
0,8% da população nesta votação (OLIVEIRA, 1997, p. 99).
O último momento do orçamento participativo foi a realização da I
Conferência Municipal de Orçamento, da qual participaram 125 delegados,
158
representantes dos 35 bairros existentes na Cidade naquela época, para eleger
as prioridades, a partir do resultado da votação anteriormente realizada. Três
questões centrais foram ressaltadas pela população que participou da consulta:
segurança, saúde, saneamento básico. Além destas, comuns nas quatro regiões
administrativas, foram ressaltados: o problema do transporte coletivo, dos
meninos e meninas de rua, da habitação popular e urbanização de favelas e a
construção da ponte sobre ao estuário do rio Potengi, ligando a praia da Redinha
ao bairro da Ribeira (OLIVEIRA, 1997, p. 99).
Ao final do mandato de Aldo Tinoco Filho, a constatação foi de que as
prioridades eleitas na I Conferência de Orçamento Participativo jamais saíram do
papel. Neste sentido, conclui-se que o orçamento participativo foi muito mais um
artifício utilizado pelo Prefeito para se promover, dada a intensa propaganda
realizada em torno desta ação.
Ressalta-se que, além da iniciativa do “orçamento participativo”, Aldo
Tinôco foi o prefeito que mais criou Conselhos Municipais no âmbito das políticas
públicas. Nove, dos treze conselhos existentes em Natal até 1996, foram criados
durante a sua administração: habitação e desenvolvimento social, entorpecentes,
turismo, cultura e fundo municipal de financiamento à cultura, pessoas portadoras
de deficiência, assistência social, alimentação escolar, idoso, conselho e fundo
municipal de apoio ao esporte. Destes nove conselhos, quatro foram iniciativas do
Executivo68, na maioria das vezes por exigência legal para recebimento de
recursos; os demais foram iniciativa do Legislativo.
Na relação com as organizações comunitárias, Aldo tentou romper com a
prática anterior. Apesar de ter a sua candidatura apoiada por este setor, por ter
sido o candidato da situação e apoiado pela então prefeita Vilma Maia, não teve
com as organizações comunitárias a mesma relação que esta. Para os dirigentes
da FECEB, uma das piores ações de Aldo Tinoco foi ter colocado na SECRA a
Vice-Prefeita Eveline Guerra, que era do PC do B. O trabalho desenvolvido por
ela junto a esta secretaria, desagradou as lideranças desta entidade, que
compreenderam como uma tentativa de destruição do movimento de bairro:
[...] muitos políticos acham que o movimento popular ele é uma
coisa da esquerda, de inclinação total da política da esquerda,
68
Turismo, Idoso, Esporte e Habitação.
159
quando na verdade não é bem assim. A vice-prefeita que é
militante do PC do B, entrou em choque quando percebeu que a
coisa não é desse jeito. As lideranças comunitárias cada uma tem
as suas preferências políticas, independente de serem de
esquerda ou de direita. Por isso que ela tentou aquele trabalho de
destruição do movimento, de enfraquecimento e conseguiu,
parcialmente, mas conseguiu (OLIVEIRA, 1997, p. 101).69
Contudo, apesar da sua administração ter sido, para muitos, um desastre,
Aldo Tinôco foi um prefeito que abriu canais de participação. Com isto, valorizou
os movimentos, permitindo ao povo se mobilizar para discutir os seus problemas.
Apesar de não atender as reivindicações, costumava receber as organizações
comunitárias, conforme ressaltou uma liderança comunitária naquele período:
Então, Aldo ficou na administração. Só que Aldo não manteve
nenhum contato com o pessoal. A falha de Aldo foi essa. Ele foi
um prefeito que não teve arestas com o movimento em si. Ele
sempre atendia. O pessoal fazia uma reivindicação do orçamento
participativo, ele dizia: vai chegar! O pessoal cobrava de novo, ele
dizia: vai chegar amanhã! aí ele sempre tinha uma desculpa. Não,
foi o repasse que não veio! Ficava nessa enrolada. Ele foi um cara
que embora tendo feito uma má administração, não saiu tão mal
com o pessoal do movimento de bairro, o pessoal ainda tem um
respeito por ele. Embora tendo ficado desgastado, é aquele
camarada de chegar num bar em Felipe Camarão, Bom Pastor,
Cidade da Esperança e tomar cachaça com o pessoal. O pessoal
diz: não rapaz, Aldo pelo menos sabia enrolar! Não é de agora
não. Desde que ele estava no IPLANAT, ele sempre estava nas
comunidades fazendo palestra sobre o plano diretor, então ele
conheceu mesmo a fundo o movimento indo na cozinha do
pessoal. O pessoal não tem ele como prefeito não, tem ele como
um colega assim de... vamos tomar uma na minha casa! que ele
vai. Então esse foi o governo de Aldo. Ele foi um desastre em
algumas coisas, mas ele em outras coisas foi sensível: valorizou a
municipalização, valorizou a questão dos movimentos, até mesmo
pelo orçamento participativo, o povo se mobilizou pra discutir na
comunidade os problemas. Se as obras tivessem sido cumpridas
ele talvez tivesse saído daí aclamado. Só não fez cumprir, mas
abrir os canais para a participação ele abriu (OLIVEIRA, 1997, p.
70
102).
Com relação à assistência social, o governo Aldo Tinôco Filho marcou o
início do processo de implementação da LOAS. Entretanto, foi também o período
69
Ajax Felipe, secretário da FECEB, entrevista concedida à autora, em 31.01.97, durante a
pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 1997).
70
Sérgio Freitas do Nascimento, liderança comunitária da FECEB, entrevista concedida à autora
em 07.02.97 durante a pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 1997).
160
em que a ATIVA praticamente tornou sem função a Secretaria Municipal de
Promoção Social - SEMPS. Funcionou muito mais como uma repassadora de
recursos para a ATIVA, quem realmente desenvolvia os programas e projetos
implementados. Poucas eram as ações sob a responsabilidade direta da SEMPS.
Num relatório sobre as ações realizadas no período 1993-1996 (ASSOCIAÇÃO...,
1996, p. 11) a ATIVA destaca que a sua receita “origina-se apenas de convênios
com a Prefeitura Municipal de Natal e instituições a nível federal e internacional
(UNICEF)”.
Mais que isso: a ATIVA passou a funcionar no mesmo prédio da SEMPS,
ocasionando uma grande confusão de competências. A primeira dama, Zélia
Maria de Medeiros Tinôco, era, ao mesmo tempo, presidente da ONG e
Secretária Municipal de Promoção Social. Um exemplo da confusão de
competências pode ser observado num discurso da primeira dama ao participar
de um seminário latino-americano de alimentação alternativa em Porto Alegre
(RS), em 12 de outubro de 1993, no qual ela afirmou que a ONG fazia parte da
estrutura da Prefeitura:
Atualmente Natal é administrada pelo prefeito Aldo Tinôco Filho, o
qual propõe-se a realizar uma administração participativa
envolvendo todos os segmentos da população, tendo como uma
das metas o combate à subnutrição. Fazendo parte da estrutura
da prefeitura, existe a ATIVA – Associação de Atividades de
Valorização Social – sociedade civil sem fins lucrativos, criada em
1989 para apoiar e realizar programas especiais na área social do
governo municipal. As principais diretrizes da ATIVA são:
ocupação e geração de renda, combate à subnutrição e
organização comunitária (TINÔCO, 1993, p. 2).
A ATIVA desenvolveu, durante a gestão Aldo Tinoco, oito programas que
na sua maioria estavam voltados a minorar as situações de carência dos mais
miseráveis de Natal, que conforme o “Mapa da Fome no RN” (RIO GRANDE DO
NORTE..., 1993) somavam 170.100 pessoas, correspondendo a 30% da sua
população total. Os programas desenvolvidos foram:
combate à subnutrição;
ocupação e geração de renda; braços dados; creche; adolescentes e jovens;
mães; idosos e informação e capacitação. O programa de combate à subnutrição
consistia no fornecimento de uma sopa comunitária em 28, das 70 favelas
161
existentes71, na suplementação alimentar à base de alimentação alternativa
(multimistura) a gestantes e crianças; assim como no atendimento às gestantes;
na realização de cursos em bairros populares e favelas sobre alimentação
alternativa; e na implantação de cozinha escola alternativa. Ao todo, eram 14
ações.
O programa de “ocupação e geração de renda” desenvolvia atividades de
qualificação profissional, em oficinas de artesanato ou trabalhos manuais (papel
artesanal, cestaria, flores, serigrafia etc) ou em cursos mais específicos, como
padeiro, guia de turismo, garçom, camareira, copeira, babás etc. As atividades
deste programa eram desenvolvidas pelo Centro de Arte e Produção - CENARP
(ASSOCIAÇÃO..., 1996, p. 179-82).
O programa “braços dados” consistiu em
mais um programa de
atendimento a situações pontuais e emergenciais em favelas e bairros da periferia
da Cidade e, segundo o relatório anteriormente referido (ASSOCIAÇÃO..., 1996,
p. 45), “surgiu da necessidade de atuar imediatamente junto à favelas e
comunidades carentes, realizando serviços ágeis nas áreas de Meio Ambiente,
Educação, Saúde, Cultura e Lazer.” A sua realização começava pela visita de
técnicos no bairro ou favela, mobilizando a população por meio de panfletagem,
visitas domiciliares e contatos com lideranças dos grupos organizados, para
definição de prioridades a serem decididas em reunião posterior.
Durante 30 dias, ocorriam atividades sócio-educativas, culturais, de saúde
e de melhoria do meio ambiente. Ao final deste período, ocorria o “dia de mutirão”
com “ações de impacto” como: limpeza de vias públicas, operação tapa-buracos,
pintura de meio fio, coleta de lixo, retirada de entulhos, distribuição de mudas
plantas ornamentais etc; além de ruas de lazer, show musicais e uma audiência
pública com o Prefeito e o secretariado. Nestas audiências, as lideranças
comunitárias apresentavam as demandas da comunidade (ASSOCIAÇÃO...,
1996, p. 43-54).
Um dos programas executado pela SEMPS e transferido para a ATIVA foi
o programa “creche”, num total de 49 unidades, que atendiam 5.048 crianças de 0
a 06 anos. Segundo o relatório da ATIVA, a reestruturação realizada no programa
71
Para estas sopas a ATIVA fornecia o material necessário (equipamentos, alimentos crus, gás de
cozinha, material de limpeza, manutenção do espaço físico) e voluntários das favelas beneficiadas
confeccionavam e distribuíam as refeições. (ASSOCIAÇÃO..., 1996, p. 26)
162
permitiu que as creches “passassem a ter função pedagógica, transformando-se
num ambiente alfabetizador, portanto propício ao desenvolvimento/aprendizagem
da criança e, sobretudo, criando condições para o exercício da cidadania”
(ASSOCIAÇÃO..., 1996, p. 60).
O programa denominado “sócio-educativo” envolveu atividades junto a 34
Grupos de Jovens, 45 Grupos de idosos e 80 Clubes de Mães em toda a Cidade
e ainda ações voltadas para a população adolescente e jovem, em situação de
risco social e pessoal. As ações desenvolvidas abrangiam uma casa de acolhida
no centro da Cidade (Casa da Praça), que servia de ponto de apoio e de
referência para adolescentes e jovens que vivam nas ruas; e o Projeto Vida Nova,
em parceria com o Exército e a Marinha, no qual os adolescentes e jovens
realizavam atividades sócio-educativas, sobretudo, oficinas de serigrafia de
marcenaria, de mecânica de automóveis, de garçom e de música. Estas oficinas
ocorriam nos quartéis das duas forças armadas envolvidas e ocupavam o contraturno da escola dos adolescentes.
Além destas ações sob a responsabilidade da ATIVA, integraram a
assistência social no município de Natal, outras atividades que estiveram sob a
responsabilidade da SEMPS executadas, na sua maioria com recursos do
orçamento municipal, conforme apresenta o relatório de ações da SEMPS de
1994:
a. a conclusão do mercado de arte popular;
b. a realização de feiras de artesanato e de cursos de iniciação e
reciclagem de artesãos;
c. a concessão de documentos – registro de nascimento, de carteira de
identidade a pessoas “eminentemente carentes”;
d. o atendimento emergencial - concessão de passagens,
medicamentos, ataúdes e alimentação a pessoas “eminentemente
carentes”;
e. a “humanização e urbanização de favelas” que consistiu no
desenvolvimento de dois projetos em duas áreas da cidade. Um, a
remoção de 60 famílias da favela bem-te-vi localizada no centro da
cidade para novas moradias na zona norte de Natal. A outra foi o
execução do projeto Habitar Brasil na favela da África localizada no
163
bairro da Redinha envolvendo melhoria habitacional e trabalho social
junto a 990 famílias. O trabalho social envolveria, segundo o plano de
ação da SEMPS de 1994 “assessoramento técnico e jurídico junto a
lideranças e/ou grupos representativos da comunidade”.
f. cursos de hortigranjeiro e de produção de flores para adolescentes de
rua ou de famílias de baixa renda (NATAL..., 1994b).
Ainda neste período em que Aldo Tinoco esteve à frente da Prefeitura
Municipal de Natal, em 1993, um grupo de profissionais da LBA e do Conselho
Regional de Serviço Social – CRESS – 14ª região iniciou a discussão sobre a
implantação da LOAS no Rio Grande do Norte. O ponto de partida foi a realização
de debates sobre a LOAS com a categoria dos assistentes sociais e com
lideranças comunitárias, com o objetivo de divulgar o texto da referida Lei e
sensibilizar a sociedade civil para a necessidade da sua implantação. Já neste
momento, a Prefeitura, por meio da SEMPS e da ATIVA tiveram uma participação
efetiva.
Após um longo processo de muitas reuniões desse grupo, durante mais
de um ano, aos 26 de abril de 1995, foi criado o Fórum Permanente de
Assistência Social do Município do Rio Grande do Norte. No ato de implantação
do Fórum estiveram presentes 236 pessoas representantes de 19 organizações
da sociedade civil e 9 instituições públicas (FORUM...., 2001, p. 01).72
Em seu discurso, no ato de instalação do Fórum, a secretária municipal
de promoção social de Natal e primeira dama, Zélia Tinôco, afirmou que ao
assumir a SEMPS procurou redimensionar o trabalho social da Prefeitura
Municipal de Natal “na perspectiva de um trabalho sério e comprometido com os
72
Organizações da sociedade civil, envolvidas na criação do Fórum: CRESS – Conselho Regional
de Serviço Social – 14ª Região; APAE (Natal) - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais;
Centro Suvag; Federação Estadual das APAE’s; ATIVA – Associação de Atividades de
Valorização Social; Pastoral da Criança; Federação dos Pescadores do Rio Grande do Norte;
Pastoral dos Pescadores; Pastoral do Idoso; Centro Integrado de Atenção ao Idoso; SBGG Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia; Clube da Maioridade; MEIOS – Movimento de
Integração e Orientação Social; SESC – Serviço Social do Comércio; Abrigo Juvino Barreto;
Conviver São José do Mipibu; OAB – Ordem dos Advogados do Brasil; ADOTE - Associação de
Orientação aos Deficientes; ARPI – Associação Norte Riograndense Pró Idosos. E, as
organizações governamentais envolvidas foram as seguintes: LBA – Legião Brasileira de
Assistência Social; INSS – Instituto Nacional de Seguro Social; SEMPS – Secretaria Municipal de
Promoção Social; UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte; SAS – Secretaria de
Estado de Assistência Social (Escritório do RN); SETAS – Secretaria Estadual de Trabalho e
Assistência Social; DEMEC – Delegacia do Ministério da Educação e Cultura; IDEC – Instituto de
Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do RN; Secretaria Municipal de Saúde.
164
segmentos mais empobrecidos da cidade [...]. Estamos construindo uma prática
participativa onde a população conquista cada vez mais seu espaço” (NATAL...,
1995c, p. 01).
De acordo com documento do CRESS – 14ª região (FORUM...., 2001, p.
2), o fórum foi criado com os seguintes objetivos:
a. Discutir e definir estratégias para implementação da Política
de Assistência Social no Estado do RN em articulação com as
demais políticas públicas;
b. Apoiar e assessorar os conselheiros dos Conselhos Estadual
e Municipal de Assistência Social;
c. Mobilizar e engajar a sociedade civil (entidades, movimentos
populares e usuários) nas lutas, articulações e negociações
que impliquem na defesa dos cidadãos que constituem o
público-alvo da Assistência Social;
d. conhecer, estudar, discutir e avaliar os programas, projetos,
serviços e ações propostas e/ou em execução pelo poder
público;
e. levar a discussão sobre Assistência Social ao poder executivo
e legislativo;
f. treinar, capacitar conselheiros do CEAS e CMAS’s
g. Outro elemento que chama atenção é o caráter formal da
organização
Faz-se necessário destacar algumas peculiaridades deste fórum. Em
primeiro lugar, observa-se uma diferença na própria concepção de fórum, entre
aquilo que a literatura e os movimentos têm construído sobre estes espaços, e a
configuração deste Fórum de Assistência Social, criado em Natal. Ao se falar de
fórum como espaço público e de fortalecimento das lutas sociais, a noção que se
tem é de um espaço de articulação política de organizações da sociedade civil;
autônomo, com uma estrutura a mais leve possível, destinada ao fortalecimento
do controle social e da formulação de propostas alternativas, como instâncias não
institucionalizadas,
que
ampliam
as
possibilidades
de
participação
e
representação política de setores excluídos dos espaços decisórios e tradicionais
de deliberação política.
A leitura dos poucos registros encontrados sobre este Fórum de
Assistência Social do RN revela diferenças substanciais com relação a esta
concepção de fórum esboçada acima. Em primeiro lugar, foi um espaço que
reuniu organizações governamentais e da sociedade civil, envolvidas com a
165
política de assistência social, ao contrário de experiências de fóruns constituídos
por organizações da sociedade civil.
Além disso, teve uma composição que é a mesma dos Conselhos, que
são instâncias institucionais: entidades governamentais, usuários, representantes
dos trabalhadores da área, representantes da sociedade civil nos conselhos da
área a que o fórum se refere. Outro elemento observado é que a estrutura
organizativa do fórum é concebida de modo a privilegiar uma certa formalidade
das instâncias de funcionamento: assembléia geral e secretariado executivo.
Mesmo com este perfil, em certa medida destoante com relação às
experiências de fórum construídas no país, no campo do movimento popular, e
até mesmo de outras experiências no âmbito da assistência social, o primeiro
problema enfrentado pelo Fórum foi a criação do Conselho Municipal de
Assistência Social. Após a realização de debates sobre o texto da Lei e contando
com uma articulação e contribuição do mandato do vereador Fernando Mineiro
(PT) para que apresentasse o projeto de Lei na Câmara, em 26 de julho de 1995
a Câmara aprovou a Lei nº 4.657, que cria o Conselho Municipal de Assistência
Social - CMAS e dispõe sobre a organização da assistência social em Natal.
O passo seguinte foi a mobilização da sociedade civil para a escolha dos
conselheiros. Após dois meses de mobilização e de debates foi realizada uma
assembléia, que elegeu os representantes da sociedade civil no Conselho
Municipal de Assistência Social de Natal. Em seguida o Fórum participou
ativamente da organização da I Conferência Municipal de Assistência Social, que
aconteceu aos 26 de outubro de 1995 e da I Conferência Estadual de Assistência
Social. A Conferência Municipal, foi precedida de pré-conferências nas quatro
Regiões Administrativas da Cidade com uma participação de 50 pessoas em
média.
O relatório da referida Conferência revela que ela foi um momento para
divulgação da LOAS, ao mesmo tempo em que se questionava aspectos desta
Lei, que se apresentavam como problemáticos ou incapazes de atender as
demandas dos usuários. É o caso, por exemplo do Artigo 20, da LOAS, que
definia 70 anos como a idade mínima para o idoso ter acesso ao Benefício de
Prestação Continuada - BPC, assim como o critério de renda per capita familiar
de ¼ do Salário Mínimo. Com relação a esta questão a conferência propôs o
critério de renda familiar mensal de até três salários mínimos.
166
Entre as proposições desta Conferência merece destaque ainda: a
definição de um percentual no orçamento da SEMPS, destinado a assegurar o
funcionamento do Conselho; o aumento dos tributos dos grandes proprietários,
destinando-os ao financiamento da assistência social; a divulgação ampla da
LOAS e da política de assistência social, na perspectiva dos direitos por
conselhos, fóruns e organizações de assistência social; a recomendação da
articulação do CMAS com os demais conselhos de políticas sociais públicas
existentes no município; a articulação dos usuários para a elaboração do plano
municipal de assistência social; a necessidade de capacitação de conselheiros,
para que tivessem condições de cumprir o seu papel; também exigiu atendimento
de qualidade em creches; garantia do atendimento ao portador de deficiência no
SUS e aumento dos recursos para as instituições que trabalham com idosos.
(NATAL..., 1995b).
Apesar do protagonismo do Fórum na criação do Conselho e Fundo
Municipais de Assistência Social, na organização da I Conferência Municipal e na
divulgação da LOAS com vistas ao seu cumprimento, após estes primeiros
momentos ou a partir do segundo ano – 1996 – as reuniões do Fórum foram
sendo esvaziadas, de modo que as atividades programadas eram inviabilizadas
pela falta de envolvimento das entidades e organizações participantes. Durante
algum tempo, organizações como o CRESS – 14ª região e outras buscaram dar
continuidade à experiência. No entanto, acabaram sendo vencidas pelo cansaço
ou pela indiferença das demais entidades.
Em síntese, o fato é que o Fórum de Assistência Social do RN acabou,
sem que houvesse uma definição coletiva sobre o seu fim por parte dos sujeitos
envolvidos. Há quem considere que o fim desta experiência deve-se ao fato do
Fórum
não
possuir
uma
estrutura
e
nem
apoio
institucional
para
o
desenvolvimento de suas atividades. Todavia, caberia também questionar sobre a
sua composição, a sua estrutura organizacional, seus objetivos. Aliás, com
relação aos objetivos, se for considerado a sua atuação, o contexto em que ele
existiu e sua experiência de funcionamento, este cumpriu o papel ao qual se
propôs.
Assim, Natal iniciou a segunda metade dos anos de 1990, dando os
primeiros passos no processo de municipalização da política de assistência
social. As iniciativas no campo da sua institucionalização, com base nos princípios
167
e diretrizes da LOAS, considera-se como os acontecimentos mais importantes.
Porém, durante os dois anos seguintes, 1996, 1997, muitas decisões
permaneceram no papel. A ATIVA continuou como uma organização paralela na
gestão, instalada no mesmo prédio da SEMPS, e executando as principais ações.
O Relatório de Gestão da SEMPS em 1995 ressalta que suas ações
ocorreram em três eixos: atenção à criança e ao adolescente pobre;
desenvolvimento comunitário; e ocupação e geração de renda. As atividades
previstas em torno do eixo “desenvolvimento comunitário” consistem em
concessão de documentos básicos, atendimento emergencial a população de rua,
estudo
sobre
comunidades
carentes,
urbanização
de
favelas
além
de
assessoramento técnico-jurídico a organizações comunitárias. O documento
permite observar que todas as ações em creche e com criança e adolescentes
são desenvolvidas pela ATIVA integrantes do denominado “programa sócioeducativo” da entidade (NATAL..., 1995d).
No campo da geração de renda, as atividades citadas são aquelas do
“CENARP” e do “Prosperar Natal” que aparece também no relatório da ATIVA
citado anteriormente. Além disso, o relatório ressalta o atendimento às famílias
vítimas de inundações na Zona Norte e a remoção de famílias vivendo em favelas
e em loteamentos irregulares no bairro Planalto. O referido relatório chama
atenção para o fato das ações da área serem predominantemente em torno de
situações emergenciais, como:
a. encaminhamentos, concessão de passagens a famílias do interior;
b. recolhimento de crianças de rua para suas famílias, sobretudo quando
ocupantes de canteiros de grandes avenidas e ruas centrais da
cidade;
c. plantão social, com predomínio do atendimento em alimentação,
passagens, medicamentos e albergamento.
No Relatório de Gestão de 1996 observa-se que se mantém a mesma
lógica das ações do ano anterior. Predomina a preocupação com a mendicância,
principalmente quanto às famílias do interior e crianças de rua, assim como com
aquelas famílias que se encontram em situações mais gritantes, em termos de
moradia. Há, ainda, a continuidade dos chamados “projetos especiais”, voltados
para o artesanato: inauguração do Mercado de Arte Popular e instalação de
feiras. A novidade deste, que é um ano eleitoral, são os programas de
168
capacitação e de financiamento para o trabalhador autônomo e para cooperativas
e associações.
Ao mesmo tempo, conforme o exposto até aqui, a “cultura do atraso”
parece realizar-se, entre outros caminhos, a partir de uma política de assistência
que se efetiva por meio de ações pontuais, seletivas, emergenciais, destinadas a
minorar a situação dos mais miseráveis. Esta cultura vai se realizando também na
prática do “transformismo”, revelada no uso político de organizações comunitárias
e de suas lideranças, como um padrão de relação dos governantes municipais e
representantes do Legislativo, com uma parcela das classes subalternas. Essa
prática se mantém como uma cultura que tem se renovado a cada dia.
169
CAPÍTULO 4
DESCENTRALIZAÇÃO E GESTÃO MUNICIPAL DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL EM NATAL
4.1 O Município no processo de execução de políticas sociais públicas e a
política de assistência social
O Município no Brasil tem, hoje, um papel importante no processo de
implementação de políticas sociais públicas e na efetivação de direitos, mas, nem
sempre foi assim. Antes da Constituição de 1988 e, sobretudo, no período
autoritário as relações intergovernamentais entre os municípios, estados e o
governo central eram de total submissão do município a este último. A autoridade
de governadores e de prefeitos, sobretudo, das capitais, das cidades de porte
médio e de fronteiras, não decorria do voto popular, à medida que a ocupação do
cargo era feita a partir de uma indicação do governo federal. Além disso, estados
e municípios possuíam uma reduzida autonomia fiscal em decorrência da forte
centralização dos tributos na União.
A partir dos anos 1980, com o processo de democratização do país e da
recuperação das bases do Estado Federativo, após o longo período de ditadura
militar, o município foi recuperando sua autonomia política e fiscal. Dois
acontecimentos foram decisivos para isso: a retomada das eleições diretas e a
definição, na Constituição de 1988, do Município como uma esfera autônoma de
poder, conforme o seu artigo 18: “A organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1999). Ao mesmo
tempo, no que se refere a gestão das políticas sociais públicas, tanto na
170
Constituição de 1988, quanto na legislação complementar, que regulamenta
algumas áreas de políticas sociais (como a saúde e a assistência social que
integram a Seguridade Social), a descentralização aparece como princípio básico
da gestão em todos os níveis de governo.
Com relação a uma maior autonomia fiscal ressaltada anteriormente, a
partir da Constituição de 1988 os municípios (e os estados) passaram a ter uma
maior participação nas receitas da União, assim como o poder de arrecadar
alguns impostos como o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU e o Imposto Sobre Serviços – ISS, o qual é cobrado sobre serviços de
qualquer natureza. Mas, conforme Arretche (2004, p. 18) a arrecadação tributária
no Brasil continua até hoje bastante concentrada na União. Entre cinco impostos
principais, que correspondem a mais de 70% da arrecadação total, quatro são
arrecadados pela União: a contribuição para a previdência, o Imposto de Renda, a
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e o Imposto
sobre Produtos Industrializados - IPI. O quinto imposto, o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias – ICMS, é arrecadado pelos estados.
Contudo, Arretche (2004, p. 18) mostra que a “desigualdade horizontal de
capacidade de arrecadação tem sido compensada por um sistema de
transferências fiscais.” Tais transferências, que são obrigatórias e de caráter
constitucional73 “distribuem parte das receitas arrecadadas pela União para
estados e municípios, bem como dos estados para seus respectivos municípios.”
Um dos instrumentos para isso é o Fundo de Participação dos Municípios e o
Fundo de Participação dos Estados.
Mesmo assim, o município continua sendo no Brasil a esfera mais
destituída de poder e de recursos. Conforme Erundina (1996, p. 13), mesmo
tendo conquistado uma certa autonomia política na Constituição de 1988, “não foi
assegurado aos municípios autonomia econômica, financeira e poder real para
73
As transferências constitucionais da União para os municípios são: 22,5% da arrecadação
somada do Imposto de Renda -IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI para o Fundo
de Participação dos Municípios; 50% da arrecadação do Imposto Territorial Rural – ITR; 100% do
Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) pelo tesouro local; 70% do Imposto sobre Operações
Financeiras – Ouro – IOF-Ouro. As transferências constitucionais dos Estados para os Municípios
são: 25% dos recursos do Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados
– FPEX, recebidos pelos Estados da União (equivalente a 2,5% do IPI); 25% da arrecadação do
ICMS, 50% do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. Para um
aprofundamento ver o trabalho de Sulamis Dain e Laura Tavares Soares (1998) e o endereço
eletrônico: http://www.stn.fazenda.gov.br/estados_municipios/transferencias_constitucionais.asp.
171
promover o desenvolvimento local.” Para isto, seria necessário, por exemplo, que
aos municípios fosse destinado uma maior fatia de recursos, dentro do conjunto
da arrecadação da União. A autora cita alguns dados comparativos da nossa
realidade com a de países desenvolvidos, que são reveladores do caráter da
descentralização que aqui se desenvolve:
[...] em países como a Suécia, 72% da receita pública fica com os
municípios [...] no Japão, Estados Unidos e em países da Europa
esse percentual oscila entre 40% a 60%. No Brasil, apenas a
partir de 1988 os municípios passaram a deter uma fatia de 15%
da receita pública; antes era de 5% a 6% (ERUNDINA, 1996, p.
13).
No
Brasil,
com
freqüência,
associa-se
a
descentralização
à
democratização e à participação popular. A descentralização aparece como
elemento central, e até suficiente para a garantia da democratização e da
participação popular, na gestão de políticas públicas. Contudo, essa não é uma
questão tranqüila. O termo “descentralização” pode abrigar concepções, práticas
de gestão e projetos políticos diferentes. Uma explicação para essa leitura reside
na constatação de que as experiências de descentralização surgiram no Brasil (e
na América Latina) no contexto de reconstrução da democracia. Diante disso, em
nível imediato, a descentralização aparece em oposição à centralização e como
algo próprio da democracia.
Contudo, conforme Tânia Bacelar de Araújo (1998, p. 21-22) os anos de
ditadura reforçaram “a tradição centralista do Estado brasileiro.” Mas, a
centralização na gestão de políticas e serviços sociais não foi uma exclusividade
brasileira, foi uma característica da gestão de políticas e serviços sociais em
muitos países que adotaram o Estado de Bem Estar de base keynesiana. Por
outro lado, se em nível local, a descentralização surgiu relacionada a um anseio
de maior democratização, este é um processo que não se separa do quadro mais
geral em que surge a defesa das práticas descentralizadas e da valorização do
espaço local.
Tânia Bacelar ressalta a este respeito, que a produção flexível, o avanço
da globalização, as revoluções na comunicação, com base na microeletrônica
“estariam remontando as bases (técnicas, econômicas, sociais, geográficas,
institucionais) de funcionamento da economia privada e influindo na organização
172
do Estado e das sociedades”. A forma descentralizada de atuação parece
corresponder melhor a estas transformações. Mas, afirma a autora que “na era da
globalização o comando é centralizado, enquanto a operação é extremamente
descentralizada (donde o reencontro com o local)” (ARAÚJO, 1998, p. 22, grifos
da autora). Nesse contexto, a descentralização tem sido útil aos processos de
ajuste neoliberal em muitos países, porque ela parece compatível com a idéia de
Estado mínimo e a transferência de responsabilidades públicas para o setor
privado e para a sociedade.
Analisando o discurso sobre descentralização no Brasil Frederico Tobar
(1991, p. 35-37) identifica quatro características comuns: a) o argumento de que
esta permite o fortalecimento da esfera local, inclusive respeitando a
heterogeneidade e particularidades desta esfera. A valorização do poder local
aparece também como uma reação a tendências centralizadoras; b) a
descentralização é de caráter político, mas sua implementação é de caráter
administrativo. O caráter político implica em responder a questões como: “por
que, para que, e como deve ser implementado o processo” e se ela “representa
um fim em si mesmo ou um meio para atingir determinados fins”; c) ela implica
uma redefinição do papel do Estado na sociedade. Destaca então que “ao existir
uma transferência da capacidade decisória, é a totalidade do sistema de poder
quem está sendo redefinida. E essa redefinição atravessa tanto o Estado como a
sociedade”;
d)
diz
respeito
a
impossibilidade
de
uma
dicotomia
centralização/descentralização na qual um ou outro conceito possa ser tomado
em sentido puro.
Entretanto, mesmo sendo comum no discurso de diferentes atores, as
características acima não se apresentam de forma única. O conteúdo da sua
realização e o perfil que assume nas várias experiências dependem também dos
interesses e das forças políticas que disputam o poder. Assim, no tocante às
políticas públicas, a forma e a perspectiva que a descentralização assume em
cada realidade dependem de diferentes fatores, como a configuração das forças
políticas que ocupam o governo, do nível de organização e mobilização da
sociedade civil etc.
Frederico Tobar (1991, p. 38-40) chama a atenção para a necessidade de
distinguir a descentralização de outros termos e práticas com as quais ela pode
ser confundida e nas quais reside as controvérsias no uso e análise da questão.
173
Neste sentido distingue a “descentralização” da “desconcentração” entendendo
que a primeira “implica redistribuição de poder, uma transferência na alocação
das decisões”
a segunda, ao contrário, “é a delegação de competência sem
deslocamento
do
poder
decisório.”
Uma
descentralização
limitada
à
desconcentração é, para ele, uma concepção restrita de descentralização.
Entretanto, a desconcentração pode ser um elemento da descentralização, por
meio da organização territorial de serviços.
À medida que a descentralização está relacionada à redistribuição de
poder, uma questão que aparece como polêmica é o problema da “autonomia da
esfera local” sobretudo no que se refere a tomada de decisões, não só naquilo
que diz respeito a competência do nível local mas de todo o processo de
elaboração de programas e normas gerais que de alguma forma repercute nas
suas ações (TOBAR, 1991).
Com
relação
a
associação
da
descentralização
a
processos
democratizantes, Tobar (1991, p. 41-45) destaca que ela pode servir para reforçar
tanto práticas autoritárias e clientelísticas quanto processos democratizantes,
dependendo do contexto e da correlação de forças em que acontece. Nisto
cumpre importante papel a presença de dois componentes fundamentais num
processo de descentralização: a participação popular e o controle social. A sua
presença é decisiva para que a descentralização venha contribuir com a
democratização do poder, do saber e da informação.
Dois outros elementos também são destacados pelo autor: a relação
privatismo x estatismo e o problema da definição do nível local apropriado ou da
unidade
territorial
apropriada.
No
primeiro
caso
aparece
a
visão
de
descentralização bastante defendida pelo Banco Mundial, que a concebe como
“estratégia de redução do gasto público” e como tal vem acompanhada de
medidas racionalizadoras, que inclui a privatização pura e simples de empresas e
serviços públicos e a transferência de responsabilidades do poder público para a
sociedade civil.
Em torno dessas questões levantadas por Tobar é pertinente considerar
alguns elementos da abordagem da descentralização feita por Felicíssimo (1994).
O autor ressalta a necessidade de analisar a descentralização situando-a em
duas perspectivas: a democratizante e a neoliberal e a partir de três eixos:
174
administrativo, econômico e político. Assim como Tobar, Felicíssimo ressalta
aspectos que são consensuais no discurso da descentralização: a valorização do
poder local e a crítica a centralização que aparece como uma “excessiva
centralidade do Estado” e uma “centralização excessiva no interior do próprio
Estado.” A descentralização seria então uma forma de enfrentar os males que
resultam dessas distorções revertendo “os resultados do longo processo histórico
de centralização através da transferência de recursos, atribuições e poder em
geral, desde a cúpula do Estado até as bases do mesmo Estado” (FELICÍSSIMO,
1994, p. 47-48).
As divergências aparecem quando ela é tomada a partir dos três eixos
citados pelo autor. O primeiro, conforme ressaltado anteriormente, é o eixo
administrativo e diz respeito à transferência, dentro do Estado, de funções,
recursos, competências de um nível superior ou central para um nível local (que
pode ser estadual, municipal, empresas descentralizadas etc). Utiliza-se como
argumento principal para esta descentralização, a eficiência.
