irmãos da esquizofrenia

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GUIÃO DO DOCUMENTÁRIO
IRMÃOS DA ESQUIZOFRENIA
Por Rita Fernandes
SINOPSE
Este filme fala acerca da história de uma família de quatro irmãos em que dois deles sofrem de
Esquizofrenia. Manuel e Filomena, hoje na casa dos 50 anos, estavam apenas no início da idade adulta
quando os primeiros sintomas da doença se começaram a manifestar. Naturais de uma aldeia no interior
de Portugal, foi na cidade que viveram os acontecimentos que os abalaram para sempre.
A história da família é contada pela perspectiva de Lúcia, a irmã saudável que acompanha os dois
irmãos mais velhos há mais de 30 anos, desde que a doença tomou completamente conta das suas vidas.
Apesar de ambos estarem internados em instituições psiquiátricas, Lúcia é a principal responsável pelos
irmãos. O seu relato é feito durante uma viagem de alguns dias dos quatro a Vale Serrão, a aldeia onde
nasceram. Este filme ilustra uma espécie de retiro da vida quotidiana para o sítio onde todos se sentem
em casa. Temos como que quatro crianças sozinhas no mundo, com as mais novas a olharem pelas mais
velhas. Juntos, os irmãos vão ao encontro do que era a vida quando todos eram saudáveis – visitam as
antigas hortas onde cultivavam a terra, os terrenos onde colhiam resina dos pinheiros, o rio onde
pescavam e os sítios onde brincaram e cresceram.
Este documentário ilustra a Esquizofrenia no seio familiar – as mudanças que uma família
atravessa quando se depara com o surgimento deste distúrbio e as relações e os hábitos que se recriam
por via da doença. Nesta família a situação é ainda mais delicada por serem dois os elementos em que a
doença se revelou. O filme dá assim conta da relação, não só entre irmãos doentes e saudáveis, como
entre os próprios esquizofrénicos. E, mais que tudo, esta é uma história de amor entre irmãos, aqui pela
voz de uma mulher que perdeu aqueles que conheceu durante grande parte da vida e não abandonou os
que vieram ocupar os seus lugares.
CARTA DE INTENÇÕES
Eu imagino-me a começar a conhecer o mundo ainda dentro da barriga da minha mãe, através do
seu umbigo, que nem buraquinho da porta a mostrar o que existe do lado de fora. Aposto que, enquanto
flutuava lá dentro, espreitava através de um canudo de papel improvisado para o que existia cá fora. Foi
desta forma que penso que conheci a Idanha, que conheci o Telhal e que conheci os meus tios, muito antes
de nascer.
Quando cheguei ao exterior, a minha mãe continuou a levar-me com ela nas suas visitas mensais
às instituições. Por essa altura, já tudo me era familiar. E eu fui crescendo entre o colo dos meus tios nos
jardins do Telhal e a excitação dos utentes em redor. Nunca existiu tempo ou ocasião para estranhar o
modo como aquelas pessoas se mexiam, olhavam ou expressavam. Nunca cheguei a saber reconhecer tal
realidade como anormal. Aquelas eram as casas dos meus tios, as únicas que alguma vez conheci para
eles. Às vezes pensava em como a vida poderia ser diferente se não tivessem os dois tropeçado na
Esquizofrenia, mas a verdade é que nem os sei imaginar de outra forma que não tal como são hoje.
Quando entrei na adolescência, lembro-me de ter conhecido um senhor muito inteligente, o
senhor Barradas, que depressa se tornou nosso amigo. Ele existia por detrás de uns óculos enormes com
lentes fundo de garrada e um sorriso sempre rasgado. Gostava muito de conversar e a alegria era imensa
quando nos via chegar à instituição. Segundo um enfermeiro, tinha ficado doente por tanto estudar.
Durante o lanche no bar, ele sentava-se sempre connosco e perguntava-me coisas da escola, da
matemática e da geografia, e eu ficava a pensar que ele sabia muito – mais que eu. Fazia contas difíceis de
cabeça, sabia o nome de todas as capitais e ainda os elementos da tabela periódica. Houve um mês em que
ele não apareceu e soubemos mais tarde que tinha morrido.
Eu perguntei-me durante muito tempo quem teria sido comunicado do desaparecimento do
senhor Barracas, que só tinha um irmão muito longe dali e que raramente o visitava, e quem o teria
chorado. O senhor Barradas que era tão inteligente e só gostava que alguém se sentasse com ele a
conversar, mas cuja existência era desconhecida da maior parte das pessoas – o que me deixava tão triste.
Muitos dos que estão internados em instituições psiquiátricas não têm visitas e ninguém os conhece.
