a compreensão dos sujeitos sociais sobre a assistência - cress-mg

Propaganda
A COMPREENSÃO DOS SUJEITOS SOCIAIS SOBRE A ASSISTÊNCIA
SOCIAL PRESTADA PELAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL
FILANTRÓPICAS
Janaina Aparecida Parreira 1
RESUMO
O presente artigo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço social na Universidade Federal
de Juiz de Fora, sob orientação da Profa. Mestre Ana Maria Ferreira. Buscamos entender qual a
compreensão dos usuários sobre a assistência social prestada pelas organizações da sociedade civil:
Assistência Social Nossa Senhora da Glória e a Associação Beneficente Cristã Restituir. O percurso
metodológico consiste em revisão bibliográfica e a realização de entrevistas com os usuários da política
de assistência social atendidos pelas instituições mencionadas acima.
Palavras chaves: Política de assistência social, usuários, organizações da sociedade civil.
1
Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Graduada em Serviço Social
pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
INTRODUÇÃO
A nossa inserção em estágio curricular foi à fonte inicial das inquietações fruto
deste trabalho. Ao nos inserirmos nos respectivos campos de estágio: Assistência Social
Nossa Senhora da Glória, uma associação civil sem fins lucrativos destinada a prestação
de serviços na área da proteção social básica, e a Associação Beneficente Cristã
Restituir, com as mesmas características descritas acima, ambas de cunho religioso; nos
despertou um novo olhar para com os usuários- sujeitos sociais da política de assistência
social. É necessário trabalhar com os limites e possibilidades desta política a partir do
olhar dos sujeitos sociais a quem destinam essas políticas. Portanto,
Abordar aqueles que socialmente são constituídos como pobres é penetrar num
universo de dimensões insuspeitadas. Universo marcado pela subalternidade,
pela revolta silenciosa, pela humilhação e fadiga, pela crença na felicidade das
gerações futuras, pela alienação e resistência e, sobretudo pelas estratégias para
melhor sobreviver, apesar de tudo. (YAZBEK, 2012, p.288.)
Para entender qual a compreensão dos usuários sobre a assistência social a qual
eles possuem acesso, é relevante fazer uma breve retomada sobre as principais
características da formação sócio-histórica Brasileira, uma vez que os elementos que
marcam a formação do Brasil incidem sobre a questão social, a proteção social, as
relações sociais e na compreensão dos sujeitos sociais acerca da assistência social como
um favor ou ajuda. Para tanto buscaremos aspectos que remetem as relações de favor,
tutela, clientelismo, paternalismo e o uso de relações pessoais para se ter acesso aos
serviços públicos.
Essa pesquisa se orienta pelo método crítico dialético. A nossa compreensão do
nosso objeto de pesquisa não se faz descolada da realidade social, do contexto histórico
que é marcado por contradições e especificidades.
Alguns elementos formação sócio-histórica brasileira e seus rebatimentos na
formatação do atendimento a questão social
No Brasil o período da colonização se legitimou através de uma forma de
dominação conhecida como o patrimonialismo. O patrimonialismo está pautado em
relações clientelistas, na apropriação privada do que é público, e na pessoalidade.
[...] é possível acompanhar ao longo de nossa história, o predomínio constante
das vontades particulares que encontram em seu ambiente próprio, em círculos
fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. (HOLANDA, 1995,
pág. 146).
Mesmo com a independência do Brasil, Ianni (2004) nos esclarece que o país
não conseguiu romper com o trabalho escravo, bem como a economia agroexportadora.
No período de 1930 temos então a expansão das relações capitalistas no Brasil, com o
projeto de industrialização. Antes de 1930, o país era agroexportador e mantinha a força
de trabalho escrava. Agora surge a necessidade de se alterar este cenário, porém com a
não alteração da estrutura agrária brasileira, uma vez que a estrutura fundiária no país
está ligada a grandes proprietários de terra. Manter a estrutura agrária não impedia o
desenvolvimento industrial, pelo contrário, era capaz de dinamizar todo esse processo
de acumulação, desde que as mesmas não penetrassem na área rural. Logo o processo de
modernização do Brasil não foi algo revolucionário, mas sim acordado entre as elites
dominantes.
