Para onde caminha a oncogenética?

Propaganda
oncogenética
Para onde caminha a oncogenética?
– Oportunidades e desafios
O futuro chegou?
T
ALVEZ AINDA NÃO TRATEMOS CADA PESSOA IN-
DIVIDUALMENTE, MAS CERTAMENTE ENORMES
Divulgação
AVANÇOS RECENTES VÊM TORNANDO A MEDICINA
José Cláudio Casali da Rocha
* Doutorado em oncologia, Fundação
Antonio Prudente, São Paulo;
pós-doutor em farmacogenética,
St Jude Children’s Hospital, EUA;
diretor do CGEN – Centro de
Genética, São Paulo; oncogeneticista
da Clínica COI e da Clínica Salus,
Rio de Janeiro; pesquisador do
Hospital Erasto Gaertner, Curitiba.
Autor do livro Oncologia Molecular
Contato: [email protected]
28
baseada na genética uma realidade. Será que nós,
oncologistas clínicos, teremos que nos tornar também oncogeneticistas? A aquisição de conhecimentos nessa área será, sem dúvida, necessária até
mesmo para entendermos o desenho dos novos estudos clínicos. Acredito que vamos direcionar
nosso aprendizado segundo nossas áreas de atuação
clínica e de interesse.
Antecipando a necessidade de formação nas
áreas de oncogenética e biologia molecular, essas
matérias foram incluídas como parte do currículo
mínimo recomendado pela ACCO (ASCO Core
Curriculum Outline), que define pontualmente as
competências mínimas para oncologistas clínicos
em treinamento, sendo a primeira delas: “I. Princípios científicos básicos; incluindo biologia do
câncer e genética, etiologia do câncer, imunologia
tumoral, e epidemiologia”.
A ASCO (American Society of Clinical Oncology), juntamente com a ESMO (European Society for
Medical Oncology), recentemente definiu no documento Global Core Curiculum as habilidades
que devem ser desenvolvidas por oncologistas clínicos, alcançadas em três níveis de conhecimento:
essencial (básico); competência para atuar clinicamente, do diagnóstico clínico/molecular até as condutas de rastreamento e prevenção (médio); e bases
epidemiológicas e biológicas (avançado). Além dos
princípios científicos básicos acima, o currículo
prevê habilidades na área de patologia/medicina
laboratorial/biologia molecular.
O fato é que precisamos nos preparar nas várias
vertentes do conhecimento em oncogenética, já que
(1) o uso de biomarcadores de predisposição ao
outubro/novembro 2011 Onco&
câncer; (2) o diagnóstico e classificação molecular
dos tumores, com implicação prognóstica; (3) a
suscetibilidade do indivíduo aos efeitos do tratamento; e (4) a predição de benefício com o uso de
agentes farmacológicos farão cada vez mais parte de
nossas rotinas.
A herança do câncer esporádico
O reconhecimento de que as variações genéticas
herdadas de nossos ancestrais nos caracterizam
como únicos – não apenas na aparência externa,
mas também na forma como reagimos a estímulos
endógenos, ambientais e genéticos e a suas interações – é o campo explorado pela epidemiologia
molecular. Mesmo nos tumores esporádicos, o
componente genético pode influenciar a carcinogênese no desenvolvimento de subtipos específicos
de tumores, na idade de desenvolvimento e também no seu comportamento biológico. À luz dos
conhecimentos atuais, a etiologia dos tumores, o
risco e as medidas para o controle do câncer devem
ser compreendidos considerando-se o indivíduo e
sua família em seus aspectos regionais.
Câncer hereditário: individualizando
a prevenção e o tratamento
No campo dos tumores hereditários, o nosso nível
de compreensão vem melhorando com o reconhecimento das variações clínicas de síndromes hereditárias conhecidas e a partir da possibilidade de
testagem de mutações genéticas germinativas nos
genes de predisposição ao câncer nos probandos
afetados e nos seus familiares assintomáticos (teste
preditivo). É interessante que, a cada semana, novos
genes sejam associados a síndromes hereditárias e
novas síndromes de predisposição ao câncer sejam
descritas. Pouco ainda se conhece sobre as principais síndromes de câncer hereditário no Brasil, com
séries de casos pequenas ou restritas a uma região. Embora a maioria
das famílias brasileiras com síndromes de câncer hereditário relatadas
até agora desenvolva um padrão sindrômico semelhante ao de outras
populações, algumas variações fenotípicas, mutações genéticas e riscos
de tumores peculiares da população brasileira também têm sido descritos. Estudos futuros devem explorar as características étnicas, clínicas
e genéticas de populações de alto risco, melhorando o cuidado especializado e intradisciplinar e garantindo o direito ao aconselhamento
genético e o acesso aos testes moleculares.