Dentro da sua paranoia, estão lúcidos e sabem que ninguém os vai ver. São uma espécie de presidiários
sem culpa. Cá fora, no mundo como o conhecemos, todos correm para o comboio, todos se apertam no
metropolitano, enquanto se queixam das intrigas no trabalho e das pontas de cabelo espigadas. Os loucos
querem-se longe, para que ninguém se lembre que há vidas muito tristes, cenários muito maus ou para
que simplesmente não se assustem ou tenham medo de andar na rua.
Eu sempre achei que toda a gente devia, pelo menos uma vez na vida, entrar numa instituição
como o Telhal ou a Idanha e olhar. Conhecer quem ali mora. Não para entenderem o desespero das
doenças mentais ou a debilidade que provocam, mas para perceberem que à margem da sociedade
existem pessoas muito jovens e pessoas muito velhas que são iguais aos nossos pais, aos nossos irmãos e
aos nossos melhores amigos. Que bem escondidos existem pessoas iguais a nós, que não são malucos, são
apenas senhores Barradas a oferecem-nos o seu melhor sorriso.
Este filme é o canudo de papel improvisado que eu acredito que faz falta ao mundo – e que, assim,
eu ofereço.
TEMA, ÂNGULO E FOCO
O tema central deste documentário é a Esquizofrenia. Esta é uma perturbação mental grave
caracterizada por uma perda de contacto com a realidade, alucinações, delírios, medos anormais,
alterações do pensamento e discurso ou comportamento incoerentes. Esta doença psiquiátrica afecta
gravemente a forma de pensar da pessoa, a sua vida emocional e o comportamento em geral. É uma
doença que desencadeia uma evidente desorganização da personalidade, perda de noção da realidade e
dificuldade nas relações afectivas, sociais e profissionais. Estima-se que actualmente afecte entre 60 a 100
mil portugueses.
Os delírios e as alucinações causados por este transtorno constituem os chamados “sintomas
positivos” da doença. Os “sintomas negativos” surgem mais tarde e caracterizam-se pelo facto de as
pessoas ficarem ausentes, mostrarem muito pouca iniciativa e manifestarem uma vida emocional apática.
Muitas vezes, as pessoas com Esquizofrenia sofrem de isolamento social, tendo dificuldade em
estabelecer contacto com os outros e em lidar com situações de stress. Culturalmente, o esquizofrénico
representa o estereótipo do “louco”, um indivíduo que pode produzir grande estranheza social devido ao
seu alheamento para com a realidade.
Na maior parte dos casos, a doença torna-se visível mais cedo nos homens do que nas mulheres.
Os primeiros sinais da Esquizofrenia aparecem em geral numa idade jovem, tipicamente na adolescência
ou no início da idade adulta. Os efeitos da doença são confusos e muitas vezes chocantes para as famílias e
amigos. As pessoas afectadas ficam limitadas na sua capacidade de interagir com os outros, afastando-se
muitas vezes do mundo exterior. Ao contrário da crença habitual, as pessoas com Esquizofrenia não têm
“desdobramento de personalidade” (personalidade dupla) e a grande maioria dos doentes não constitui
perigo para os outros. Os doentes têm muito maior probabilidade de se constituírem eles próprios como
vítimas de violência e de crimes do que de cometerem, por si mesmos, actos violentos. Estas pessoas
estão muitas vezes mais assustadas do que agressivas. Os casos de agressividade podem, no entanto,
acontecer se o doente estiver em crise aguda, não medicado ou sob o efeito de álcool ou drogas.
A maioria das pessoas com Esquizofrenia sofre ao longo da vida, perdendo desta forma
oportunidades de carreira e de relacionamento com os outros. Como consequência da falta de
compreensão pública existente relativamente à doença, muitas vezes sentem-se isoladas e estigmatizadas
e podem ter relutância ou incapacidade em falar sobre a doença. Embora a disponibilidade de novos
medicamentos com menos efeitos secundários tenha melhorado a vida de muitas pessoas, ainda uma
grande parte acaba por cometer suicídio.
Algumas pessoas acreditam que o que causa a Esquizofrenia são maus pais ou fraca força de
vontade, apesar de existirem inequívocas evidências do contrário. A Esquizofrenia é uma doença
complexa que se pensa derivar de um número de factores actuando em conjugação. Esses factores
parecem incluir influências genéticas, lesões do cérebro que ocorrem na altura do nascimento (ou antes
ou depois), juntamente com efeitos de isolamento social e/ou stress. Embora a causa específica da
Esquizofrenia seja desconhecida, a perturbação tem, nitidamente, uma base biológica. O stress ambiental,
como acontecimentos marcantes na vida ou problemas de abusos de substâncias tóxicas, por exemplo,
desencadeia o início e reaparecimento da Esquizofrenia nos indivíduos vulneráveis.