O segundo eixo, é o econômico. Neste, aparece com muita força o debate
em torno da privatização. Descentralizar, no aspecto econômico, significa
privatizar, “transferir recursos e partes completas do aparelho do Estado para a
iniciativa privada.” Argumenta-se, para isto, que a iniciativa privada é mais
eficiente. De acordo com o autor, nesta concepção, “o exercício da liberdade na
luta pelo máximo alcance dos interesses particulares levaria a que todos
estivessem melhor.” Há, por fim, o eixo político, o qual relaciona-se a um
processo de mudança que pode resultar numa maior democratização do Estado e
da sociedade. Diz respeito, portanto, a uma mudança dos mecanismos de
decisão política (FELICÍSSIMO, 1994, p. 47-49).
O autor observa ainda que o eixo econômico e o administrativo
predominam nas proposições do ideário neoliberal. No aspecto econômico,
ressalta-se a redução das funções sociais e reguladoras do Estado e a defesa da
abertura da economia nacional ao capital internacional, o que acaba por tornar as
elites políticas locais “implementadoras das políticas centrais.” Isto o leva a
afirmar que “sob a denominação dos princípios da liberdade, a ‘descentralização’
(ou desestatização?) esconde um projeto de gigantesca centralização capitalista
do poder econômico em escala mundial” (FELICÍSSIMO, 1994, p. 49).
175
No que se refere ao eixo administrativo, sobressai na proposta neoliberal,
a ênfase no espaço local (entendido como o Estado e o Município) e sua
“capacidade de administrar e gerir serviços”. Tal valorização vem acompanhada
da redução de subsídios e recursos e de uma modernização do setor público a
fim de torná-lo “rentável e passível de ser privatizado em outro momento”. Diante
destas proposições, o autor observa que o eixo político, entendido como
democratização,
não
tem
lugar.
Ao
contrário,
para
implementar
uma
descentralização dentro dos objetivos acima, faz-se necessária “uma elevada
concentração de poder político e repressivo no Estado que dirige a transição.”
Seus patrocinadores e teóricos trabalham, inclusive, com a “idéia da
ingovernabilidade das economias capitalistas periféricas, se regidas por normas
democráticas” (FELICÍSSIMO, 1994, p. 50).
Na perspectiva do modelo democratizante de descentralização, busca-se
assumir os três eixos ressaltados anteriormente e considera-se a centralidade do
eixo político, objetivando-se “uma redefinição explícita do Estado e das suas
funções, concomitante a uma profunda reforma da sociedade política e a uma luta
no plano dos valores no interior do setor popular.” Em nível administrativo e
econômico, a perspectiva democratizante “propõe uma descentralização territorial
do Estado”, na perspectiva de que “a multiplicação de cenários de gestão local
abram um terreno favorável para a luta cultural.” Desta forma, a descentralização
supõe, conforme o autor, a não idealização do “local” como resposta aos
problemas; promover uma descentralização que incorpore a dimensão da
autogestão; a valorização da participação da sociedade na discussão e resolução
dos problemas nos diferentes níveis de governo e a promoção de uma
democracia efetiva (FELICÍSSIMO, 1994, p. 51).
No contexto das propostas neoliberais, a descentralização tem significado
a transferência de responsabilidades do nível federal para o nível estadual e
sobretudo, municipal, sem a necessária transferência de recursos e poderes, e
sem que os municípios sejam capacitados tecnicamente para assumir as novas
responsabilidades. Com isso, tem-se uma descentralização que, além de só
transferir encargos e responsabilidades, contribui para fortalecer a dependência
de prefeitos em relação a governadores e ao executivo federal.
Considerando que o município é a instância de poder mais próxima da
população, freqüentemente troca-se recursos por apoio eleitoral. Em eleições
176
municipais, é muito comum, no discurso de alguns candidatos, ser apresentado
como vantagem para que os eleitores façam uma opção pelas suas propostas, o
vínculo que este e/ou seus aliados possuem com instâncias de poder estadual e
federal. Tal vínculo indica a possibilidade do candidato trazer recursos para o
município e de realizar tudo aquilo que está prometendo.
A utilização de argumentos como estes, em campanhas eleitorais, é uma
prática política bastante comum em muitos municípios, e tem a capacidade de
transmitir para o conjunto da população, a idéia de que a quantidade de recursos
à qual o município tem acesso, depende das relações de amizade e de
apadrinhamento do governante municipal, e que este é o melhor caminho para
garantir o acesso a bens e serviços, que venham a melhorar a vida de todos.
Oculta-se, desta forma, até mesmo a informação acerca dos avanços obtidos na
Constituição de 1988, com relação a autonomia política e fiscal dos municípios.
Ao mesmo tempo, esta prática garante a permanência no poder, de políticos que
não têm qualquer compromisso com processos de democratização da gestão; ao
contrário, seu compromisso é com a reprodução da “cultura do atraso”.
Na realidade brasileira, conforme Carvalho e Teixeira (1996, p. 63), mais
de dois terços dos municípios possuem menos de 20 mil habitantes. A este
respeito, citam por exemplo, a realidade do Estado da Bahia, onde 53% dos
municípios possuíam no início dos anos de 1990 até 5 mil habitantes.
Considerando que em tais realidades, predomina “uma economia pouco dinâmica
e diversificada, baseada, na maior parte dos casos, em atividades agrícolas de
baixa produtividade”, os autores ressaltam a situação de dependência destes
municípios das transferências e verbas federais e estaduais. A isto aliam-se as
dívidas historicamente acumuladas para com empreiteiras para financiar obras
eleitoreiras
e
a
freqüente
composição
oligárquica
da
maioria
destas
administrações municipais. Este quadro, segundo os autores, contribui para a
reprodução de uma prática na qual
[...] os prefeitos passam a disputar recursos e tentar extrair de
cada ‘escaninho político burocrático’ a maior quantidade possível
de verbas, tornando-se presa fácil de relações clientelísticas
desenvolvidas pelos governantes estaduais e por parlamentares,
e contribuindo para reproduzir as práticas políticas e os
mecanismos tradicionais de dominação (CARVALHO; TEIXEIRA,
1996, p. 63).
177
Mesmo que o eixo político da descentralização não seja prioridade para
os que ocupam o poder no Brasil; ou seja, mesmo que a descentralização, tal
como vem sendo conduzida pela elite dirigente, não tenha como horizonte a
possibilidade de uma efetiva democratização do poder, desde 1985 ela tem
integrado o leque de discussões e de práticas de um parcela considerável da
sociedade civil organizada, de intelectuais, de parlamentares e de governantes,
em dezenas de prefeituras democrático-populares. Estas últimas, normalmente
são experiências inovadoras de gestão municipal que têm conseguido, a partir da
abertura de diferentes canais de participação da população e da transparência e
eficácia administrativa, mudar, de forma expressiva, o modelo de gestão da “coisa
pública”, em que tais experiências se desenvolvem, contribuindo desse modo,
para a construção de uma cultura política de direitos.
Para Celso Daniel, as administrações municipais que assumem com a
população, uma relação baseada no direito e na participação popular, podem
favorecer o exercício de uma “cultura política dos direitos”. Ao invés de usar as
demandas da população por moradia, comida, emprego e serviços públicos de
forma clientelista, a gestão municipal substitui esta prática, por exemplo, por
“concursos públicos idôneos, critérios claros de acesso a programas habitacionais
e procedimentos transparentes e iguais para todos para a prestação de serviços
públicos.” A construção de uma cultura de direitos, no entanto, depende da
garantia do direito à participação e do direito a informação (DANIEL, 1991, p. 1619).
Nos anos de 1990, conforme Laura Tavares (2004b, p. 3), o desmonte
dos serviços públicos, promovido pelas políticas de ajuste neoliberal, tem como
uma de suas estratégias a “desresponsabilização por parte dos governos da
união e da maioria dos estados associada à crescente prefeiturização das ações
públicas no âmbito social.” Nesse contexto, os processos de descentralização
ocorridos no Brasil e na América Latina têm trazido como conseqüências: a
pulverização de recursos, a fragmentação das ações, o aumento das
desigualdades regionais e, em muitos casos, a redução da eficácia da ação
pública,
em
decorrência
do
aprofundamento
da
questão
social.
A
descentralização, nessa perspectiva, é chamada por Soares (2001c, p. 177) como
“Descentralização Destrutiva”:
178
de um lado se tem o desmonte de Políticas Sociais existentes sobretudo aquelas de âmbito nacional - sem deixar nada em
substituição; e de outro se delega aos Municípios as
competências sem os recursos correspondentes e/ou necessários.
Em todos os âmbitos da Política Social – Saúde, Educação,
Saneamento Básico – onde essa estratégia de descentralização
foi acompanhada por um desmonte, o resultado foi um
agravamento da iniqüidade na distribuição e oferta de serviços. Os
municípios que lograram manter uma boa qualidade de serviços
básicos sociais, estão tendo, como “prêmio”, a invasão de
populações vizinhas onde isso não acontece.
Soares (2004b, p. 4) identifica um conjunto de problemas no processo de
descentralização no Brasil:
a. a descentralização de encargos não tem sido acompanhada da
descentralização de recursos, sobretudo com repasses regulares e em
quantidade e qualidade suficientes e capazes de atender as
necessidades e as “heterogêneas capacidades de intervenção das
prefeituras e órgãos municipais”;
b. a descentralização normalmente vem acompanhada do desmonte de
estruturas e equipamentos federais e/ou estaduais pré-existentes;
c. não leva em conta a complexidade dos problemas sociais em
determinadas regiões, como as regiões metropolitanas;
d. “os
estados,
enquanto
unidades
federadas,
são
praticamente
ignorados nesse processo de descentralização/municipalização.” Com
isso às vezes acabam exercendo um papel meramente formal
de
coordenadores e de repassadores de recursos.
Ainda conforme Soares (2004b, p. 4), a municipalização tem sido, muitas
vezes, justificada pelo argumento de que “o governo local, estando mais ‘perto’ do
cidadão, executaria melhor e seria mais bem fiscalizado.” A autora considera esse
debate insuficiente e essas idéias ‘fora do lugar’. Afirmar o local como um espaço
puro e mais democrático constitui uma falsa ideologia, além de ser um argumento
que ignora a realidade social brasileira “marcada por enraizadas e conservadoras
estruturas locais de poder onde ainda proliferam relações clientelistas.” Ao
mesmo tempo o grau de participação dos municípios na receita pública, acaba por
favorecer as relações de favor entre o executivo federal e prefeitos, deputados
federais e senadores, os quais fazem todo tipo de negociação para conseguir
179
recursos para seus estados e municípios. Aliado a isto, o discurso em defesa das
parcerias
conforma
uma
estratégia
bem
sucedida
de
transferência
de
responsabilidades para a sociedade.
Nessa mesma linha, Silvio Caccia Bava (1995, p. 175) também ressalta
que a descentralização, apesar de ser algo importante, pelo fato de romper com a
centralização dos recursos e dos processos e competências decisórias na esfera
federal, ela não constitui uma garantia da democratização das relações entre o
Estado e a sociedade civil, em nível dos estados e municípios. Para que se
efetive, exige participação popular, o que envolve disputa de interesses e disputa
pelo poder, com vistas à construção de um outro modelo de sociedade e de
administração pública, que põe fim ao monopólio do poder, do saber, do
conhecimento, da informação e da apropriação de recursos públicos por uma
minoria.
Um
outro
elemento
a
ser
considerado
nas
reflexões
sobre
descentralização é o que Santos Júnior (2001, p. 45) ressalta quando trata desta
questão no contexto de desestruturação do fundo público promovido pela
implementação do programa de ajuste neoliberal. Ele mostra que para os
neoliberais a descentralização municipal visa promover a “inserção competitiva
das cidades como forma de aumentar a competitividade urbana”, o que obriga o
poder público a “se transformar em agente econômico com a mesma
racionalidade que os atores privados.” Ao fazer isso os governos municipais põem
em risco “a construção de esferas públicas autônomas em relação aos interesses
dos grupos particulares e a publicização dos interesses locais.” Conforme o autor,
Sem recursos suficientes para responder a todas as atribuições
transferidas no processo de descentralização, estados e
municípios se lançam na competição por investimentos privados,
reforçando os riscos já assinalados de apropriação privada dos
fundos públicos e da guerra fiscal. Não é preciso avançar mais
para concluir que no fim das contas, essa competição atende a
interesses particulares do capital, principalmente de certos
capitais que se beneficiam de vantagens e isenções fiscais
oferecidas pelos níveis subnacionais de governo (SANTOS
JÚNIOR, 2001, p. 45).
A descentralização da Política de Assistência Social no Brasil se insere
nesse contexto, e experimenta tanto o que há de positivo quanto os problemas e
dificuldades do processo de descentralização de políticas públicas, implementado
180
no país após a Constituição de 1988. Assim, no que diz respeito à gestão, a
LOAS rompeu com o modelo centralizado de implementação das política sociais,
à medida que propôs que as ações na área de assistência social fossem
organizadas em um sistema descentralizado e participativo (Art. 6) com
articulação das três esferas de governo no desenvolvimento das ações,
competindo à União a coordenação destas e a elaboração de normas gerais.
Propôs ainda a criação de instâncias deliberativas do sistema descentralizado e
participativo, na quais os Conselhos (em nível nacional, estadual e municipal),
têm caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade (Art.
16) (BRASIL..., 2004a).
Além do exposto, e apesar dos avanços no sentido de corrigir as
distorções iniciais, o processo de descentralização da assistência social tem sido
mais um ato burocrático e formal, do que o cumprimento de um princípio de
gestão que contribua para o reordenamento qualitativo da organização desta
política no país. O exame de alguns aspectos da história da municipalização da
assistência social no Brasil revela uma trajetória repleta de equívocos e
descoordenação por parte do governo federal, entre outros problemas. Conforme
Lima (2003, p. 33) até 1997, quando foi aprovada a Norma Operacional Básica –
NOB - nº 174, o que ocorreu foi uma estadualização. Por ela, a União transferia
para os estados os recursos federais. Os estados, por sua vez repassava-os aos
municípios e às organizações de assistência social conveniadas. Esta prática
passou a demandar dos estados uma estrutura técnica e administrativa que de
fato não existia, a fim de firmar convênios e acompanhá-los.
Após a aprovação da NOB nº 1, ocorreu um processo de municipalização,
que foi muito mais um ato burocrático, administrativo e de transferência de
responsabilidades, sem qualquer preocupação da União com a capacidade e
criação de condições efetivas nos municípios para assumir a gestão da política de
assistência social. Lima (2004, p. 33) relata que no final de 1997, a então
Secretaria de Estado da Assistência Social - SAS, órgão coordenador da política
dentro do Ministério da Previdência e Assistência Social, solicitou de todos o
estados brasileiros a relação dos municípios que haviam criado o Conselho, o
Fundo e o Plano municipal de Assistência Social e que recebiam recursos de
74
Documento que disciplina a descentralização político-administrativa da assistência social, o
financiamento e a relação entre os três níveis de governo (federal, estadual e municipal).
181
ação continuada. Atendendo estes requisitos, os municípios estariam aptos à
municipalização.
Sem dúvida esses instrumentos (Conselho, Fundo e Plano) são
necessários, mas insuficientes para garantir a gestão municipal da assistência
social como política pública. Conforme Lima (2003, p. 40), por si só eles não
garantem, por exemplo, uma gestão “[...] em interação com a rede de assistência
social, que faça uso dos recursos de planejamento e principalmente trabalhe em
co-gestão, envolvendo todos segmentos sociais atuantes na área e usuários dos
serviços de assistência social.”
Assim,
o
passo
seguinte
no
processo
de
transferência
de
responsabilidades para os municípios, foi o envio, pela SAS, de uma
comunicação, informando que o município “estava habilitado à gestão municipal,
apto a receber recursos do fundo nacional diretamente para o fundo municipal.”
Contudo em momento algum foi esclarecido aos municípios que a aceitação deste
ato implicava na municipalização da política de Assistência Social e todas as
conseqüências daí decorrentes. Muitos municípios, afirma Lima, “não sabiam que
haviam recebido o recurso, que seriam responsáveis pelo repasse às entidades e
pela gestão da política no nível local” (LIMA, 2003, p. 34).
O executivo municipal apenas recebeu um termo de convênio com o
governo federal, uma relação de entidades sociais a quem deveria repassar
recursos do fundo e foi informado “da abertura de uma conta no Banco do Brasil,
com os recursos desses serviços assistenciais.” Não houve, portanto, qualquer
preocupação do governo federal em capacitar os municípios, em informar, por
exemplo, da necessidade de criação de um órgão gestor municipal, da criação de
capacidade técnica para a execução da política e para o acompanhamento e
monitoramento das ações executadas pelas entidades de assistência social
(LIMA, 2003, p. 34).
Diante disso, a descentralização que vem se efetivando na assistência
social nos últimos 11 anos é marcadamente conservadora, fundamentada na
lógica neoliberal, destinada a transferir responsabilidades para estados e
municípios, mantendo um grau significativo de centralização das decisões no
executivo federal. Mas, neste processo é preciso considerar que muitas destas
lacunas foram sendo superadas, inclusive como resultado da mobilização de
gestores dos níveis estadual e municipal, da sociedade civil e dos órgãos de
182
controle social (os Conselhos, nos três níveis de governo). Contudo, muitos
problemas ainda se mantém. Um deles, conforme aponta Sposati (2003a, p. 50) é
a permanência da relação por convênio entre a união, estados e municípios. Essa
forma de relação, se contrapõe, conforme a autora, “ao disposto na Constituição
Federal quanto a autonomia dos poderes federados” e constitui uma agressão
“aos princípios democráticos que fundam as relações entre poderes públicos no
Brasil.”
O princípio da autonomia assegurado na Constituição de 1988
impossibilita a intromissão, no município, de qualquer outro órgão, autoridade ou
poder. Supõe autonomia deste ente da Federação para formular e implementar
políticas. A descentralização na área da assistência social, ao “se mover por
relações de convênio, onde o município é tratado pelas normas conveniais como
um incapacitado a exercer a decisória gestão pública” (SPOSATI, 2003a, p. 50),
acaba ferindo a autonomia dos municípios.
Outros problemas levantados pela autora e que se relacionam à questão
da descentralização é o uso da classificação dos municípios brasileiros pelo
Índice de Desenvolvimento Humano para a alocação de recursos. Este indicador,
extremamente genérico, é considerado inadequado, por não dar conta das
situações de vulnerabilidades, riscos pessoais e sociais, exclusões sociais
presentes numa realidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e
extensas áreas geográficas como a brasileira (SPOSATI, 2003a, p. 51-52).
Problemático também é o não cumprimento do princípio de dever do
Estado na gestão da política. A esse respeito, Sposati afirma que “o modo de
regulação predominante nestes 10 anos de LOAS fragiliza os entes públicos face
as ONGs para cumprir suas responsabilidades.” A autora ressalta ainda o “caráter
burocrático atribuído pela União aos planos municipais”, o que contribui para
torná-lo mera formalidade e a não efetivação e pouca clareza do comando único
como “orientação do Sistema Descentralizado e Participativo de Assistência
Social” (SPOSATI, 2003a, p. 59).
O processo descoordenado, difícil e problemático que marca a
descentralização da assistência social fez com que, após 10 anos de LOAS, A IV
Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003 ainda precisasse
clamar pela construção imediata do Sistema Único de Assistência Social – SUAS
e por uma descentralização capaz de cumprir o que a LOAS já determinou:
183
Efetivar a descentralização político-administrativa para romper
com a verticalidade de ações planejadas e financiadas pela esfera
federal, estaduais e Distrito Federal, a partir do repasse
automático de recursos fundo-a-fundo, compatíveis com os Planos
de Assistência Social aprovados pelos Conselhos Estaduais e do
Distrito Federal, assegurando efetiva partilha de poder e respeito a
autonomia das esferas de governo, em suas decisões relativas
aos programas, projetos, serviços e benefícios (BRASIL...., 2003,
p. 5).
A “Partilha de poder” talvez seja um elemento central ausente nos
processos de descentralização da assistência social no Brasil. Sem dúvida,
conforme Yazbek (2004a, p, 15-16), “a descentralização político-administrativa na
gestão da assistência social [...], reconfigura esta política em um novo patamar no
âmbito municipal”, reconhecendo-o como esfera autônoma de poder e de gestão
da política de Assistência Social. Mas, “o reconhecimento da autonomia da esfera
local não exclui as responsabilidades do nível federal pela direção e condução
geral da política e por sua integração nos diversos níveis de governo.”
Atualmente, a partir da aprovação da nova Política Nacional de
Assistência Social, em setembro de 2004, a gestão desta área iniciou um
processo de normatização que define regras em direção a construção de um
Sistema Único de Assistência Social conforme deliberou a IV Conferência. Com
base nesse novo instrumento, a organização e execução da política de
assistência social em todo território nacional passou a se organizar com base nos
seguintes eixos estruturantes: matricialidade sócio-familiar; descentralização
político administrativa e territorialização, novas bases para relação Estado e
Sociedade Civil e financiamento, que tem como instância os fundos de assistência
social em todos os níveis de governo e controle social; participação dos usuários;
política de recursos humanos; a informação, o monitoramento e a avaliação
(BRASIL..., 2004, p. 33-34).
Completando o atual processo de normatização, no dia 14 de julho do
corrente ano, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS,
uma nova Norma Operacional Básica - NOB, após três meses de um significativo
processo de discussão envolvendo governo e sociedade civil em todos os estados
do país. Esta NOB, disciplina as ações de assistência social no Brasil nos termos
da nova Política Nacional de Assistência Social e na perspectiva da construção do
184
Sistema Único de Assistência Social - SUAS. A expectativa é que ela contribua
para a correção das dificuldades vigentes, definindo o papel dos entes federados
e as responsabilidades públicas que garantam o efetivo funcionamento do SUAS.
Este é, sem dúvida um novo momento da Política de Assistência Social no país,
cuja efetivação ainda se encontra em construção.
4.2 Governo municipal e as ações de combate à pobreza no pós-LOAS
Considerando que a implementação de uma política pública depende, em
grande parte, dos governantes, a apreensão do processo de implementação da
LOAS em Natal exige uma caracterização das forças políticas que ocuparam o
governo municipal no período analisado, assim como a identificação das ações
prioritárias no enfrentamento da pobreza na Cidade, no projeto político destas
forças. Exige ainda buscar apreender questões tais como: de que forma estas
forças
têm atuado? Em que medida o padrão de relação com a população,
inaugurado no período anterior, marcado pelas políticas participacionistas foi
rompido? Que ações sociais são prioritárias no projeto de governo dos que
ocupam o poder no município? A assistência social é uma política prioritária no
combate à pobreza?
Até 1996, no que diz respeito ao processo de municipalização da
assistência social, o que havia sido feito, limitava-se muito mais a aspectos legais
do processo de institucionalização do Conselho e do Fundo Municipal de
Assistência Social. Embora desde 1993 a LOAS estivesse propondo que os
municípios assumissem a gestão da política, na prática, o repasse de recursos
federais estava ocorrendo para a Secretaria Estadual de Trabalho e Ação Social –
SETAS. O que havia, até então, era um processo de estadualização. A partir de
1997, com a aprovação da NOB nº 1, se iniciou mais concretamente a
municipalização. Em Natal, contudo, como será melhor explicitado a seguir, esse
processo só avançou a partir de 1998.
Do ponto de vista das forças que ocuparam o executivo municipal, um dos
acontecimentos importantes de 1996, foi o retorno de Vilma Maia à cena política
natalense como candidata a prefeita, após ter sido derrota nas eleições de 1994.
185
Nesta eleição, ela se candidatou ao governo do estado pelo PSB, sem o apoio
financeiro do grupo político que sempre lhe deu sustentação (PDS/PFL) e sem
contar com a máquina de algum governo, seja estadual, seja municipal. Obteve
35.591 votos (3,1%) ou o 4º lugar na disputa eleitoral.
Na campanha de 1996, já divorciada de Lavoisier Maia e tendo retirado o
sobrenome “Maia” do seu nome, mas, contando com o apoio do Senador José
Agripino Maia (PFL) e de outras lideranças desse campo político, procurava se
mostrar como uma força política alternativa. Em seu discurso, predominava a
idéia de uma mulher independente pelas rupturas realizadas, inclusive na esfera
privada. Além disso, predominou a imagem de mulher guerreira, corajosa e com
uma história de coerência.
O sucesso da sua primeira administração à frente da prefeitura de Natal
foi o seu maior instrumento na campanha de 1996. Desta administração
procurava destacar: as obras realizadas, sua experiência, sua competência, a
avaliação positiva com que terminou o mandato (92% de aprovação). As frases
mais repetidas pelo marketing da campanha eram: “Vilma fez e vai fazer muito
mais” ou, “Natal me conhece”.
Com este discurso, conseguiu ser vitoriosa no segundo turno com 51,7%
dos votos, contra 48,3% obtidos pela candidata Fátima Bezerra (PT). A disputa
eleitoral nesta eleição envolveu ainda, no primeiro turno, conforme o quadro a
seguir, os seguintes candidatos: João Faustino F. Neto (PPB/PSDB), José
Geraldo dos Santos Fernandes (PRP), Leonardo Arruda Câmara (PDT/PRN/PSD)
e Dário Barbosa (PSTU).
CANDIDATO
PARTIDO
Vilma Maria de Faria Meira
Maria de Fátima Bezerra
João Faustino Ferreira Neto
José Geraldo dos Santos Fernandes
Leonardo Arruda Câmara
Dário Barbosa de Melo
TOTAL
PSB
PT
PSDB
PRP
PDT
PSTU
VOTOS NOMINAIS
ABSOLUTOS RELATIVOS (%)
92.244
35,79
74.444
28,89
66.227
25,70
13.170
05,11
10.388
04,03
1.254
00,48
257.727
100
Quadro 7 – Resultado do primeiro turno das eleições municipais de 1996
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte - TRE/RN (BRASIL..., 2005)
186
Coerente com o discurso voltado para “causas sociais” que vinha
adotando desde o final do seu mandato como deputada federal constituinte, não
faltou no discurso de campanha de Vilma de Faria a promessa de um governo
comprometido com a descentralização, a participação popular, a cidadania, os
direitos sociais, a melhoria da qualidade de vida da população.
Em entrevista a Almeida (2001, p. 27), Vilma ressalta a forma participativa
com que seu projeto de governo foi elaborado, tendo sido resultado do contato
com o povo nas caminhadas pelos bairros durante a campanha e de seminários e
encontros com segmentos da população:
‘Em [1997], quando nós entramos, tínhamos um projeto de
governo que foi feito durante a campanha, inclusive no final da
campanha, nós elaboramos um projeto, um programa de governo
com várias lideranças comunitárias que participaram, lideranças
políticas. No contato direto que eu tive durante a campanha com o
povo nós fizemos um esboço de programa de governo e a partir
daí nós desenvolvemos esse programa durante a nossa gestão’
(ALMEIDA, 2001, p. 27).
Na eleição municipal seguinte, a de 2000, Vilma de Faria foi candidata à
reeleição, com uma vitória garantida a partir do que ficou conhecido na cidade
como o “acordão” realizado em 1999 entre ela e as lideranças do grupo ligado à
família Alves. Este consistiu no seguinte: o governador Garibaldi Alves Filho (até
então seu adversário político) e as forças políticas da coligação que sustentava o
Governo do Estado (PPB/ PMDB/ PPS/ PAN/ PRTB/ PMN/ PRN/ PSD/ PT do B)
apoiariam a sua candidatura à reeleição para a Prefeitura de Natal, com direito a
indicar o candidato a vice-prefeito.75
Em troca, nas eleições de 2002, a prefeita apoiaria o deputado federal
Henrique Eduardo Alves para governador e o Governador Garibaldi Alves Filho
para Senador. Este acordo resultou em investimentos conjuntos da Prefeitura de
Natal e do Governo do Estado em grandes obras na cidade como a urbanização
da praia de Ponta Negra (construção de um calçadão e de barracas
padronizadas) e de um complexo viário na BR 101.
75
O indicado foi um membro da família Alves, o Sr. Carlos Eduardo Alves, atual Prefeito de Natal.
187
Em termos eleitorais, o resultado do “acordão” foi a eleição de Vilma de
Faria como Prefeita de Natal no primeiro turno das eleições de 200076, com 57,7%
dos votos, numa coligação que envolveu os seguintes partidos: PSB, PMDB,
PAN, PL, PMN, PPB, PPS, PSD, PV. A disputa envolveu ainda os candidatos/as:
Fátima Bezerra (PT, PC do B, PCB, PDT, PT do B, PHS), Sonali Rosado (PFL,
PRN, PSDB, PTB), Dário Barbosa (PSTU) e outros 5 candidatos que não
chegaram a obter 0,50% dos votos.
CANDIDATO
PARTIDO
VOTOS NOMINAIS
Absolutos
Wilma Maria De Faria Meira
Maria De Fatima Bezerra
Sonali Rosado Cascudo Rodrigues Nelson dos
Santos
Dário Barbosa De Melo
Maurício Pereira Dantas
Marconio Cruz Do Nascimento
Carlos Roberto Ronconi
Raimundo Julio Do Nascimento
TOTAL
PSB
PT
178.016
90.630
PSDB
PSTU
PTN
PSC
PSDC
PGT
33.995
1.422
1.286
1.123
1.065
906
308.443
Relativos
(%)
57,71
29,39
11,02
0,46
0,42
0,36
0,35
0,29
100
Quadro 8 – Resultado do primeiro turno das eleições municipais de 2000 para Prefeito de Natal
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte - TRE/RN (BRASIL..., 2005)
Assim, desde o final dos anos 1980 e, a partir da segunda metade dos
anos 90 do século XX, até o ano de 2002 do século XXI o Município de Natal foi
administrado por um único grupo político, liderado por Vilma de Faria. Nos seus
três mandatos, ela deu continuidade ao estilo de governar inaugurado por José
Agripino Maia e por ela no período 1970-1980. Por exigência do novo aparato
institucional que se construiu no país, Vilma de Faria se submeteu ao
cumprimento das regras do jogo democrático e assumiu um discurso em defesa
da participação popular e da cidadania; mas, ao mesmo tempo, manteve, com as
lideranças e organizações comunitárias, um tipo de relação baseada na troca de
favores, no vínculo pessoal e no assistencialismo.
76
Nas eleições de 2002, a Prefeita descumpriu o acordo firmado em 1999 e rompeu com o grupo
Alves. Em seguida renunciou ao seu mandato na prefeitura de Natal e lançou-se candidata ao
Governo do Estado. Tendo liderado a disputa no primeiro turno, disputou o segundo turno com o
candidato do grupo Alves, o Sr. Fernando Freire (PP). Conseguiu ser vitoriosa, com 61% dos
votos válidos, sendo atualmente a Governadora do Rio Grande do Norte.
188
Para tanto, ela criou mecanismos de relação direta com a população, e
dedicou atenção privilegiada às demandas das organizações e lideranças
comunitárias da sua confiança (recebidas semanalmente em seu gabinete) e da
presença cotidiana da prefeita nos bairros, visitando ou inaugurando obras,
conversando com a população. Mas, não foi só isso. Nas duas últimas gestões,
essa relação direta com a população ganhou um espaço privilegiado desde 1997:
o programa “Nosso Bairro Cidadão.”
Esta realidade é confirmada por Márcia Maia, sua filha e ex-Secretária
Municipal de Assistência Social em entrevista a Almeida (2001, p. 93). Para ela,
governar ouvindo o povo, abrindo espaço para as organizações comunitárias é
uma característica de Vilma,
[...] ela tem uma forma de administrar procurando sempre ter
contato com a população, então é rotineiro na agenda da prefeita
Vilma, ela estar visitando obras, estar fiscalizando os serviços [...],
e também atendendo aos representantes das comunidades de
Natal. Na hora em que concede audiências comunitárias com os
representantes das comunidades [...], ela está próxima da
população, procurando ouvir o que a população tem a dizer da
sua administração, o que a população tem a dizer com relação às
reivindicações pra melhorar a qualidade de vida do bairro e assim
por diante. Isso, com certeza, é uma identificação muito forte da
prefeita, esse estilo de administrar, de governar e isso faz com
que ela, digamos assim, seja considerada uma liderança política
na cidade do Natal. [...]. É uma característica de Vilma saber ouvir,
ter a paciência de escutar, ter o interesse, não é só a paciência,
mas o interesse de escutar o que a comunidade tem a dizer, o que
ela está reivindicando (ALMEIDA, 2001, p. 93).
O programa Nosso Bairro Cidadão foi então um importante instrumento
para esse “estilo de governar”. Em nível institucional, ele esteve inicialmente sob
a responsabilidade da Secretaria Municipal das Regiões Administrativas –
SECRA, criada por Vilma em seu primeiro mandato. Posteriormente, em 1999, a
SECRA foi extinta e suas competências transferidas para a Assessoria de
Assuntos Comunitários. Em 2000, esta assessoria foi extinta e o programa Nosso
Bairro Cidadão e demais “assuntos comunitários” foram transferidos para uma
nova secretaria: a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Comunitário, em
funcionamento até o presente.
O programa “Nosso Bairro Cidadão”, no seu formato, na sistemática de
funcionamento, nas ações que realiza, nos seus objetivos é, na essência, uma
189
continuidade do que já vinha sendo realizado pela administração do prefeito Aldo
Tinoco Filho, sob a responsabilidade da ATIVA, com o nome “Programa Braços
Dados”. Assim como era feito neste programa, em “Nosso Bairro Cidadão” os
técnicos da prefeitura visitam o bairro escolhido para mobilizar a comunidade,
fazer contatos com lideranças comunitárias, identificar os principais problemas do
bairro, elaborar a pauta de reivindicações a ser apresentada aos secretários e à
Prefeita. Além disso são identificadas as necessidades mais urgentes da
comunidade e que podem ser resolvidas de forma imediata, durante a semana de
realização do programa no referido bairro.
Durante uma semana os diversos órgãos dos governos municipal,
estadual e federal (como a Delegacia Regional do Trabalho, Instituto Nacional de
Seguro Social - INSS) se instalam no bairro e oferecem serviços e informações de
forma intensiva. São realizadas atividades na área de educação, serviços de
manutenção e limpeza de ruas e avenidas, pequenas obras como “operação tapa
buraco”, exposições e atividades educativas na área de saúde como as voltadas
para combate ao mosquito transmissor da dengue, sexualidade e prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis, cuidados de higiene com os alimentos e
com as crianças; cursos rápidos; serviços de emissão de documentos, como
Carteira de Trabalho e Previdência Social, Carteira de Gratuidade do Transporte
Coletivo para Idoso, alistamento militar, certidão de nascimento etc. O programa
também realiza atividades culturais, envolvendo artistas locais; e ainda atividades
de reflorestamento, com distribuição de mudas de plantas (ALMEIDA, 2001, p. 6869).
Durante um período de três dias, que também poderia durar até uma
semana, era montada no bairro, toda uma estrutura com tendas e palcos;
utilizando também os prédios públicos ou comunitários existentes (escolas,
conselhos comunitários, igrejas, etc) para receber as atividades do Programa. O
ponto alto da sua presença no bairro era o momento da audiência pública. Neste
dia, o gabinete da prefeita era instalado no bairro; e ela, juntamente com os
secretários, recebia as lideranças comunitárias, ouvia suas reivindicações e
decidia o que seria atendido de acordo com as condições orçamentárias da
prefeitura. Contudo, conforme o depoimento a seguir de Rinaldo Claudino de
Barros, técnico da Secretaria Municipal de Administração e Planejamento -
190
SEMAP entrevistado por Lindijane Almeida (2001), esta prática significa mais que
a ação de um programa específico, faz parte do estilo de governar de Vilma:
A Professora Vilma tem uma vida política baseada numa
sensibilidade social e num estilo de estar sempre ouvindo a
população, não só o povo no sentido mais amplo, mas ouvindo
empresários, ouvindo segmentos importantes sindicalizados etc.
Ela nunca deixa de ouvir, mesmo que às vezes tome uma decisão
contrária àquelas reivindicações, mas ela ouve. Então, ela tirou,
no caso da prefeitura de Natal, a imagem do gabinete, de atender
em gabinete e ela foi pra rua, ela leva não só o gabinete dela pra
rua, mas o secretariado todo também teve que se adaptar a isso.
[...]. Então, há uma mudança de estilo de governo, é uma inversão
levando o governo para junto da população e não esperar que a
população busque, procure o governo. Isso, somado com a
sensibilidade social que ela tem, eu acho que é a explicação,
digamos assim, do sucesso, da aprovação da administração. [...].
Quer dizer, em vez de você planejar, você executa de maneira a
atender, a direcionar os investimentos para aquilo que está sendo
mais solicitado. É esse estilo de aproximar o governo do povo,
quer dizer, você abandonou os gabinetes (ALMEIDA, 2001, p. 9394).
Para Vilma de Faria o social é prioridade no seu governo. Em entrevista
concedida a Almeida (2001), ela destaca três programas muito importantes nesse
campo: o Programa Nosso Bairro Cidadão, o Programa Sistema de Emprego e
Renda - SER e o Programa Tributo à Criança. Sendo o primeiro, o mais
importante no sentido de favorecer a ligação da Prefeita com a comunidade, como
ela afirma, é um projeto “que me liga ao povo”.