Ao invés de ser o resultado de movimentos populares, ou seja, de um processo
dirigido por uma burguesia revolucionaria que arrastasse consigo as massas
camponesas e os trabalhadores urbanos, a transformação capitalista teve lugar
graças ao acordo entre as frações das classes economicamente dominantes,
com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos aparelhos
repressivos e de intervenção econômica do Estado. Nesse sentido, todas as
opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas a
transição para o capitalismo (desde a independência política ao golpe de 1964,
passando pela Proclamação da República e pela Revolução de 1930),
encontraram uma solução “pelo alto”, ou seja, elitista e antipopular.
(COUTINHO, 2007, p.196).
Coutinho (2007) explica que essa via “não clássica” para o capitalismo, onde se
mantem traços pré-capitalistas combinados com uma estrutura agrária e um Estado
coercitivo remetem ao denominado capitalismo tardio, vivenciados pelo Brasil. Esse
capitalismo dependente do mercado internacional retrata em seu bojo algumas
características da formação social brasileira. Traços esses da escravidão, uma sociedade
analfabeta e onde não se tinha direitos civis e políticos.
Ainda sobre alguns elementos que perpassam a nossa formação social, Sergio
Buarque de Holanda (1995) ao estudar o povo europeu, suas características e os
impactos na cultura brasileira, nos diz que o contato com o liberalismo através dos
europeus, fez com que desenvolvêssemos um novo elemento característico do nosso
país: a cordialidade. Ser cordial para o autor remete ao fato de que o brasileiro é
desprendido de formalidades, coloca o afeto em todos os espaços, sendo que em alguns
casos deveria prevalecer a racionalidade e a capacidade. Logo prevalecem à
pessoalidade nas relações sociais e a simbiose entre o público e o privado.
Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a
civilização será a cordialidade - daremos ao mundo o “homem cordial”. A
lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por
estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do
caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a
influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio
rural e patriarcal (...). (HOLANDA, 1995. Pág. 146 e 147)
Outro elemento importante é a conformação do Estado brasileiro, onde temos a
presença do autoritarismo e do paternalismo, estabelecendo uma cultura de tutela diante
do povo brasileiro, como se sozinhos não fossemos capaz de pensar e tomar decisões.
Está sempre sujeito a “eventuais lideranças carismáticas e manipulações de
máquinas partidárias e propagandistas de todo o tipo”. Na prática, o “povo
brasileiro ainda não está preparado sociologicamente para gozar de uma
democracia plena”. Tanto assim que cabe o Estado proteger, tutelar e
disciplinar o cidadão e o povo, pois que a “liberdade e direitos emanam do
Estado”. Daí a criação da figura da cidadania regulada, que não tem raízes “em
um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação
ocupacional”. A lógica do capital impõe-se a todas as relações e poros da
sociedade, sem mediações. (IANNI, 2004. Pág. 236 e 237).
Behring e Boschetti (2006) expõem que o processo de constituição da classe
operária no Brasil foi fortemente marcado pelo peso do trabalho escravo e a economia
agroexportadora, onde esses elementos retardaram a ação política e a atuação mais
radical do movimento operário. Portanto temos uma classe operária frágil e
despolitizada, uma vez que os trabalhadores livres que compunham essa classe
carregavam consigo o peso e as marcas do trabalho escravo, do analfabetismo e da
dominação por parte das oligarquias que ainda se fazia presente. Concomitante a essa
formação da classe operária, adentrava no país a mão de obra estrangeira com os
imigrantes para trabalharem nas indústrias.
Raichelis (1998) nos explica que a conformação das classes sociais no Brasil
foram mediadas pelo interesse do Estado e da burguesia, a fim de se manter a
apropriação privada do capital, e contribuir para o apassivamento das lutas sociais e
concomitante o consentimento das classes dominadas.