De todas as doenças mentais, a Esquizofrenia é provavelmente a que apresenta mais dificuldades
para todos os envolvidos. Os doentes sofrem, sem qualquer dúvida, uma enorme perturbação das suas
vidas. No entanto, as famílias e os amigos são também profundamente afectados, devido à angústia de
verem os efeitos da doença e à sobrecarga necessária para a assistência ao doente. Da mesma forma que o
doente esquizofrénico sofre duas vezes, pela doença e pelo preconceito, também a família sofre
duplamente, pela doença do familiar e pela discriminação e incompreensão sociais. O impacto da
Esquizofrenia sobre a família tem sido comparado ao trauma vivido por vítimas de catástrofes. A doença
de um membro representa geralmente um forte abalo, sendo que os outros familiares dificilmente se
encontram preparados para a enfrentar, sentindo-se incapacitados para realizar qualquer intervenção.
Assim, as famílias costumam vivenciar sentimentos de espanto, apatia, depressão, isolamento, raiva,
angústia, frustração, culpa, tristeza crónica e só mais tarde, durante a convivência com a doença,
aceitação.
Do ponto de vista sistémico, a família é definida como um sistema aberto que interage com o
contexto sociocultural onde está envolvido. A modificação de um membro da família afecta todo o grupo
familiar. Ao longo do tempo, o grupo desenvolve uma série de mecanismos para enfrentar e se adaptar à
nova situação. Esses mecanismos podem ser determinados por elementos culturais pertencentes às
famílias, ou seja, formas de pensar e agir, aprendidas na vida social. A capacidade das famílias lidarem
com um familiar afecto de Esquizofrenia depende também da forma de evolução da doença, da sua
duração, do tipo de resposta ao tratamento e do grau de incapacidade do doente. Quanto mais
dependente é o doente, maior é a desorganização da família. Se algum familiar tem de cuidar do doente
durante as 24 horas do dia, estará incapacitado de desempenhar outras actividades. Os familiares acabam
por ficar sobrecarregados pelas exigências a que a doença obriga, muitas vezes cuidando do doente e
arcando com os encargos económicos, derivados do custo das medicações e da impossibilidade e acesso
ao trabalho. É também comum observar familiares a distanciarem-se das atividades sociais. Para além
disso, uma grande maioria apresenta dificuldades em lidar com as situações de crises, com os conflitos
familiares emergentes, com a culpa, com o pessimismo por não conseguir encontrar saídas para os
problemas, pelo isolamento social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais da vida quotidiana,
bem como pelo desconhecimento da doença propriamente dito. Esta sobrecarga a que a família está
sujeita pode levar, no seu extremo, ao colapso dos processos de resiliência familiar. Estes doentes e as
suas famílias necessitam, por isso, de maior ajuda dos serviços de Saúde Mental, de internamentos sociais,
para alívio da sobrecarga familiar, de colocação em residências ou em centros de dia. Os doentes mais
graves poderão necessitar de internamentos prolongados em instituições psiquiátricas por largos
períodos de tempo, quando não para o resto da vida, como é o caso das personagens deste filme.
Dentro deste tema que é a doença esquizofrénica, o ângulo do documentário debruça-se sobre as
relações existentes entre os doentes que sofrem desta patologia e os seus familiares – ou seja, a
Esquizofrenia no seio da família. O objectivo com a escolha desta perspectiva é o de mostrar as alterações
que a doença provoca no seio familiar e as relações que se reconstroem por via dessas brutais mudanças.
O foco do filme, mais concretamente, incide sobre uma família de quatro irmãos, dois deles
vítimas desta doença. O homem e a mulher doentes, internados cada um em sua instituição, contam única
e exclusivamente com o apoio dos irmãos saudáveis praticamente desde a altura em que os primeiros
sintomas da doença se começaram a manifestar. Esta família é peculiar, pelo facto de englobar a doença
em mais do que um indivíduo do grupo, o que ilustra o peso da vertente genética que caracteriza o
distúrbio. Para além disso, este conjunto de pessoas permite mostrar não só a relação entre familiares
doentes e saudáveis, como entre os próprios familiares esquizofrénicos. As relações interpessoais, neste
caso entre irmãos, reajustam-se, ganham novas características e é isso que este documentário procura
mostrar por via desta história.