Qualquer governo que deseje realizar um bom trabalho tem que
pensar na parte social [...], a população precisa acima de tudo que
os serviços funcionem, os serviços de educação, de pré-escola,
de creches, de educação infantil, de qualificação, então, na
verdade, a parte social pra nós é muito mais importante do que a
parte física propriamente dita. E é tanto que o nosso governo nas
obras físicas só gastou 10% do que arrecadou, 90% foi gasto nos
serviços que são prestados à população, 90% dos recursos que
foram arrecadados... Então, quer dizer, a maior parte dos recursos
é gasta exatamente com essas atividades, que não aparece; a
parte social não aparece, se eu calçar uma rua aparece, os 10%
que nós investimos na obra física aparece bem, todo mundo vê e
até aplaude mais. [...] Procuro desenvolver programas sociais que
possam atender a essa população que é, vamos dizer assim, que
é uma população hoje excluída. Nós fazemos, então, nesse
trabalho social, uma ação de inclusão social. Assim, é que nós
implantamos vários programas como o Tributo à Criança, que dá
uma bolsa escola pra família, que cuida da criança, inclusive
191
aquela que já tem conduta anti-social, e coloca novamente essa
criança na escola [...]. Temos outros programas importantes
também na área social que é da área de qualificação profissional
e de também crédito para montar o pequeno negócio, esse é o
Programa SER, que começa com a qualificação e requalificação e
termina com o financiamento para pequenos negócios. [...] Porque
na hora em que as ações são destinadas mais à população mais
carente, nessa área social, principalmente, significa exatamente
dar melhores condições e, ao mesmo tempo, me aproxima mais
da população em geral. E o que fez com que o nosso governo
fosse um governo participativo foi um outro projeto que me liga ao
povo, que é o Programa Nosso Bairro Cidadão [...], isso tem sido
assim da maior importância para ligação com a comunidade...
além das ações de cidadania que são desenvolvidas, onde se
77
atende a população (ALMEIDA, 2001, p. 46) .
O programa “Tributo à Criança” foi uma das propostas mais prometidas
por ela e também uma das mais difundidas pelo seu marketing na campanha
eleitoral de 1996. Trata-se de um programa de transferência de renda, na linha
do que já se encontrava em andamento no país em municípios paulistas como
Campinas, Ribeirão Preto, Santos e no Distrito Federal com o programa “Bolsa
77
Ao assumir o Governo do Estado do RN em 2003, Vilma passou a implementar no estado
iniciativas bem sucedidas em Natal. Uma delas foi a implantação de um programa no estilo “Nosso
Bairro Cidadão” denominando “Governo nas Cidades”. Sobre este assunto, o jornal Diário de
Natal, em 31 de dezembro de 2003 registrou: “Um programa no qual o governante deixa o
gabinete da capital e faz de vários municípios a sede temporária do Governo, discutindo os
problemas com representantes das várias cidades da região, lançando programas e definindo
estratégias e projetos para melhorar a vida do cidadão. Poucas vezes, com exceção das épocas
próximas dos períodos eleitorais ou por interesses mais políticos do que administrativos, a cena foi
vista no Rio Grande do Norte. Neste 2003, porém, com a adoção do Governo nas Cidades, ela foi
muito mais comum. Ao final do primeiro ano de administração, 67 municípios das regiões do Alto
Oeste, Seridó, Agreste e Médio Oeste foram beneficiados pelas ações decorrentes da instalação
do Governo das Cidades. O programa esteve em Pau dos Ferros, Caicó, Nova Cruz e Mossoró,
abrangendo uma população de 838 mil habitantes. Em cada uma dessas cidades, a governadora
Vilma de Faria, com todo o seu”. secretariado e a equipe técnica das várias áreas do Governo,
ficaram, em média, três dias lançando programas e debatendo com a população e com os
prefeitos [...]. A característica itinerante de administrar da governadora Vilma de Faria já era
conhecida em Natal. Durante o período em que governou a capital ela criou o programa Bairro
Cidadão, que consistia exatamente na transferência da sede da prefeitura para vários bairros da
periferia, onde eram realizadas ações de cidadania e implantados programas e também onde a
população se manifestava para fazer reivindicações. Uma vez por mês a prefeita Vilma de Faria se
deslocava para um bairro periférico de Natal, com todos os secretários, para ver de perto os
problemas e debater com os moradores a melhor forma de resolvê-los. Através deste diálogo com
a comunidade, construía o orçamento para o exercício seguinte. Como governadora, ampliou esta
prática para todo o Rio Grande do Norte, sem discriminação política. ‘Nenhum município do Rio
Grande do Norte ficará sem obras do governo na minha administração’, garante a governadora
Vilma de Faria, que na primeira semana de março de 2004 estará comandando mais uma versão
do Programa Governo nas Cidades, agora na região do Trairi, que terá como sede o município de
Santa Cruz” (GOVERNO..., 2003, p. 01).
192
Escola”. Esta última, a experiência mais difundida no país, foi implantada pela
administração petista de Cristóvão Buarque.78
Vilma de Faria apresentou a Natal a proposta de Bolsa Escola sob o
nome de “Tributo à Criança”, como algo inédito, prometendo atender até o ano
2000, a 9 mil crianças. A população de Natal nesta faixa etária em 1996, era de
113.538 pessoas. Análises com base em dados do Censo Demográfico de 1991
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE informavam, na época, a
existência de 13,2% de crianças na faixa etária de 07 a 14 anos fora da escola o
que corresponderia a aproximadamente 14.987 crianças (RIO GRANDE DO
NORTE..., 1996).
O programa foi criado então por meio da Portaria 007, de 07 de abril de
1997, com o objetivo de promover a “inserção social das famílias de baixa renda
incentivando financeiramente a sua adesão a programas de qualificação
profissional e de geração de renda” (Art. 3º). Além disso, se propunha também
trazer para o sistema formal de ensino as crianças que se encontravam fora da
escola e proceder ao pagamento de um Salário Mínimo às famílias com renda per
capita familiar mensal de meio Salário Mínimo que mantenham os filhos de 7 a 14
anos na escola, com freqüência escolar de 80%. Outra condição era de que pelo
menos um adulto da família deveria participar de um programa municipal de
formação profissional ou geração de renda (NATAL..., 1997).
O órgão gestor do programa foi o Gabinete da Prefeita por meio de uma
comissão executiva, de uma comissão local e de uma secretaria executiva,
criadas para este fim. A comissão executiva era presidida pelo representante do
Gabinete da prefeita e constituída por representantes da Secretaria de Educação,
da Secretaria de Promoção Social, do Juizado da Infância e da Juventude, do
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e Minorias, do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria Municipal de Finanças e da
Câmara Municipal de Natal. A comissão local era formada em cada bairro ou
região administrativa atendida pelo programa, e deveria ser formada por um
representante dos programas municipais existentes no bairro, um representante
da SECRA e uma entidade comunitária.
78
Uma análise dos programas de transferência de renda em nível federal, assim como daqueles
de iniciativa de governos estaduais e municipais desenvolvidos no Brasil é feita em SILVA;
YAZBEK; GIOVANNI (2004).
193
Dentro deste programa, competia à Secretaria de Promoção Social as
seguintes atribuições:
I.
Atender as famílias encaminhadas pela Comissão
Executiva, enquanto órgão executor da política de
qualificação profissional e de geração de renda. Cadastrar
os desempregados e autônomos beneficiados pelo Tributo,
para posterior encaminhamento aos programas de
emprego e geração de rena.
II. Acompanhar as famílias beneficiárias, no sentido de
orientá-las para que possam sair da situação de exclusão
em que se encontram; qualificando profissionalmente,
associando, cooperativando enfim, abrindo caminhos para
a geração de renda (NATAL..., 1997).
A portaria define como beneficiários prioritários do programa: crianças de
rua, crianças com entrada em Casas de Passagem, ocorrências do Juizado da
Infância e do Adolescente, casos registrados pelo Conselho Municipal da Criança
e do Adolescente, crianças e adolescentes com medidas sócio-educativas, com
medidas de proteção social, desnutridas com acompanhamento da Secretaria
Municipal de Saúde, dependentes de idosos ou de portadores de deficiência,
ocorrências registradas no “SOS Criança”, crianças e adolescentes participantes
do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, crianças atendidas pela
delegacia do menor, pela Fundação Estadual da Criança e do Adolescente –
FUNDAC e evadidos da rede municipal e estadual de ensino no ano de 1996.
Além destas são consideradas prioritárias as famílias residentes nas regiões
administrativas que concentram a parcela da população mais empobrecida da
cidade.
O programa começou em 1997, atendendo a 208 famílias e 679 crianças.
Em 2000, o total de famílias atendidas era de 3.291 e 8.969 crianças. O
investimento mensal do Município no programa, no início, foi de R$ 209.372,00
(ALMEIDA, 2001, p. 62). Em 2004 este investimento chegou a 400 mil reais,
atendendo a 11.500 crianças cujas famílias recebiam até R$ 100,00 da seguinte
forma: o programa paga uma bolsa de 50,00 para quem tem uma criança no
mesmo, R$ 75,00 para quem tem duas e 100,00 para quem tem 3 ou mais
crianças inscritas (NATAL..., 2004, p. 7).
De acordo com os dados da pesquisa realizada por Silva; Yazbek e
Giovanni (2004, p. 48-85), os valores pagos pelo programa Tributo à Criança em
194
Natal se aproxima do que se efetivava nas experiências de programas dessa
natureza implementados em Santos (SP) e Ribeirão Preto (SP). No primeiro a
transferência monetária chegava a R$ 100,00, no segundo até R$ 80,00. Em
Campinas esta transferência chegava a R$ 385,00 no caso de famílias sem
renda; e, em Brasília, era assegurado um Salário Mínimo a toda família carente,
que mantivesse todos os filhos na escola.
É importante lembrar que, em 1993, os dados do “Mapa da Fome” (RIO
GRANDE DO NORTE..., 1993, p. 65) indicavam a existência de 40.500 famílias
em situação de indigência em Natal e 10,5% dos chefes de família recebendo até
meio salário mínimo. Em termos da faixa etária atendida pelo programa, outro
estudo do IDEC (RIO GRANDE DO NORTE..., 1996) indicava 32.232 crianças na
faixa etária de 07 a 14 anos vivendo em situação indigência em Natal.
Diante disso, apesar de apresentado como uma política de prevenção e
combate à marginalização, que garante renda mensal às “famílias humildes”,
observa-se que o Programa é apenas mais uma ação pontual, destinada a
atender aos mais miseráveis dentre os miseráveis. Não se constitui um programa
que busque a redistribuição de renda, mas, orientado por uma perspectiva
compensatória e que apenas atenua os efeitos da desigualdade social. Neste
sentido, situa-se entre os programas que “parecem direcionar-se para a criação
de um estrato de pobres situados num patamar de indigência ou de mera
sobrevivência, com impactos duvidosos sobre a interrupção do ciclo vicioso de
reprodução da pobreza” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004, p. 38).
Outra ação importante e prioritária no projeto de governo de Vilma para
Natal foi o Programa Sistema de Emprego e Renda - SER. Criado através do
decreto n.º 6.006 de 06 de junho de 1997, tendo como lócus institucional a
Secretaria Municipal de Promoção Social – SEMPS e a finalidade, conforme o
referido decreto, “de promover a qualificação profissional e colocação no
mercado, difundir a criação de micro e pequenas empresas, cooperativas,
associações de produção e negócios no setor informal.” Nos seus objetivos,
afirma-se o compromisso para com: “a redução dos níveis de pobreza e de
exclusão social no município de Natal, através da programação de ações
conjuntas que viabilizariam o fomento da economia local.” Para tanto, define como
objetivos específicos:
195
1. Promover a qualificação e/ou aperfeiçoamento de
adolescentes, jovens e adultos, de acordo com as exigências
do mercado;
2. Proporcionar a interação entre os trabalhadores beneficiados e
a população que demanda seus serviços;
3. Estimular a organização e a autogestão das pessoas
qualificadas em grupos de produção de bens e prestação de
serviços, na perspectiva associativista;
4. Qualificar e requalificar o funcionário público municipal,
visando à eficácia dos serviços da administração municipal;
5. Fomentar a produção e a comercialização do artesanato como
uma atividade economicamente viável, beneficiando artesãos
individualizados ou engajados em grupos associativos;
6. Apoiar a organização de pequenas empresas do setor
informal, fornecendo informações sobre novos negócios,
treinamentos e oportunidades;
7. Assessorar na elaboração de projetos de viabilidade
econômica, beneficiando micro-empresários e associações
que necessitam de funcionamento.
8. Apoiar a instalação de unidades de produções comunitárias,
propondo inclusive, a adoção de uma política governamental
de compras;
9. Estabelecer parceria com bancos e agências de fomento, para
obtenção de crédito subsidiado; e
10. Financiar o micro-empresário, associação e cooperativas
populares em projetos de investimento e custeio
(NATAL..., 1998c, p.11-12).
Para a formulação deste programa a Prefeitura firmou uma parceria com o
Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos - CEBELA79, a quem coube o
estudo, levantamento e identificação de experiências na área de geração de
emprego e renda no país e em nível internacional e a elaboração da proposta
juntamente com técnicos da SEMPS. Os princípios que nortearam o programa,
envolviam: vontade política, no sentido de que o programa era prioridade em
termos de recursos e de máquina de governo; uma nova visão conceitual, ações
integradas, humildade na formulação do programa, parcerias (com órgãos da
prefeitura e com a sociedade); e capacidade de gestão, acompanhamento de
outras
experiências
exitosas,
indicadores
de
avaliação
de
resultados,
planejamento de novas ações (SIQUEIRA, 1999, p. 102-104).
Em termos da “nova visão conceitual” os formuladores ressaltam que o
Programa SER inverteu a lógica dos programas de emprego e renda na qual é o
cidadão que procura o crédito, a qualificação, a oportunidade de emprego. No
programa estes “é que vão atrás do cidadão” através da figura do “Agente SER”,
79
Organismo ligado ao Partido Socialista Brasileiro – PSB.
196
que são pessoas das comunidades, selecionadas dentro de um perfil mínimo de
qualificação e treinadas para “sair batendo de porta em porta perguntando: ‘o que
você está fazendo em casa? Por que você não está trabalhando? Vamos lá! Nós
vamos te ajudar. Vamos tirá-lo de casa, proporcionar a qualificação, um
empréstimo...” (SIQUEIRA, 1999, p. 102).
Estruturado a partir de uma ampla articulação institucional, este Programa
contemplava: ações de pesquisa, de planejamento e de controle, de incentivo à
criação
de
micro-empresas,
cooperativas,
associações,
de
qualificação
profissional (com três casas de treinamento denominadas “Casa dos Ofícios” e
dois “ônibus-escola”); micro-crédito (por meio das Agências do Cidadão) e apoio
ao desenvolvimento do artesanato. Possui apoio financeiro do Banco do Nordeste
do Brasil – BNB através do Programa de Fomento a Geração de Emprego e
Renda - PROGER; do Programa de Aplicação dos Recursos do Fundo de Amparo
ao Trabalhador – PROFAT; e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social – BNDES, através do Programa de Apoio a Micro e Pequena Empresa PNPE e do Programa trabalhador solidário.
Conforme LOPES (2004, p. 04), com base na Pesquisa de Emprego e
Desemprego – PED, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Sócio-Econômicos - DIEESE, em novembro de 1999 a taxa de
desemprego total em Natal era de 17,2%. Contudo, quando o desemprego é
analisado considerando a População Economicamente Ativa - PEA por sexo e
cor, observa-se que assim como acontece em outras capitais do país, o
desemprego em Natal atinge mais as mulheres (19,1%) e as pessoas nãobrancas (18,6%). A maioria dos desempregados em Natal perdeu postos de
trabalho no setor serviços (44%) e no comércio. Segundo dados do IBGE, em
2000 a PEA de Natal era de 318.820 pessoas, sendo 176.133 homens e 142.687
mulheres. A população em idade ativa, por sua vez era de 471.861 pessoas.
Considerando a população ativa e mantido o índice de desemprego do ano
anterior, o dado indica a existência de 81.160 pessoas desempregadas.
Uma das principais ações do Programa SER era a qualificação
profissional, com a oferta de cursos divididos em três modalidades: profissionais
do lar e educação profissional; balcão do primeiro emprego; programa funcionário
cidadão destinado a requalificar ou qualificar servidores públicos municipais. Na
primeira modalidade, os cursos oferecidos eram: congelamento, auxiliar de
197
creche, acompanhamento de idosos, corte e costura, doces e salgados,
camareira, depilador, cozinha, bolos, tortas e congelados, chocolate artesanal,
habilidade
culinária
em
alimentação
alternativa,
panificação
profissional,
computação, serigrafia, tecelagem, garção e barman, recepção automatizada,
corte de cabelo, telefonista e datilografia informatizada.
Na modalidade “balcão do primeiro emprego” o público prioritário eram
adolescentes em situação de risco social e os cursos oferecidos eram os de
datilografia, office boy, computação, serigrafia e cestaria. No caso da qualificação
voltada para o servidor público eram oferecidos cursos de português básico e
redação oficial, atendimento ao público e relações humanas no trabalho, noções
de administração financeira, informática, administração de pessoal e cálculos
trabalhistas, técnico de secretariado, segurança do trabalho e primeiros socorros,
artesanato e alimentação alternativa.
Observa-se que as ações de qualificação profissional desenvolvidas
partem do pressuposto de que o trabalhador que se encontra fora do mercado de
trabalho é o principal responsável pela sua condição de desempregado. Seja
porque é preguiçoso, “O que você está fazendo em casa?”, seja porque precisa
adquirir condições de “empregabilidade”, a qual tem três requisitos: competência
profissional, disposição para aprender e capacidade de empreender.
O desemprego, nesta perspectiva é causado pela inadequação da mão
de obra às exigências de qualificação do mercado de trabalho. Diante disso, basta
ofertar qualificação técnica. Contudo, a concepção de formação profissional, os
tipos de cursos oferecidos e a baixa qualidade destes, apenas conseguem
minorar a situação de alguns, frente a um problema que tem sua raiz no modelo
de desenvolvimento econômico e no secular descaso com que historicamente foi
tratada a educação em todos os níveis no Brasil.
A ação do Programa SER em torno da qualificação profissional, neste
sentido, não constituía nenhuma iniciativa inovadora. Inseria-se numa concepção
de políticas de emprego e renda em andamento no país e num determinado
padrão de qualificação profissional que integrava o Plano Nacional de
Qualificação do governo federal, desenvolvido com recursos do Fundo de Amparo
ao Trabalhador – FAT. No caso do Rio Grande do Norte - RN, este plano era
implementado através do SINE-RN (Sistema Nacional de Emprego) com base no
Plano Estadual de Qualificação Profissional - PEQ-RN. A prefeitura de Natal
198
através da SEMTAS e da ATIVA, era uma das organizações executoras do PEQRN.
Programas desta natureza se inserem, conforme Paul Singer (1999, p.
58), na lógica da gestão social neoliberal, a qual, ao lado da ênfase na expansão
das matrículas escolares como prevenção ao desemprego, privilegia a realização
de “cursos de reciclagem profissional, sobretudo para desempregados de baixa
escolaridade. E, em vez de transferência de renda [...], os neoliberais preferem
facilitar o crédito a pessoas sem trabalho que pretendem abrir um negócio.”
Ao mesmo tempo, faz parte da ação dos neoliberais, no mundo do
trabalho a transformação de direitos trabalhistas em itens contratuais. Por este
caminho conquistas como o 13º salário, horas extras, férias subvencionadas por
1/3 do salário etc são renunciados pelos trabalhadores, em troca da manutenção
dos seus empregos. Alia-se a isto a “legalização de formas precárias de emprego,
como o trabalho temporário ou a demissão temporária (lay off) para incentivar as
empresas a empregar mais ou desempregar menos” (SINGER, 1999, p. 58).
Esta lógica neoliberal, presente no Programa SER, não pode ser omitida.
Contudo, do ponto de vista da visibilidade das ações da Prefeitura de Natal, a
qualificação, realizada pela ATIVA e em espaços criados para esta finalidade (as
Casas dos Ofícios, instaladas nas quatro regiões administrativas da Cidade)
tinham a vantagem de promover eventos de massa nos bairros, sobretudo em
solenidades de entrega de certificados. O boletim de notícias da SEMTAS de
novembro de 2001 (NATAL..., 2001c) informa a solenidade de entrega de
certificados a 6 mil pessoas “formadas” em cursos de três meses (julho a
setembro) promovidos pela ATIVA através de convênio com o SINE. Estes
eventos, que contavam sempre com a presença da Prefeita e da Secretária
Municipal de Assistência Social, Márcia Maia, eram momentos privilegiados do
programa.
Em termos de resultados quantitativos, em 2002, contabilizava-se a
qualificação de 42.182 pessoas, a aprovação de 1.504 créditos nas Agências do
199
Cidadão,80 num valor total de mais de três milhões de reais financiados81 tendo
gerado 5.564 empregos.
Em termos da “parceria do emprego”, pela qual o
programa intermediava o emprego ou estágio de trabalhadores qualificados em
empresas privadas ou entidades públicas, os números anunciados eram de 205
empresas cadastradas, 6.324 pessoas cadastradas e uma empregabilidade de
1.802 pessoas. Além disso o Programa colocou 04 núcleos de produção
(confecção (2), panificação e serigrafia) em bairros periféricos que atingiam 113
pessoas, com o incentivo à formação de cooperativas. Além disso é destacado o
incentivo ao artesanato, sobretudo com a promoção de feiras de artesanato em
regiões de grande circulação (Ponta do Morcego, Praça Padre João Maria e
Redinha) (Natal..., 2002a).
Contudo, na questão do financiamento a pequenos negócios o
depoimento de alguns usuários do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
– PETI revela as limitações do Programa SER para atender as pessoas que não
se encontram incluídas no mercado financeiro:
[...] eu precisava de R$ 50,00 para botar um carro de cachorro
quente. Aí fui procurar a agência do cidadão. Aí a moça
perguntou: você trabalha? eu disse não. Sua renda? Eu disse
nenhuma. Perguntou um monte de coisa e no final disse: minha
filha, não dá. Eu digo: como é que a gente vai conseguir botar um
negócio se a gente não tem uma renda fixa? Assim é impossível a
gente sobreviver ou abrir um negócio pra gente.82
O que eu gostaria era assim, era ter um órgão que a gente
chegasse e pudesse dizer: quero tanto para melhorar as nossas
condições. Mas, não tem. [...]. Se tem, tem tanta burocracia, quer
saber se tem casa, se não tem casa, se tem crédito no comércio,
aí fica difícil. Qual é o pobre que pode dizer, eu tenho uma casa
pra botar aqui na garantia?83
Mesmo estando sob a responsabilidade da Secretaria de Promoção
Social, integrando as ações previstas no Plano Municipal de Assistência Social, o
80
As Agências do Cidadão eram quatro, uma em cada região administrativa. Os financiamentos a
pequenos negócios eram feitos pelo Banco do Nordeste com valores que variavam entre um
mínimo de R$ 400 reais e o máximo de 5 mil reais. Para pessoas jurídicas também havia uma
linha de financiamento com um limite de crédito de até no máximo 11 mil reais.
81
O valor total financiado foi de R$ 3.724.754,40 (três milhões, setecentos e vinte e quatro mil,
setecentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta centavos) (NATAL..., 2002c).
82
Irma Alves de Paiva. Usuária do PETI. NAS Praia do Meio. Entrevista realizada em 30 de julho
de 2004.
83
Armando Cláudio. Usuário do PETI. NAS Praia do Meio. Entrevista realizada em 30 de julho de
2004.
200
Conselho Municipal de Assistência Social apenas foi informado do programa.
Para o Programa SER foi criada uma outra instância de “controle social”, o
COMUT (Conselho Municipal do Trabalho, criado pelo Decreto 6.015 de 01 de
julho de 1997) e o Fundo de Fomento Municipal, hoje Fundo Municipal de
Desenvolvimento Econômico - FUMDEC. Ao COMUT, constituído por três
representantes do poder público, três dos empregadores e três dos trabalhadores,
competia acompanhar, avaliar e fiscalizar a política de geração de emprego e
renda do Município de Natal.
Contudo este foi muito mais uma formalidade. Conforme Almeida (2001,
p. 81), este nem se quer realizava reuniões, configurando-se muito mais numa
formalidade, em cumprimento a exigências do CODEFAT no financiamento de
ações do Programa SER.
Um outro aspecto da gestão municipal do período que merece destaque é
a relação do Executivo com o Legislativo. Nos seus três mandatos esta relação foi
caracterizada conforme depoimento do vereador Olegário Passos citado por
Almeida (2001, p.90), pela “cultura do é dando que se recebe”. Enquanto o
executivo assumia um discurso em defesa da cidadania, os vereadores, através
das
suas
fundações,
recebiam
recursos
públicos
para
realizar
ações
assistencialistas nos bairros periféricos e, com isto, manter o apoio popular ao seu
nome, mas, sobretudo, a prefeita. Conforme o referido vereador,
O que faz com que nós tenhamos a grande maioria dos
vereadores aqui nessa casa votando tudo o que a Vilma manda?
É por que os projetos dela são bons? É por que as propostas que
ela apresenta para serem votadas nessa casa é melhor pra
cidade? Não. Primeiro, nós temos o grande câncer na política
local que são as fundações, a grande maioria delas mantidas pelo
poder executivo com o dinheiro do povo para que os vereadores
façam assistencialismo eleitoreiro com a miséria da população.
Segundo, nós temos os cargos comissionados dentro da
prefeitura, na sua grande maioria loteados pelos vereadores.
Essas duas coisas eu posso falar sem ser leviano, tendo
condições de comprovar, [...] mas infelizmente aqui na câmara eu
posso afirmar que o que estabelece a maioria dela aqui nesta
casa, transformando inclusive essa casa legislativa, o parlamento
municipal num espaço cartorial de aprovação da vontade do
executivo [...] é exatamente a cultura do é dando que se recebe, e
essa cultura se expande até a classe empresarial, estabelecendo
uma relação de clientelismo promíscuo do poder público com a
iniciativa privada: os favores, as comissões, o assistencialismo...
Lamento muito que seja assim, eu gostaria muito que a Vilma
201
pudesse estar fazendo uma administração em que ela tivesse
maioria por apresentação de propostas exeqüíveis, eficientes,
qualificadas, que fosse realmente uma liderança que acontecesse
dentro de princípios éticos e morais (ALMEIDA 2001, p. 90).
Outro vereador, Paulinho Freire, do Partido Socialista Brasileiro - PSB,
Partido da Prefeita, entrevistado por Almeida (2001), explica como Vilma
consegue fazer um governo voltado para a população:
[...] um governo voltado para a população. Ela tem uma
participação muito grande porque ela visita obras..., visita
secretarias, cobra dos secretários, escuta a população, participa
muito de reuniões, nos Centros Comunitários, Conselhos, Clubes
de Mães, Centros Desportistas e está sempre em contato com as
pessoas, escutando das pessoas quais os principais problemas
que existem hoje na cidade de Natal. Então, eu acho que a gestão
dela é uma gestão muito participativa, o povo tem muito acesso
para participar e ela também trabalha escutando muito as
comunidades. [...]. É o estilo de estar nas comunidades vendo o
problema de perto, é o estilo de tentar resolver os problemas, e
também a sua força de trabalho que é muito grande [...] e a prova
disso tudo é até a aprovação que ela está tendo na sua
administração (ALMEIDA, 2001, p. 92).
Assim, ao mesmo tempo em que se vive um contexto de democratização
no país, a descentralização e municipalização de muitas políticas sociais públicas,
como são os casos da saúde, da educação e da assistência social, o crescimento
de mecanismos de controle social, no âmbito da formulação e execução destas
políticas, vive-se em Natal uma situação em que, por um lado, executam-se as
determinações legais e, ao mesmo tempo, há um estilo de governar, que reproduz
velhas práticas com uma nova roupagem.
Este é o contexto político, do ponto de vista da administração municipal,
no qual acontece a descentralização e municipalização da política de assistência
social em Natal. Tal como proposto na LOAS, ela não é uma política prioritária
nem na “sensibilidade social”, nem no projeto de governo da Prefeita. Assim como
ocorre com outras políticas que a Constituição de 1988 assegurou o caráter de
direito (como a saúde, a educação), a assistência social tende a ser
implementada de modo a cumprir minimamente o que a legislação determina e
muito mais como uma formalidade do que a efetivação real de direitos. Ao mesmo
tempo são mantidas, com nova roupagem, formas tradicionais, conservadoras e
202
clientelistas de relação do poder público com a população; e, particularmente,
com os usuários da assistência social.
4.3 A gestão municipal da assistência social em Natal: uma visão geral das
ações realizadas após a municipalização
Natal começou a assumir a gestão da política de assistência social a
partir de 1995, com a criação do Conselho e do Fundo Municipal de Assistência
Social pela Lei 4.657, de 26 de julho daquele ano, na gestão do então Prefeito
Aldo Tinoco Filho. Contudo, até 1996 as ações ficaram mais no âmbito da
institucionalização e da formalização do processo de municipalização da
assistência social ou do cumprimento dos critérios definidos pelo Artigo 30 da
LOAS.84 A concepção de assistência e a forma como esta política vinha sendo
executada no município não se alterou. Manteve-se inclusive o paralelismo de
ações entre a SEMPS e a ATIVA.
A partir de 1997, teve início uma nova administração municipal, e o
retorno de Vilma de Faria à prefeitura de Natal. Na formação do seu secretariado,
a SEMPS foi confiada à sua filha, a socióloga Márcia Faria Maia Mendes.85 O
paralelismo entre SEMPS e ATIVA foi uma das dificuldades que esta afirma ter
encontrado ao assumir esta secretaria.
Uma das dificuldades mais expressivas se deu, quando, após a
gestão do Prefeito Aldo Tinôco, encontrou-se a ATIVA dentro do
mesmo prédio onde funcionava a SEMPS. Foi constatado na
ocasião, paralelismo de ações, indefinição da identidade da ATIVA
enquanto ONG. De certa forma, no período, a SEMPS foi
literalmente “esvaziada” na sua missão Institucional, transferindo a
sua responsabilidade para a ONG ATIVA.86
Diante deste quadro, as primeiras iniciativas da nova gestão foram:
84
De acordo com o Artigo 30 da LOAS o Município deverá atender os seguintes critérios: 1)
Comprovar a criação e funcionamento do Conselho e Fundo Municipal de Assistência Social; 2)
Apresentar Lei Orçamentária e anexos que comprovassem a existência de recursos próprios no
Fundo Municipal de Assistência Social, enquanto unidade orçamentária; 3) Apresentar o Plano
Plurianual de Assistência Social devidamente aprovado pelo Conselho; 4) Apresentar parecer do
Conselho sobre a capacidade técnica, política e administrativas do órgão gestor e as condições
estruturais de modo geral para a gestão da política de assistência social.
85
Atualmente (2005) é secretária estadual de trabalho, habitação e assistência social do Governo
do Estado do RN na gestão da sua mãe, Vilma de Faria.
86
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
203
a. a mudança na denominação do órgão gestor responsável pela
coordenação e execução da política de assistência social que passou
a se chamar Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social
(SEMTAS), sendo então retirado do nome o termo “promoção social”.
Este ato, conforme Márcia Maia refletiu “o propósito de dar visibilidade
a Assistência como Política Pública, não mais como uma coisa
residual, pontual, menor”.87 Mas não só. A mudança, incorporou o
termo “trabalho” porque esta secretaria estava assumindo também a
política de emprego e renda do município, cuja ação principal e
praticamente a única era o Programa SER, um dos programas
principais da nova administração, conforme já explicitado;
b. a criação da Gerência Operacional da Descentralização da Assistência
Social (GODAS) em 1998. À GODAS competiu operacionalizar a
descentralização da assistência social em Natal, cuidando, sobretudo,
da relação do órgão gestor com a rede de entidades conveniadas
prestadoras dos serviços de assistência social e da gerência do Fundo
Municipal de Assistência Social - FUMAS.
Assim, foi somente em 1998 que o Município assumiu efetivamente a
política de assistência social. Enquanto gestor, de acordo com a Política Nacional
em vigor até 2004 e com a Norma Operacional Básica – NOB em vigor até julho
de 2005,88 compete ao Município:
a. coordenação geral do Sistema Municipal de Assistência
Social;
b. co-financiamento da Política de Assistência Social;
c. formulação da Política Municipal de Assistência Social;
d. organização e gestão da rede municipal de inclusão e
proteção social, composta pela totalidade dos serviços,
programas e projetos existentes em sua área de abrangência;
e. execução dos benefícios eventuais, serviços assistenciais,
programas e projetos de forma direta ou coordenação da
execução realizada pelas entidades e organizações da
sociedade civil;
87
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
88
Conforme já apresentado no item 4.1 deste capítulo, a NOB em vigor até julho de 2005 foi a
aprovada pelo CNAS pela Resolução n. 207 de 16 de dezembro de 1998. Em julho de 2005 uma
nova Norma Operacional Básica foi aprovada pelo CNAS.
204
f.
definição da relação com as entidades prestadoras de serviços
e dos instrumentos legais a serem utilizados;
g. definição de padrões de qualidade e formas de
acompanhamento e controle das ações de assistência social;
h. articulação com outras políticas públicas de âmbito municipal,
com vistas à inclusão dos destinatários da assistência social;
i.
supervisão, monitoramento e avaliação das ações de âmbito
local;
j.
coordenação do Sistema Nacional de Informação, no seu
âmbito de atuação;
k. coordenação da elaboração de programas e projetos de
assistência social no seu âmbito;
l.
acompanhamento e avaliação do Benefício de Prestação
Continuada;
m. elaboração do Relatório de Gestão;
n. elaboração do Plano Municipal de Assistência Social;
o. desenvolvimento de programa de qualificação de recursos
humanos para a área de Assistência Social;
p. controle e fiscalização dos serviços prestados por todas as
entidades beneficentes na área da educação, da saúde e da
assistência social, cujos recursos são oriundos das
imunidades e renúncias fiscais por parte do governo, conforme
Leis nos 8.812, de 24 de setembro de 1991, e 9.732, de 11 de
dezembro de 1998 e suas regulamentações (BRASIL...,
1999b, p. 29-30).
Uma das dificuldades deste processo, segundo Márcia Maia, foi receber a
rede de entidades da LBA/SAS, “sem nenhuma orientação, capacitação, etc”.
Estas contudo, “foram superadas no processo com muito zelo, com muita
responsabilidade e competência”, afirma a entrevistada.89
A elaboração do Plano Municipal de Assistência Social foi outro passo
fundamental. O mais importante deles, o de 1998, propôs a estruturação das
ações em três eixos:
a. programas, projetos e serviços de enfrentamento à pobreza e a
miséria;
b. programas, projetos e serviços de assistência social;
c. programa e serviços de apoio às entidades e organizações
comunitárias
89
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
205
No primeiro eixo aparecem as ações voltadas para o atendimento
emergencial, os serviços de atenção à população de rua e o programa de
incentivo à geração de renda (Programa SER). O segundo eixo contempla as
ações voltadas para a criança de 0 a 06 anos, o adolescente de 7 a 14 anos e aos
jovens de 14 a 18 anos; os programas e serviços de atenção a pessoa idosa;
portadores de deficiência, o Benefício de Prestação Continuada - BPC e os
benefícios eventuais. Os programas que têm como público alvo a criança
envolvem desde a questão da creche, o combate à prostituição, infantil, a
erradicação do trabalho infantil, casas abrigo, etc. O programa Tributo a Criança
integra as proposições do Plano Municipal de Assistência mas, conforme
apresentado anteriormente, é vinculado diretamente ao gabinete da prefeita.
O terceiro eixo trata das atividades de assistência social junto às
organizações e lideranças comunitárias através da assistência técnica, jurídica e
financeira a tais entidades e o desenvolvimento de “projetos sócio-pedagógicos
para suscitar novas lideranças comprometidas com as causas populares”
(NATAL..., 1998a, p. 57). Atividades que eram efetivadas pelo Departamento de
Assistência Social da SEMTAS, através do setor de apoio e assessoramento às
entidades comunitárias.
Um levantamento das ações desenvolvidas pela SEMTAS permite
distinguir dois tipos de ações:
a. aquelas que são de iniciativa do governo federal e executadas pelos
municípios, seja na forma de serviços de ação continuada, seja na
modalidade de programas ou projetos especiais com duração
temporária;
b. ações de iniciativa do Município, financiado por este, podendo também
contar com parcerias governamentais ou com organizações da
sociedade e do mercado.