Em síntese a nossa classe operária é oriunda da imigração, ex-escravos – que
vão se inserir de forma precária no mercado de trabalho, dessa forma, a nossa classe
trabalhadora também não se formou nos moldes da classe trabalhadora europeia.
Após esses elementos traçados por nós de forma breve ao longo desta exposição,
entendemos que a formação social brasileira e o trato a questão social mediante políticas
sociais são permeadas “por relações que privilegiam o favor, o clientelismo, o
paternalismo e a privatização do público”, como bem assinala Oliveira (2009, p. 121).
O favor é, portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes
classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que tem.
(...) Esteve presente por toda parte, combinando-se as mais variadas atividades,
mais e menos afins dele, como administração, política, indústria, comercio,
vida urbana, Corte, etc. (SCHWARZ, 2012 Pág. 16).
A compreensão histórica do lugar da assistência social no Brasil e sua relação com
a responsabilização da sociedade na busca de resposta à questão social.
Historicamente as ações públicas de enfrentamento a questão social e a pobreza,
se dão primeiramente, na lógica do favor, da caridade, do clientelismo e nas relações de
subalternidade e benevolência aos mais vulneráveis. De acordo com Mestriner (2011, p.
16) a assistência social na sociedade Brasileira:
desenrolou-se ao longo de décadas, como doação de auxílios, revestida
pela forma de tutela, de benesse, de favor, sem superar o caráter de
prática circunstancial, secundária e imediata que, no fim, mais reproduz
a pobreza e a desigualdade social na sociedade brasileira, já que opera
de forma descontínua em situações pontuais. Sempre direcionada a
segmentos da população que vivem sob o signo perverso da exclusão,
não cumpre a perspectiva cidadã de ruptura da subalternidade. Ao
contrário, reitera a dependência, caracterizando-se como política de
alívio, por neutralizar demandas e reivindicações.
Filantropia se remete ao amor e o compromisso com o ser humano que não
possui condições de ter uma vida digna. Esse compromisso é destituído de qualquer
forma de obter lucro, sendo um gesto voluntario. A igreja católica ao incorpora-lo, o faz
pelo viés da caridade e da benemerência, onde essas ações constituem um dom do ser
humano, dom este que se expressa pela ajuda às pessoas mais necessitadas. A
benemerência criada pela igreja católica pode acontecer de duas formas: da ajuda, como
as doações de esmola, roupas, alimentos e até mesmo ajuda moral e religiosa. Sendo
que ao longo dos anos, a própria igreja criou mecanismos para averiguar as pessoas
mais pobres e que necessitavam de suas esmolas. E a outra forma de benemerência, é
através da institucionalização, como os asilos e os abrigos. Ações essas direcionadas à
um público especifico: crianças, portadores de deficiência, migrantes, abandonados,
entre outros (MESTRINER, 2011).
A filantropia reproduziu durante anos, o favor, a dependência, o clientelismo,
como resposta as expressões da questão social. Essas características trazem
rebatimentos na vida da população usuária da política de assistência social, que hoje é
reconhecida e institucionalizada enquanto um direito social, mas que os seus
protagonistas ainda não conseguem enxergá-la tal como um direito social.
Segundo Mestriner (2001) a assistência e a filantropia são tratadas como irmãs
siamesas, sendo difícil distinguir a competência de cada uma que ficam escondidas
nessa relação que mesmo na agenda de todas as esferas estatais se faz com mecanismos
de apoio às organizações e não diretamente à população sem alterar a realidade no
assegurando os direitos adquiridos. Substituindo se a ação do Estado por intervenções
fragmentadas em uma rede de serviços com parcerias no atendimento do receituário de
desresponsabilização do Estado pela dinâmica do neoliberalismo. No meio dessa
ambígua relação estão os sujeitos que possuem carências, vivendo em seu cotidiano a
privação de seus direitos, recorrendo às instituições e serviços públicos para suprir suas
necessidades básicas de subsistência.