Um dos obstáculos que precisamos superar ainda hoje é o reconhecimento de indivíduos com diagnóstico ou suspeita de câncer
hereditário. A coleta adequada da história familiar de tumores, más-formações congênitas e patologias recorrentes, a representação da estrutura
familiar com a confecção do heredograma (ou árvore genealógica) e sua
interpretação são considerados conhecimentos essenciais. É fundamental
fornecer orientação ao paciente com câncer sobre (1) seus riscos e de
seus familiares, prevenindo sinistros futuros; e (2) os riscos de transmissão à prole e de recorrência. O diagnóstico clínico e molecular, assim
como medidas individualizadas de rastreamento e prevenção, inclusive
cirurgias redutoras de risco, deve ser definido.
Devido à raridade de estudos clínicos e ao baixo poder estatístico
pelo número de participantes nos estudos, os consensos de especialistas guiam muitas dessas condutas. Antes de tudo, é importante que
as recomendações estejam adequadas aos riscos relativos e aos percebidos pelo indivíduo. A experiência prática na área de oncogenética
facilita o reconhecimento das principais síndromes hereditárias no
dia a dia e a referência ao oncogeneticista para o aconselhamento
genético (Figuras 1 e 2).
Câncer de mama
Câncer de ovário
Figura 1 Heredograma de uma família com a síndrome do
câncer de mama e ovário hereditários (HBOC, na sigla em
inglês) associada principalmente com mutações nos genes
BRCA1 e BRCA2 (~20%), mas também com envolvimento
de outros genes ainda pouco explorados, como PTEN,
CHK2, ATM, BRIP1, PALB2, RAD51C, RAD51D, FANC e
CDKN2A, com contribuições <1% cada um
Assinaturas genéticas
O escore de recorrência baseado na assinatura de genes expressos por
tumores vem sendo cada vez mais aplicável na prática clínica. Um
exemplo disso é o painel de 21 genes OncotypeDx, disponível comercialmente para identificar um grupo de mulheres com carcinoma de
mama localizado, receptores hormonais de estrogênio ou progesterona
positivos, com extensão para um a três linfonodos axilares, que não terão
nenhum benefício com quimioterapia, e que derruba o paradigma contemporâneo de que toda paciente com comprometimento axilar deve
receber quimioterapia adjuvante. O uso cada vez maior de painéis de
genes classificadores para predição de resposta ao tratamento e/ou de
resistência tumoral identificará os pacientes que terão grande benefício
de tratamento adjuvante e aqueles com baixo escore, que, consequentemente, poderiam ser poupados dos efeitos adversos do tratamento.
O rápido desenvolvimento de novas tecnologias para análises
genéticas com alta performance e de aplicativos de bioinformática
trouxe para o presente a possibilidade de avaliar genomas de tumores
(Figuras 3 e 4). Uma lacuna de oportunidades existe para explorar o
Figura 2 Via BRCA. As vias de interação das proteínas BRCA1
e BRCA2 com outras proteínas celulares facilitam o conceito
de que mutações de diferentes componentes da mesma via
genética podem causar fenótipos semelhantes
Onco& outubro/novembro 2011
29
imenso abismo que separa o avanço tecnológico e a aplicação prática
dos novos conhecimentos adquiridos.
Biomarcadores moleculares preditores de sensibilidade
O avanço na clínica do uso de biomarcadores vem sendo demonstrado,
entre outras aplicações, para a classificação molecular dos tumores e a
definição do benefício de um tratamento específico. Além da classificação dos tumores por suas características histopatológicas, a expressão
de proteínas (por imuno-histoquímica) e os métodos moleculares (pCR,
sequenciamento, FISH, microarray) trouxeram para o presente a possibilidade do uso rotineiro de detecção de mutações genéticas, amplificações e fusões gênicas dos tumores com relevância clínica.
Um crescente número de agentes terapêuticos direcionados a alvos
específicos nas células tumorais vem sendo desenvolvido, revolucionando a forma como se tratam diferentes tipos de câncer, tendo como
alvo mutações e/ou vias genéticas. Vários estudos demonstraram que
a seleção de pacientes com base em características genéticas presentes
no tumor identifica aqueles indivíduos que mais se beneficiarão do
uso desses agentes. Com a crescente complexidade da rede de interações de vias genéticas e dos mecanismos de escape biológicos dos
tumores, será necessário desenvolver uma forma abrangente de se
compreender o espectro de alterações genéticas distintas do câncer.
Só assim será possível traçar estratégias personalizadas voltadas para
subgrupos de pacientes com maior chance de obter benefício com um
tratamento específico ou combinado (Tabela 1).