O quadro a seguir oferece uma visão geral das ações implementadas pela
SEMTAS no período 1998-2004.
206
AÇÕES
1. Bolsa Família90
2. Benefício de Prestação
Continuada (BPC)91
3. Programa de Atenção à
Criança de 0 a 6 anos Creche
4. Atenção integral à
criança e ao
adolescente em abrigo
– Casas de Passagem
5. Programa de Apoio à
Pessoa Portadora de
Deficiência92
6. Apoio à pessoa idosa Conviver
7. Apoio à pessoa idosa Asilar
8. Agente Jovem para o
Desenvolvimento
Humano/Centros de
Juventude
9. Programa de
Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI)
10. Núcleos de ação
social93
11. Combate ao abuso e
exploração sexual –
Projeto Sentinela/Casa
Nova Infância
90
USUÁRIOS
ATENDIDOS
EM 2004
PERÍODO DE REALIZAÇÃO / DURAÇÃO
1998
1999
2000
2002
2003
2004
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
3.249
X
X
X
X
X
X
X
264
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
24.497
6.358
X
X
X
12.907
X
X
301
X
1.352
500
2001
2.878
X
X
X
X
X
X
X
274
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
300
Até março de 2005 haviam 80.000 pessoas inscritas em Natal no Cadastro Único do Governo
Federal. Deste total 51.801 pessoas recebiam algum tipo de transferência de renda: Bolsa Família
(24.497), Auxílio Gás (15.538), Bolsa Escola (11.087), PETI (2.878), Agente Jovem (475), Bolsa
Alimentação (59). Importante lembrar que desde 09 de janeiro de 2004, a Lei 10.836 criou o
Programa Bolsa Família e unificou os procedimentos de gestão e execução da maioria destas
ações de transferência de renda do Governo Federal. No momento da realização da coleta de
dados desta pesquisa estavam sendo realizados procedimentos de recadastramento e migração
de beneficiários de outros programas para o Bolsa Família pela equipe da SEMTAS responsável
pelo Cadastro Único em Natal.
91
A SEMTAS não tem nenhum controle, nenhuma informação sobre o BPC no município. Tudo é
feito pelo INSS sem qualquer acompanhamento do órgão gestor da assistência social. Deste total,
4.130 são usuários portadores de deficiência e 2.228 são idosos.
92
A SEMTAS não executa nenhuma ação junto a portadores de deficiência. Todas as ações são
realizadas pela ATIVA e outras organizações da rede.
93
Estes Núcleos atendem também 2.878 crianças do PETI 274 e crianças vinculadas a outros
programas do município, como o Tributo à Criança ou que não estão vinculadas a nenhum
programa social e que são encaminhadas aos Núcleos por organizações de atenção à criança e
ao adolescente como Conselhos Tutelares, SOS Criança etc, Inicialmente implantados apenas
nos bairros de Cidade Nova e Conjunto Panatis, atualmente são um total de 13 distribuídos em 03
das 04 regiões administrativas da cidade (Norte, Leste e Oeste). Nestes espaços são
desenvolvidas atividades esportivas, lúdicas e artísticas nos turnos matutinos e vespertinos com
jornada de 04 horas. São freqüentados pelas crianças em horários opostos ao da escola.
207
1.500
12. Programa de Atenção
Integral à Família
(PAIF)/Centros de
Referência de
Assistência Social
(CRAS)
13. Projeto “Aprendendo na
50
X
X
X
praça”94
1.100
X
x
x
X
X
14. Projeto Cidadão do
Amanhã (em parceria
com Exército, Marinha e
Correios)
15. SOS Idoso
208
X
X
X
16. Construindo a cidadania
45
junto à terceira idade95
17. Canteiros da cidadania
1.227
X
X
X
18. Atendimento no Plantão
2.962
X
X
X
X
X
Social96.
19. Dinamização dos
2.325
X
X
X
X
X
Clubes de Mães
20. Programa Artesanato
1.470
X
X
X
X
X
21. Programa SER
10.402
X
X
X
X
X
22. Atendimento a
286
X
X
X
X
X
gestantes e nutrizes
23. Programa de Sopa
19.495
X
X
X
X
X
Comunitária
3.722
X
X
X
x
X
24. Combate à desnutrição
(Cozinha Alternativa e
recuperação de
desnutridos)97
Total - pessoas atendidas em ações de assistência social - 97.694
X
X
x
X
x
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Quadro 9 – Ações de assistência social em Natal-RN no período 1998-2004 – Duração das ações
e população atendida em 2004.
Fonte: SEMTAS (NATAL..., 1998b; 2000a; 2002b; 2004; 2005).
94
Este é na verdade mais um programa de transferência de renda que repassa bolsa de R$ 75,00
aos jovens participantes durante um período de 9 meses.
95
Programa criado recentemente e destinado a desenvolver ações de proteção e acolhimento a
idosos em situação de risco social ou vivendo na rua.
96
O atendimento no plantão social é voltado para a concessão de auxílio funeral, auxílio
natalidade, alimentação, medicamentos, passagens e registros de nascimento. É também
responsável pela atenção ao migrante e à população de rua. O número de usuários atendidos
corresponde ao total de pessoas que procuraram o plantão social e receberam algum tipo de
auxílio. O total de atendimentos/ano no plantão social, na verdade, é superior a 10 mil pessoas,
com uma média de 40 pessoas por dia. No período de janeiro a outubro de 2004, por exemplo,
9.304 pessoas procuraram o Plantão Social. Destes, 2.962 receberam algum tipo de auxílio e
6.342 foram encaminhados a outros serviços da SEMTAS e/ou outros órgãos públicos, ONGs etc.
Não há qualquer registro dos atendimentos no plantão social da SEMTAS nos anos anteriores.
97
As ações: Apoio à Pessoa Idosa; Projeto Cidadão do Amanhã; Dinamização dos Clubes de
Mães; Atendimento a Gestantes e Nutrizes; Programa de Sopa Comunitária e Combate à
Desnutrição, são executadas pela ATIVA.
208
Além das ações descritas neste quadro, ocorreram também as
denominadas
de
“Desenvolvimento
Comunitário”,
que
consistiram
em
atendimentos técnico-jurídico e de apoio logístico a organizações comunitárias98 e
em trabalho junto a 31 grupos de jovens na área de produção cultural, esporte e
lazer.
De um modo geral, as ações desenvolvidas atingem quase 100 mil
pessoas nos Serviços de Atenção Continuada – SAC99 e em programas e projetos
específicos, parte deles de iniciativa do município. O número de pessoas
atendidas é ainda muito pequeno em relação à demanda real por assistência
social existente na cidade. É preciso lembrar, por exemplo, que os indigentes de
Natal somam 209.675 pessoas, segundo dados do Censo Demográfico do IBGE
de 2000 e que a Natal dos pobres, nos termos de Mardone França (2004)
corresponde a 50% da população total que é de mais de 700 mil habitantes.
O Quadro 9 apresentado anteriormente revela que as ações de
assistência social na Cidade não têm sofrido problemas de continuidade. Mesmo
aquelas que não integram os chamados Serviços de Ação Continuada (rede SAC)
têm uma presença relativamente contínua ao longo do período analisado.
Contudo os serviços da chamada rede SAC, o BPC e o Bolsa Família concentram
o maior número de usuários (55,80%). O restante, são usuários atendidos em
ações de iniciativa do Município. Algumas destas, dificilmente podem ser
compreendidas na concepção de assistência social proposta pela LOAS, dado o
caráter assistencialista e/ou de atenção precária com que são implementadas. É o
caso, por exemplo, das ações executadas pela ATIVA, como a Sopa Comunitária,
a Dinamização dos Clubes de Mães, o trabalho junto aos Grupos de Idosos (este,
integrante da rede SAC).
98
O Relatório de Gestão de 1998 (NATAL..., 1998b) registra o atendimento a 138 organizações
comunitárias. Dados de 2002 divulgados pela Secretaria Especial de Meio Ambiente e Urbanismo
- SEMURB (NATAL..., 2003) informam a existência de 365 organizações comunitárias em Natal
incluindo aí Associações, Centros e Conselhos Comunitários, Clubes de Mães e Grupos de
Idosos. A região da cidade que concentra o maior número destas organizações é a Norte, com
152; seguida pela região Leste, com 79 organizações.
99
A partir de 2004, pelo Decreto n.º 5085 de 19.05.2004, estes serviços, inicialmente reduzidos as
ações herdadas da LBA e voltadas para o atendimento a crianças em creche e adolescentes,
idosos e portadores de deficiência, tiveram uma nova definição. Em seu Artigo 1º o Decreto
afirma: “São consideradas ações continuadas de assistência social aquelas financiadas pelo
Fundo Nacional de Assistência Social que visem ao atendimento periódico e sucessivo à família, à
criança, ao adolescente, à pessoa idosa e à portadora de deficiência, bem como as relacionadas
com os programas de Erradicação do Trabalho Infantil, da Juventude e de Combate à Violência
contra Crianças e Adolescentes.”
209
Assim como observa Boschetti (2003b, p. 88), para o nível nacional, no
nível municipal os segmentos privilegiados são crianças e adolescentes, pessoas
idosas e pessoas portadoras de deficiência e uma parcela minoritária de jovens.
No caso dos jovens, a população de Natal na faixa etária de 10 a 29 anos no
Censo Demográfico do IBGE de 2000, era de 281.701 pessoas. As ações
voltadas para este segmento atingem 2.877 pessoas. Além disso, limitam-se a
minorar a situação dos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade.
Com exceção do Programa Agente Jovem, não há ações capazes prevenir riscos
e de oferecer resposta às necessidades juvenis, no sentido de melhoria da sua
qualidade de vida e da sua inclusão social e política, nos processos decisórios da
política de assistência social.
A análise feita por Duarte (2004, p. 9-12), dos gastos com assistência
social, no contexto do Orçamento Geral da Prefeitura Municipal de Natal para o
ano de 2004 revela que estes chegam a 3,65% do total das despesas da
Prefeitura. Conforme o autor, o orçamento da SEMTAS representa 3,78% do
orçamento total do Poder Executivo e 4,25%¨do orçamento da Administração
Direta. Percentual bem inferior ao de outras políticas públicas, como a saúde
(37,06%) e a educação (18,39%).
O autor lembra ainda que, em termos absolutos, o orçamento programado
para a secretaria, em 2004 foi de R$ 21.643.000,00. Neste montante, o Fundo
Municipal de Assistência Social – FUMAS foi responsável por 79,63%, tendo sido
também a única unidade orçamentária da Secretaria a contar com recursos
oriundos de fontes não pertencentes ao Tesouro Municipal. O Fundo Municipal de
Desenvolvimento Econômico, responsável pelos recursos das ações do Programa
SER participou neste montante com 6,94%. O restante, segundo Duarte, foi
distribuído entre o Gabinete do Secretário (11,84%), o Conselho Municipal dos
Direitos das Mulheres e das Minorias (1,47%) e o Fundo Municipal de Promoção
dos Direitos da Criança e do Adolescente (0,12%) (DUARTE, 2004, p. 12). No
quadro a seguir, é apresentada uma síntese do financiamento das principais
ações de assistência social desenvolvidas pelas SEMTAS.
210
AÇÕES
1. Programa de Atenção à Criança de 0 a 6 anos –
Creche
2. Atenção integral à criança e ao adolescente em regime
de abrigo – Casas de Passagem
3. Programa de Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência
4. Apoio à pessoa idosa – Conviver/Asilar/Domiciliar
5. Agente Jovem para o Desenvolvimento
Humano/Centros de Juventude
6. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e
Núcleos de Ação Social
7. Combate ao abuso e exploração sexual – Projeto
Sentinela/Casa Nova Infância
8. Programa de Atenção Integral à Família - PAIF
9. Projeto “Aprendendo na praça”
10. SOS Idoso, Plantão Social e Construindo a Cidadania
junto a terceira idade
11. Canteiros da cidadania – abordagem em canteiros
12. Programa Artesanato
13. Programa SER – todas as ações: qualificação
profissional, agências do cidadão, parceria do
emprego, fomento ao cooperativismo.100
14. Apoio a ações assistenciais
Total
GASTOS EM R$
União
Município
1.373.351,00 1.216.443,86
113.226,00
158.488,44
514.643,92
231.924,81
358.223,24
6.000,00
6.305,00
19.863,21
587.338,46
424.102,39
103.200,00
50.203,48
57.300,00
20.329,00
37.750,00
146.443,00
54.209,00
10.522,00
418.406,28
4.200.000,00
3.339.207,43 4.829.580,28
Quadro 10 - Demonstrativo de gastos com recursos da união e do município no período de janeiro
a outubro de 2004101
Fonte: SEMTAS - Relatório de Gestão de 2004 (NATAL..., 2004).
O Quadro 10 não oferece uma visão do financiamento das ações da
SEMTAS como um todo, mas das ações de assistência social constantes no
plano municipal no período analisado e que estiveram em funcionamento em
2004. Os valores apresentados permitem observar a preponderância do Município
no financiamento das ações da área, visto que os recursos investidos são
superiores aos recebidos da União. Contudo, o maior volume de recursos
oriundos do tesouro municipal recai sob uma ação denominada “apoio a ações
assistenciais”. Esta, conforme Duarte (2004, p. 23), constitui
100
Em 2004, conforme informações obtidas junto ao DAT – Departamento de Ações para o
trabalho, as ações realizadas incidiram preponderantemente na questão da qualificação
profissional.
101
O quadro apresenta um demonstrativo dos recursos efetivamente gastos em 2004, e não inclui
todas as ações da SEMTAS; o que exigiria, por exemplo, contemplar as atividades voltadas ao
atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica, a construção e melhoria habitacional,
reurbanização de favelas. O quadro privilegia as ações de assistência social constantes no plano
municipal, com uma relativa continuidade e presença no período analisado (1995-2004) e que
foram desenvolvidas em 2004, conforme o relatório de gestão de 2004 (NATAL..., 2004).
211
uma rubrica de transferência de recursos da SEMTAS para a
Associação de Atividades de Valorização Social – ATIVA,
representando uma espécie de ‘terceirização’ das ações da
SEMTAS, na busca por uma maior eficiência e rapidez nas suas
ações cotidianas e de urgência, e para evitar o excesso de
burocratização dos procedimentos (DUARTE, 2004, p. 23).
Talvez essa transferência de recursos possibilite à SEMTAS alguma
flexibilidade administrativa. Contudo, conforme já foi ressaltado neste trabalho, a
presença da ATIVA, na gestão da política de assistência social em Natal, reforça
não só uma gestão paralela e uma sobreposição das ações, mas também tem
sido uma entidade que alimenta o assistencialismo, o clientelismo e o controle de
parcela considerável dos pobres de Natal por aqueles que têm ocupado o
Governo no Município.
O quadro anteriormente exposto mostra ainda que os Programas de
Creches e de Erradicação do Trabalho Infantil são os programas federais, que
recebem maior contrapartida do orçamento municipal. Entre as ações de
execução própria, a prioridade orçamentária recaiu em 2004 sobre o Plantão
Social e o Programa SER.
Outra observação que surge a partir do Quadro 10 é a de que as ações
de assistência social mais consistentes e menos propensas ao assistencialismo
são aquelas definidas no nível federal e implementadas pelo Município. Isto
revela, como já foi ressaltado por Boschetti (2003b, p. 278) o papel ainda muito
centralizador deste nível de governo, na definição das ações; o que fere “o
princípio da descentralização e da autonomia dos poderes locais.”
Entretanto, isto pode revelar também a incapacidade – em decorrência da
própria história de como vem se dando a descentralização e municipalização –
dos municípios, no sentido de exercer um papel mais propositivo na formulação
de serviços, programas e projetos que atendam à realidade local. Diante disso,
acabam se acomodando ao que é proposto pelo nível federal.
Mas, a visão geral apresentada até aqui, em torno da trajetória da
assistência social em Natal, apesar de permitir observar algumas tendências
desta política social na cidade, precisa considerar a visão de alguns sujeitos
diretamente envolvidos com a sua execução: usuários, gestores, técnicos,
coordenadores de programas e serviços, conselheiros. Mesmo sinalizando a
predominância de uma assistência social restrita, com práticas assistencialistas e
212
clientelistas, dividida entre o direito e a “cultura do atraso”, voltada para os mais
vulneráveis, destinada a apenas minimizar os efeitos perversos da política
econômica, concentradora de renda e riqueza, o que pode ser apreendido a partir
da visão dos sujeitos diretamente envolvidos com ela, quanto à sua contribuição
na formação, ou não, de uma cultura de direitos neste campo de política pública?
É uma questão que se busca responder no capítulo a seguir.
213
CAPÍTULO 5
ASSISTÊNCIA SOCIAL EM NATAL: UMA POLÍTICA SOCIAL ENTRE O
DIREITO E A “CULTURA DO ATRASO”
A existência de uma cultura de direitos em determinada sociedade é
insuficiente para a construção e consolidação de direitos. Mas, é uma contribuição
importante nesta direção. No campo da assistência social, o predomínio de
práticas que afirmem direitos sobre as que os negam e sobre práticas do que
está-se denominando de “cultura do atraso” pode ser um passo importante em
direção à sua afirmação como política pública.
O direito, de um modo geral e em qualquer área de política pública, é algo
muitas vezes conquistado legalmente, mas de difícil presença no cotidiano da
vida daqueles aos quais se destina. No campo da assistência social, a efetivação
de direitos tem como instrumento fundamental a LOAS, a partir da qual vem-se
construindo um sistema descentralizado e participativo de decisão e controle
social que, conforme Sposati (2004b, p. 40) “é particularidade brasileira para a
gestão da assistência social.”
Dentro do conjunto das determinações da LOAS e do que tem sido
formulado para a gestão desta política, observa-se a existência de alguns
elementos que, dependendo da direção tomada, da perspectiva adotada, podem,
se não conformar uma cultura de direitos, mas, neutralizar o avanço ou a
reprodução da “cultura do atraso”. Estes seriam:
a. a concepção e conteúdo de assistência social presente nos
instrumentos que orientam a ação (legislação, planos, programas,
projetos) e entre os sujeitos diretamente envolvidos com esta política
(gestores, técnicos, conselheiros, usuários);
214
b. a participação popular e o controle social;
c. de quem é a primazia na condução da política no município;
d. a percepção dos usuários sobre os serviços;
e. a qualidade dos serviços oferecidos;
f. se a política de assistência social é uma referência para os usuários
frente às suas necessidades sociais;
g. como é a organização e a gestão da política.
Além do que já foi exposto até aqui, a pesquisa procurou apreender as
práticas e a compreensão de gestores, usuários, conselheiros e técnicos,
coordenadores de programas da política de assistência social em Natal, em torno
destes elementos. O resultado não pode ser visto como uma palavra final sobre o
assunto,
mas
acrescenta
novos
elementos
ao
complexo
processo
de
implementação da assistência social no nível local, sobretudo, em cidades nas
quais
predomina,
no
campo
dos
movimentos
populares,
organizações
comunitárias atreladas ao Estado e com práticas que reforçam o clientelismo e a
troca de favores.102
5.1 A Concepção de assistência social entre os sujeitos envolvidos
Compreende-se a assistência social na direção proposta pela LOAS: uma
política social que, orientando-se por padrões de universalidade e justiça, e não
de focalização, devolva a dignidade, a autonomia e a liberdade a pessoas que se
encontram em situações de exclusão e abra possibilidades para que estas
adquiram condições de existir enquanto cidadãs(os). Neste sentido ela pode ser
102
Esta constatação, contudo, não significa negar a presença de movimentos populares
autônomos e com práticas libertárias, de resistência ao status quo em Natal. A Cidade possui um
forte movimento sindical, com destaque para categorias como educadores, petroleiros, bancários,
servidores públicos federais, comerciários, rodoviários, hoteleiros, vigilantes, entre outros. No
âmbito do movimento popular, merecem destaque os movimentos juvenis diversos e de lutas de
grupos específicos como negros, homossexuais, mulheres; além do movimento de direitos
humanos etc. No movimento de bairro, no entanto, apesar da presença de grupos de oposição
comunitária em alguns bairros e de movimentos espontâneos em torno de problemáticas
específicas de um bairro ou localidade, predominam as organizações (Conselhos Comunitários,
Grupos de Idosos, Clubes de Mães) que privilegiam a relação de favor e de amizade com
lideranças políticas (vereadores, deputados e com o executivo municipal), assim como o bom
trânsito nas instituições públicas, como forma de conseguir o atendimento às necessidades
coletivas.
215
uma política social que contribui para a inclusão social103 e para a incorporação
de uma cultura de direitos pela sociedade civil. A presente reflexão opta por este
caminho da inclusão social e recusa a idéia de que o horizonte possível, na ordem
burguesa atual, seja a adoção de políticas sociais que resultem em padrões
aceitáveis de pobreza.
Esta compreensão de assistência social, apesar de presente nos
documentos oficiais, nos discursos dos gestores e na maioria dos instrumentos de
formulação desta política, em Natal, não é a predominante entre os sujeitos
envolvidos com ela, entrevistados nesta pesquisa (gestores, usuários, técnicos,
conselheiros). Assim, por exemplo, um exame do Plano Municipal de Assistência
Social de 1998 permite perceber nele a proposta de uma política de assistência
coerente com o que determina a LOAS.
Neste sentido, o referido plano adota, por exemplo, os princípios e
diretrizes estabelecidos pela legislação da política de assistência social, bem
como pela legislação das políticas relacionadas à assistência, como: a do idoso, a
da criança e do adolescente e a dos portadores de deficiência. Neste sentido,
aparece no plano, o compromisso com a qualidade dos serviços, programas e
projetos, compromisso com a ampliação da rede e com o desenvolvimento de
ações voltadas para a criança e o adolescente, o idoso, a pessoa com deficiência,
a família e os grupos excluídos ou em processo de vulnerabilidade econômica e
social. Contudo, questiona-se: qual a concepção de assistência social assumida
pelos sujeitos envolvidos na implementação desta política pública em Natal? Em
que medida, a concepção de assistência social explicitada no Plano se efetiva no
cotidiano da execução desta política?
Um dos sujeitos com papel fundamental na realização da assistência
social na perspectiva do direito, são os gestores. Para tanto, é preciso que
compreendam a assistência social na perspectiva definida na LOAS e tenham
103
A noção de “inclusão social” tem estado muito presente nas formulações da esquerda, acerca
das políticas sociais. Contudo, há muitas imprecisões no sentido de qualificar do que se trata. Uma
contribuição importante neste sentido, até o presente, é a da professora Aldaíza Sposati, na
Pesquisa “O Mapa da Exclusão/Inclusão Social na cidade de São Paulo”. Conforme a autora, a
pesquisa partiu de quatro grandes campos ou utopias para construir a idéia de inclusão:
autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano e eqüidade. A noção de inclusão social
no referido estudo, parte de uma concepção de máximos sociais para configurar o que seria o
conjunto de necessidades gerais de um incluído (Sposati, 1997, p. 31). A afirmação, neste
trabalho, de que a política de assistência social pode contribuir para a inclusão social, adota esta
concepção formulada por Aldaíza Sposati.
216
vontade política para fazer rupturas: recusar a assistência social como “governo
paralelo da pobreza” e com as formas discriminatórias na relação com os
usuários; romper com as práticas do favor e do clientelismo, com a baixa
qualidade dos serviços; e se comprometer com a implantação de uma política de
assistência social voltada para a recuperação do papel do Estado enquanto
regulador, provedor, financiador e gestor de serviços sócio-assistenciais.
Natal não tem contado com gestores da assistência social com este perfil.
Desde o início da municipalização desta política pública passaram pela SEMTAS
seis gestores, conforme o quadro a seguir:
SECRETÁRIO (A)
Zélia Maria de Medeiros Tinoco
Márcia Faria Maia Mendes
Professor Onilson Rodrigues de Oliveira
Vivaldo Costa
Márcia Faria Maia Mendes
Maria das Graças Fernandes Mota
Andréa Ramalho Pereira de Araújo Alves
PERÍODO DE GESTÃO
1995-1997
JAN 1997 a ABR 1998
ABR 1998 a ABR 1999
ABR 1999 a JUL 1999
JUL 1999 a MAR 2001
MAR 2001 a JAN 2003
JAN 2003 aos dias atuais
Quadro 11 – Secretários(as) Municipais de Assistência Social em Natal no período 1995-2004
Fonte: Atas das reuniões do CMAS (CONSELHO..., 2004) Relatórios de Gestão da SEMTAS
(NATAL..., 1995d; 1998b; 2000b; 2001a; 2002b; 2004a)
Apesar da relativa rotatividade de secretários, visualizada numa primeira
observação, e que poderia sinalizar para problemas de descontinuidade das
ações, isto, contudo, não ocorreu. Uma das razões é a permanência do mesmo
grupo político no poder. Além disso, um dos secretários(as) do período analisado
esteve à frente desta secretaria de 1997 até 2001: Márcia Faria Maia Mendes.
Apesar de ter permanecido no cargo em dois momentos diferentes durante este
período, foi quem nele esteve por mais tempo: 2 anos e 11 meses. Os demais
secretários(as) permaneceram no cargo por menos de 2 anos, com exceção de
Zélia Maria Tinoco, que havia assumido a SEMPS em 1993 e, na realidade
permaneceu no cargo por 4 anos (1993-1997), durante todo o mandato do seu
marido, o Prefeito Aldo Tinoco Filho.
Márcia Maia esteve afastada da SEMTAS apenas em períodos que
antecederam momentos eleitorais, quando foi candidata a Deputada Estadual, ou
217
em momentos em que necessitou assumir por algum tempo o seu mandato no
Legislativo Estadual; inclusive para justificar, junto ao eleitorado, o mandato
recebido e a sua candidatura à reeleição. Nestas ocasiões, a SEMTAS foi
assumida por pessoas do grupo político de Vilma de Faria, com um perfil mais
técnico. A partir de janeiro de 2003, quando Vilma de Faria assumiu o Governo do
Estado, Márcia Maia passou a ser a Secretária Estadual de Trabalho e
Assistência Social. Com o início da administração do Prefeito Carlos Eduardo
Alves (2003), a SEMTAS passou a ser assumida por Andréa Ramalho Alves,
psicóloga e primeira dama.
Para Márcia Maia, a assistência social é uma política pública, um direito
do cidadão:
É uma Política Pública específica, em construção e sua identidade
se faz de modo articulado com outras Políticas Públicas;
é uma Política de proteção social, que se efetiva nos campos da
prevenção e da proteção;
é uma busca de superação de situações onde o usuário ainda é
considerado como ‘assistido’, para situações onde o usuário deve
ser considerado como sujeito de Direitos;
é uma conquista no campo dos Direitos Sociais – Direitos do
Cidadão, dever do Estado104.
Para a gestora atual da assistência social em Natal, Andréa Ramalho, a
assistência social também é compreendida na perspectiva do direito, uma política
cuja principal tarefa é reverter o atual processo de exclusão social, garantindo
mínimos sociais. Contudo afirma a necessidade de que esta política tenha mais
visibilidade,
pois
ainda
carrega
a
marca
do
“primeiro-damismo”,
do
assistencialismo:
Pra mim, assistência social é uma política pública, que eu vejo
com pouca visibilidade. Que poderia ter um alcance maior. Mas,
acho que passa por uma questão cultural do que era a ação social
há alguns anos, como começou com as Santas Casas de
Misericórdia, aquela coisa das primeiras damas, aquela coisa do
assistencialismo, da alienação.... um processo de cristalização na
sociedade e muitas organizações se acomodaram. Então eu
entendo como uma política pública que precisa ter mais
visibilidade, uma política pública com o objetivo principal de
reverter esse processo de exclusão, garantindo essas condições
de cidadania, esses mínimos aí que atendam verdadeiramente a
104
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
218
essa condição de dignidade, para que o cidadão possa ser sujeito
das suas ações e possa ser cidadão no sentido da palavra
cidadão. Eu entendo dessa forma, mas acho que ainda falta muito
trabalho pra chegar a isso105.
Com isso, Andréa Ramalho se coloca rompendo com a tradição do
“primeiro-damismo”
e
todas
as
distorções
que
esta
posição
implicou
historicamente. Para ela, não é a condição de primeira-dama que lhe assegura
um lugar no primeiro escalão da equipe do Prefeito Carlos Eduardo, mas a sua
formação na área das ciências humanas e sua afinidade com as questões
relacionadas ao social e à política de assistência social.
A pesquisa entrevistou também 30 usuários da assistência social em
Natal vinculados a três ações (Programa de Atenção a Idosos/Conviver,
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI e usuários que procuram o
Plantão Social). Entre estes, houve uma parcela significativa, em torno de 30%,
que não souberam ou não quiseram expressar o que entendiam por assistência
social. Outros 30% a identificam com o trabalho desenvolvido por assistentes
sociais: “pessoa que presta uma assistência mesmo, a quem precisar”106; é a
quem recorre em busca de “uma orientação, porque conhece mais e fica mais
fácil pra gente ajudar os outros”107; ou então “[...] assistente social resolve muita
coisa. Até um problema um pouco difícil, mas pelo conhecimento da assistente
social, a pessoa resolve. Eu preciso de muita orientação da assistente social. As
vezes é difícil arranjar as coisas e tendo a assistente social [...].”
108
O assistente
social aparece às vezes como o único caminho para ter acesso a um direito:
“Você tem um direito a isso ou aquilo. Se você falar com A, B ou C não vai
conseguir. Só com a assistente social.”109
Para os demais, a assistência social é relacionada a ajuda, assistir os
necessitados, atender as necessidades. Uma outra entrevistada afirma:
“assistência social é pra esse tipo de coisa não é? Ver a necessidade e ver o que
105
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada em 22 de dezembro de 2004.
106
Senhora Maria José. Coordenadora do Grupo de Idosos, “Encontro de Irmãos”, no bairro
Quintas. Entrevista realizada aos 23 de julho de 2004
107
Senhora Francisca. Coordenadora do Grupo de Idosos, “N. Sra. Da Apresentação”, no
Loteamento Vale Dourado. Entrevista realizada aos 14 de junho de 2004.
108
Maria de Lourdes Silva dos Santos. Usuária do Núcleo de Ação Social da Zona Norte.
Entrevista realizada aos 29 de julho de 2004.
109
Sabrina dos Santos. Usuária da Casa Nova Infância. Entrevista realizada aos 29 de julho de
2004.
219
pode ajudar não é?110 Já para alguns coordenadores de Grupos de Idosos “é
assistir as pessoas necessitadas e dá o máximo que a gente poder dar”;111 ou
ainda, “é assistir àquele que está precisando de alguma coisa. Principalmente
aquele idoso carente [...]. Quando a gente promove a ação cidadão, a gente está
desenvolvendo um trabalho de assistência social.” 112
Os trabalhadores da assistência social são, em tese, os principais aliados
desta política no sentido de torná-la um direito. Sendo os responsáveis por sua
formulação e execução, estas pessoas podem ser também educadoras dos
usuários e da sociedade como um todo, no sentido de construir a assistência
social segundo os princípios e diretrizes da LOAS. Contudo, em Natal, para
42,8% dos coordenadores de programa e técnicos responsáveis pela execução,
entrevistados nesta pesquisa, a noção de assistência social é predominantemente
promoção social ou ajuda social enquanto expressão de uma certa solidariedade
para com os mais carentes. Algumas vezes, isso é dito com todas as letras; em
outras, essa noção de assistência vem dentro de um discurso em defesa da
inclusão social.
Um processo de inclusão que passa necessariamente por um
processo de resgate, de promoção, de qualificação, para gerar a
inclusão e daí autonomia. Eu não concebo a assistência social
como um eterno vir a ser, a você sempre não tendo e você
sempre alimentando aquela pessoa. Eu entendo como você tirar
aquela pessoa do estado em que ela se encontra, alimentá-la,
sustentá-la, dar condições, para que ela seja promovida a um
outro estágio. Então tem uma porta de entrada e uma porta de
saída113.
Quando a gente ouve esse termo a gente pensa logo nas pessoas
mais carentes. Mas na verdade, a assistência social não se
restringe apenas a essa parte da população que é carente, ela
engloba outros aspectos, a questão da cidadania, que muitas
vezes ela não é trabalhada e disso decorre uma série de outros
problemas. Então a gente imagina que seja assim, algo que venha
110
Maria de Jesus. Usuária do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 06 de agosto
de 2004.
111
Senhora Terezinha. Coordenadora do Grupo de Idosos, “Vivendo Feliz na Terceira Idade”, no
bairro de Felipe Camarão. Entrevista realizada aos 15 de junho de 2004.
112
Carlos Magno. Coordenador do Grupo Inaraí. Centro da Cidade. Entrevista concedida aos 30
de agosto de 2004. A “Ação Cidadã” consiste no evento de um dia, promovido pelo Grupo Inaraí,
juntamente com outras organizações que trabalham com idosos tais como: MEIOS, ATIVA, etc. É
realizado uma vez por mês nas dependências do Serviço Social do Transporte – SEST / Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT, reunindo Grupos de Idosos de toda a cidade
para atividades de lazer e prestação de serviços na área da saúde, higiene e limpeza etc.
113
Telma Indhira Caldas Targino. Coordenadora do Programa de Atenção ao Idoso na ATIVA.
Presidente do Conselho Municipal do Idoso. Entrevista realizada aos 25 de maio de 2004.
220
facilitar ou melhorar a qualidade de vida das comunidades mais
carentes, mas, eu acredito que exista uma coisa mais profunda
nesse termo114.
A gente contribuir da melhor forma com essas famílias que vivem
em situação de pobreza para uma melhoria de vida pra elas115.
Os demais (57,2%) apresentam uma concepção de assistência social
como direito do cidadão e como política pública. Mas para alguns, sem muita
profundidade: “é política, pública, de serviços à população. Deveria prestar
serviços de qualidade”;116 ou, sem um conhecimento da LOAS:
Em primeiro lugar é preciso dizer: eu nunca trabalhei nessa área.
Comecei em 2003. A minha maior preocupação era com a
confusão que se faz entre política de assistência social e
assistencialismo. Ainda não domino a LOAS, mas, a idéia que eu
tenho de assistência social é a idéia de uma coisa bem mais
ampla do que hoje se trabalha. É você ter políticas que você
possa fazer com que a população, o povo de uma maneira geral e
de modo especial o mais carente, ele tenha acesso aos serviços
públicos, aos bens que o poder público deve oferecer, não como
uma esmola, mas como um direito117.
Entre os coordenadores de Programas ou de Departamentos que foram
entrevistados, apenas uma coordenadora apresentou um conhecimento mais
consistente da política de assistência social, ressaltando a difícil tarefa de
efetivação de direitos no atendimento às necessidades dos usuários, na própria
forma como a assistência social é compreendida no interior do órgão gestor, na
busca por definir o que é específico da assistência social:
Eu compreendo a assistência social como um direito. Mas, isso é
uma visão que a gente está tentando implementar agora.
Historicamente ela foi vista como favor, como benesse, como
dádiva. Isso é muito comum. As pessoas chegam aqui pedindo
pelo amor de Deus, se humilhando muitas vezes. Quando a gente
inicia um trabalho de orientação eles ficam até surpresos. Acham
114
Lucila Dantas. Coordenadora do Núcleo de Ação Social da Estação do Futuro, no bairro de
Cidade da Esperança. Entrevista realizada aos 07 de julho de 2004.
115
Cleide Gomes Barbosa. Assistente Social, coordenadora do NAS Maruim. Entrevista realizada
aos 12 de julho de 2004.
116
Andréa Cavalcante. Assistente Social do Departamento de Assistência Social – DAS e do
Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 04 de agosto de 2004.
117
Sandro Sergio Trigueiro da Costa. Teólogo. Coordenador do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil. Entrevista realizada aos 01 de junho de 2004.
221
que a gente vai fazer um favor. Nunca o usuário chega aqui
solicitando algo enquanto um direito.
Na questão do idoso por exemplo, ele é discriminado, ele tem
direito ao BPC, mas ele não tem conhecimento do Estatuto do
Idoso, a família não tem conhecimento do Estatuto, não sabe o
que fazer para receber este benefício. Então, aqui no DAS nós
estamos fazendo esse trabalho de orientação. Estamos fazendo
um levantamento de todos os serviços existentes na cidade de
Natal. Não só na SEMTAS, mas todos os serviços existentes que
possa atender a esse público que procura o DAS [...].