A política de assistência social e a sua interface com as organizações da sociedade
civil
É importante destacar que o surgimento das ongs, associações, instituições, e até
mesmo do termo sociedade civil, não se deu no contexto atual, mas sim na década de
1970, período em que o país vivenciava a ditadura militar. O termo “sociedade civil”
no contexto de ditadura militar assumia novas determinações, tais como “a oposição
Estado/sociedade civil servia para demarcar o espaço civil como espaço dos
movimentos populares e da luta antidatorial, contra o espaço do Estado militarizado”.
(DURIGUETTO, 2005, pág. 91.)
Neste contexto, a uma efervescência dos movimentos sociais de cunho popular,
lutando por melhores condições de habitação, saúde, segurança, entre outros. Como
bem sinaliza a autora Duriguetto,
[...] a categoria sociedade civil foi comumente empregada no contexto
brasileiro a partir do final da década de 1970, para expressar a reativação do
movimento sindical e a ação dos chamados “novos movimentos sociais”, que
passaram a dinamizar processos de mobilização de defesa, conquista e
ampliação de direitos civis, políticos, sociais e trabalhistas. (DURIGUETTO,
2005, pág. 88.)
Porém a categoria sociedade civil trabalhada de forma brilhante por Gramsci
passa a ter um novo significado no cenário neoliberal vivenciado a partir dos anos 1990
no Brasil. Assim tudo que é publico é desqualificado em razão do privado, e “nessa
perspectiva, a sociedade civil é transformada em instrumento para a operacionalização
da estratégia neoliberal de desresponsabilização do Estado e do capital com as respostas
a “questão social” particularmente no que se referem às políticas sociais”.
(DURIGUETTO, 2005, pág. 90.)
Após a exposição do entendimento do que é a sociedade civil, sua origem e
significados, é necessário articula-la com as legislações que norteiam a política de
assistência social (Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de
Assistência Social), a fim de compreender como se dá a condição de parceria na
execução dos serviços socioassistenciais.
Em 15 de outubro de 2004 foi aprovada a Política Nacional de Assistência
Social – PNAS, com a resolução nº 145/2004, cujo principal objetivo é a efetivação da
política de assistência social como um direito e de responsabilidade do Estado, que se
baseia nos princípios e diretrizes da Lei Orgânica da Assistência (LOAS).
A PNAS reforça a primazia do Estado na condução da política de assistência
social, estabelece a descentralização político-administrativa, bem como o controle social
e a participação popular. Contudo, existe a possibilidade de atuação das organizações
da sociedade civil na condução da política de assistência social. Portanto na PNAS
temos novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil. Conforme a PNAS
(2004, p. 47):
[...] a nova relação público e privado deve ser regulada, tendo em vista a
definição dos serviços de proteção básica e especial, a qualidade e o custo dos
serviços, além de padrões e critérios de edificação. Neste contexto, as entidades
prestadoras de assistência social integram o Sistema Único de Assistência
Social, não só como prestadoras complementares de serviçossocioassistenciais,
mas como co-gestoras através dos conselhos de assistência e co-responsáveis
na luta pela garantia dos direitos sociais em garantir direitos dos usuários da
assistência social. Esse reconhecimento impõe a necessidade de articular e
integrar ações e recursos, tanto na relação intra como interinstitucional, bem
como com os demais conselhos setoriais e de direitos.
Já que a PNAS faz menção a participação da sociedade civil na formulação e
execução da politica de assistência social, o autor Souza Filho (2012) esclarece que a
mesma “deve orientar a relação entre o poder público e as organizações da sociedade
civil que atuam no campo da assistência, evitando a manutenção de uma articulação de
cunho neoliberal que promove a desresponsabilização do Estado na área social”
(SOUZA FILHO, 2012, p. 31).
Ressaltamos que a parceria entre o Estado e a sociedade civil não é algo ruim,
desde que a mesma não seja feita como uma desresponsabilização do Estado mediante o
desenvolvimento de políticas sociais.