Farmacogenética
Figura 3 Mapa genômico de uma linhagem tumoral de câncer
de mama (HCC1954). O gráfico circular representa os resultados
do sequenciamento do exoma da linhagem, onde os segmentos
definidos no contorno representam os cromossomos, e as linhas
que interligam cromossomos representam as fusões intra ou
intercromossômicas
Figura 4 Evolução dos avanços
genômicos ao longo dos últimos
anos. A tecnologia permitiu
a mudança de resolução da análise
genética cromossômica para o
nível de nucleotídeos. Além disso,
o avanço tecnológico também
permitiu aumentarmos o
processamento para as
análises genômicas globais
e o sequenciamento genômico
30
outubro/novembro 2011 Onco&
A variabilidade de resposta dos indivíduos aos medicamentos é a base
dos princípios que suportam a farmacogenética. Enquanto os estudos
clínicos procuram definir a janela terapêutica, e a dose do medicamento
é normalmente baseada na dose máxima tolerada, a farmacogenética
procura adaptar o tratamento com a dose mínima eficaz segundo as características do indivíduo. A variação de resposta tumoral desejada e a
toxicidade tolerada pelos tecidos normais podem ser explicadas por varia-
ções genéticas comuns (polimorfismos) presentes nos genes responsáveis
por absorção, transporte, distribuição, metabolismo (bioativação e inativação) e eliminação dos fármacos, bem como nos genes que regulam as
funções celulares, como o ciclo celular e a capacidade de reparo aos danos
do DNA. As variações genéticas potencialmente modulam a disponibilidade do agente terapêutico nas células normais e tumorais do indivíduo
e têm sido incorporadas à prática clínica, como a genotipagem dos genes
TPMT (metabolismo das tiopurinas); UGT1A1 (irinotecano); DPD, TS,
MTHFR, RFC, entre outros do ciclo do ácido fólico (fluoropirimidinas);
e CYP2D6 (tamoxifeno). O desafio de ajustar as doses e a escolha de
medicamentos com base em análises farmacogenéticas também é uma
perspectiva da medicina personalizada.
Conclusão
Ainda temos muitos desafios pela frente até alcançarmos na prática a
chamada medicina personalizada. Com a perspectiva real de regermos os
cuidados ao paciente com câncer e seus familiares, presenciaremos cada
vez mais mudanças no desenho de estudos clínicos. Devemos aproveitar
para discutir as implicações da medicina personalizada no sistema de
saúde público e privado, bem como os seus aspectos éticos e legais.
Tabela 1: Marcadores genéticos de relevância terapêutica em oncologia
Alteração genética
Gene envolvido
Fenótipo (câncer)
Agente alvo direcionado
Translocação/fusão
BRC-ABL
PML-RARa
EML4-ALK
FIP1L1-PDGFR
LMC
Leucemia promielocítica aguda
Mama, colorretal, pulmão
Leucemia eosinofílica crônica
Imatinibe, dasatinibe, nilotinibe
Ácido retinoico All-trans (ATRA)
Crizotinibe (fase III), foretinibe (fase II)
Imatinibe
Amplificação
EGFR
Pulmão, colorretal, glioblastoma, pâncreas
ErbB2
KIT
SRC
PIK3CA
Mama, ovário
GIST, glioma, hepatocarcinoma, rim, LMC
Sarcoma, LMC, LLA
Mama, ovário, colorretal, endométrio
Cetuximabe, gefitinibe, erlotinibe,
panitumumabe, lapatinibe
Trastuzumabe, lapatinibe
Imatinibe, nilotinibe, sunitinibe, sorafenibe
Dasatinibe
Inibidores PI3-kinase; experimental: LY294002
EGFR
Pulmão, glioblastoma
KIT
PDGFR
BRAF
MET
KRAS
RAS/RAF
PTEN (mTOR)
PI3K/Akt
(mTOR)
PTCH1, SMO
(Hedgehog)
GIST, glioma, hepatocarcinoma, rim, LMC
GIST, glioma, hepatocarcinoma, rim, LMC
Melanoma, astrocitoma pediátrico
Pulmão
Colorretal, pâncreas, estômago, pulmão
Linfoma de células T cutâneo
Câncer de endométrio, próstata, pulmão NSCLC, rim
Câncer de endométrio, próstata, pulmão NSCLC, rim
Cetuximabe, gefitinibe, erlotinibe,
panitumumabe, lapatinibe
Imatinibe, nilotinibe, sunitinibe, sorafenibe
Imatinibe, nilotinibe, sunitinibe, sorafenibe
PLX4032 (fase III)
Cresatinibe (fase III), foretinibe (fase II)
Resistência a erlotinibe, cetuximabe (colorretal)
Selumetinib (fase II)
Ridaforolimo, temsirolimo, everolimo
Ridaforolimo, temsirolimo, everolimo
Carcinoma basocelular
GDC-0449 (vismodegib) (fase II)
VEGF-2578
VEGF-1154
Mama
Mama
Bevacizumabe
Bevacizumabe
Mutação pontual
Genótipo
Referências bibliográficas
1. Curriculum for Medical Oncology. ACCO: ASCO Core Curriculum
Outline http://www.asco.org/ascov2/Education+&+Training/ASCO+
Program+Guidelines.
2. ESMO-ASCO Global Core Curriculum for Training in Medical Oncology
Log Book.
http://www.asco.org/ASCOv2/Department%20Content/International%20Affairs/Downloads/ESMO_ASCO_log_book%20final.pdf.
3. MacConaill, LE; Van Hummelen, P; Meyerson M; Hahn, WC. Clinical Implementation of Comprehensive Strategies to Characterize Cancer Genomes:
Opportunities and Challenges. Cancer Discovery; 1(4): 297–311, 2011.
4. Em: Oncologia Molecular. Ferreira, CG; Casali da Rocha, JC. Editora
Atheneu, 2a edição, 2010.
Onco& outubro/novembro 2011
31
Download