Entre os conselheiros do CMAS, a realidade não é diferente. Foram
entrevistados três conselheiros da sociedade civil: duas assistentes sociais,
representantes de entidades de usuários vinculadas à rede de prestadores de
assistência social; e uma conselheira, efetivamente usuária e representante de
uma organização de usuários no CMAS. Para todas, a idéia principal é a de ajuda
aos mais carentes. Mas ressaltam a importância da qualidade dos serviços e da
eficácia das ações, no sentido de produzir mudanças na vida dos usuários:
Você fala assim como... a gente aqui na casa a gente trabalha
muito isso. Tem uma entrega de cesta básica que a gente faz
mensal. E aí a gente vai só entregar por entregar? Não. A gente
entrega estas cestas porque entende que não adianta essas
crianças virem pra cá, comer do bom e do melhor e quando
chegam em casa não têm o que comer. Então a gente faz um
trabalho educativo com essas mães, faz oficina. A gente aproveita
esse espaço da entrega para fazer isso. A gente também tem o
projeto vida que destina-se a visitar a família e ver o que precisa
ser trabalhado naquela casa118.
Para mim é prestação de serviços a comunidade, principalmente a
comunidade mais carente. Prestar um serviço de qualidade,
eficiente e eficaz119.
Eu acho que o programa de desenvolvimento da assistência é
quando você oferece alguma coisa que você tem um retorno.... é
aquilo, se aquele programa for oferecido você vê se realmente a
ação que foi desenvolvida ele gerou algum fruto. Não sei se você
está me entendo... Eu chego na sociedade dos cegos. Eu ofereço
uma ação pra qualificar aquelas pessoas numa determinada
profissão. Quando eu termino, eu tenho capacidade de medir se
aquelas pessoas realmente cresceram, tanto individualmente,
como profissionalmente, como também.....então eu acho que
118
Telma Maria do Nascimento. Assistente Social da Casa de Apoio à Criança com Câncer.
Conselheira do CMAS (2002-2004). Entrevista realizada a 01 de julho de 2004.
119
Concília Maria Araújo de Brito. Assistente Social. Diretora do Centro SUVAG. Conselheira do
CMAS (2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
222
houve assistência se você pode medir o resultado, seja no
intelectual, no profissional.120
Assim, assistência social como política pública de seguridade social e
direito do cidadão parece algo muito mais do campo do discurso e de
documentos, e pouco conhecida, assumida e defendida por gestores, técnicos,
usuários, conselheiros pesquisados. Ainda é muito presente na noção de
assistência
dos
sujeitos
pesquisados,
a
assistência
enquanto
ajuda,
benevolência, solidariedade da sociedade ou do Estado para com os
necessitados, um pronto socorro social.
A este respeito, o Relatório de Gestão de 2004 (NATAL..., 2004a) e o
Relatório da Oficina de Planejamento Estratégico da SEMTAS (NATAL..., 2005)
ressaltam como uma das dificuldades encontradas na gestão da assistência
social a “imprecisão na concepção de assistência social” e o desconhecimento,
por parte dos técnicos, das políticas públicas de um modo geral e da política de
assistência social em particular, quanto aos aspectos técnicos, administrativos e
de apoio.
Diante disso, conforme Falcão (1989, p. 123), o risco de continuar sendo
“prato cheio ao casuísmo e fisiologismo político” não é pequeno. Ao mesmo
tempo, tal forma de concebê-la a mantêm-na como uma política “opaca, sem
visibilidade, sem identidade, sem direção clara, germinando e proliferando uma
caótica rede de instituições públicas produtoras de assistência e serviço social
que se apresentam marginais.”
5.2 Democratização da gestão, participação popular e controle social
Desde os anos de 1990, estes temas têm ocupado o debate em torno das
políticas públicas no Brasil; e, de modo particular, na assistência social. Contudo,
se para os movimentos sociais e para o conjunto das forças democráticopopulares, eles podem significar o rompimento com uma tradição marcada por
decisões centralizadas no nível federal e por uma completa ausência de controle
120
Ivoneide Damasceno Ribeiro. Sociedade dos Cegos do RN (SOCERN). Conselheira do CMAS
(2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
223
popular sobre as ações do poder público; para os dominantes, podem ter outro
significado: servir a implementação de políticas de corte neoliberal e de
construção do chamado “Estado mínimo” e referendo para práticas autoritárias,
clientelistas, fisiologistas etc.
Diante disso, considera-se que uma gestão participativa depende, em
grande parte, da vontade política do executivo e do projeto político dos que
ocupam o governo. Em administrações democrático-populares, a democratização
do poder normalmente integra o projeto político do governante. Se no município
existe uma tradição organizativa da sociedade civil, sobretudo, com movimentos
sociais populares fortes, com organização de fóruns de debate em torno dos
problemas que afetam a população e organizações não-governamentais
movimentalistas e comprometidas com os movimentos populares, a construção
de uma gestão participativa que aponte para uma nova relação Estado/Sociedade
resulta da articulação entre a vontade política do governante com a dinâmica
organizativa da sociedade civil; tendo, portanto, maiores possibilidades de se
realizar.
Entretanto, levando em conta a cultura política autoritária e as práticas
clientelistas e fisiológicas, que sempre marcaram as relações entre os ocupantes
do poder com parcela considerável da sociedade no Brasil, tais experiências
ainda são algo extraordinário no conjunto dos municípios brasileiros. Isto exige
que governantes abertos à participação popular sejam incentivadores da
mobilização da sociedade. Neste sentido, configura-se aquilo que Soares (1996,
p. 36) denomina de “participação induzida”.121
Uma das diretrizes da LOAS quanto à organização da política de
assistência social é a “participação da população, por meio de organizações
representantivas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos
os níveis” (Art. 5º/II) (BRASIL..., 2004a). Na organização e na gestão do sistema
descentralizado e participativo de assistência social, a referida lei cria instâncias
121
A expressão “participação induzida”, é utilizada por Arlindo Soares para caracterizar os
processos participativos que possuem um caráter pedagógico e que, neste sentido, permitem uma
efetiva participação da população nas decisões de políticas públicas. Tratando da experiência de
orçamento participativo por exemplo, ele ressalta que esta “não implica a existência de uma ampla
participação em todas as cidades, nem mesmo um processo alimentado por uma cultura
associativa forte. Significa, fundamentalmente, um apelo pedagógico para a organização da
população, como também um direcionamento para balizar e pressionar o funcionamento da
máquina administrativa. Neste sentido, o processo é ao mesmo tempo pedagógico e instrumental
para a população e para a administração” (SOARES, 1996, p. 268).
224
deliberativas, de caráter permanente e composição paritária entre governo e
sociedade civil, que são os conselhos. Concretamente, os instrumentos
fundamentais da participação da população na formulação da política são os
conselhos e as conferências em todos os níveis de governo. Esta última ocorre a
cada dois anos e tem o papel de avaliar a política e propor diretrizes para o seu
aperfeiçoamento.
Conselhos e conferências fazem parte atualmente do cotidiano da
organização e da gestão de muitas políticas públicas e estão presentes em pelo
menos duas, das três políticas que constituem a seguridade social: na saúde e na
assistência social. Na Previdência, não se conseguiu, até hoje, construir os
mesmos espaços de participação e de controle social.
No atual processo de descentralização e municipalização das políticas
sociais públicas no Brasil, a existência do Conselho aparece como uma das
condições para que os municípios recebam recursos dos governos federal ou
estadual. Desta forma, uma parcela considerável de municípios do país, tem
criado Conselhos Municipais. Destacam-se neste sentido, os que são criados no
âmbito daquelas políticas públicas nas quais se registram maiores avanços em
termos de leis complementares, em decorrência da mobilização da sociedade
civil, ocorrida nestas áreas. São os casos da saúde, da assistência social, da
criança e adolescente.
Entretanto, a renovação legal e institucional no processo de formulação e
implementação de políticas públicas, não tem sido acompanhada pela renovação
das práticas políticas e da efetiva democratização da gestão. Por outro lado,
constata-se a existência de uma sociedade civil pouco mobilizada, na qual nem
mesmo os setores organizados parecem reconhecer a importância dos Conselhos
enquanto mecanismo de controle social.
No âmbito da assistência social, essa questão parece muito presente.
Romper com a “cultura do atraso” e construir uma cultura da participação, do
direito e do controle social, ainda é algo que não se efetivou. Isto supõe
consolidar uma esfera pública que, conforme Raichelis (1998, p. 40-41), possui
elementos constitutivos sem os quais ela não existe: visibilidade social, controle
social, representação de interesses coletivos, democratização e cultura pública.
Para tanto, é preciso que as diferentes forças presentes na gestão da
política, sobretudo, a sociedade civil, os usuários, se expressem e lhes sejam
225
oferecidas condições para este fim. Isso implica o conhecimento e a capacidade
técnica e política dos sujeitos para tomar decisões; o acesso à informação sobre
recursos; o planejamento das ações; e a capacidade decisória dos organismos de
controle social. Ao lado disso, é preciso contar com a vontade política do
governante para implementar as decisões tomadas nos espaços de controle
social.
A pesquisa procurou identificar como se apresenta em Natal, a questão
da democratização da gestão, da participação popular e do controle social, na
política de assistência social, a partir de entrevistas com conselheiros, gestores,
técnicos e coordenadores de programas e com usuários, sobre o funcionamento
do CMAS, o envolvimento destes no processo de formulação da política e a
relação do órgão gestor com o CMAS122.
O CMAS começou a funcionar em outubro de 1995. É um conselho que,
teoricamente, funciona: realiza reuniões mensais, o que pode ser comprovado na
consulta às suas atas; possui uma certa estrutura física e técnica de
funcionamento
(uma
sala
no
interior
da
SEMTAS,
duas
funcionárias,
computadores ligados à Internet; apoio do órgão gestor na questão de transporte
para deslocamento de conselheiros quando há necessidade; acesso controlado,
com reduzida cota de cópias junto ao setor de reprografia do órgão gestor).
Mas é um Conselho que trava com a SEMTAS uma luta de anos, pela
definição de recursos para o seu funcionamento, dentro do orçamento da
secretaria. Em 2004, o Conselho conseguiu incluir isso no orçamento, mas
conforme o relato a seguir o recurso não havia sido disponibilizado.123 Com
freqüência, há, por exemplo, dificuldades de seus membros em participar de
eventos nacionais ou regionais, pela inexistência de recursos do Conselho. Tais
dificuldades são explicitadas no seguinte relato:
Teve o orçamento de 30 mil que não veio. Sinceramente eu não
ouvi dizer que chegou. Mas, como ele funciona dentro da
SEMTAS, tem computador, telefone, tem toda uma organização,
os carros são da SEMTAS, a gente precisando tem o carro. Essa
assistência dentro do conselho não falta. Mas, por exemplo, teve
um encontro em Fortaleza. Não tinha como, uma pessoa que não
fosse da ATIVA ou da SEMTAS participar, não podia ter diárias e
122
Contribui também nesta análise a experiência da pesquisadora como conselheira do CMASNatal, no período entre 2000-2001 e como pesquisadora do tema em OLIVEIRA (1999).
123
Dados da execução orçamentária da SEMTAS em 2004 informam a existência de R$ 9.000,00
destinados ao CMAS, recurso este que não foi utilizado.
226
passagens porque não era funcionário e o conselho não tinha
recurso pra mandar. A sociedade civil só foi porque o pessoal da
SEMTAS, como funcionário, pagou. Uma das coisas que a gente
pediu foi isso. [...] a gente já pediu cópia antecipada de todo e
qualquer projeto que for discutido. Se a xerox tiver boa tudo bem,
se não, só vem uma cópia, a gente reclama e fica por isso
mesmo. Tem documento que a gente pede uma modificação,
quando ele volta pra gente e não foi modificado, a gente não vota,
a gente manda retirar da pauta124.
Algumas das dificuldades apontadas pelos conselheiros entrevistados, e
que dificultam um melhor desempenho destes, no exercício do seu papel é a
ausência de capacitação e a falta de acesso a documentos, sobretudo, quando da
análise de orçamentos e de prestação de contas. Isto nem sempre é algo
tranqüilo numa administração pouco aberta à democratização da gestão,
conforme explicita o depoimento a seguir:
A maior dificuldade foi a análise do orçamento. Vem tudo
codificado, você precisa ter acesso aos documentos
comprobatórios e isso muitas vezes não é entendido quando você
solicita. Eu acho. O que eu digo a você é o seguinte: eu pego uma
prestação de contas que diz o seguinte: esse dinheiro aqui foi
gasto no PETI [Programa de Erradicação do Trabalho Infantil], aí
vem aqueles códigos: tanto pra isso, tanto para aquilo, só que eu
não sei se realmente aquilo existe. Pra mim analisar uma
prestação de contas eu tenho que acompanhar..... deveria ter uma
comissão de acompanhamento dos programas, pra quando
chegar a prestação de contas você ter mais ou menos uma
visão125.
Um dos aspectos fundamentais no exercício do controle social é a
participação do Conselho na definição da aplicação dos recursos, sobretudo, por
meio do acompanhamento do Fundo Municipal de Assistência Social - FUMAS.
Observa-se que em Natal, o FUMAS cumpre as condições básicas para a
municipalização: há conta bancária específica; há um setor dentro do órgão
gestor responsável pela gerência do Fundo; e uma vez por ano é encaminhado
para aprovação pelo CMAS o plano de aplicação dos recursos e a rede de
assistência social.
124
Ivoneide Damasceno Ribeiro. Sociedade dos Cegos do RN (SOCERN). Conselheira do CMAS
(2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
125
Idem.
227
Estes
procedimentos,
apesar
da
sua
importância,
são
medidas
operacionais, burocráticas e condicionantes legais da gestão municipal, dentro do
sistema
descentralizado
e
participativo.
Mas
estes
procedimentos
são
insuficientes para configurar uma efetiva participação do CMAS na definição da
aplicação dos recursos da assistência social no município. Além disso, na forma
como historicamente isto tem sido feito, incidindo quase que exclusivamente
sobre os recursos recebidos do Governo Federal, constitui muito mais um
referendo do CMAS às decisões do órgão gestor.
Na realidade, conforme Boschetti (2003a, p. 109), a análise e aprovação
das contas públicas, que é uma prerrogativa dos Conselhos, assegurada pela
LOAS, não vem ocorrendo na maioria dos Estados e Municípios. Segundo a
autora,
[...] este é um dos elos mais frágeis do sistema descentralizado e
participativo, pois constatamos que o órgão gestor não atende a
estas diretrizes e, ao não fazê-lo também não está reconhecendo
o Conselho como instância deliberativa. Na prática, isto indica que
os Conselhos não vêm tendo participação efetiva naquilo que é
determinante na implantação da política: a definição de recursos.
O conselho é constituído por 08 representantes governamentais, sendo
06 do governo municipal e 02 de órgãos do governo federal (UFRN e INSS) e 08
representantes da sociedade civil com a seguinte composição: 03 usuários, 03
representantes de organizações de assistência social, 01 representante dos
trabalhadores da área da assistência social e 01 representante de entidades ou
organização de defesa da assistência social.
Dentro desta composição, a representação que possui maior clareza
acerca do papel do Conselho, maior capacidade técnica e política de intervenção
e mais condições de analisar criticamente a documentação que chega ao
Conselho, tem sido a representação dos trabalhadores da área da assistência
social, principalmente quando esta representação é realizada pelo CRESS – 14ª
região, a representação da UFRN e a do INSS. Em alguns mandatos é possível
ter uma representação de usuários e de entidades da rede com uma intervenção
mais qualitativa e mais comprometida com os princípios e diretrizes da LOAS.
Conforme a Lei 4.657 de 26 de julho de 1995 as competências do CMAS-Natal
são:
228
I – definir as prioridades da Política de Assistência Social;
II – estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboração
do Plano Municipal de Assistência Social;
III – aprovar a Política Municipal de Assistência Social
IV – atuar na formulação de estratégias e controle da formulação
da Política Municipal de Assistência Social
V – propor critérios para a programação, para as execuções
financeiras e orçamentárias do Fundo Municipal de Assistência
Social, e fiscalizar a movimentação e a aplicação dos recursos.
VI – elaborar o seu regimento interno;
VII – acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços de assistência
social prestados à população pelos órgãos, entidades públicas e
privadas do Município;
VIII – definir critérios de qualidade para o funcionamento dos
serviços de Assistência Social públicos e privados no âmbito
municipal;
IX – definir critérios para a celebração de contratos de convênios
entre o setor público e as entidades privadas que prestam
serviços de Assistência Social no âmbito municipal;
XI – apreciar previamente os contratos e convênios referidos no
inciso anterior;
XII – zelar pela efetivação do sistema descentralizado e
participativo de Assistência Social;
XIII – aprovar projetos de Combate à Fome e a Pobreza
encaminhados pelo prefeito municipal no âmbito do Programa
Comunidade Solidária;
XIV – convocar, ordinariamente a cada 2 (dois) anos, ou
extraordinariamente, por maioria absoluta de seus membros, a
Conferência Municipal de Assistência Social, e propor diretrizes
para o aperfeiçoamento do sistema;
XV - acompanhar e avaliar a gestão dos recursos, bem como os
ganhos sociais e desempenho dos programas e projetos
aprovados (NATAL..., 1995a).
Além destas competências definidas na lei de criação, o regimento interno
define ainda um conjunto de competências relacionadas, sobretudo, a uma
atribuição legal, mas também burocrática, que são específicas dos conselhos de
assistência social. É o caso do fornecimento de atestado de registro e
funcionamento a entidades de assistência social (assim como o cancelamento
destes, no caso de irregularidades). Trata ainda da regulamentação e do
acompanhamento da concessão dos benefícios eventuais; da apreciação e
aprovação da proposta orçamentária anual e procedimentos de repasse de
recursos para as entidades e organizações de assistência social; e da
regulamentação e concessão dos benefícios eventuais.
O procedimento adotado pelo CMAS para desempenhar a atribuição de
conceder atestado de registro e funcionamento a entidades de assistência social
229
é o parecer com base em visitas às instituições. O que é uma prática
recomendável, e nem sempre realizada pela maioria dos conselhos (municipal ou
estadual) no país, como mostrou a pesquisa nacional realizada no processo
preparatório da IV Conferência, ocorrida em 2003 (BOSCHETTI, 2003a, 171).
O relato de uma conselheira entrevistada revela que a visita às entidades
é uma tarefa freqüentemente assumida por conselheiros da sociedade civil. “[...] E
também é o conselheiro da sociedade civil o que mais participa. Desde as
reuniões, as visitas, porque os conselheiros do governo muitas vezes não
participam nem das reuniões. [...] A participação do governo é mínima.”126 Mesmo
assim, a comissão de cadastro é uma das que melhor atua e onde o Conselho
vem cumprindo o seu papel. Com isso, tem conseguido evitar o uso de recursos
públicos por instituições cuja prática não atenda aos princípios e diretrizes da
assistência social como política pública e direito social. Outros relatos reafirmam
essa constatação:
Tem uma escola aí que disse que fazia um trabalho que quando
foram atrás da creche ela era mantida pela prefeitura, professores
da prefeitura, tudo era da prefeitura. Nessa questão o conselho
tem que ser firme. Até não dá a renovação da inscrição e
assegurar um tempo para eles se corrigirem, se adequarem127.
Eu já fui da comissão de cadastro e já fui da análise da prestação
de contas. Quem recebe um recurso e desenvolva alguma ação é
obrigação de todo mundo aplicar corretamente. Porque eu vejo
tantas entidades que precisam e não recebem aquele dinheiro e
outras que precisam mas não usam como deveria usar.... é só
isso que eu vejo. Isso a gente identificou e a gente chamou a
entidade e fez ver que aquilo que ela estava apresentando
naquela prestação de contas não é uma ação social e ela preferiu
devolver o recurso.128
[...] o ano passado, eu fui visitar uma instituição lá em Nova Natal.
Quando cheguei lá me deparei com politicagem. Eu não dei
parecer favorável de jeito nenhum. Neguei na hora! O conselho
tem conseguido negar inscrição de instituições que fazem
politicagem. [...] Se a gente pudesse visitar todas as instituições
cadastradas para verificar o funcionamento seria uma coisa
maravilhosa. Mas não consegue fazer isso. No máximo visita as
instituições que estão renovando o cadastro129.
126
Concília Maria Araújo de Brito. Assistente Social. Diretora do Centro SUVAG. Conselheira do
CMAS (2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
127
Idem.
128
Ivoneide Damasceno Ribeiro. Sociedade dos Cegos do RN (SOCERN). Conselheira do CMAS
(2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
129
Telma Maria do Nascimento. Assistente Social da Casa de Apoio à Criança com Câncer.
Conselheira do CMAS (2002-2004). Entrevista realizada em 01 de julho de 2004
230
Contudo, com uma composição majoritariamente favorável aos interesses
do executivo municipal, o protagonismo do Conselho tem acontecido apenas em
questões e momentos pontuais, como por exemplo: na discussão do primeiro
plano municipal de assistência social; na organização da 2ª Conferência Municipal
(1997), período no qual o Conselho foi presidido por uma representante do
CRESS-14ª Região; na busca da qualidade dos serviços, ao discutir a renovação
de cadastro e atestado de funcionamento de organizações de entidades da rede
de assistência social, conforme explicitado anteriormente; e no ato de exigir o
acesso à prestação de contas, conforme o relato de uma entrevistada:
Então hoje já estão colocando as prestações de contas e a
maioria dos conselheiros [...] mas você sabe que tem aqueles que
só querem puxar o saco não é? Outros que se acomodam, [...]
mas hoje a gente já vê que existem discussões e existem
momentos que o conselheiro diz está errado, minha função não é
essa de dizer amém, é cobrar mesmo dentro da função do
conselho.... eu até concordo em chamar o tribunal de contas,
porque a função do conselheiro não é dizer amém.130
Ao observar-se as competências garantidas na Lei de criação do CMAS e
o seu cotidiano, verifica-se uma distância significativa entre o proposto e o real. O
papel de definir as prioridades da política de assistência, por exemplo, jamais
passou pelo Conselho. Em termos do plano municipal de assistência social e dos
programas e projetos implementados, o Conselho tem tido oportunidade de
posicionar-se a partir de propostas que lhes chegam, muitas vezes, sem tempo
suficiente para uma apreciação e um debate qualitativo e, na maioria das vezes,
com argumentos e pressão de prazos sempre a vencer de imediato. E, neste
caso, o gestor com freqüência pressiona o Conselho utilizando o argumento de
que se este não aprovar tal projeto, tal relatório, o município perderá o recurso, os
usuários deixarão de ser atendidos etc.
O processo de elaboração do plano pode ser um momento fecundo na
definição da concepção e do conteúdo da política de assistência social municipal,
no fortalecimento da participação popular e do controle social, mas pode também
ser algo que ocorre de forma tecnocrática e burocrática, envolvendo apenas
alguns técnicos do órgão gestor, sem o necessário envolvimento do Conselho
130
Concília Maria Araújo de Brito. Assistente Social. Diretora do Centro SUVAG. Conselheira do
CMAS (2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
231
neste processo. A pesquisa coordenada por Boschetti (2003a, p. 32-33) revela
que, em âmbito nacional, a maioria dos conselhos municipais participa da
elaboração dos planos. Mas, o estudo revela também a existência de elementos
que desqualificam o processo de elaboração dos planos, tais como:
a falta de profissionais qualificados, a contratação de consultorias
que desconhecem a realidade local e/ou não a respeitam ao
reproduzirem o mesmo plano para diversos municípios; a falta de
diagnóstico social; desarticulação entre o planejamento e o
orçamento previsto para as ações de assistência social;
compreensão do plano como apenas um critério para o repasse
de recursos da esfera federal para as esferas locais, tornando-o
uma peça fictícia; elaboração exclusiva pelo órgão gestor;
imposição dos indicadores dos CEAS [Conselhos Estaduais de
Assistência Social] na elaboração do Plano Municipal,
desrespeitando a autonomia da esfera municipal (BOSCHETTI,
2003a, p.35).
A elaboração dos Planos Municipais de Assistência Social em Natal tem
sido um processo predominantemente técnico, burocrático e em cumprimento às
formalidades da inserção do Município no sistema descentralizado. A exceção
deve ser feita apenas ao Plano aprovado pelo Conselho, em 1998 (que teve um
processo mínimo de discussão no CMAS, antes da sua versão final chegar ao
Conselho para aprovação) e ao processo de elaboração de um novo plano que a
SEMTAS vem encaminhando em 2005.
Além da pouca participação ativa no planejamento das ações, a avaliação
da política e a existência de estudos e debates acerca da realidade do Município
é algo completamente ausente da dinâmica do Conselho. Estas questões, aliás,
são condição para a existência de avaliações qualitativas da política de
assistência social e para a análise de planos e projetos com os quais o conselho
se depara no cotidiano da gestão.
Outro aspecto importante é o acompanhamento e o controle da qualidade
dos serviços. Nesta questão, há uma completa ausência do Conselho na
fiscalização e no acompanhamento das ações governamentais, porque “a gente
vota aqueles projetos, os programas, mas, acompanhar de perto está faltando.”131
No caso das entidades não-governamentais, conforme o relato anterior de uma
131
Ivoneide Damasceno Ribeiro. Sociedade dos Cegos do RN (SOCERN). Conselheira do CMAS
(2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
232
conselheira, este é um procedimento que acaba sendo feito apenas no processo
de visita para renovação de cadastro e de atestado de funcionamento das
entidades da Rede de Prestadores de Serviços de Assistência Social, o que cada
entidade precisa fazer a cada três anos.
Este é um trabalho que o Conselho faz, inclusive, com qualidade. Há, por
exemplo, resoluções do CMAS que orientam e regulamentam essa atividade,
assim como instrumentos produzidos pelo Conselho para a produção de relatórios
e a elaboração de parecer com base nas visitas realizadas. Importa lembrar
também que as entidades não-governamentais integrantes da Rede são visitadas
periodicamente pela equipe da Gerência Operacional da Descentralização da
Assistência Social – GO, a quem compete o monitoramento.
O Conselho tem acesso aos relatórios da GODAS. Contudo, conforme a
atual secretária, o trabalho do órgão gestor acontece com dificuldades, sobretudo
pela falta de pessoal e de capacitação destes:
A GODAS faz um monitoramento. Só que a GODAS precisa de
mais pessoal, o que passa pela questão orçamentária. Porque,
para fazer essa avaliação, para estar sempre monitorando, a
gente precisa de pessoal capacitado. Alguma coisa tem sido feita
com relação a essa questão, mas é uma questão que nós
estamos estudando. Acho que é fundamental a questão da
capacitação dos servidores. Precisa melhorar.132
Em termos da convocação e organização das conferências municipais,
apenas na segunda Conferência o Conselho teve um papel mais ativo, com os
seus membros, sobretudo os da sociedade civil, os trabalhadores da área e
representantes da UFRN e do INSS, integrando a coordenação geral e
participando ativamente de todo o processo. Nas demais, o Conselho apenas
cumpriu a formalidade de convocar a Conferência. A organização destas,
entretanto, foi do órgão gestor. Os membros do Conselho, sobretudo os da
sociedade civil, apenas participaram. É o que relatam por exemplo, as
conselheiras entrevistadas sobre a última conferência ocorrida em 2003:
“Conferência?... sim! eu participei. Foi lá num hotel, na Via Costeira”133; “o
132
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
133
Telma Maria do Nascimento. Assistente Social da Casa de Apoio à Criança com Câncer.
Conselheira do CMAS (2002-2004). Entrevista realizada a 01 de julho de 2004.
233
conselho participou, nós fomos pra lá, mas a organização foi do pessoal da
SEMTAS mesmo.”134
Considerando que as conferências são momentos fortes de avaliação da
política e definição de novas diretrizes para a sua condução, além de momento
privilegiado para o envolvimento dos usuários com o debate e as definições desta
política no Município, observa-se que a hegemonia deste processo em Natal não
tem sido do CMAS, mas do órgão gestor e de organizações vinculadas às forças
no poder, como: ATIVA e MEIOS e a uma concepção atrasada de assistência
social.
A relação entre a SEMTAS e o CMAS é considerada boa, tanto para os
conselheiros quanto para os gestores. É o que afirma por exemplo a atual
secretária, Andréa Ramalho. Destaca-se que, durante 10 anos, o órgão gestor
disputou a presidência do Conselho. Em 2004, ela não quis ser candidata a
presidente, por questionar o fato de presidir um organismo que tinha o papel de
controlar as ações do órgão gestor que ela estava à frente:
A relação da SEMTAS com o conselho é uma relação muito boa,
mas acredito que como toda relação precisa melhorar, precisa de
mudanças... mas, as mudanças elas têm que acontecer de forma
gradativa. Porque você sabe, tudo o que acontece rápido demais,
cai rápido demais. A gestora sempre foi a presidente do conselho.
Eu optei por não continuar. Eu questionava como é que eu
presidia um conselho e o conselho tem o papel de controlar as
ações do órgão municipal que executa a política. Só que, olhe que
coisa interessante, a gente deixou o conselho esse ano, mas as
coisas não estão acontecendo como aconteciam antes. Não é
interessante? Os próprios conselheiros, a gente sente eles
precisam de uma capacitação. É proposta de acontecer em 2005.
[...] É importante que os conselheiros saibam porque que eles
estão ali. Acho que é legal também a troca, a mudança, outras
pessoas entrarem, acho que isso é muito bom.
Já para Márcia Maia, a relação do órgão gestor com o CMAS, relação
esta que ela vê como uma parceria, foi sempre de respeito:
Existiu uma relação de respeito na definição dos papéis Governo/
Sociedade Civil, sem que houvesse nenhuma relação de
subordinação/ subserviência, sobretudo, na condução do
processo de eleição para a escolha das Instituições da Sociedade
134
Ivoneide Damasceno Ribeiro. Sociedade dos Cegos do RN (SOCERN). Conselheira do CMAS
(2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
234
Civil que teriam assento no CMAS, assim como quando da eleição
da Presidência e Vice-Presidência do Conselho. Os limites entre a
esfera Governamental e da Sociedade Civil, foram sempre
preservados.
[...] O desempenho se deu de forma crescente até porque, o
controle como um processo político-pedagógico se constrói no
cotidiano, com avanços, recuos, equívocos e acertos, inclusive foi
através de uma parceria, altamente responsável Secretaria
Municipal/ CMAS, foi possível descredenciar algumas Instituições
do PPD [Programa de Atenção ao Portador de Deficiência] que
não cumpriram o objetivo pactuado, quando do convênio
Instituição/ SEMTAS/ Governo Federal, processo este,
desenvolvido com muita ética e profissionalismo, fortalecendo
assim, os papéis do Órgão Gestor Municipal da Assistência e
CMAS, refletindo positivamente diante das Instituições
Prestadoras de Serviços, Fórum Municipal de Assistência e de
outras Instituições e atores desse campo.
Assim, decorridos quase 10 anos, é possível afirmar que o CMAS-Natal
tem sido muito mais um espaço de referendo das iniciativas do Poder Municipal
do que verdadeiramente um espaço de exercício do controle social. As grandes
decisões da política municipal de assistência social ainda não passam por este
Conselho. Isto é o que se pode concluir a partir da consulta às suas atas, da
entrevista a conselheiros, da consulta a trabalhos que analisam Conselhos
municipais em Natal e da experiência como conselheira no referido CMAS.
5.3 A Primazia da responsabilidade do Estado
Um passo fundamental para consolidar a assistência social como direito
social é a efetivação, conforme a LOAS, da “primazia da responsabilidade do
Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.”
Este princípio deve se realizar de modo articulado aos demais, que são a
“descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo” (Artigo 5º,
inciso I da LOAS) (BRASIL..., 2004a) e “participação da população, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das
ações em todos os níveis” (Artigo 5º, inciso II da LOAS) (BRASIL..., 2004a).
Conforme Boschetti (2003, p. 79),
235
O status de direito social atribuído à assistência, lhe confere
assim, obrigatoriedade governamental na implementação, amparo
legal para sua reclamação pelo cidadão, responsabilidade política
dos representantes públicos na sua consolidação e ampliação, e
possibilidade do usuário reconhecer-se como cidadão portador de
direitos.
A diretriz da descentralização indica as responsabilidades de cada uma
das esferas de governo e estabelece uma hierarquia entre estas. No que diz
respeito aos municípios e ao Distrito Federal, a LOAS, em seu Artigo 15 definiu as
seguintes competências:
I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos
auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidas
pelos Conselhos Municipais de Assistência Social;
II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral;
III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a
parceria com organizações da sociedade civil;
IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência;
V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23 desta lei
(BRASIL..., 2004a).
Assim,
a
LOAS
exige
que
o
Estado
assuma
a
primazia
da
responsabilidade em cada esfera de governo, na condução da política de
assistência social. Isto significa, conforme Boschetti (2003a, p. 22), “assumir o
aparelho estatal como local primordial de condução da política e ainda
estabelecer claramente formas de acompanhamento, monitoramento, supervisão
e controle das ações assumidas por entidades assistenciais.”
No caso de Natal, este monitoramento, pelo menos em tese, é feito pelo
órgão gestor por meio da GODAS (Gerência Operacional da Descentralização da
Assistência Social), a quem compete entre outras ações: recepção e análise de
documentos, atualização do cadastro das entidades da Rede, orientações e
análises dos planos de atendimento; elaboração dos termos de convênios;
formalização
de
processos
de
convênios
para
pagamento;
capacitação
continuada da rede de assistência social; realização de visitas para avaliação dos
serviços executados pelas entidades; elaboração de pareceres técnicos para
habilitação das entidades a receberem recursos do FUMAS.
No que diz respeito a relação da SEMTAS com as entidades da Rede, os
conselheiros destacam algumas dificuldades: a ausência de capacitação
236
continuada; atraso no repasse dos recursos do FUMAS para as entidades, além
da ausência de quadros técnicos capacitados:
O problema da rede é que quem está dentro não sai quem está
fora não entra. É uma das coisas negativas que eu vejo é isso. Às
vezes as entidades passam 2, 3 meses sem receber135.
Tem instituições que são do tempo da LBA, mas tem instituição lá
que entrou agora que não sabe nem o que é a LOAS. Não tem um
encontro para orientar..... e os técnicos estão mudando sempre
sabe? Por exemplo, no dia que eu cheguei para uma reunião com
o Tribunal de Contas da União para avaliar a parte da pessoa
portadora de deficiência, a única pessoa que entendia de
assistência social era eu, e tinha um monte de técnico lá, que
tinha entrado há 2, 3 meses, que apenas estão fazendo a fatura, o
relatório de atendimento sem entender nada! E eu tive a felicidade
e a secretaria também de todas as perguntas serem relacionadas
ao portador de deficiência e por acaso eu fui convidada como
conselheira e os técnicos se calaram. E eu estava lá como
conselheira. Na gestão anterior havia uma porção de gente que
vinha da LBA136.
Andréa Ramalho reconhece que na relação do órgão gestor com a rede
há muito a ser feito. Muitas entidades prestam um serviço de forma
assistencialista e são resistentes a mudanças, em virtude do enraizamento das
práticas assistencialistas ao longo da história desta política pública na Cidade. A
saída para a entrevistada reside no trabalho educativo junto às pessoas que
fazem as entidades conveniadas:
[...] Mas, com a Rede, acho que a gente tem uma relação boa. Eu
acho que falta, professora, é essa questão da capacitação, essa
consciência do que é ser entidade conveniada, a questão da
cultura, o que é a política de assistência. A gente percebe... que
trabalho, que ação, qual o significado do trabalho delas ao longo...
Porque é uma rede histórica... trabalham há muito tempo. Em
algumas, você percebe que o trabalho é um trabalho
assistencialista, mas isso é uma mudança gradativa e a gente
entende que vai passar principalmente pela capacitação desses
gestores quanto a própria política e ao papel deles com rede
conveniada, contribuindo também para implementar essa política.
Às vezes mudam as pessoas que participam do conselho, aí vem
outra pessoa, mas a outra tem a mesma filosofia. Até muda a
pessoa, mas vem com a mesma cultura que foi construída. Acho
135
Ivoneide Damasceno Ribeiro. Sociedade dos Cegos do RN (SOCERN). Conselheira do CMAS
(2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004.
136
Concília Maria Araújo de Brito. Assistente Social. Diretora do Centro SUVAG. Conselheira do
CMAS (2002-2004). Entrevista realizada aos 06 de julho de 2004
237
que foi muito tempo, sabe professora, de acomodação. O tempo
de acomodação é muito grande. Então assim, as coisas, os
sentimentos das pessoas, as próprias ações, elas se cristalizam.
Até você quebrar tudo isso, sofre. Porque é gente, é humano. E
tem gente que é igual aquela música ‘todo dia ela faz tudo sempre
igual...’ então, pra você mudar aquela dinâmica não é fácil. Tem
que ter um agente externo.... mas também tem que ter uma coisa
naquele humano que abra para aquele agente externo entrar, se
não vai continuar a mesma dinâmica. Tem que ser através da
educação. De uma proposta pedagógica que chame pra reflexão,
que chame pra pensar, pra questionar algumas coisas137.