A parceria, desde que não signifique a mera privatização dos serviços, revela
assim um novo fenômeno integrativo e racionalizante; mas desde que o
interesse público possa continuar a prevalecente. Pode propiciar bons
resultados, na área social, com o alargamento das dimensões próprias ao
entendimento político do Estado, desburocratizando as tarefas administrativas e
assegurando, sobretudo, melhor controle social pelos próprios interessados,
tanto na aplicação das verbas públicas, quanto na efetiva consecução das
finalidades sociais (SIMÕES, 2008, p.452).
No entanto a ideologia neoliberal se apropriou da sociedade civil para então
delegar as responsabilidades que deveriam ser estatais. Assistimos então à mera
desresponsabilização do público, transferindo para o âmbito privado.
As transformações societárias ocasionadas pelo neoliberalismo implicam
diretamente na compreensão dos usuários- sujeitos sociais que recorrem às políticas
sociais. No caso da política de assistência social algo que é direito, acaba se
transformando em solidariedade, concessão, favor, por grande parte das organizações da
sociedade civil.
Assim, os direitos são deslocados da luta política, das ações coletivas
organizadas das classes subalternas, e passam a transformar –se em assunto
privado individual, convertido em “bens” ou “ serviços” adquiríveis no
mercado. (DURIGUETTO, 2007, pág. 182.)
As reflexões apresentadas possibilitam afirmar que as parcerias público –privado
na condução da política de assistência social , por vezes se apresenta como algo
moderno e inovador , todavia, essa parceria quando assume o significado de
substituição de responsabilidades que seriam do Estado, acaba por reatualizar o viés da
solidariedade e da caridade presente nos traços da proteção social brasileira.
A Compreensão dos usuários sobre a assistência social
Ao delimitarmos que o nosso objeto de estudo seria a compreensão dos sujeitos
sobre a política de assistência prestada pelas organizações da sociedade civil, partimos
do entendimento que a palavra compreensão neste contexto se refere aos significados
que os sujeitos atribuem a politica de assistência social, ao seu modo de viver, seu
território, as diversas configurações de família existentes; as variadas formas de obter
renda; ou seja, a palavra compreensão engloba um significado relativamente amplo, em
busca de aproximar-se da vida dos sujeitos a partir de si mesmos na compreensão dos
serviços ofertados.
Foram entrevistados no total 08 usuários, sendo 05 deles participantes do
programa de cesta básica da instituição Assistência Social Nossa Senhora da Glória e 03
da instituição Associação Beneficente Cristã Restituir, totalizando a amostra definida
por nós de 10% dos usuários atendidos com este programa nas instituições.
Em relação ao sexo dos entrevistados, 05 são mulheres e 03 homens. Dado este
que condiz com a nossa vivencia durante o estágio obrigatório nas instituições –lócus da
pesquisa. Ao refletirmos sobre a maioria do público alvo que procura a assistência
social nos deparamos com as novas configurações de famílias na atualidade. Há uma
alteração nos papeis sociais, o que antes era condicionado aos homens garantir o
sustento da casa e da família, hoje há a presença de famílias chefiadas por mulheres,
responsáveis pelo sustento da casa e a educação dos filhos.
Um dado que nos despertou atenção é sobre os vínculos empregatícios dos
entrevistados. Onde alguns afirmam que não possuem nenhum vínculo de trabalho e às
vezes fazem os chamados “bicos” para sobreviverem. Ou seja, a inserção no mercado de
trabalho se dá mediante ocupações pouco qualificadas, com baixa remuneração, sem
carteira assinada, com contratos temporários, e nenhum acesso aos direitos sociais.
A dificuldade por parte dos usuários para se inserirem no mercado de trabalho
formal é fruto dos ciclos de pobreza vivenciados em sua família, pobreza que se estende
de geração em geração; do baixo grau de escolaridade dessas pessoas, entre outros
motivos. Porém é pertinente salientarmos que no modo de produção capitalista não se
tem trabalho para todos, e é funcional se ter um exército de reserva, para rebaixar o
preço da força de trabalho viva.
Uma análise do capitalismo atual nos obriga a compreender que as formas
vigentes de valorização do valor trazem embutidos novos mecanismos
geradores de trabalho excedente, ao mesmo tempo em que expulsam da
produção uma infinitude de trabalhadores que se tornam sobrantes,
descartáveis e desempregados. E esse processo tem clara funcionalidade para o
capital, uma vez que permite a ampliação do bolsão de desempregado e reduz
ainda mais a remuneração da força de trabalho, em amplitude global, pela
retração salarial daqueles assalariados que se encontram empregados
(ANTUNES, 2013, p.14).
O capitalismo em sua fase madura possui como uma das características centrais,
o desemprego estrutural e concomitante a superexploração da força de trabalho. Vale
lembrar que a exploração do trabalho é uma característica marcante da nossa formação
econômica e política.
A partir da resposta da pergunta de como os usuários chegaram às instituições,
se foi por demanda espontânea, encaminhamento de órgãos públicos, ou indicação de
amigos, vizinhos e parentes, constatamos que 05 usuários são encaminhados através dos
serviços públicos (Centro POP, CRAS, UAPS), 02 chegaram a essas instituições através
de demanda espontânea, e apenas 01 indicado pela Igreja Nossa Senhora da Glória.
Esse dado nos permite identificar a parceria público/privado na política de assistência
social.
A partir dos dados coletados é possível identificar que os entrevistados
compreendem a assistência social enquanto ajuda, orientação e amparo. Portanto em
todas as entrevistadas realizadas por nós, inexiste a compreensão da assistência social
enquanto um direito social. Essa não compreensão por parte dos usuários da assistência
social em uma perspectiva de cidadania e acesso aos direitos sociais é compreensível
através dos traços da formação sócio-histórica (favor, clientelismo, patrimonialismo,
tutela) brasileira que ainda persistem na atualidade.
Corroborando para esta visão deturpada do que é a assistência social, está à
intrínseca relação da assistência social com as práticas assistencialistas, apoiadas na
filantropia, em valores altruístas e no trabalho voluntario.
Na história da humanidade, a assistência aparece inicialmente como prática de
atenção aos pobres, aos doentes, aos miseráveis e aos necessitados, exercida,
sobretudo, por grupos religiosos ou filantrópicos. Ela é, antes de tudo, um
dever de ajuda aos incapazes e destituídos, o que supõe uma concepção de
pobreza enquanto algo normal e natural ou uma fatalidade da vida humana. Isto
contribuiu para que, historicamente e durante muito tempo, o direito à
assistência social fosse substituído por diferentes formas de dominação,
marginalização e subalternização da população mais pobre. (OLIVEIRA, 2005,
pág.25)
Os avanços legais da política de assistência social tais como a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) permitem que a mesma seja entendida
enquanto um direito social. Entretanto somente os marcos legais não são suficientes
para alterar a compreensão dos sujeitos, uma vez que as práticas alicerçadas no favor,
clientelismo, patrimonialismo, perpassam a cultura política 2 do nosso país. Este com
toda certeza é um dos maiores entraves para a efetivação da assistência social enquanto
política pública, de responsabilidade estatal e de fato democrática.
Acreditamos que a inserção da assistência social na Constituição Federal de
1988 e as demais legislações que a balizam não são suficientes para romper com a
filantropia, a ajuda, o favor, e demais elementos que caracterizam práticas
assistencialistas. É necessária uma mudança cultural para que a assistência social se
torne uma política pública sob a responsabilidade do Estado e direito de todos os
cidadãos.
Conclusão
A assistência social em nosso país é perpassada por elementos arcaicos que
reforçam o entendimento da mesma enquanto favor, ajuda, caridade, benesse e
vinculada a filantropia executada pelas organizações da sociedade civil. Sabemos que
essa compreensão é resultado de vários elementos, dentre eles a nossa formação social
brasileira, que é permeada por relações de tutela, paternalismo, clientelismo,
coronelismo, pessoalidade, favor, entre outros.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 é um marco importantíssimo, uma vez
que eleva a política de assistência social ao patamar de política pública, integrante do
tripé da seguridade social, sendo destinada a quem dela necessitar. Ou seja, a partir da
Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Assistência Social é possível romper
com práticas assistencialistas e reforçar a dimensão do direito.