Atualmente a Rede Conveniada é constituída por 29 entidades, a maioria
filantrópica. A rede é responsável por 54,27% do atendimento feito nos Serviços
de Ação Continuada em Natal os quais reúnem as ações voltadas para a criança
e o adolescente (tanto o atendimento na faixa etária de 0 a 06 anos, em creche,
quanto o que se efetiva em abrigos, este último voltado, sobretudo, para
adolescentes; e ainda os atendidos no PETI e no Agente Jovem); portadores de
deficiência; e idosos (nas modalidades de atendimento integral institucional e em
grupos de convivência). Isso está explicitado no quadro a seguir:
137
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
238
SERVIÇO DE AÇÃO
CONTINUADA
NÚMERO DE
ENTIDADES DA
REDE
09
METAS
REDE SEMTAS
Programa de Atenção à
7.137
5.738
Criança138
(Creche)
Programa de Apoio à
05
1.961
1.000139
Pessoa Idosa/Conviver
Programa de Apoio à
04
264
Pessoa Idosa/Asilar
Programa de Apoio à
24
Pessoa Idosa/Domiciliar
Programa de Apoio à
10
1.352
Pessoa Portadora de
Deficiência
Apoio à Criança e ao
01
06
245
Adolescente
(Abrigo)
Apoio à Criança e ao
50
Adolescente
(Família Acolhedora)
Programa de
2.878
Erradicação do Trabalho
Infantil -PETI
Programa Agente
475
Jovem
TOTAL GERAL
29
10.720
10.410
Quadro 12 – Visão Geral dos Serviços de Ação Continuada141
Fonte: SEMTAS (NATAL..., 2004a)
RECURSOS
SEMTAS/REDE
MÊS
ANO
175.711,10
2.108.533,20
11.992,05
143.904,60
13.128,70
157.544,40
518,88
6.226,56
57.645,28
691.743,36
8.785,00
105.420,00
1.750,00
21.000,00
143.900,00
1.726.800,00140
39.658,34
475.900,00
453.089,35
5.437.072,12
Além das ações explicitadas no quadro anterior ressalta-se que a partir do
segundo semestre de 2004 e, durante 2005 o Município passou a executar o
Programa de Atenção Integral à Família – PAIF, com uma previsão de
atendimento a 1.500 famílias. Ao mesmo tempo, foram instalados 05 (cinco)
Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) distribuídos nos seguintes
bairros da periferia de Natal: Guarapes e Felipe Camarão (na Região Oeste),
Pajuçara, Salinas e favela da África (na Região Norte). Para este programa, hoje
138
Inclui as ações educativas junto a 32 famílias, cujo recurso mês é de R$ 320,00 e 3.840,00
anuais.
139
A SEMTAS transferiu para a ATIVA até recentemente (2005) este atendimento ao idoso.
140
Deste total/ano, R$ 1.381.440,00 corresponde a bolsas do PETI; o restante, R$ 345.360,00 são
recursos destinados à “jornada ampliada”, que é o trabalho educativo realizado com crianças do
PETI em horário oposto ao da escola nos Núcleos de Ação Social (NAS).
141
Em 2005, a partir das novas definições da Política Nacional de Assistência Social e do
processo de construção do SUAS – Sistema Único de Assistência Social, a execução desta
política passou a ser construída a partir da garantia de “seguranças sociais” e da oferta de
recursos, bens, serviços etc, por meio de um sistema de proteção social que distingue três
modalidades de proteção: básica, especial e de alta complexidade; o que implica o
desenvolvimento de ações, serviços etc, de acordo com a realidade de cada município e das
necessidades da população usuária. Isso vem implicando também numa adequação destes
programas às modalidades de atenção definidas na nova Política Nacional de Assistência Social.
239
denominado “Proteção Social Básica à Família”, está previsto, em 2005, o
repasse de recursos no valor de R$ 432.000,00.
Sem considerar as ações do “Programa de Atenção Integral à Família”,
cuja meta é contabilizada por famílias e não por pessoas, é possível afirmar, com
base nos dados do quadro apresentando anteriormente, que o município atendeu,
até 2004, em rede própria, a 45,72% dos usuários dos “Serviços de Ação
Continuada”, o que revela o peso significativo da rede privada filantrópica na
política de assistência social em Natal. Segundo Márcia Maia, durante a sua
gestão, esta rede “limitou-se a cumprir as metas pactuadas com o Ministério [da
Previdência e Assistência Social], com o cuidado de realizar o trabalho com
padrão de qualidade, às vezes com dificuldades devido o valor repassado,
defasado com relação a inflação, atrasos constantes, entre outros.”142
No que diz respeito ao atendimento institucional a idosos (abrigos) e aos
serviços voltados para os portadores de deficiência, não há serviços executados
diretamente pela SEMTAS. A população de portadores de deficiência em Natal é
de 102.793 pessoas, segundo dados do Censo Demográfico 2000, do IBGE. O
número de pessoas atendidas corresponde a 1,31% do total de portadores de
deficiência existentes na Cidade, os quais correspondem a 26,33% da população
portadora de deficiência no RN; um dos cinco estados do país com maior número
de pessoas com deficiência.
O presente estudo não identificou a demanda real desta população por
serviços de assistência social. Contudo, estas aproximações iniciais sinalizam
para uma atenção extremamente reduzida e focalizada, frente às necessidades
dos portadores de deficiência. Além disso, cabe destacar que, em Natal, os
governantes têm feito, até hoje, muito pouco para assegurar a estas pessoas o
direito a participarem ativamente e com dignidade da vida social, econômica,
cultural e política da Cidade. Como acontece em todo o país, as ações nesta área
são concentradas na esfera privada/filantrópica. É neste âmbito que se situa boa
parte da rede de atendimento às pessoas portadoras de deficiência, rede esta
reduzida quase exclusivamente a ações nos campos da saúde, da habilitação e
reabilitação.
142
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
240
Outro grupo de população atendida nas ações continuadas, que chama a
atenção no Quadro 12, anteriormente apresentado, são as ações voltadas para a
criança e o adolescente. Neste grupo, concentra-se o maior número de
atendimentos na rede privada/filantrópica, em torno de 55,43%, o qual se refere,
predominantemente, ao atendimento a crianças na faixa etária de 0 a 06 anos, em
creche.143 Em torno das ações para esta população, Márcia Maia destaca
algumas das principais iniciativas da sua gestão à frente da SEMTAS:
ações de atenção às crianças e adolescentes nas creches,
capacitando/ qualificando os monitores em nível de 3º grau;
construindo/ recuperando/ adaptando os equipamentos para
um atendimento com padrão de qualidade;
trabalho sistematizado com as famílias;
definição de uma proposta sócio-pedagógica para as creches
municipais;
implantação de Casas de Passagens para atendimento às
crianças e adolescentes vítimas de abandono, orfandade,
negligência, maus tratos, etc, com a plena consciência de que
o lugar de criança é na família, se não possível a biológica,
mas a família substituta. A Casa de Passagem foi concebida
como espaço transitório, evitando dentro do possível, a longa
permanência da criança e do adolescente, para não gerar
tutelamento institucional.
no período foi possível através de uma parceria com o CMAS
e Ministério Público, desativar uma Casa Abrigo, quando
foram identificadas que aquelas crianças, todas tinham família.
Após longo processo judicial, as crianças foram reconduzidas
as famílias, com acompanhamento psico-social e os dirigentes
da Instituição, responsabilizados na forma da lei (grifo da
entrevistada). 144
Outra ação destacada pela ex-Secretária foi a implantação de dois
Núcleos de Ação Social – NAS; um no bairro de Cidade Nova; e outro na Zona
Norte, no Conjunto Panatis145. Posteriormente, com o PETI, outros núcleos foram
criados nas demais Regiões Administrativas da Cidade para atender à jornada
143
A cidade possui 102 creches. Destas 53 são creches públicas, o restante, 49, são filantrópicas,
constituem unidades executoras de entidades que integram a rede de assistência social.
144
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
145
Ao serem implantados, estes Núcleos foram apresentados como espaços destinados a
desenvolver ações “nos campos de esporte, lazer, produção cultural, reforço escolar, assistência
social, psicológica e jurídica, em um trabalho de complementaridade entre família, escola e
comunidade” (NATAL..., 1998b).
241
ampliada do PETI. Contudo, o Núcleo de Cidade Nova continuou sendo o mais
importante e bem estruturado, instalado, segundo ela, “quando da retirada de
centenas de crianças e adolescentes do lixão, recebendo inclusive destaque pelo
UNICEF, no que se refere à iniciativa da Prefeitura como serviço significativo na
proteção à infância.”146
Atualmente, o Núcleo de Cidade Nova atende 420 crianças com
atividades de reforço escolar e outras oficinas; além daquelas voltadas a
recuperar nas crianças antes submetidas a trabalhos no lixão, a capacidade de
“ser criança”, conforme uma das assistentes sociais do Núcleo:
Aqui a gente está com 420, só que nem todas são do PETI. Como
eu lhe disse, no começo tinha o Tributo a Criança. Quando o PETI
veio pra Natal, algumas famílias não quiseram ser transferidas
para o PETI. Porque seria mais vantagem, em termos de benefício
social ficar no Tributo a Criança. Os filhos, no tributo ela recebia
R$ 50,00 e no PETI ela passaria a receber apenas 40,00. Então
ela disse: não, eu prefiro ficar no Tributo a Criança. Nesse caso a
gente tem 12 famílias do Tributo a Criança que também fazem
parte do Núcleo.
As atividades que a gente oferece, a principal que a gente chama
é o reforço escolar. Porque quando a gente inaugurou aqui a
gente tinha uma deficiência muito grande de escola,
principalmente porque muitos nem iam pra escola, era o tempo
todo trabalhando mesmo. Então a gente tem o reforço escolar
diário, que a criança já tem agendado os dias de ir para o reforço,
mas conforme as necessidades ela pode ir outros dias. Aí a gente
tem oficinas culturais de dança, teatro, capoeira, canto e coral e
recreações jovens. A gente tem uma “casa da brincadeira” aí tem
sinuca, tem a “casa da boneca”, porque muitas crianças não
tinham essa oportunidade e tem o salão de jogos, onde a gente
trabalha com jogos de concentração, dama, jogos de montagem.
Além disso a gente tem o acompanhamento nutricional que é uma
refeição que é servida diariamente147.
O sucesso do Núcleo de Ação Social de Cidade Nova, no entanto, não
pode ser atribuído ao resultado do investimento da SEMTAS e da Prefeitura de
Natal nesta questão. Na verdade, o Núcleo foi montado com uma estrutura
mínima e, a partir daí a equipe teve que “se virar” para garantir o atendimento às
crianças. Muitos equipamentos necessários ao trabalho resultam de doação de
pessoas e empresas a partir da mobilização/articulação feita pela equipe da casa.
146
Deputada Estadual Márcia Faria Maia Mendes, ex-Secretária Municipal de Assistência Social.
Resposta por escrito ao roteiro de entrevista da presente pesquisa. Natal, dezembro de 2004.
147
Ivanise Laurentino da Silva. Assistente Social do Núcleo de Ação Social de Cidade Nova.
Entrevista realizada aos 09 de julho de 2004.
242
Após muitas idas e vindas, sem sucesso, à sede da SEMTAS, em busca
dos equipamentos e material pedagógico necessários ao trabalho do Núcleo, esta
equipe, que parece apaixonada pelo seu trabalho, percebendo que as condições
de trabalho não viriam pelo investimento da SEMTAS, passou a fazer campanhas
junto a pessoas, empresas etc para adquirir material e equipamentos. Segundo a
assistente social,
[...] a gente tem sempre que ir atrás de parceiro pra conseguir
realmente desenvolver o trabalho. A gente vai em busca de
amigos, empresas, comerciantes, conhecidos pra conseguir isso
aí. Vindo mesmo do próprio programa a gente não tem. Até a
gente sente falta. Em termos de material didático, esse ano
principalmente está difícil, porque não veio, não veio fardamento,
tudo isso a gente está batalhando fora, porque não foi oferecido.
Os jogos e brinquedos são todos doações. Nenhum veio da
secretaria. Tudo que há na casa da brincadeira foi conseguido
através de doação, os livros da biblioteca... Isso se dá com
pessoas que vêm e se sensibilizam com a casa e oferece, está
entendendo? Porque é assim: montou a casa e a gente que está
na base é que vai ter que ralar para conseguir as coisas, ta
entendendo? Em termos da equipe, a equipe sente muito a
carência de informação, de treinamento... e esse treinamento a
gente faz, o Serviço Social faz, além do trabalho de
acompanhamento às famílias e às crianças, a gente busca
também estar qualificando. Mensalmente a gente pára um dia
para capacitação. É a gente mesmo aqui da casa que vai atrás de
algum profissional para discutir uma temática com os profissionais
da casa. É uma instituição que vem gratuitamente também. Mas
da secretaria não vem nada não148.
Com este trabalho, a equipe consegue oferecer um serviço que tem o
reconhecimento da comunidade:
Pra todo mundo da comunidade é um sonho entrar aqui. Até o
pessoal estranha, acha que a gente não é órgão público, pelo
diferencial do trabalho pedagógico, a organização da casa... o
pessoal estranha. [...], teria que ter outra unidade dessa para
atender mais 400 crianças. Mas, como a gente trabalha com um
perfil que é de usuários do PETI, então uma criança mesmo tendo
carência de recursos, mas que não desenvolva nenhum tipo de
trabalho, não se adequa ao programa. Então a gente não atende.
Tenta encaminhar para outros programas que possam vir a
atender. Mas, aqui por exemplo, no Serviço Social, o usuário da
148
Ivanise Laurentino da Silva. Assistente Social do Núcleo de Ação Social de Cidade Nova.
Entrevista realizada aos 09 de julho de 2004. Importante lembrar que a maioria dos funcionários
da equipe técnica deste Núcleo tem contrato de trabalho temporário e precário. As assistentes
sociais (duas) por exemplo, recebiam no momento da entrevista, apenas uma bolsa no valor de
pouco mais de R$ 500,00, fato que já dura 5 anos.
243
gente não se limita somente a casa. A gente acaba sendo o
assistente social da comunidade hoje. Todo mundo da
comunidade, é vizinho de uma mãe daqui, está com um
problema? Elas mandam vá falar com a assistente social do
Núcleo! Aí vem pra cá e conforme seja a gente encaminha149.
Mas, é importante ressaltar que este Núcleo de Ação Social de Cidade
Nova, na verdade, funcionou durante toda a gestão de Vilma de Faria como uma
vitrine, para mostrar o trabalho do Município junto às crianças que foram retiradas
do “lixão” no bairro de
Cidade Nova, Zona Oeste de Natal. Sendo vitrine, a
qualidade do espaço físico e do serviço oferecido neste núcleo não foi estendida
aos demais. Estes enfrentam inúmeros problemas, tais como: equipes sem
formação técnica para o desenvolvimento das atividades; falta de espaço físico;
distância do local de moradia das crianças, exigindo destas longas caminhadas a
pé para freqüentar a jornada ampliada; prédios insalubres; núcleos instalados em
espaços físicos já superlotados com atividades de outros programas, conforme o
relato de algumas coordenadoras:
[...] a falta de infra-estrutura é a primeira dificuldade que a gente
enfrenta. Às vezes falta uma bola. A gente tem essa quadra aí,
enquanto estivermos aqui... Essa estrutura, esse prédio é grande,
mas ele é subdividido em vários programas. Ele abriga aqui várias
atividades. Então a gente tem muita dificuldade na questão da
infra-estrutura. Depende de muita coisa para que a reivindicação
seja atendida. Na verdade a gente tem trabalhado com bastante
dificuldade. Material escolar, não tem sido suficiente. Aí a gente
busca parceria. Até os próprios professores vão buscando. Tem a
questão da criatividade que aqui funciona muito bem, a equipe
aqui é bem comprometida. Esse painel aí é com uma caixa de
papelão.... a gente não tem uma estante. A gente montou um
minibiblioteca. Mas não tem uma estante. Aí veio a idéia de fazer
com cano. Aí estou pedindo que tragam um “T”, “um joelho”....
Então tem sido dessa forma, porque a gente não tem muito
recurso150.
A grande dificuldade é a falta de material didático e pedagógico
para as oficinas. A alimentação é ótima, nós servimos três
refeições, nunca falta, em boa quantidade. Não temos
computadores. Este que temos aqui foi uma doação do Banco do
Brasil para o Centro Social. Nada vem da SEMTAS. As
instalações são totalmente precárias. A sala de aula é muito
precária. As carteiras são emprestadas, eles não têm nem
149
Ivanise Laurentino da Silva. Assistente Social do Núcleo de Ação Social de Cidade Nova.
Entrevista realizada aos 09 de julho de 2004.
150
Lucila Dantas. Coordenadora do Núcleo de Ação Social da Estação do Futuro – Cidade da
Esperança. Entrevista realizada aos 07 de julho de 2004.
244
mandam. Isso é assim há 5 anos, tem 5 anos que eu estou aqui.
Esse computador foi para atender o Centro Social que beneficia o
PETI, mas não recebemos nada da SEMTAS. O centro social
cedeu o espaço para o PETI funcionar. Por exemplo, a quarta
feira aqui não tem atividade do projeto. Quarta feira é do idoso,
eles estão aqui para fazer as atividades deles. Todos os grupos
da comunidade têm esse espaço como referência. Também são
151
esses grupos que mantêm o centro social .
Ainda a respeito dos serviços de ação continuada, destaca-se que todas
as ações com idosos, dentro da modalidade “Conviver”, foram sempre executadas
pela ATIVA, que, conforme a Subcoordenadora do programa na entidade, atende
a 2.830 idosos em 65 grupos, distribuídos nas quatro Regiões Administrativas.
Para ela, este atendimento não é feito de forma ideal, sobretudo, pelo fato do
Governo Federal manter há 10 anos o mesmo valor dos recursos repassados:
Esse programa se ele fosse bem mais estruturado ele se
desenvolvia mais. Por quê? Porque faz 10 anos que o governo
federal não aumenta a per capita desse programa. Faz 10 anos
que é R$ 4,05 por idoso. Há 10 anos. Aí, quando nos eventos, nos
seminários, nos encontros, nas conferências nacionais de
assistência social, que eu já participei de todas elas, quando
questiona esse valor, o governo federal pergunta: qual a
contrapartida do município? Essa contrapartida existe e existe de
forma efetiva. Por exemplo: na hora que você repassa R$ 4,05 por
idoso, isso não paga o lanche que a gente faz por mês para ter
essas 4 reuniões. A gente tem técnicos, incluindo a coordenação,
nós temos 23 técnicos, nós temos carro pra ir deixar esse lanche,
nós temos roupa, traje de folclore, a gente tem que comprar louça
(panela, garrafa térmica, pratos, colheres, copos) isso tudo é
contrapartida. Se ele não estipula, tipo: eu dou R$ 4,05. Não, o
governo municipal dá muito mais do que isso. Só que ele dá na
forma de recursos humanos e recursos materiais. O que você
comprava há 10 anos com R$ 4,05 você não compra mais. E
agente para não deixar cair a qualidade a gente vem cada vez
mais assumindo mais. E tem sido uma reivindicação constante de
todos os municípios, de todas as cidades, o aumento dessa per
capita e existe essa dificuldade do governo federal. Ele não tem
entendido isto. Se você pegar as deliberações de todas as
conferências nacionais vai ter lá: aumento da per capita para
todos os programas.152
151
Kátia Maria Silva Araújo. Pedagoga. Subcoordenadora do Núcleo de Ação Social de Brasília
Teimosa. Entrevista realizada aos 07 de julho de 2004.
152
Telma Indhira Caldas Targino, Subcoordenadora do Programa de Assistência ao Idoso da
ATIVA e atual Presidente do Conselho Municipal do Idoso. Entrevista concedida à autora aos 25
de maio de 2004.
245
Em 1997 houve uma retomada do papel da SEMTAS como órgão gestor.
Contudo, a ATIVA, apesar de ter seu funcionamento em outro prédio e não mais
nas dependências da SEMTAS, continuou com um papel ainda muito privilegiado,
não só dentro da assistência como no próprio Município.153 O volume de recursos
que a SEMTAS repassou para a ATIVA em 2004 representa 86,96% dos gastos
com recursos do Município em assistência social, conforme os dados explicitados
no Quadro 10, no capítulo 4 deste trabalho.
A respeito do papel da ATIVA, na assistência social do Município, e as
mudanças implementadas a partir de 1997, a Subcoordenadora do programa com
Idosos na entidade ressalta:
Em 1994-1996, na gestão Aldo Tinoco, a ATIVA era responsável
pela grande parte das ações de assistência social, inclusive
funcionava no mesmo prédio da SEMTAS. Quando a deputada
Márcia Maia assumiu a secretaria de assistência social, na época
promoção social, que era SEMPS, ela teve a preocupação de
dizer: eu acho que a ATIVA tem que cumprir seu papel de ONG
[organização não-governamental] e a SEMTAS o seu papel de
gestora. Foi quando veio a descentralização da assistência social
e a SEMTAS avocou pra si esse papel. A ATIVA não perdeu com
isso. Ela continuou fazendo seu trabalho. Mas, o protagonismo
tem que ser realmente do Estado e ela trouxe para a SEMTAS
esse papel. Ela transformou a SEMTAS em Secretaria Municipal
de Trabalho e Assistência Social, com a nova concepção da
política que não deveria ser promoção mas de assistência social e
a ATIVA continuou desenvolvendo seus programas, foi buscar
outras parcerias também na iniciativa privada, com as indústrias,
com o comércio e também como parceira constituinte da rede
municipal de assistência ela tem um papel importante porque ela
tem um volume muito grande de usuários. Ela desenvolve 10
programas: ela tem o programa com idoso, criança e adolescente,
com jovem, gestantes, mães, combate à subnutrição, jovem
aprendiz, agora também foi firmado parceria também com o
governo do Estado..... Mas ela tem um papel importante, porque
ela é uma ONG antiga, tem muita credibilidade, que sempre
cumpriu um papel importante na sociedade e tem esse papel de
parceira mesmo da SEMTAS.154
153
Conforme Relatório de Gestão de 2004 (NATAL..., 2004a) e Relatório de Consultoria a
SEMTAS (DUARTE, 2004), os recursos repassados pela SEMTAS a ATIVA em 2004 foram de R$
4.200.000,00.
154
Telma Indhira Caldas Targino, Subcoordenadora do Programa de Assistência ao Idoso da
ATIVA e atual Presidente do Conselho Municipal do Idoso, em entrevista concedida à autora aos
25 de maio de 2004 na sede da ATIVA.
246
Para Andréa Ramalho, atual secretária, a preocupação da sua gestão é
trazer para a SEMTAS o papel que lhe compete na política de assistência social e
fazer da ATIVA uma ONG que funcione e exista como tal.
A ATIVA é uma ONG como você sabe e tem uma relação com a
prefeitura desde a sua fundação. Nosso desejo é cada vez mais a
ATIVA funcionando como uma ONG, indo buscar recursos, indo
se virar, funcionando como ONG mesmo. Com as ações dela,
com os programas. Tem programas maravilhosos. A ATIVA tem
um programa de segurança alimentar excelente, que é o
programa cidadão hoje. E é um programa que foi reformulado, que
vem melhorando. Nosso desejo é que essa simbiose seja cada
vez mais desconstruída. Nesses dois anos...... prova disso é que
vamos trazer as mil metas do idoso, do CONVIVER para a
SEMTAS. Então, volta pra prefeitura. Tem 9 creches que a ATIVA
executa. Tem essa discussão, do que vai pra educação, do que
fica na assistência social. A gente tem essa discussão no país. A
ATIVA não é a única. [...] A gente começa a se apropriar do que é
do município, como é o caso do PPD [Programa de Atenção ao
155
Portador de Deficiência] e do programa com Idoso.
Os dados levantados permitem afirmar que, em relação à efetivação do
princípio da “primazia da responsabilidade do Estado na condução da política” a
assistência social em Natal encontra bastante dificuldades. O cumprimento das
exigências legais necessárias ao processo de municipalização, não avançou no
sentido de ampliar o grau de compromisso público do Município com a efetivação
da assistência social como direito. Para que isso ocorresse seria necessário, por
exemplo, uma melhor regulação das responsabilidades institucionais relativas à
gestão dos serviços sócio-assistenciais efetivados em parceria com as
organizações da rede prestadora de serviços de assistência social em Natal.
5.4 As formas de acesso e a visão sobre os serviços
Uma das formas de reproduzir a assistência social como favor e como
assistencialismo é manter o acesso, de modo a gerar dependência e vínculos
entre quem recebe e quem oferece bens e serviços. Consolidar a assistência
155
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
247
como política pública exige publicizar e universalizar o acesso. Até 2004, a
principal forma de acesso dos usuários aos bens e serviços no “Plantão Social” da
SEMTAS era o bilhete de lideranças políticas (vereador ou liderança comunitária).
Era um espaço, por excelência, do favor. Esta era a realidade deste setor,
conforme relato da atual coordenadora:
Mas, aqui, muitas pessoas que nos procuram além de chegar com
um bilhete de um vereador, de uma liderança, ainda chegava com
o título na mão. Outro dia recebi um telefonema de um vereador
dizendo: olha, vai uma pessoa minha aí e tal. Eu digo: olha, o
senhor pode encaminhar quem o senhor quiser, porque a
SEMTAS está aberta para toda a população. Sua pessoa vai ser
atendida, vai ser orientada. Aí ele falou: mas eu queria que você
liberasse uma cesta básica. Eu digo: ela vai ser atendida. Todos
que nos procuram precisam. Mas nós só temos 100 cestas
básicas/mês. Então a gente define alguns critérios. Por exemplo,
quem está fora de qualquer outro atendimento da rede de
assistência, quem já está ligado ao PETI, Bolsa Renda, Tributo a
Criança, eu não atendo. Porque já estão minimamente inseridos
em algum serviço. Paralelo a isso a gente tem que lutar pela
ampliação de vagas. Nunca pensei na minha vida ter que
selecionar pobreza, mas, a gente tem que ter algum critério.156
A partir de 2004, no segundo ano da gestão do Prefeito Carlos Eduardo
Alves, algumas mudanças foram implementadas na SEMTAS. Uma delas foi a
demissão da liderança política ligada ao grupo “Maia” que ocupava há cerca de 8
anos, a coordenação do Departamento de Assistência Social – DAS,
departamento responsável pelo “Plantão Social”. Em seu lugar foi contratada uma
assistente social, estudiosa da política da assistência social, a qual passou a
adotar medidas no sentido de coibir a prática do favor naquele setor, assim como
a relação clientelista com as organizações comunitárias.
Para o usuário que procura o “Plantão Social”, dentro da demanda
espontânea que chega até este setor, a “necessidade”, a “precisão” é o que lhe
faz vir em busca de uma cesta básica ou qualquer coisa que lhe possibilite
superar as inúmeras carências, conforme o depoimento a seguir:
A precisão que está muito grande. Eu vim ver se consigo uma
cesta básica para os meus filhos. Já hoje eles não foram pra
escola, estou devendo dois meses de aluguel, estou sem
156
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada em 04 de agosto de 2004.
248
condições mesmo [...]. Estou vindo pela primeira vez. Vim porque
157
minha vizinha me informou. Ela veio aqui e conseguiu a cesta .
O plantão social atende, diariamente, a cerca de 40 pessoas; e a mais de
800 pessoas por mês. Destas, a demanda específica por cesta básica é de 500
pessoas/mês. Conforme relato da coordenação, o perfil da população que procura
este serviço é, na sua maioria, residente na Região Norte e Oeste da Cidade,
áreas de maior concentração de pobreza, conforme já ressaltado anteriormente.
Há um predomínio de mulheres, negros e idosos; e dentre estes, muitos
envelhecidos precocemente. “Chegam pessoas aqui que eu penso que são
idosas. Vou falar do Benefício de Prestação Continuada - BPC aí a pessoa diz:
‘não, eu tenho 45 anos’. Então são pessoas envelhecidas precocemente.” 158
Além disso há também uma demanda de pessoas que não são residentes
em Natal, mas nos municípios da Região Metropolitana: “Como a assistência
social em São Gonçalo do Amarante, em Extremoz, não funciona minimamente,
então eles nos procuram para ataúde, para cesta básica, uma série de coisas.” 159
Já foi ressaltado que uma das formas de reforçar o assistencialismo, o
favor e a tutela, é a existência e multiplicação das associações e fundações
assistencialistas, ligadas a vereadores e deputados. Para alguns usuários da
assistência social, no entanto, não adianta ir atrás de político: “tem um político lá
perto que é Adão Eridan, mas não adianta de nada porque é por cara que ele
ajuda. Não é a todo mundo que ele ajuda. Aí não adianta nem a gente ir atrás de
político.” 160
Acerca do uso da SEMTAS e, sobretudo, do espaço do DAS como lugar
das trocas políticas com as lideranças comunitárias, o depoimento da atual
Secretária mostra que romper com tais práticas e com a forma como se deu
historicamente a relação do Município com estas organizações comunitárias, não
tem sito fácil.
A gente tem procurado pautar essa relação de uma forma bem
transparente. A gente tem pontuado a forma que a gente trabalha,
temos dito às lideranças comunitárias que aqui a gente não vai
157
Janete Aquino Silva. Usuária do Plantão Social. Entrevista realizada aos 06 de agosto de 2004.
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 04 de agosto de 2004.
159
Idem.
160
Janete Aquino Silva. Usuária do Plantão Social. Entrevista realizada aos 06 de agosto de 2004.
158
249
construir isso, não vai construir aquilo, que o recurso público é
para investimento em bens públicos. Quando a gente vai para as
comunidades a gente fala... aí a gente procura alternativas juntos
entendeu? Eu tenho procurado muito, como aqui é a secretaria de
trabalho também, eu tenho procurado muito empreender esses
espaços. A gente fez a parceria com o SEBRAE pra trabalhar os
cursos de empreendedorismo que para eles serem entidades
autônomas, independentes. Eu digo muito: isso é esmola minha
gente? Vocês vão viver a vida toda de esmola, pedindo? Vocês
têm que querer ser independente..... a gente vai tentando imprimir
isso. Mas, não é fácil. Não é fácil mesmo, mas a gente não abre
mão. A gente coloca o que é possível fazer dentro da legalidade.
[...]. Agora não querem... muitas reclamam muito. Teve uma
liderança que cuspiu Albanisa. Eles não aceitam, ameaçam, na
época da campanha diziam que eu não era política, que eu não
iria ajudá-los. Tem liderança comunitária que se cruzar comigo
numa rua, passa para o outro lado. A gente fez aqui realmente....
mudou algumas coisas.... tinha que ser! Mudou a forma de
relação, tinha que ser, principalmente no DAS [Departamento de
Assistência Social]. Porque a atuação do DAS antes era uma
atuação com as lideranças comunitárias, com os currais dessas
lideranças e como tudo isso acontecia. Acho que tinha uma coisa
bem eleitoreira, de alguns políticos que criam esses currais, é fácil
para eles se elegerem dessa forma. É uma coisa assim, que
preocupa muito a gente enquanto gestor por entender o
significado do que é estar aqui nesse lugar, do que você vai
deixar, virão os filhos da gente, outras gerações... preocupa muito
a qualidade. O que a gente pode fazer a gente faz, mas a gente
161
não pode ir além desse limite.
Mas a relação de troca entre lideranças políticas e lideranças
comunitárias continua acontecendo, sobretudo, em momentos eleitorais:
Num dia de chuva, na campanha de Márcia [Márcia Maia], lá na
Ribeira, a gente botou [reuniu] 464 pessoas. Chovendo toró! A
gente mostrou que se ela tivesse um trabalho social teria retorno
político. Distribuí senha aqui [no Bairro de Brasília Teimosa],
dizendo: vamos ajudar nossa amiga Márcia! Ah! levaram foi
vizinho, os amigos e tudo! Era coisa planejada pra 150 pessoas.
162
Foi um negócio fantástico!
Se, na sociedade civil organizada, é cada vez mais presente a existência
de sujeitos que “se fazem ver” que “se pronunciam entre o justo e o injusto”, que
“comparecem na cena política como sujeitos portadores de uma palavra que
exige o seu reconhecimento” (TELLES, 1999, p. 180), como é o caso dos Sem
161
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
162
Luiz Antônio. Coordenador do Núcleo de Ação Social de Brasília Teimosa. Entrevista realizada
aos 15 de julho de 2004.
250
Teto, Sem Terra, Negros, Indígenas, Mulheres, e tantos outros grupos que se
organizam, conseguem se expressar e lutar por direitos, no âmbito da assistência
social, os usuários (muitos deles também mulheres, indígenas, sem teto etc) não
só ainda não conseguem comparecer na cena política, como também
desconhecem qualquer informação sobre direitos os já conquistados. Esta é
inclusive uma das constatações cotidianas da atual coordenação do DAS na
SEMTAS:
[...] uma boa parte dos nossos usuários não sabe a que tem
direito. Essa questão do BPC [Benefício de Prestação
Continuada], da aposentadoria. Essa questão de ¼ do salário
mínimo como per capita é um critério absurdo para a concessão
do BPC. Na minha dissertação eu contactei pessoas que
sobreviviam com 0,30 centavos/dia. Isso é miséria absoluta. E
aqui não está distante disso não. Você pega 260,00 e divida isso
por 10 pessoas dentro de casa. Dá R$ 26,00. Se dividir isso por
30 dias! A exclusão da renda é objetiva. Mas, a questão do
conhecimento, da falta de acesso à informação é também muito
séria.163
Para uma das assistentes sociais que trabalham no atendimento do DAS
o que predominou no setor até recentemente foi, efetivamente, assistencialismo.
A idéia predominante no DAS era da assistência social como
ajuda, assistencialismo mesmo. Não havia essa preocupação e
ação que temos hoje de tentar possibilitar o acesso dos usuários a
outros programas e serviços, de encaminhamento, de ouvir o
usuário, elaboração de relatório. Não havia essa prática. Hoje em
dia essa população nos procura pedindo para fazer um cadastro
para ter direito a receber um sacolão [cesta básica]. Porque era só
164
isso que este setor fazia.
No caso do programa com Idoso, a divulgação e o acesso destes à
informação sobre direitos não tem sido uma preocupação do trabalho realizado
junto aos grupos, pela ATIVA. Até mesmo a divulgação dos serviços existentes
como o S.O.S Idoso e o Centro de Referência e Atenção ao Idoso – CRIAI, é feita
de forma deficitária. O acesso dos Grupos de Idosos ao programa é simples:
basta que o grupo esteja em funcionamento, “registra o grupo na ATIVA. A partir
163
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 04 de agosto de 2004.
164
Andréa Cavalcante. Assistente Social do Plantão Social. Entrevista realizada aos 04 de agosto
de 2004.
251
disso, recebe o lanche e o acompanhamento técnico.”
165
Para os grupos esse
acompanhamento, mesmo precário, ineficiente tem uma grande importância.
[...] para muitas lideranças comunitárias, formar um grupo de
idosos dá destaque junto a ATIVA e a SEMTAS, porque são
coordenadores voluntários, geralmente políticos de base.
Normalmente esses grupos têm um político por traz. [...]
Geralmente, um Grupo de Idoso, ele sempre tem um padrinho
político. A maioria. É raro não ter. Tem sempre aquele político que
vem visitar no dia dos pais, no dia das mães, ajuda no presente do
dia das mães....166
Eu fiquei um ano sem ir lá na ATIVA desde que o grupo foi criado.
Doutor Franklin167 também não sabia. Eu pensava que só tinha
direito quem fosse de grupos. Não sabia que grupos de pastoral
tinha direito. Aí a Dra. Márcia [Maia] é uma pessoa muito
conhecida minha. Conheço Vilma [de Faria] de muitos anos. Lá
em Mossoró a gente se conhece de muitos anos. Aí Doutor
Franklin disse Júlia, vamos tentar colocar a pastoral na ATIVA
para ganhar o lanche, ganhar professores.... Nós fomos lá e
conseguimos e aí vieram todos os direitos.168
O acesso ao PETI, em tese, atende aos critérios voltados para as
finalidades deste programa. O seu coordenador, na época da realização da coleta
de dados, contudo, não omitiu o fato de que há uma demanda dos conselhos
comunitários pela inclusão de crianças no programa:
Chega muito pedido de inclusão de crianças por parte dos
conselhos comunitários. Mas, a gente só atende aqui aquelas
crianças que atende aos critérios do PETI: tem que estar
realizando alguma atividade laboral, tem que estar na faixa etária
do PETI etc. Além do que temos que respeitar a lista de espera. A
gente só dá prioridade para dois órgãos: Delegacia Regional do
Trabalho e o Conselho Tutelar. A DRT, eles não fazem a
fiscalização que deveriam fazer porque a quantidade de fiscais é
pequena, pra você ter uma idéia o grupo especial de combate ao
trabalho infantil da DRT tem 3 fiscais pra Natal toda. Quando eles
mandam é porque já pegaram aquela criança na rua exercendo
atividade laboral. Quando chega aqui, mesmo não tendo a vaga, a
gente deixa ele na fila mas com uma prioridade. E o Conselho
tutelar. A gente sempre dá uma prioridade para o Conselho
Tutelar, mas sempre dando uma investigada. Porque no caso do
165
Francisca Laíres Rodrigues de Oliveira. Assistente Social do Programa de Atenção ao Idoso
(ATIVA). Entrevista realizada aos 11 de agosto de 2004.
166
Idem.
167
Refere-se a Franklin Capistrano, médico e vereador pelo PSB em Natal.
168
Júlia Alves da Silva. Coordenadora do Grupo de Pastoral do Idoso da Igreja São Sebastião
(Alecrim). Assessora de Gabinete do Vereador Franklin Capistrano (PSB). Entrevista realizada em
22 de julho de 2004.
252
Conselho Tutelar, muitas vezes é a família quem procura o
Conselho Tutelar para pedir que aquela criança seja inserida no
PETI. O Conselho Tutelar não vai fazer um trabalho investigativo
pra olhar se aquela criança está dentro dos critérios, se a faixa
salarial que ela declarou é aquela mesma... tem casos aqui, que
eu já vi, de gente chegar aqui pra pedir inclusão no PETI que a
gente olha e diz logo: essa pessoa é carente! Fica ali, maltrapilho,
mas acontece que a gente vai à comunidade e encontra a pessoa
super bem da vida. Então, o Conselho Tutelar a gente atende,
agora, a gente dá uma olhada, dá uma verificada pra ver se
aqueles dados são realmente verdadeiros. No caso da DRT a
gente acata porque sabe que aquela criança ela foi abordada no
meio da rua, ou então quando é enviada pelo nosso programa
“Canteiros da Cidadania”.169
Os relatos de alguns usuários confirmam a forma de acesso ressaltada
pela coordenação do programa:
Meu menino vivia na rua e a ronda foi pegou ele. Aí eu fui na
SEMTAS, falei com Sandro e consegui botar ele aqui.170
Eu trabalhava lá em cima, no lixo. Só que na época meu menino
não tinha idade. Quando a minha menina completou 7 anos, eu fui
chamada e coloquei. Isso mudou bastante, tanto a vida dela como
a minha. Eu não levava ela para o lixão, mas ela ficava em casa e
tinha responsabilidades de adulto, porque ela que cuidava da
casa, fica ali, controlando até eu chegar. Quando veio pra cá ela
passou a brincar, foi ficando esperta nos estudos, passou a viver a
vida de criança que é o que realmente ela é. Depois eu coloquei o
outro menino e quando foi esse ano eu completei o sonho
totalmente de colocar os três aqui. Aí eu trabalho tranqüila. Nesse
horário vem todos três pra cá. 171
Eu acho que isso já mudou muito. Não há mais aquela coisa do
padrinho não. No público que eu trabalho aqui não há aquela
coisa do apadrinhamento. A pessoa que chega aqui tanto faz, ser
abordada pelo Programa Canteiros da Cidadania, como pela DRT
ou Conselho Tutelar. 172
Entretanto, o acesso ao PETI também pode ocorrer pela via das relações
de amizade e “conhecimento”: “entrei por conhecimento. Porque a mãe da minha
nora trabalha na SEMTAS, aí conseguiu botar o meu menino. Eu estava numa
169
Sandro Sergio Trigueiro da Costa. Teólogo. Coordenador do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil. Entrevista realizada em 01 de junho de 2004.
170
Eliene Lima Andrade. Usuária do PETI. NAS Cidade da Esperança. Entrevista realizada em 30
de julho de 2004.
171
Damiana dos Santos. Usuária do PETI. Núcleo de Ação Social - NAS Cidade Nova. Entrevista
realizada aos 19 de julho de 2004.
172
Lucila Dantas. Coordenadora do NAS Estação do Futuro, Cidade da Esperança. Entrevista
realizada aos 07 de julho de 2004.
253
situação difícil, ela comentou com a mãe, aí me chamaram pra mim fazer o
cadastro e aí eu consegui.”173
Outro exemplo em que a execução de um determinado serviço ocorre
pela via das relações clientelistas e não do direito, foi a forma como ocorreu a
instalação de um Núcleo do PETI em Brasília Teimosa. A liderança comunitária,
no entanto, considera a negociação realizada com o poder público, neste caso,
uma superação de práticas anteriores, que segundo ela, havia beneficiado pouco
a comunidade. Afirma ainda que não negocia benefícios pessoais nem coisas
pequenas, mas benefícios para a comunidade:
Tem uma senhora aqui que é Zulmira Barbosa, tem 96 anos, foi
do Araruna, lideranças aqui que a gente se espelhou neles. Mas
eu tenho uma raiva, porque ela negociava apoio político por meia
dúzia de copo para os idosos. Não era assim 10 mil reais no bolso
não, você ta entendendo? Então com isso eu aprendi algumas
coisas. [...] Na época eu era presidente, eu fiz uma negociação
pra trazer esse projeto, mas com uma condição: se a gente
administrasse. Na época foi uma negociação política. Eu tinha
vindo do PT, tinha ido para o PDT, tava... na hora era me
oferecido um cargo na secretaria e tal um série de coisas. Eu
disse não. Eu estou saindo de um sistema político que no meu ver
é de oposição e é de luta e a gente troca isso por um benefício pra
comunidade. Pra alguém dizer que eu recebi dinheiro e agora
estou no bem bom, não. Tem um pessoal na equipe da gente, que
a gente já trabalha há muitos tempos, essa pessoas que
ocupariam esse espaço, trabalhariam o lado técnico, mas o lado
social é obrigação nossa com a comunidade. No dia seguinte me
chamaram. Eu tinha um cargo que na época seria R$ 1.700,00.
Mas com o Projeto aqui eu emprego 11 pessoas. Eu ficava com
R$ 1.700,00 e a comunidade, como ficaria? Aí com isso a gente
conseguiu aluguel, tudo com isso. Mas, em pleno ano político, o
174
prefeito precisando de apoio, se nega a dar uma bola!
Para a subcoordenadora deste Núcleo, a população percebe as ações do
PETI como obrigação do governo; como direito, mas, não tem consciência, não
reconhece o trabalho feito pela liderança comunitária do bairro:
Eles percebem como uma obrigação do governo. Percebem como
um direito. Mas, nessa época de eleição eles votam em quem der
10 reais, uma camiseta. Isso é marcante aqui e é difícil mudar.
Não tem a consciência de votar em Luís Antônio,175 porque ele
173
Roseana Dias da Silva. Usuária do PETI. NAS Zona Norte. Entrevista realizada aos 29 de julho
de 2004.
174
Luís Antônio. Coordenador do NAS de Brasília Teimosa. Entrevista realizada em 15 de julho de
2004.
175
Luís Antônio é o coordenador do Núcleo e candidato a vereador.
254
mantém esse projeto, porque ele trouxe esse Núcleo pra cá
(porque realmente ele trouxe), funciona pra beneficiar a
comunidade, os funcionários, na maioria, são da comunidade,
independente de analisar critérios, de ver se o instrutor tem ou
não condições, mas pra beneficiar a comunidade. Mas o povo não
tem esta visão. Já não sei quantas campanhas ele sai mas, não
consegue. Se uma pessoa que não chegou a ser vereador, já
trouxe algo de bom pra mim, imagine o que essa pessoa pode
trazer se for eleito. Ele gastou muita gasolina pra trazer esse
projeto pra cá, ele rodou muito pra atender essa comunidade.
Aqui, o índice de prostituição é enorme. Prostituição e droga.
Crianças que são usadas para esconder, pra vender a droga.
No tocante à percepção dos usuários sobre os serviços, a constatação da
coordenação do “Plantão Social” é de que muitos usuários percebem o serviço ou
benefício recebido como um favor:
[...] percebem como favor. Por mais que a gente explique que é
um direito, que é lei, que obrigação do Estado. [...] O usuário tem
na mente que isso aqui é cadastro de cesta básica, porque
historicamente vieram aqui buscar cesta básica. Era isso que o
plantão fazia. Tem gente que todo mês vinha aqui buscar essa
cesta básica [...] Como a nossa retaguarda não funciona, aí é
essa coisa: bate aqui e volta. É assistencialismo, mal feito até.176
No âmbito dos Grupos de Idosos, o que predomina é a visão dos serviços
prestados pela ATIVA como um favor: “Alguns vêem como um favor. Outros,
como o Inaraí, o grupo de Mirassol, o de Candelária não; vêem isso como um
direito, e pronto. Mas, na Zona Norte, a maioria fica agradecida à ATIVA pelo
resto da vida.”
177
É isto, por exemplo, que explicita uma coordenadora de Grupo
de Idosos na Região Norte: “Acho que a gente deva apoiar a ATIVA. Eles estão
com a gente toda a vida, tanto faz ser época de política, como não ser de política.
Aí a gente deve apoiar mesmo.” 178
No caso do PETI, tanto a visão do usuário quanto o relato do coordenador
sobre a forma como o usuário percebe o benefício e os serviços do Programa
ressaltam a questão do favor. Contudo, o referido coordenador ressalta que há
usuários que percebem os serviços como um direito:
176
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada em 04 de agosto de 2004
177
Francisca Laíres Rodrigues de Oliveira. Assistente Social do Programa de Atenção ao Idoso
(ATIVA). Entrevista realizada em 11 de agosto de 2004.
178
D. Francisca. Coordenadora do Grupo de Idosos N. Sra. Da Apresentação, Loteamento Vale
Dourado. Entrevista realizada em 14 de junho de 2004.
255
Realmente, quando uma família é contemplada ela fica
extremamente agradecida. Isso parece está entranhado no povo.
Mas, já vemos também que nas reuniões mensais com os pais a
gente nota que metade dos pais em cada núcleo concebe o PETI
como um direito. Antes era todo usuário que achava que a gente
estava fazendo um favor. Hoje a gente percebe que eles
reivindicam os direitos deles. Nós temos um problema sério no
PETI que é o atraso dos recursos. Para se ter uma idéia, agora
em maio nós pagamos os meses de fevereiro, março e abril. E
ontem eu recebi a comunicação que o dinheiro de maio já estaria
chegando dia 30 de maio. Isso é uma boa notícia.179
Por outro lado, a visão de que programas sociais, e, sobretudo,
programas de transferência de renda conduzem à acomodação e à preguiça,
ainda é algo presente na visão de coordenadores de programas. A visão do pobre
como preguiçoso, acomodado e culpado pela sua pobreza, é parte do caráter
autoritário da sociedade brasileira (YAZBEK, 2004a, p. 19) e um dos elementos
da “cultura do atraso”. O depoimento a seguir é ilustrativo desta visão:
Um outro problema dos programas sociais é a questão da família
achar que aquele benefício que ela estar recebendo é um salário
e muitas vezes se acomoda. Às vezes eu faço visita e muitas
vezes você chega numa casa está lá: pai e mãe dentro de casa,
sem fazer nada e quando o dinheiro atrasa diz: “olha, está tudo
atrasado lá em casa, a feira está atrasada!” Aí até a gente
conseguir explicar para esta família que aquela bolsa é um
incentivo para que a criança continue na escola e longe da
atividade laboral. Muita gente entende estes programas sociais
como um salário.180
Alguns dos técnicos entrevistados observam sinais de mudança em
direção ao direito nas atitudes dos usuários diante dos serviços. Mas consideram
necessário que os técnicos estimulem isso: “eles ainda percebem como um favor.
Mas eu acho que isso está mudando, que a população está acordando para o
acesso a estes serviços como um direito. E a gente precisa estimular isso.”
181
.
Mas a visão dos serviços como ajuda ou favor e as atitudes de gratidão, diante
dos benefícios e serviços recebidos, ainda são predominantes. Conforme a
subcoordenadora do NAS de Praia do Meio “os pais recebem isso como gratidão,
179
Sandro Sergio Trigueiro da Costa. Teólogo. Coordenador do PETI. Entrevista realizada em 01
de junho de 2004.
180
Idem.
181
Andréa Cavalcante. Assistente Social do Plantão Social. Entrevista realizada em 04 de julho de
2004.
256
porque os filhos estão aqui, eles estão seguros, estão longe das drogas, não
estão indo pra rua.”
182
Tal opinião é partilhada também por outros coordenadores
de núcleos do PETI:
Olha, elas são muito satisfeitas com o programa. Elas dizem que
não sabe o que seria da vida delas se não tivesse vindo esse
programa pra cá. Dizem até que a gente é a segunda mãe, o que
a gente disser é lei. Porque realmente isso é dito por elas. Elas
têm uma consideração, ela tem um respeito muito grande pelo
projeto.183
[...] eu vou tentando desmistificar, mas tem muitos que percebem
isso como ajuda. Em muitas falas você escuta: muito obrigado!
Outro dia teve um rapazinho que a gente conseguiu inserir no
Programa Aprendiz Cidadão, do governo do Estado, ele veio para
mim: Dona Margareth, muito obrigada. Eu falei não! É conquista
sua. É você que está no primeiro ano, foi você que fez o teste...
Aqui mesmo na região norte, eu tenho me surpreendido. Tem
pais, tem famílias que já têm uma visão mais aguçada nessa
questão dos direitos. Eles já não estão tão bobos. E eu acho que
a grande contribuição do Serviço Social é está fomentando essa
percepção de direitos. É está motivando...184
Para alguns usuários a bolsa e os serviços recebidos são um direito e não
se sentem na obrigação de votar em ninguém por conta disso. Os programas
federais aparecem nos depoimentos como algo isento da relação de troca:
[...] isso é uma coisa que vem do presidente, não tem nada a ver
com vereador, prefeito. Agora, eles é que fazem a vez do
presidente. Muitas vezes eles ameaçam a gente: você vai votar
em mim, fui eu que fiz isso, fiz aquilo. Mas eu acho que isso não
tem nada a ver não. Porque eu acho que é um direito das crianças
não é? Hoje tem poucas crianças na rua. As mães estão
satisfeitas com as crianças aqui. 185
Esta visão, no entanto, não é predominante. Ao lado dos usuários que
percebem os serviços como direito, há os que acham que podem perder a bolsa
se não votarem nos candidatos ligados do prefeito ou prefeita e aqueles para
182
Rosa Gerusa Lopes. Subcoordenadora do NAS de Praia do Meio. Entrevista realizada em 14
de julho de 2004
183
Ivanise Laurentino da Silva. Assistente Social do NAS Cidade Nova. Entrevista realizada em 09
de julho de 2004.
184
Margareth Ferraz. Assistente social, coordenadora do NAS Zona Norte. Entrevista realizada em
20 de julho de 2004.
185
Irma Alves de Paiva. Usuária do PETI, NAS de Praia do Meio. Entrevista realizada em 30 de
julho de 2004.
257
quem o voto nos que ocupam o governo e, sobretudo, o voto em Vilma já é algo
permanente. “Eu sempre voto no Prefeito. Meu voto é daqui de Natal. Eu votei
em Dona Vilma pra ela ser prefeita e votei nela pra ser governo.” 186
5.5 A questão da qualidade dos serviços prestados
Tem sido historicamente uma marca da assistência social, ser uma
política pobre para os pobres, fundamentada na idéia de que “para pobre
qualquer coisa serve.” Assim, a escola de baixíssima qualidade, com professores
desqualificados e insuficientes, sem laboratórios, sem bibliotecas e com merenda
escolar que serve qualquer coisa; a saúde com atenção precária; a pavimentação
que não resiste às primeiras chuvas; a assistência social como ação pontual,
descontínua, sem nunca se constituir responsabilidade pública; e assim por
diante.
Dessa forma, políticas sociais públicas que deveriam atender a
necessidades sociais, reduzem-se a políticas para necessitados. No Plano
Municipal de Assistência Social de São Paulo, a então secretária Aldaíza Sposati
ressalta que “isto não deixa de ser uma forma de apartação social” e uma
perspectiva discriminatória que transforma o Estado em “socorrista dos
necessitados” ao invés de “provedor de necessidades sociais” (SÃO PAULO...,
2003, p. 7).
A LOAS rompe com estas práticas, quando define em seu Artigo 4º que
um dos princípios desta política é o “respeito à dignidade do cidadão, à sua
autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade” (BRASIL...,
2004a). No caso da execução desta política em Natal, não há, no órgão gestor,
definição quanto a padrões de qualidade, seja nos serviços prestados em rede
própria, seja naqueles prestados pela rede privada-filantrópica. A atenção de
qualidade, quando existe, independe de iniciativas do órgão gestor nesta direção.
Entre os programas visitados, os depoimentos sobre a baixa qualidade dos
serviços e a falta de condições de trabalho são predominantes.
186
Maria de Lourdes Silva dos Santos. Usuária do PETI. NAS da Zona Norte. Entrevista realizada
em 29 de julho de 2004.
258
No caso do Programa de Atenção ao Idoso executado pela ATIVA,
destaca-se no relato dos entrevistados sobre o assunto: a baixa qualidade da
alimentação, a falta de profissionais, de equipamentos e de material para
trabalhos manuais. Um coordenador de Grupo de Idosos enfatizou a questão da
qualidade do lanche oferecido: “O lanche deveria ser orientado por nutricionista,
porque também não atende muito não. Muitas vezes mandam papa, ou um sopão
que era sal puro, quando o lanche é deficitário a gente tem que complementar ou
substituir.”
187
Uma coordenadora ressaltou a falta de professores e de material:
“falta professores de trabalhos manuais. Falta material. Às vezes mandam
professor de trabalhos manuais mas não mandam material. Aqui é muito carente.
Às vezes eu compro do meu dinheiro, mas não dá pra atender todo mundo.”
188
Assim, a precariedade da atenção nos Grupos de Idosos, de uma forma geral é
muito presente.
Não adianta dizer assim: tem o instrutor, mas quando chega aí,
cadê o material para ele trabalhar? Muitos idosos não vem porque
não tem nada pra ele fazer. Quando chegam aqui diz assim: se
não tiver um forró, se não tiver brincadeira eu não venho mais. [...]
Eu vou atrás de um ônibus, às vezes quando chega aqui é maior
dificuldade. Até pra conseguir um ônibus é uma dificuldade. E eu
ainda faço uma cotinha para agradar o motorista, porque quando
ele vem fica na responsabilidade da gente, de uma hora pra outra
pode acontecer qualquer coisa com qualquer uma e o ônibus está
ali e a gente vem embora.189
Porque a minha comunicação era com a ATIVA. Bom, aí comecei
a fazer reuniões com eles. As meninas vinham fazer os trabalhos
manuais, atividades com eles. Consegui escola pra eles, através
de um projeto em parceria com a universidade (trata-se do
programa de elevação de escolaridade). Eu levo eles para
passeios. A ATIVA se responsabiliza pelo ônibus para vir pegar
eles. Tem a merenda pra eles todo dia de reunião, a ATIVA
manda deixar. Quando um adoece eu vou procurar um médico,
faço uma festinha, tudo o que eu faço é com eles. Eu estou muito
feliz. E outra, quando não tem um local pra botar o grupo, eu me
preocupo muito com eles. Aí eu luto, batalho. Já teve um tempo
de ficar sem um local pra escola e para o grupo. O Conselho
[Comunitário] de Jardim Primavera construiu uma sede dizendo
que era para os idosos. Quando terminou, que eu procurei,
disseram não. Isso aqui não é para os idosos. Aí eu fiquei
187
Carlos Magno. Coordenador do Grupo Inaraí. Centro da Cidade. Entrevista concedida em 30
de agosto de 2004.
188
Senhora Maria José. Coordenadora do grupo de idosos Encontro de Irmãos no bairro das
Quintas. Entrevista realizada no dia 23 de julho de 2004.
189
Senhora Maria Eunice. Coordenadora do Grupo de Idosos “Flor de Lírio” no Conjunto Pajuçara.
Entrevista realizada aos 15 de julho de 2004.
259
batalhando. A universidade alugou o prédio para funcionar a
escola e o grupo de idosos. Aí o ano passado a universidade
parou. Aí eu fiquei sem um local pra gente ficar. Graças a Deus
teve uma pessoa que me ajudou muito. Foi Júnior. Ele foi cedeu
esse prédio. A gente não paga aluguel. Disse pode ficar
funcionando aí a escola e o grupo. Botou uma freezer. Quer dizer,
estão apoiando o grupo. A pessoa que cedeu esse prédio é Júnior
Rodoviário [vereador pelo Partido dos Trabalhadores e Presidente
do Sindicato dos Rodoviários]. Rafael é meu genro, ele trabalha
no sindicato [Sindicato dos Rodoviários], aí eu falando pra ele, ele
falou com Júnior e ele foi e cedeu. A ATIVA não tinha condições
de pagar aluguel. A universidade [Federal do RN] também falou
que não iria mais pagar aluguel.190
Para o coordenador do PETI há sim uma preocupação do órgão gestor
com a qualidade do serviço prestado:
Se existe uma questão que Andréa bate o pé e não abre mão é
com relação a qualidade. A gente tem tentado romper as barreiras
financeiras. A gente tem uma barreira financeira. A gente aqui no
DACA [Departamento de Atenção à Criança e ao Adolescente]
tem tentado imprimir uma qualidade em todos os nossos
departamentos: creches, núcleos de ação social, casas de
passagem, para que sejam coisas de qualidade [...]. Eu diria que
as condições de trabalho no PETI são relativamente boas. Se
você visitar nossos seis núcleos você vai ver. Nós temos 79
educadores, 90% deles têm nível superior completo ou em
andamento. Tem alguns que têm magistério, mas o pessoal que
está trabalhando na ponta com a criança, no reforço escolar e em
boa parte das oficinas, é o pessoal que tem nível superior, é
pessoal capacitado. Aqueles que não têm nível superior, é porque
é uma pessoa que tem um saber e uma experiência acumulada
em determinado tipo de atividade, como por exemplo, certos
trabalhos manuais. São pessoas que dominam aquilo que ensina.
O ministério não toca nem nesse assunto, mas por uma questão
de coerência a gente tem privilegiado essa qualidade do corpo
técnico. A gente está trabalhando no limite. Se a gente tivesse
oportunidade de ter mais alguém seria ótimo.191
Os relatos de assistentes sociais ou coordenadores de Núcleos do PETI
apresentados
anteriormente
no
entanto,
contradiz
a
argumentação
do
coordenador, de que há uma preocupação do órgão gestor para com a qualidade
dos serviços. A exceção fica apenas por conta da alimentação, que para a maioria
é de qualidade, e recebida em quantidade suficiente para atender às
190
Senhora Francisca. Coordenador do Grupo de Idosos N. Sra. Da Apresentação, Loteamento
Vale Dourado. Entrevista realizada aos 14 de junho de 2004.
191
Sandro Sergio Trigueiro da Costa. Teólogo. Coordenador do PETI. Entrevista realizada a 01 de
junho de 2004.
260
necessidades dos usuários. Além do que já foi exposto, os depoimentos a seguir
também ressaltam as dificuldades enfrentadas nos Núcleos:
Essa casa aqui foi conseguida através de muita luta, porque aqui
não tinha um espaço físico que oferecesse conforto, tem as salas
que a gente precisa. A casa funciona com uma infra-estrutura
regular, é uma das melhores que tem. Lógico que ainda falta
muita coisa. A casa é alugada e tudo vem da secretaria:
alimentação, funcionário, material pedagógico, mobília. Tudo vem
da secretaria, o governo federal só paga unicamente a bolsa. Mas,
nós temos aqui alguns bolsistas que recebem pelo PETI também,
o salário deles sai de acordo com o salário dos meninos. Mas a
casa, ela é totalmente sustentada pela secretaria.192
Uma dificuldade é a questão de material e que a gente não
consegue avançar no trabalho técnico, no sentido de
sistematização, de produção de relatórios, de supervisões
técnicas. A gente só tem supervisão aqui que chega na hora do
aperto. Na hora de uma reunião, na hora de uma festa. A nutrição
consegue vir aqui um pouco. A alimentação tem atendido a
necessidade, a alimentação não tem faltado. Tem uma turma que
toma duas refeições que é essa da manhã cedo. Ao todo são
cinco refeições por dia. A primeira turma toma café e almoça
antes de ir pra casa, segunda turma almoça também...193
Ainda no caso do PETI, a baixa qualidade dos serviços é sentida pelos
usuários, de diferentes formas: pelo atraso no pagamento das bolsas, um dos
aspectos da qualidade que mais prejudica o seu dia-dia; o fato de alguns núcleos
não servirem refeição, mas apenas lanche; e a falta de ações de apoio às famílias
com vistas à sua inserção no mercado de trabalho. Estes usuários querem viver
com dignidade e o trabalho é o que pode lhe assegurar isto. Seus depoimentos
revelam o que já foi ressaltado por Yazbek (1993, p. 167) ao mostrar que os
usuários da assistência social resistem ser nivelados “como assistidos, condição
plena de estigmas e desqualificações.”
É R$ 40,00 e passa três meses pra sair, se fosse depender desse
dinheiro? Se fosse pouco mas saísse todo mês a gente tinha uma
base do que ia fazer. Esse negócio do Vale-Gás. Sai um mês e
outro não. O governo sabe, a prefeitura sabe, os políticos sabe,
todo mundo sabe que a gente não come um mês e outro não. E o
gás a gente não compra um mês e outro não. Todo mês a gente
tem que está com o dinheirinho do gás. Se eu não tiver o dinheiro
192
Rosa Gerusa Lopes. Subcoordenadora do NAS de Praia do Meio. Entrevista realizada aos 14
de julho de 2004.
193
Margareth Ferraz. Assistente Social, coordenadora do NAS Zona Norte. Entrevista realizada
aos 20 de julho de 2004
261
da minha faxina pra comprar o gás, pra pagar uma água, pra
pagar uma luz, pra comprar uma mistura.... comida é o custo mais
caro que tem. Disso aí tudo o que é mais caro é a comida, todo
dia você tem que comer. Hoje melhorou, mas teve dia lá em casa
194
de não ter nem um pão.
Os serviços prestados às famílias vinculadas ao PETI, como a
qualificação profissional, não atende a realidade dos usuários:
Aqui eu fiz curso de doces e salgados, camareira, corte e costura,
bolos e tortas. Mas, eu faço pra mim mesmo. Mas, pra aumentar a
renda, pra trabalhar não. Pra aumentar a renda, num negócio
desse é preciso investir muito. [...] Eu tenho vontade de botar um
churrasco. Não é esse churrasco que tem aí em todo canto. É um
churrasco diferente, que eu tenho na mente. Mas, eu não tenho
condição, porque só a máquina é uma danação de dinheiro. Se eu
tivesse uma ajuda, eu estaria trabalhando aí nessa beira de praia
que é enorme. Não precisava estar lavando roupa ou fazendo
faxina. Estaria trabalhando e ganhando meu dinheirinho. Essa
beira de praia não tem dono. O dono somos nós que somos os
trabalhadores. Qualquer coisa que você bote aí nessa beira de
praia vende. O dinheiro que eu pego é pouco. Não vou dizer a
senhora que é muito porque não é. Quando não é pra comida, é
195
pra ajeitar um fogão, comprar uma panela.
Eu comecei o curso de televisão, mas devido as dificuldades
financeiras eu não terminei. Eu trabalho só com quê?
Concertando rádio, concertando som, aquelas coisas mais
simples. Se tivesse o curso de eletrônica eu concertava até vídeo,
196
televisão... Tem particular, mas custa caro.
Devia servir refeição. Se tem uma parte aqui que tem o que comer
em casa, eu tenho certeza que 50% das crianças que estão aqui
não têm o que comer em casa. Dava pra prefeitura dar uma
refeição. Café, almoço e janta. Dificuldade também de não ajudar
197
a pessoa a botar o seu próprio negócio.
Até mesmo na própria sede da SEMTAS, a precariedade das condições
de trabalho e de atendimento ao usuário se faz presente. No caso do Plantão
Social, as condições de trabalho são as piores possíveis, conforme o relato de
uma assistente social:
194
Irma Alves de Paiva. Usuária do PETI, NAS Praia do Meio. Entrevista realizada aos 30 de julho
de 2004.
195
Idem.
196
Senhor Armando. Usuário do PETI. NAS Praia do Meio. Entrevista realizada aos 30 de julho de
2004.
197
Irma Alves de Paiva. Usuária do PETI, NAS Praia do Meio. Entrevista realizada aos 30 de julho
de 2004.
262
O espaço físico precisa melhorar. Isso aqui na verdade, é um
armazém que foi transformado em secretaria. Nós atendemos 40
pessoas por dia. Toda a população que nos procura fica aqui,
junto com o cadastro único, nesta sala de espera. O barulho é
muito grande. Acho que precisa de salas mais reservadas para o
plantão. As pessoas ficam expondo seus problemas publicamente
porque não há como garantir o sigilo nestas condições físicas.
Para elaboração do relatório não há como a gente ter
198
concentração com o barulho e a movimentação na sala.
Mas não é só nas condições de trabalho que se revela a precariedade
dos serviços prestados. A permanência de uma assistência social como atenção
provisória e incapaz de resolver as necessidades dos que a ela recorrem é outro
problema desta política em Natal destacado pela Coordenação do DAS:
[...] O sujeito não pode parar aqui no DAS, solicitar e voltar sem
nenhuma orientação. Ou então a gente encaminhar para outros
programas: programa de creche, PETI, Agente Jovem e aí não
aceitarem. Não tem vaga! Não tem vaga!...Que atendimento a
gente está dando a estas famílias?! Uma mera cesta básica?!
Daqui a três semanas ele está aqui de novo para pedir outra cesta
básica. Apesar de reconhecer a importância da cesta básica para
situações emergenciais, se a gente está aumentando este
benefício isso mostra a fragilidade dos demais programas, porque
era para a gente diminuir as cestas básicas e aumentar as metas
dos programas e dos serviços continuados, não é verdade? Como
há essa dificuldade... uma das coisas que a SEMTAS tem que
está discutindo com as diversas esferas do Estado é a sua
demanda. Se temos o dado de que 57,8% da população de Natal
tem um per capita de até oitenta reais, são pessoas indigentes. Se
consideramos uma população de 740 mil habitantes, isso implica
em mais de 300 mil pessoas necessitando da assistência social
para sobreviver. Esse é o nosso público alvo. E aí, essas metas
199
representam o quê?
Do ponto de vista dos gestores, uma oficina de planejamento estratégico
apontou como problemas relacionados à questão da qualidade dos serviços a
falta de equipamentos sociais, a inexistência de mecanismos e instrumentos de
monitoramento de avaliação das ações e a significativa demanda reprimida
(NATAL..., 2005, p. 10).
198
Andréa Cavalcante. Assistente Social do Plantão Social. Entrevista realizada aos 4 de agosto
de 2004. O DAS possui uma única sala para todo o atendimento das ações ligadas a este
departamento – Plantão Social, SOS Idoso, Programa de Atenção Integral à Família – são cerca
de 5 a 6 pessoas profissionais atendendo numa única sala. Há uma outra sala para a coordenação
e vice-coordenação do setor.
199
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 04 de agosto de 2004.
263
5.6 O lugar da assistência social no enfrentamento das necessidades
sociais para os usuários
Conforme ressalta Sposati (2004b, p. 40-41) a assistência social como
seguridade social “é particularidade brasileira.” Como campo da seguridade
social, ela é “proteção” e “deve operar preventiva e protetivamente nas situações
de risco social.” Conforme a autora, é política pública que “deve ofertar
a
provisão de necessidades fora do mercado, isto é sustentadas pelo orçamento
público na qualidade de garantia social.”
Mas, na realidade concreta dos municípios e da vida dos usuários da
assistência social, esta política ainda não parece ser uma referência para
enfrentar problemas, como: os baixos rendimentos que não chegam se quer a
assegurar a alimentação diária; o desemprego ou uma vida inteira fazendo bicos
para sobreviver; o analfabetismo ou os baixos níveis de escolaridade que mal lhes
assegura assinar o nome; a instabilidade familiar; a habitação precária; as
doenças; o alcoolismo e a dependência de outras drogas. Na vida dos usuários,
somente em último caso, a assistência social aparece como alternativa. A família
e os amigos aparecem, para os usuários entrevistados, como o lugar onde
primeiro se busca meios para sobreviver. Os serviços sociais públicos, ao invés
de referência, são, para estas pessoas, espaços de humilhação:
Na hora que não tem nada pra comer, na hora das dificuldades,
recorro a minha irmã. Ela me ajuda, dá um quilo de feijão, de
200
arroz.
[...] recorro as pessoas que me consideram há muitos anos. A
esses órgãos eu nunca fui, porque a gente chega lá, nunca tem,
não tem, a gente sai mais humilhado. Recorro as pessoas da
minha família, aos amigos. As vezes peço emprestado dinheiro e
201
quando vou pagar, diz: deixa pra lá.
Às vezes a meu pai. Ele trabalha na prefeitura, as vezes ele me
202
ajuda. Mas agora ele está numa condição difícil.
200
Irma Alves de Paiva. Usuária do PETI, NAS Praia do Meio. Entrevista realizada aos 30 de
julho de 2004.
201
Sr. Armando Cláudio. Usuário do PETI, NAS Praia do Meio. Entrevista realizada aos 30 de
julho de 2004.
202
Maria de Jesus. Usuária do Plantão Social. Entrevista realizada aos 06 de agosto de 2004.
264
No processo de coleta de dados, tanto junto a Grupos de Idosos, quanto
no contato com usuários do PETI, como nestes casos, cujos depoimentos foram
transcritos; e ainda, entre os usuários do Plantão Social, o sentimento de
humilhação ao procurar a assistência social apareceu com muita freqüência. Isto
talvez porque, para estes, não sendo direito, a assistência é ajuda; e, como tal,
estigmatiza e humilha. Conforme já ressaltado por Yazbek
(1993, p. 168),
“estigmatizados pelos sinais exteriores de sua condição social vivem em relação à
assistência social uma experiência ambígua e muitas vezes constrangedora que
se caracteriza pela necessidade de ‘ter que pedir’.” Assim, os usuários da
assistência social, conforme a autora, expressam
por um lado humilhação e ressentimento por não conseguirem
prover por si próprios sua subsistência, e, por outro, revelam uma
visão crítica da condição em que vivem e da precariedade e
insuficiência das respostas do Estado às suas necessidades e
demandas no campo social (YAZBEK, 1993, p. 168).
5.7 Considerações sobre a gestão da assistência social em Natal
Freqüentemente vista como uma não-política “como prática secundária,
em geral adstrita às atividades do plantão social, de atenções em emergências e
distribuição de auxílios financeiros” (YAZBEK, 2004a, p. 15), a gestão da
assistência social de um modo geral e em Natal, tem sido marcada também pela
incerteza; pela provisoriedade; pela precariedade das condições de trabalho; pela
falta de transparência; pela ausência de mecanismos de diálogo com a sociedade
civil; por relações meramente legais, burocráticas e rotineiras com o Conselho;
pela ausência de sistemas informatizados de informações; pela não definição de
padrões de qualidade; e pela falta de recursos humanos com qualificação e
competência técnica para atuação na área.
A nova Política Nacional de Assistência Social (BRASIL..., 2004b, p. 4748), reconhece que a questão dos recursos humanos “não tem sido matéria
prioritária de debate e formulações”, o que contribui para dificultar a compreensão
acerca do perfil do servidor da assistência social. Ao mesmo tempo, o documento
265
argumenta a necessidade de se efetivar uma política de recursos humanos com
qualificação “sistemática, continuada, sustentável, participativa, nacionalizada,
descentralizada”, para trabalhadores públicos, privados e conselheiros.
Além disso, um dos grandes problemas da área é a efetivação de uma
política de recursos humanos num contexto de minimização do Estado e do
enxugamento da máquina estatal, que privilegia os contratos precários e
temporários, ao invés da contratação de pessoal por concurso público e
da
criação de planos de carreira. Em Natal, por exemplo, nunca houve concurso
público para a assistência social. O resultado é a existência de uma secretaria
com um quadro de pessoal, na sua maioria, contratado de acordo os interesses
de quem ocupa o Governo municipal.
A problemática dos recursos humanos é algo bastante delicado na gestão
da assistência social em Natal. Conforme o relatório de uma oficina de
planejamento estratégico da SEMTAS (NATAL..., 2005, p. 09), que reuniu os
principais responsáveis por todos os programas, projetos e serviços. Estes
apontaram como principais problemas: falta de consciência do servidor quanto ao
seu papel no serviço público; desconhecimento por parte destes quanto aos
aspectos técnicos, administrativos e financeiros das políticas públicas com as
quais
trabalham;
inadequação
do
perfil
de
alguns
servidores
técnico-
administrativos para a função que exercem; inexistência de um plano de cargos,
carreira e salários.