2
“Ao falar de cultura política no campo da assistência social, considera-se, por um lado, os traços
conservadores e autoritários da formação social, cultural e econômica brasileira que historicamente se
reproduziram nas práticas da assistência social e, por outro lado a possibilidade de se forjar uma cultura
de direitos no campo da assistência social a partir da conquista da LOAS e das lutas pela implementação
da assistência social como política de seguridade social”. (OLIVEIRA, 2005, pág.30)
Porém na contramão dos direitos sociais, temos a efetivação do projeto
neoliberal no Brasil. As políticas sociais sob a égide neoliberal sofreram profundas
mudanças, se tornando seletivas, focalizadas e com forte apelo à transferência das
responsabilidades do Estado para a sociedade civil, como bem explicitado no Programa
Comunidade Solidário, criado em 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Junto a essa desresponsabilização do Estado no trato à questão social, este programa
reforça o primeiro-damismo.
Neste período com a criação do Programa Comunidade Solidária, as parcerias
público-privada entram novamente em cena no país. Os direitos sociais duramente
conquistados através de luta dos movimentos sociais no fim da década de 1980 são
revestidos por valores altruístas e solidários.
No governo de Fernando Henrique Cardoso houve a promulgação de diversas
legislações que visavam legitimar as organizações da sociedade civil que prestavam
serviços socioassistencias.
Nos governos Fernando Henrique Cardoso, a assistência social foi tratada com
fortes influências dos pressupostos da solidariedade, do trabalho voluntário e
das parcerias. Cabe lembrar que os recursos financeiros do PCS29 superavam
os recursos destinados ao Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS. Isso
demonstra o lugar que o PCS ocupava em relação aos serviços assistenciais do
governo FHC (MOTA, 2010, p.160).
Em 2002, Lula foi eleito presidente do país. De origem operária e militante, ele
representou para a sociedade brasileira, a possibilidade de rompimento com o modelo
neoliberal presente nos governos anteriores. Em seu governo, priorizou investimentos
em programas de transferência de renda como o Bolsa Família e o Programa Fome Zero
com o intuito de reduzir a pobreza extrema no país.
Em 15 de outubro de 2004 foi aprovada a Política Nacional de Assistência
Social, que possui como diretrizes a descentralização político-administrativa, a
participação da população, a centralidade da família e a primazia do Estado na condução
da política de assistência social. (BRASIL, PNAS, 2005).
Em relação às organizações da sociedade civil, a Política Nacional de
Assistência Social deixa claro que,
A gravidade dos problemas sociais brasileiros exige que o Estado assuma a
primazia da responsabilidade em cada esfera de governo na condução da
política. Por outro lado, a sociedade civil participa como parceira, de forma
complementar na oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de
Assistência Social. Possui, ainda, o papel de exercer o controle social sobre a
mesma. No entanto, somente o Estado dispõe de mecanismos fortemente
estruturados para coordenar ações capazes de catalisar atores em torno de
propostas abrangentes, que não percam de vista a universalização das políticas,
combinada com a garantia de eqüidade (PNAS, 2004, p. 31).
Ou seja, as organizações da sociedade civil são parceiras do Estado na
implementação e execução da política de assistência social. Além disso, o texto legal da
ênfase na participação destas organizações através do controle social. Porém o termo
parceria tão disseminado na atualidade está sendo incorporado quase como um
sinônimo ao conceito de substituição, onde o estado se inibe da sua responsabilidade
estatal no provimento de políticas públicas.
Após o estudo bibliográfico desenvolvido por nós e a realização da pesquisa,
chegamos à conclusão de que é necessário repensar as parcerias do Estado com a
sociedade civil na condução da política de assistência social a partir da compreensão
dos sujeitos sociais que utilizam os serviços oferecidos por essas instituições.