Na opinião da atual Secretária, Andréa Ramalho, falta capacitação em
recursos humanos e falta a constituição de um quadro de pessoal efetivo da
SEMTAS. Mas, a ausência de pessoal do quadro efetivo do Município não é um
problema apenas da SEMTAS, mas de grande parte da máquina administrativa
municipal. Apenas a saúde e a educação contam com pessoal contratado por
concurso público. Na grande maioria das secretarias o quadro de pessoal é
composto por cargos comissionados. Assim, afirma a secretária:
Eu acho que é fundamental ter um corpo técnico capacitado, de
forma permanente, capacitação continuada, porém, como eu lhe
disse no início: o primeiro ano foi um ano de diagnóstico. Em 2003
nós não poderíamos fazer concurso público; a prefeitura teria que
priorizar que áreas estavam necessitando mais de concurso e aí a
mais urgente foi a saúde. [...] Em 2004, dentro das nossas
possibilidades, partindo do real, nós trouxemos pessoas que
tinham competência, que tinha capacidade técnica... eu acho
266
assim, que com relação a equipe, houve um salto qualitativo,
porém é fundamental a questão do concurso para que, o cargo
comissionado, a gestão muda, daqui a 4 anos é outra eleição, é
fundamental esse corpo técnico, para que a ação continue. [...] É
fundamental contar com um corpo técnico qualificado na prefeitura
toda. A questão fundamental passa pelo desenvolvimento de
recursos humanos. Falta isso e isso a gente tem que fazer por
etapas. No plano integrado de ações municipais que nós fizemos
para esse ano está colocado isso de forma assim bem legal.
Começaria pelas secretarias que tem um contingente de pessoal
maior. A própria secretaria de administração e recursos humanos
tem que ser o coração, tem que partir dali. Acho que essa é a
maior dificuldade: pessoal. 203
Para a secretária, no âmbito dos recursos humanos é preciso ainda
considerar a existência da cultura do servidor público, como aquele que não
trabalha; e do Estado, como quem existe para financiar interesses particulares:
Tem a questão da própria cultura, do que é serviço publico, do
que é ser servidor público. Aquela idéia de que servidor público
não trabalha, não faz nada, não quer trabalhar, não tem
compromisso... acho que isso é outro problema. Essa cultura...
Por isso que eu falo que isso é uma cultura, porque a sociedade
tem essa cultura... serviço público é pra vir aqui e... o governo
paga, o município paga... as instituições... olha, eu estou com meu
conselho comunitário para ser construído, aí vem aqui e quer
204
construir o conselho.
Se para o usuário da assistência social, o acesso à informação é uma
condição essencial para o acesso a direitos, é necessário a quem presta serviços
públicos ter acesso à informação sobre o programa, o serviço, o benefício com o
qual trabalha. Conforme o relato a seguir, esta foi uma das grandes lacunas da
gestão da assistência social em Natal historicamente: a falta de comunicação
entre o nível central e quem se encontra na ponta do serviço:
A relação institucional é muito difícil. Se você tem um programa,
se você tem uma base onde isso é executado, não precisa que a
base esteja lá pedindo que sejam dadas as informações. Isso tem
que ser trabalhado direto. Para você ter uma idéia, a gente pra
receber o Manual do PETI, depois de 2 anos, a gente conseguiu
pegar o manual através de uma visita que a gente recebeu de
outro município. Eu não sabia que existia o manual. Aí a visita
veio com o manual na mão. Aí eu pedi para ver e ela disse: pode
203
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
204
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
267
ficar pra você. Foi quando eu fui ver o que o manual do PETI dizia.
O recurso do pagamento do PETI, as mães ficam cobrando da
gente.... tem coisas que a gente não entende, eu tenho mães aqui
que recebem benefício no Banco do Brasil, tem mães que
recebem na Caixa Econômica, mães que têm cartão que recebe o
auxílio gás e outras que não têm cartão e não recebe... e fica uma
coisa que a gente não consegue dar a informação devida aos
usuários, porque também a gente não recebe as informações.
Elas só vêm depois de uma dificuldade. Então não há repasse de
informação, em termos técnicos, de preparação também não
há.205
A dificuldade de articulação e circulação de informações não é só entre o
nível central e o funcionário que desenvolve atividades nos equipamentos sociais
dos bairros. Ela começa dentro da própria SEMTAS:
Na SEMTAS, cada departamento é um mundo, é como se fosse
uma ilha. O DAS é o lugar dos problemas. Mas esses problemas
precisam ser resolvidos, encaminhados para algum canto. Se a
gente continuar cada departamento fazendo seu trabalho e
evitando problemas... Se surge uma família com problema aí
chega pra mim: Oh! Ilsamar, esse problema é pra você. Eu não
acho que seja pra mim. Eu vejo como um problema da SEMTAS.
Eu atendo e vou buscar solução nos outros departamentos, por
exemplo, vou voltar ao DACA pedindo vaga para creche etc. Vou
retornar ao DAT [Departamento de Ações para o Trabalho] para
incluir no mercado de trabalho. [...] Mas, é como eu estou lhe
dizendo: cada departamento tem o seu mundo, a sua ilha achando
que por si só vai conseguir resolver os problemas. Isso é
complicado. A SEMTAS precisa de uma verdadeira
reestruturação, de qualificação dos profissionais, porque também
os profissionais de Serviço Social estão perdidos, não sabe para
onde encaminhar, como encaminhar, não sabe fazer um parecer
social, desconhecem a legislação. Depois que chegamos aqui, as
meninas foram fazer um curso na previdência e eu falei: façam um
levantamento de tudo que tem lá. Mas, não é fácil ter essas
informações. Se você chegar aqui na SEMTAS e quiser saber
quais os programas, serviços existentes, não tem um material que
informe. A gente está produzindo esse material. Como é que eu
vou me apresentar a outra instituição? Isso é uma dificuldade de
todas as instituições. Na área de assistência social é paupérrimo.
É tudo muito solto... é necessário sistematizar isso para saber
qual é a rede de serviços assistenciais dessa Cidade! 206
A esse respeito uma consultoria realizada para construir uma proposta
orçamentária da SEMTAS para 2005 (DUARTE, 2004, p. 25-26) constatou “uma
205
Ivanise Laurentino da Silva. Assistente Social do Núcleo de Ação Social de Cidade Nova.
Entrevista realizada aos 09 de julho de 2004.
206
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 04 de agosto de 2004.
268
dispersão absoluta das ações dos dirigentes” gerando pulverização das ações e
“descompasso nas escolhas dos dirigentes com relação aos pressupostos gerais
da SEMTAS.” Para o consultor, este quadro tem consolidado nos dirigentes “a
percepção de que lhe basta a ação individual para o sucesso do todo.” Diante
disso, predomina nos sujeitos responsáveis pela execução da política no
Município, posturas individualistas, ausência de uma visão processual e de
conjunto, e, diante disso, “as avaliações rotineiras tornam-se inócuas”. Ressalta
ainda “um distanciamento entre os departamentos e os Programas, havendo
superposição de ações.”
O cotidiano do Plantão Social e do DAS como um todo é bem revelador
da problemática apontada pelo consultor. A coordenadora do DAS ressalta como
um dos maiores problemas, a desarticulação e a falta de integração dos
programas no interior da SEMTAS e os equívocos aí existentes na visão do que
seja assistência social:
Aqui nós temos o Plantão Social que é o carro chefe do DAS.
Mas, aqui dentro da SEMTAS tanto há uma fragmentação dos
programas como muitos dos programas existentes não são
concebidos como de assistência social. Para muita gente
assistência social é somente o DAS. No entanto o Departamento
da Criança e do Adolescente, DACA, é assistência! Ele tem que
dar respaldo ao usuário que nos procura solicitando esses
serviços. Mas são vistos como departamentos estanques.207
Não só cada departamento da SEMTAS é uma ilha, como não há
integração e articulação entre as secretarias do Município.
[...] tem que haver também uma integração com as demais
secretarias e serviços do município. Por exemplo, existe uma
demanda muito grande aqui por remédio. Não compete aqui a
SEMTAS comprar medicamentos e nós temos a secretaria
municipal de saúde e farmácias nos postos de saúde para
fornecer medicamentos. Não tem sentido a gente comprar
medicamentos. Mas isso historicamente foi feito aqui na SEMTAS.
Nós estamos fazendo um trabalho pra mostrar o que é
competência da SEMTAS, o que é competência do município, o
que é competência do Estado ou do Governo Federal e
encaminhando estas pessoas. Mas encaminhando corretamente.
Sabendo onde é que ele pode buscar o serviço que precisa, o que
é necessário ele levar, porque estas pessoas têm dificuldade até
207
Ilsamar Silva Pereira. Assistente Social. Coordenadora do Departamento de Assistência Social
e do Plantão Social da SEMTAS. Entrevista realizada aos 04 de agosto de 2004
269
de chegar aqui. Às vezes chegam aqui e pedem o vale transporte
pra voltar, quer dizer, vai sair por aí se batendo? Se nem o vale
transporte ele têm? Pra você perceber que realmente a população
que a gente assiste ela ainda não tem esta dimensão da
208
assistência enquanto direito.
Outro problema enfrentado na gestão da assistência social em Natal é o
fato do órgão gestor reunir três pastas: assistência social, trabalho e habitação.
Contudo, observa-se que apesar de serem três pastas, todas desenvolvem ações
pontuais e voltadas para a população mais pobre. Realiza-se, neste caso, uma
“concepção inespecífica de assistência social, na qual ela é compreendida como
processante de outras políticas sociais” atendendo necessidades dos excluídos
do mercado e das demais políticas sociais básicas (SPOSATI, 2004b, p. 38, grifos
da autora). Assim, a habitação executa o projeto Habitar Brasil, urbanização de
favelas e um programa de arrendamento residencial. O Departamento de Ações
para o Trabalho – DAT executa o Programa Ser. As ações deste programa são
praticamente as únicas ações dessa pasta “Trabalho”. Diante disso, a atual
Secretária Andréa Ramalho, sinaliza para uma reestruturação do Órgão e com a
criação de uma secretaria adjunta de assistência social, conforme explicita no
depoimento a seguir:
A máquina, a burocracia é coisa que leva tempo para você
dominá-la. A cultura que permeia... então assim: em 2003 nós
chegamos, fizemos algumas mudanças. Em 2004 começaram a
chegar algumas pessoas... é proposta nossa um novo
organograma. Essa secretaria é muito grande. Habitação,
Trabalho e Assistência Social e só um secretário e um adjunto. É
muito pouco, é muito incêndio para pouco bombeiro. Então a
proposta é ter uma secretaria adjunta de assistência, uma de
trabalho e uma de habitação. Não sei se nós vamos conseguir
aprovar por questões orçamentárias, mas, pelo menos a
209
secretaria adjunta de assistência, nós vamos conseguir.
Além dos problemas destacados no relato dos entrevistados, a oficina de
planejamento estratégico apontou ainda a necessidade de uma reorganização
institucional da SEMTAS. Segundo os participantes, há uma “inadequação
organizacional e indefinição de competências e atribuições dos departamentos e
setores.” Há limitações do próprio prédio da secretaria, a insuficiência de
208
Idem.
Andréa Ramalho Pereira Alves. Atual Secretária Municipal de Assistência Social de Natal.
Entrevista realizada aos 22 de dezembro de 2004.
209
270
equipamentos, a falta de um sistema de informações gerenciais, a centralização
do atendimento ao usuário, quase que exclusivamente no prédio da SEMTAS,
sem atendimento nas regiões administrativas (NATAL..., 2005, p. 07-08).
No âmbito da gestão descentralizada e participativa, os problemas
apontados pelos servidores envolvem: a falta de visibilidade dos serviços; o
desempenho parcial do FUMAS em decorrência da centralização da execução
orçamentária no setor financeiro; a desarticulação entre o FUMAS, o setor
financeiro e os coordenadores de programas; a falta de monitoramento dos
processos licitatórios e contratos; e a falta de alocação de recursos financeiros
para os subprogramas (NATAL..., 2005, p. 11).
Assim, do ponto de vista dos aspectos aqui considerados no processo de
implementação da assistência social, a afirmação de uma cultura de direitos
parece algo ainda no campo das possibilidades, apesar de ser possível identificar
algumas iniciativas pontuais no sentido de afirmar direitos. Contudo, nos vários
aspectos abordados, os entrevistados ressaltam práticas que favorecem a
reprodução do assistencialismo, da não-política, da “cultura do atraso”, da
negação de direitos.
271
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou apreender e analisar a política de
assistência social em Natal a partir da implantação da Lei Orgânica de Assistência
social – LOAS (1995), privilegiando o estudo de como têm se efetivado os
princípios e diretrizes da referida lei, no âmbito desta política pública no Município,
assim como a reprodução ou não de práticas baseadas na cultura do favor, do
clientelismo e do assistencialismo, que historicamente marcaram a trajetória da
assistência social. Ao mesmo tempo, buscou afirmá-la como política de
seguridade social, direito do cidadão e dever do Estado; e, como tal, podendo
contribuir na construção de uma cultura de direitos nesta área de política pública.
Numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais e por uma
“cultura política do atraso”, a afirmação de direitos pode significar, para uma
ampla parcela da população brasileira, secularmente excluída dos resultados do
desenvolvimento econômico, social e político, o primeiro passo em direção a sua
emancipação. Neste sentido, a assistência social, tal como proposta na LOAS,
pode contribuir na devolução da dignidade a essas pessoas, e criar as condições
para que elas possam expressar-se, se organizar e lutar por direitos.
Conforme ressaltado no capítulo 2, mesmo considerando as disparidades
nas análises estatísticas sobre pobreza e indigência no Brasil, um fato inegável da
realidade do país é a escandalosa desigualdade social. Dependendo do indicador
e da fonte utilizada, os números podem se diferenciar, mas não tem sido possível
omitir que este é um país extremamente desigual. Com uma população de mais
de 170 milhões de habitantes, possui, segundo o estudo recente do IPEA, 53,9
milhões de pessoas pobres, e 21,9 milhões de pessoas indigentes. Ao lado disso,
a parcela de 1% mais rico se apropria de 13% da renda nacional, enquanto a dos
50% mais pobres fica com 13,3% desta renda (INSTITUTO..., 2005, p. 50-53).
272
Esta escandalosa desigualdade social tem se aprofundado com as
políticas de ajuste neoliberal e com a submissão da política social à política
econômica. No contexto neoliberal, conforme Brie (2005, p. 01), impõem-se cada
vez mais os privilégios de classe por um lado e a expropriação e privação de
direitos por outro. A superação desse quadro não será produto das ações de
uma, ou de um conjunto de políticas públicas. Contudo, a garantia de direitos
universais é um passo importante na luta pela superação da ordem atual.
Talvez, reconhecendo o potencial, a radicalidade e a politização que a
luta por direitos contém no contexto atual, o Grito dos Excluídos,210 realizado
anualmente no mês de setembro, no Brasil, está levantando, neste ano de 2005,
a discussão sobre a questão dos direitos civis, econômicos, sociais, políticos e
culturais; bem como a necessidade da luta por uma cultura dos direitos, da ética e
da justiça. Frente à insuficiência e à incerteza de programas de transferência de
renda temporários, que não se constituem em direitos, o Grito dos Excluídos
reafirma a luta pelo que chama de “direitos fundamentais definitivos.”
As reflexões desenvolvidas ao longo do trabalho acerca do processo de
implementação da política de assistência social em Natal, e a possibilidade de se
afirmar nesta área uma cultura de direitos revelaram que alguns elementos
centrais das questões que nortearam a pesquisa se confirmam, ao mesmo tempo
em que há questões a partir das quais o real revelou uma outra configuração,
diferente da que se havia apontado no início da investigação; e outras, que o
trabalho não conseguiu desvendar e que permanecem como caminhos para
novos estudos.
A formação social, política e econômica de Natal, a forma como esta
cidade tem se inserido no contexto social e econômico do Nordeste brasileiro, a
configuração das forças políticas dominantes que ocuparam o governo municipal
nos últimos 35 anos, o modo como se constituíram os movimentos de bairro e as
organizações comunitárias, isso tudo tem resultado em determinadas marcas ou
especificidades no modo como se efetivam, nesta realidade, as conquistas da
210
O Grito dos Excluídos surgiu em 1994, como uma iniciativa da Igreja Católica por meio das
pastorais sociais, contando com o apoio e o envolvimento direto de movimentos populares e da
Central de Movimentos Populares, entre outras organizações da sociedade civil. Nos últimos dez
anos, já mobilizou milhões de pessoas em torno de questões como a Área de Livre Comércio das
Américas – ALCA, a questão agrária e o desemprego.
273
democratização, da participação popular e as políticas de enfrentamento à
pobreza na Cidade.
O exame das forças políticas que ocuparam o Governo municipal no
período analisado revelou a predominância de uma única força política no poder:
o grupo Maia e seus aliados. Mesmo que nas eleições de 2002 tenha havido um
rompimento de Vilma de Faria (antes Vilma Maia) com o Senador José Agripino
Maia (PFL), mesmo filiada a partidos de centro-esquerda, como PDT e PSB,
quase sempre contou com o apoio e a participação do PFL nos processos
eleitorais aos quais se submeteu; e na sua base de apoio, tanto na Câmara
Municipal, enquanto esteve à frente da Prefeitura de Natal, como atualmente, na
Assembléia Legislativa, como governadora.
Conforme analisa Spinelli (2005, p. 16), a imprensa local e alguns estudos
acadêmicos sobre as forças políticas em Natal e no RN tem identificado Vilma de
Faria como “representante de uma terceira força política no Rio Grande do Norte.”
Esta terceira força estaria cumprindo o papel histórico de quebrar “a polarização
tradicional da política potiguar, marcada desde os anos 50 pelas disputas entre
clãs patriarcais: de um lado o ‘dinartismo’, sob a liderança de Dinarte Mariz; de
outro, o aluisismo sob a liderança de Aluízio Alves.” Disputa esta que, nas
décadas de 1980 e 1990, configurou-se entre Alves e Maias e em termos
partidários, entre PMDB e PFL.
Os Maias, conforme demonstrado anteriormente, surgiram na vida política
do RN a partir da ditadura. Se Aluízio Alves representou a modernização industrial
e constituiu uma “oligarquia moderna”, tendo como base principal o mercado da
comunicação, os Maias, mesmo reunindo os setores mais atrasados e
conservadores da política estadual, até então representados por Dinarte Mariz,
também se apresentam como renovação. Em Natal, conforme Lima (2001, p.
107), a gestão de José Agripino Maia à frente da Prefeitura (1979-1983)
consolidou o poder desse grupo.
Uma das pessoas que melhor contribuiu para consolidar o poder dos
Maias foi, sem dúvida, Vilma de Faria, cuja liderança política não pode deixar de
ser destacada. Spinelli (2005, p. 14) mostra que “em cinco eleições para a
prefeitura de Natal desde 1988 ela venceu diretamente três em 1988, 1996 e
2000, e elegeu dois candidatos, Aldo Tinoco, em 1992 e, agora em 2004, Carlos
Eduardo Alves.”
274
Hoje, como governadora, Vilma de Faria conseguiu reunir no PSB os
setores mais conservadores da política estadual, que até então estiveram sob a
liderança de José Agripino Maia, do PFL. Este, por sua vez, apesar de uma certa
visibilidade no Senado Federal em nível nacional, enquanto liderança do PFL e
oposição ao Governo federal, tem sido considerado por algumas lideranças
políticas do RN como um “general sem exército”.211 Após romper com Vilma de
Faria nas eleições de 2004, entre outras razões, por não conseguir indicar o vice
na chapa de Carlos Eduardo Alves, o seu PFL lançou um candidato próprio, que
ficou em 5º lugar na disputa municipal, com 21.115 votos.
Conforme o jornal Diário de Natal, de 1º de outubro de 2004, para a
Governadora Vilma de Faria “o PFL cometeu um ‘erro estratégico’ ao romper com
o PSB e lançar um ‘candidato de última hora sem preparar o seu eleitorado’. Na
avaliação da líder do PSB, isso foi o que selou o fracasso dos pefelistas na
capital.” Ainda conforme o jornal citado, com a vitória do PSB nas eleições
municipais de Natal, Vilma de Faria estaria contabilizando mais uma vitória na sua
batalha contra José Agripino Maia “para conquista do sistema político que,
outrora, foi comandado por Dinarte Mariz e por Tarcísio Maia, pai do líder
pefelista” (AZEVEDO, 2004b, p. 4).
Mas, a trajetória de Vilma de Faria descrita anteriormente, seu estilo de
governar e as estratégias utilizadas por ela para se manter no poder não
permitem identificar uma renovação no seu modo de fazer política em relação ao
dos grupos tradicionais. O padrão de relação entre os governantes e os
movimentos de bairro, inaugurado por José Agripino Maia e por ela em Natal,
conforme já ressaltado, pode ser definido como uma espécie de “transformismo”,
dada a incorporação e a cooptação de um número significativo de lideranças do
movimento comunitário que resulta de tal prática. Uma análise atenta da prática
política de Vilma de Faria revela, conforme Spinelli (2005, p. 19), “a imposição de
uma liderança personalista de corte autoritário, uso da patronagem como moeda
de troca política, assistencialismo e clientelismo como estilo de relacionamento
com as camadas subalternas da população.”
211
O Diário de Natal de 30 de setembro de 2004, destaca uma polêmica entre o Secretário
Estadual de Educação, Wober Júnior (PPS) e os deputados Augusto Carlos Viveiros e José
Adécio (PFL), na qual o primeiro questiona o poder de fogo do Senador José Agripino e afirma que
ele pode se tornar um “general sem exército” (AZEVEDO, 2004a, p. 4).
275
Este quadro integra o cenário no qual se construiu a história recente da
política de assistência social em Natal. A análise empreendida permitiu identificar
que, assim como na maioria dos municípios com gestão municipal,212 há em
Natal, algumas mudanças em direção a construção da assistência social como
política pública,213 entretanto, tais mudanças se originam muito mais das
necessidades impostas pela própria legislação do que de uma decisão e opção
política dos governantes.
As principais “inovações” em relação à assistência social existente até
1995, residem na criação de um órgão gestor, no funcionamento de instrumentos
de controle social, na incorporação do planejamento como instrumento de gestão
explicitado, na elaboração de planos municipais, na realização periódica de
conferências municipais, na existência de iniciativas do Município na formulação
da política e na destinação de recursos do orçamento municipal para a
assistência como política pública.
Entretanto, se tais “inovações”, em tese, podem sinalizar avanços, o
modo como se efetivam, pode constituir uma mera formalidade; e, ao seu lado, a
“cultura do atraso” pode continuar se reproduzindo. Neste sentido, o projeto
político dos que ocupam o Governo municipal tem papel importante na efetivação
de direitos ou na sua negação. As administrações municipais que fazem opção
pela efetivação da participação popular, pela garantia do direito à informação e à
participação aos habitantes da Cidade, pela transparência administrativa e pela
prestação de serviços públicos, pautados na relação de direitos e não de favor,
podem favorecer uma “cultura política de direitos” conforme ressaltado por Celso
Daniel (1991, p. 16-19).
A pesquisa permitiu observar que em Natal, no período analisado, além
de não se contar com governantes comprometidos com a construção de uma
212
Conforme a Norma Operacional Básica – NOB (BRASIL, 2001, p. 96) em vigor no período
analisado, a implementação do sistema descentralizado e participativo da Política de Assistência
Social se efetiva a partir de dois níveis de gestão: gestão municipal e gestão estadual e do Distrito
Federal. No nível de “gestão municipal”, a NOB define que “a gestão dos serviços assistenciais
será prioritariamente, de responsabilidade dos governos municipais. Para tanto, serão transferidos
recursos financeiros diretamente do Fundo Nacional de Assistência Social para os fundos
municipais daqueles municípios que se habilitarem [...] Os municípios terão autonomia de gestão
desses recursos, segundo a realidade local e as prioridades estabelecidas no Plano Municipal de
Assistência Social, aprovado pelo Conselho, desde que atendam aos destinatários da Política nas
respectivas redes já existentes, e que a qualidade do atendimento seja compatível com as
diretrizes desta NOB.”
213
Ver, por exemplo, BOSCHETTI (2003a).
276
cultura de direitos e com a efetivação da participação popular em termos da
administração como um todo, a assistência social também não tem sido uma área
prioritária nas ações de combate à pobreza, no projeto político dos governantes.
Em termos de projetos prioritários, teve maior importância ações, cuja gestão não
estavam diretamente sob a responsabilidade da assistência social: o Projeto
Nosso Bairro Cidadão; o Programa SER; e o Programa Tributo à Criança.
Contudo, os impactos dessas ações no atendimento às necessidades sociais dos
usuários e no rompimento com a “cultura do atraso” não foi objeto de análise.
Nesse sentido, uma das questões observadas foi a existência de uma
disputa cotidiana entre duas concepções de assistência, no interior do órgão
gestor como um todo, e na execução das ações analisadas: uma, que a concebe
como ajuda e a mantém como política pobre, com ações pontuais e precárias
para os mais pobres, espaço da troca de favores; a outra, ainda muito tímida, que
a afirma como um direito e se explicita em iniciativas no âmbito do controle social,
da qualidade dos serviços, na abertura de canais universais de acesso do usuário
aos serviços, na preocupação com o acesso à informação etc.
Desta forma, a assistência social tem transitado de ação pontual e
precária para os mais pobres convivendo ao lado de uma legislação e de práticas
que a afirmam como política pública. Do ponto de vista legal e institucional, é
possível identificar avanços, sobretudo a partir de 1998. Todavia, tais avanços
ocorrem, por exemplo, ao lado da criação da ATIVA, uma ONG com funções
concorrentes e paralelas às do órgão gestor. A sua existência e o lugar de
destaque que tem ocupado, desde a sua criação, no processo de implementação
da assistência social no Município, revela a dificuldade para a afirmação desta
área como política pública.
Se, por um lado, há na SEMTAS hoje um esforço de renovação de
quadros técnicos e de questionamento ao tipo de relação que, enquanto órgão
gestor da assistência no Município, mantém com a ATIVA, isto não tem implicado
numa redefinição de tais relações. A ATIVA continua sendo uma dos principais
prestadoras de serviços de assistência social no município e a entidade que
contrata a grande maioria dos recursos humanos que executa a política de
assistência social.
A ausência de um quadro técnico qualificado e comprometido com a
assistência social na perspectiva do direito é outra grande fragilidade desta
277
política pública em Natal. Se, em outras áreas, como a saúde e a educação tem
havido concursos públicos para preenchimento de cargos, há planos de cargos,
carreiras e salários, na assistência social essas conquistas não existem. A quase
totalidade dos recursos humanos da área é formada por técnicos de nível superior
ou de nível médio, contratados pela ATIVA, com contratos temporários e
precários; muitas vezes, sem a formação necessária ao desempenho de funções
nessa área.
Mas, a ausência de debate e de prioridade para como tema dos recursos
humanos não é exclusividade da gestão desta política pública em Natal. A atual
Política Nacional de Assistência Social reconhece que o assunto não tem sido
matéria prioritária de debate e formulações no nível federal e nos demais níveis
de governo em todo o país, com sérias implicações na efetivação desta política.
Conforme o documento, “a inexistência de debate sobre os recursos humanos
tem dificultado também a compreensão acerca do perfil do servidor da assistência
social” assim como a formação de equipes e a definição de quais são os atributos
e qualificações necessárias ao atendimento ao usuário (BRASIL, 2004, p. 36).
Enquanto não se efetiva uma política de recursos humanos, as
contratações de pessoal, inclusive as mais recentes, realizadas no âmbito de
programas do Governo federal, como o PAIF, por exemplo, são realizadas com
contratos temporários de até um ano de duração, o que obriga o usuário a
conviver com o constante recomeço no cotidiano dos serviços.
Ao mesmo tempo, no interior do órgão gestor, a política do favor, as
relações clientelistas e de controle dos subalternos, o assistencialismo e outras
práticas que conformam a “cultura do atraso” na assistência social, vêm-se
reproduzindo a partir de práticas identificadas na pesquisa, como por exemplo: no
uso político do Plantão Social para favorecer lideranças políticas e/ou
comunitárias; na permanência da ATIVA como organização paralela e
concorrente, além de desenvolver ações de caráter assistencialista e de controle
de grupos subalternos; na precariedade e na baixa qualidade dos serviços
prestados em muitos programas; e no acesso do usuário a programas e serviços
pela via do “conhecimento” ou das relações de amizade com servidores
municipais e não por critérios técnicos pautados no direito.
Além destas questões, outras fragilidades do cotidiano da implementação
da política de assistência social impedem a sua efetivação tal como proposta na
278
LOAS. Uma delas reside no modo como a política é concebida, tanto na
prevalência entre os usuários da visão dos serviços como ajuda; quanto o fato de
ser concebida por mais de 40% dos técnicos e coordenadores entrevistados como
promoção social ou ajuda, enquanto expressão de uma certa solidariedade para
com os mais carentes. Alia-se a essa noção equivocada da política a
desinformação e a falta de qualificação.
Outra fragilidade diz respeito à questão da primazia da responsabilidade
do Estado, a qual se realiza estritamente dentro do cumprimento das formalidades
burocráticas. O que não tem avançado no sentido de ampliar o grau de
compromisso e de responsabilidade pública com a assistência social. Ao
contrário, mantém-se uma forte presença da rede privada filantrópica, sem que o
Município exerça sobre esta um papel regulador e de direção com vistas à
garantia do caráter público desta política. Ao mesmo tempo, as ações de
execução direta são caracterizadas pela baixa qualidade e pela precariedade,
reproduzindo a velha lógica de que “para pobre qualquer coisa serve.” 214
Conforme Sposati (2001a, p. 75) “o vínculo com a sociedade civil é parte
inerente da especificidade da assistência social como política pública.” Mas, com
a LOAS, esse vínculo deixou de ser “território de práticas subvencionadas ad hoc
pelo Estado” e conquista estatuto público, o qual exige “relações de parceria com
a sociedade civil.” Mas, “a relação entre assistência social e filantropia permite
pontuar uma das principais questões que demarcam as distâncias entre o
paradigma tradicional, conservador na assistência social e o paradigma
progressista.” Para a autora, somente este último, “fundado na justiça social, na
leitura crítica das desigualdades sociais; no processo redistributivo das riquezas
sociais [....] é que permite referenciar a assistência social como uma política de
direitos.” 215
Outro aspecto importante no caráter do direito de uma determinada
política social pública é a qualidade dos serviços. O que se observou foi a
existência de serviços precários e de baixa qualidade, além de condições de
214
Não foi objeto de estudo desta pesquisa as relações do órgão gestor com as organizações
filantrópicas integrantes da rede de assistência social do Município e como vem sendo assegurado
ou não a qualidade e o caráter público dos serviços prestados por estas organizações.
215
O paradigma conservador, conforme Sposati (2001, p. 76), “trata o Estado como uma grande
família, na qual as esposas dos governantes, as primeiras damas, é que cuidam dos ‘coitados’. É
o paradigma do não-direito, da reiteração da subalternidade, assentado no modelo do Estado
patrimonial.” Neste modelo, afirma a autora, a assistência social “é entendida como espaço de
reconhecimento dos necessitados e não de necessidades sociais.”
279
trabalho também precárias. Um exemplo do pouco comprometimento público para
com a qualidade dos serviços é o espaço físico da rede de serviços executados
diretamente pela SEMTAS, em que 90% destes são realizados em prédios
alugados.
Outro exemplo, nesse âmbito, é que o município não possui, até hoje,
nenhum abrigo para adultos. A efetivação da segurança da “Acolhida”, tal como
propõe a atual Política Nacional de Assistência Social, encontra sérios limites
para se efetivar,216 tendo em vista que a Cidade não possui um sistema de
abrigos em condições de acolher adultos e idosos que enfrentem situações de
abandono.
No que diz respeito ao usuário, o estudo mostrou também que a
assistência como ajuda, com assistencialismo, nem sempre é aceita por estes,
conforme posicionamento de alguns usuários entrevistados. A assistência como
ajuda é considerada humilhante e contribui para reduzir a dignidade destes como
pessoa, como ser humano.
Por isso, frente às inúmeras necessidades sociais, a busca da
solidariedade na família e na vizinhança, e junto aos amigos, aparece como
alternativa preferencial, ao invés da procura por um órgão público, o que acaba
contribuindo para reforçar um retrocesso imposto pelas políticas neoliberais, que
é o de relegar a proteção social à família e à solidariedade privada.
Vivendo uma história de vida marcada pela pobreza, os usuários tanto
revelam conformismo quanto reinventam alternativas de sobrevivência, mesmo de
forma individual. Mas, a busca de saídas coletivas, via movimento popular não
foram identificadas. Contudo, é necessário registrar que o usuário é o grande
ausente das decisões, dos debates e das formulações desta política, talvez
porque o seu usuário potencial seja majoritariamente os desorganizados e os
excluídos de tudo. Com freqüência, outros falam em seu nome. Frente a este
usuário, a assistência social possui a possibilidade de favorecer as condições
216
A atual Política Nacional de Assistência Social afirma a organização do Sistema Único de
Assistência Social contemplando, na proteção social básica e especial as seguranças de
“Sobrevivência”, “Acolhida” e “Convívio”. A segurança da “Acolhida”, por exemplo, exige “ações,
cuidados, serviços e projetos operados em rede [...] destinada a proteger e recuperar as situações
de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, restaurando sua
autonomia, capacidade de convívio e protagonismo mediante a oferta de condições materiais de
abrigo, repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições pessoais desenvolvidas através
de acesso a trabalho sócio-educativo” (BRASIL, 2004, p. 24).
280
para a recuperação da dignidade destas pessoas e para criar as condições para o
despertar da cidadania ativa entre elas.
A gestão municipal de uma dada política social na perspectiva do direito e
da afirmação da responsabilidade pública depende de inúmeros fatores. Um deles
é a decisão política de assumir essa gestão de modo a afirmar o compromisso
com a qualidade dos serviços e a garantia de direitos. Do ponto de vista
normativo e institucional há grandes avanços em Natal.
Contudo, há uma visível falta de iniciativa do município na formulação da
política. Se por um lado há o predomínio da implementação de programas
federais, o que acaba por se constituir num desrespeito ao princípio do
reconhecimento e atendimento às necessidades locais (BOSCHETTI, 2003b, p.
167), falta protagonismo, iniciativa, compromisso público do município no sentido
de planejar localmente as respostas às demandas da realidade da cidade.
O exame dos relatórios das Conferências Municipais de Assistência social
realizadas em Natal revelou a preponderância de reivindicações dirigidas ao
governo federal e pouquíssimas formulações, indicações ou reivindicações
dirigidas ao município. Este fato revela que o predomínio de ações formuladas
pelo governo federal pode não ser um problema apenas da falta de compromisso
público do gestor, mas uma visão que também perpassa outros sujeitos
envolvidos com a implementação da política: usuários, organizações da
sociedade civil prestadoras de serviços, trabalhadores da área, etc.
Assim, parece que a implementação da assistência social em Natal revela
que ela ainda não foi capaz de se afirmar como política pública. Ela ainda é uma
política inscrita no campo das possibilidades. Contribui para isso, por um lado o
aprofundamento das desigualdades sociais resultado de um processo de
crescimento que exclui do progresso e dos avanços do desenvolvimento a grande
maioria da sua população, o uso do transformismo, pelo grupo no poder, para
construir a sua hegemonia e se antecipar ao surgimento de movimentos
populares autônomos em relação ao poder público e as práticas políticas
conservadoras que marcam a relação de lideranças políticas com as
organizações comunitárias na história recente da vida política da cidade.
Contudo, se por um lado, os anos de implementação da LOAS ainda não
foram capazes de romper com a lógica da ajuda, do favor, do assistencialismo, da
incerteza, da precariedade nesta área, estas práticas, contudo, não ocorrem sem
281
resistências. Ao seu lado há iniciativas e formas de apreender a assistência social
na perspectiva do direito que aparecem na prática cotidiana de alguns técnicos,
na postura de usuários que começam a procurar os serviços, benefícios,
programas e projetos como direito, na atitude crítica de alguns conselheiros e do
Conselho Municipal de Assistência Social.
Estas novas práticas podem sinalizar que, dada a ausência de uma
cultura de direitos no Brasil, a assistência social, se implementada conforme
propõe a LOAS, poderá contribuir com a sua construção. Para isso é preciso que
os sujeitos envolvidos com esta política tenham acesso a informação e que ela
ocupe a agenda dos movimentos populares e de outros sujeitos coletivos
envolvidos na luta por direitos e pela efetivação da seguridade social no Brasil.
Sem isso ela poderá continuar como uma política extremamente avançada legal e
institucionalmente, mas ao mesmo tempo como um campo da “cultura do atraso”
onde prevalecem ações pobres, precárias, pontuais, incertas, de baixa qualidade,
destinadas a minorar o sofrimento daqueles cuja pobreza ultrapassou todos os
limites.
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