O trabalho com os usuários deve partir da compreensão de que esse sujeito é
portador de direitos e que esses direitos para serem garantidos exigem um
movimento coletivo, de classe social e de suas frações e segmentos. Para
trabalhar nessa perspectiva, é preciso construir novos parâmetros, devolvendo a
esses sujeitos as condições políticas e sociais de pensar a sociedade e seu lugar
nela, disputando a reversão do modelo hegemônico construído. (COUTO et al.
2010, p. 49)
Salientamos como necessidade refletir como está acontecendo à relação de
parceria do Estado com a sociedade civil, uma vez que não deve acontecer a
apropriação desta parceria por parte do Estado para implementar políticas sociais
orientadas pelo modelo neoliberal.
É importante compreender qual a função ideológica das parcerias no contexto
atual e refletir em que medida as organizações da sociedade civil estão contribuindo
para a efetivação da política de assistência social enquanto um direito social, bem como
as reais possibilidades da população usuária desses serviços exercer o controle social.
Entendemos que um dos maiores desafios das legislações que balizam a política
de assistência social é de garantir que os serviços socioassistencias prestados pelas
organizações da sociedade civil sejam desenvolvidos na concepção do direito. Para nós
este é um desafio, devido ao caráter histórico dessas organizações, baseados na
filantropia, na caridade, na ajuda e no dever moral; e também no quadro de funcionários
das instituições, que em sua maioria são trabalhadores voluntários.
Para romper com essa concepção histórica da assistência social vinculada a
filantropia e ao favor, acreditamos que seja necessário efetivar como previsto nas
legislações a primazia estatal na condução da política de assistência social. Ou seja,
segundo Boschetti (2003a, pág.22) é “assumir o aparelho estatal como local primordial
de condução da política e ainda estabelecer claramente formas de acompanhamento,
monitoramento, supervisão e controle das ações assumidas por entidades assistenciais”.
REFERENCIAS
BEHRING, Elaine R; BOSCHETTI, Ivanete S. Política social: fundamentos e
história. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2007.
BOSCHETTI, Ivanete S. (Coord). LOAS 10 anos: avaliação dos 10 anos de
implementação da Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília: GESST/SER/UNB;
MAS/CNAS, 2003a.
COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e
socialismo. São Paulo: Cortez, 2000.
COUTO, Berenice R. et al (Org.). O sistema único de assistência social no Brasil:
uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2010.
DURIGUETTO, Maria Lúcia. Sociedade civil e democracia: um debate necessário.
São Paulo: Cortez, 2007.
HOLANDA. Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26.ed- São Paulo: Companhia das
Letras ,1995.
IANNI, O. O Pensamento social no Brasil. São Paulo: EDUSC, 2004.
MESTRINER, Luiza Maria. O estado entre a filantropia e a assistência social. São
Paulo: Cortez, 2008.
MOTA, Ana E. Particularidades da expansão da assistência social no Brasil. In: MOTA,
Ana E. (Org.) O mito da assistência social: ensaios sobre estado, política e
sociedade. São Paulo: Cortez, 2010.
OLIVEIRA, I. M. Assistência Social após LOAS em Natal, a trajetória de uma
política social entre o direito e a cultura do atraso. Programa de estudos pósgraduados em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP,
2005.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas cidades/Editora 34,
2012.
SIMÕES, Carlos. Curso de direito do serviço social. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.
SOUZA FILHO, Rodrigo de et al. Política de assistência social no contexto
neoliberal: desafios da implementação do SUAS. In: MOLJO, Carina Berta;
DURIGUETTO, Maria Lúcia (org.). Sistema Único de assistência social, organizações
da sociedade civil e serviçosocial: uma análise da realidade de Juiz de Fora. Juiz de
Fora: UFJF, 2012. p.13-44.
YAZBEK, M. C. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993.
______. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serviço
Social e Sociedade. São Paulo, n. 110, abr./jun., 2012. pág. 288-322.
Download