PERSONAGENS
As personagens deste documentário são todas naturais da aldeia de Vale Serrão, no concelho de
Pampilhosa da Serra. Os quatro irmãos, personagens principais, apenas estudaram até à 4ª classe –
depois disso começaram a trabalhar no campo, como era habitual entre as classes rurais e mais pobres, e
no seu caso de forma ainda mais especial, uma vez que perderam o pai muito jovens (o mais novo tinha 8
anos e o mais velho 14). Lúcia e José, os dois irmãos saudáveis, conseguiram melhorar a sua qualidade de
vida e hoje pode dizer-se que fazem parte da classe média.
Lúcia Reis, tem 55 anos. Dos quatro irmãos, é a que
nasceu em terceiro lugar. Saiu do campo rumo à capital quando
tinha 15 anos, altura em que a irmã Filomena lhe arranjou
trabalho numa rede de sapatarias onde já estava empregada. Na
grande Lisboa construiu a sua vida, regressando hoje à terra de
origem apenas ocasionalmente, em especial em períodos de férias.
Actualmente vive no Seixal, distrito de Setúbal. É a principal
responsável pelos dois irmãos mais velhos, os quais visita
mensalmente nas instituições onde estão internados. É ela que trata do pagamento das mensalidades, da
roupa e de todas as outras responsabilidades associadas aos dois irmãos. A par do irmão José, é a única
pessoa na família que visita os dois irmãos, uma vez que a sua mãe também já não é viva.
Filomena Sandinha, tem 57 anos. É a irmã que nasceu em
segundo lugar. Nunca gostou do trabalho no campo. Assim que
surgiu a oportunidade, durante a adolescência, migrou para
Lisboa, onde veio trabalhar. Lúcia viria ter consigo mais tarde.
Moraram juntas na casa de familiares, também já fixados na
capital, chegando mesmo a dividir a cama onde dormiam.
A doença começou a manifestar-se por volta dos 22 anos,
depois do fim de um namoro que manteve já na capital. O
namorado terminou a relação, o que a deixou muito abalada, até chegar a um estado de depressão.
Filomena ficou de tal forma perturbada que se demitiu do emprego e regressou para Vale Serrão. Aí se
manteve durante alguns anos, com a doença a progredir e sem qualquer medicação, até que os dois
irmãos mais novos a foram buscar para ter acompanhamento médico. Está internada na Casa de Saúde da
Idanha há cerca de 30 anos.
É uma pessoa muito pouco conformada com o sentido da sua vida. Comunica perfeitamente com
quem está à sua volta e faz saber as preocupações que lhe ocupam o pensamento, que estão
essencialmente relacionadas com a religião e a morte. Na instituição onde está internada é dinâmica,
ajudando sempre que possível nas tarefas que lhe propõem. Gosta muito de ir à aldeia onde nasceu.
Manuel Reis, tem 59 anos. É o mais velho dos quatro irmãos.
Aquando da morte do pai, foi aquele que assumiu o papel de chefe de
família.
Manuel foi o primeiro dos quatro a abandonar a aldeia, antes
ainda de completar 20 anos. Migrou para a capital para trabalhar
como estivador no Porto de Lisboa. Mais tarde mudou-se para
Portimão para trabalhar como vendedor a prestações. Aos 22 anos, ao
conduzir um automóvel, atropelou uma mulher que acabaria por
morrer. Apesar de ter saído absolvido do caso, por se ter provado o
estado de embriaguez da mulher, Manuel não conseguiu mais ter
tranquilidade. Passou a ser perseguido e ameaçado pela família da mulher, de etnia cigana, e os sintomas
de Esquizofrenia começaram a manifestar-se. Chegou a ser internado no Hospital Júlio de Matos, de onde
fugia constantemente. Esteve desaparecido por diversas vezes, sem que ninguém soubesse do seu
paradeiro. À semelhança de Filomena, acabou por se refugiar na aldeia de origem, até que os irmãos aí o
foram buscar para ser internado na Casa de Saúde do Telhal. Aí permanece há cerca de 34 anos, onde é
conhecido simplesmente como o “Reis”.
Há vários anos que vive meio alheado do mundo. Comunica com os outros, mas pouco; a maior
parte do tempo está imerso nos seus pensamentos, falando e rindo-se constantemente sozinho. É uma
pessoa muito doce e, apesar da doença, dá sinais de continuar a pensar nos outros (dá os seus cigarros
aos outros utentes, oferece o seu lanche aos irmãos quando o visitam, etc.). Também gosta muito de ir a
Vale Serrão com os irmãos.
José Reis, tem 53 anos. É o mais novo dos quatro irmãos. Saiu da
aldeia com 14 anos, rumo a Portimão, numa altura em que já os três irmãos
tinham também migrado. Mudou-se para o Algarve com o objectivo de ir
tomar conta dos negócios do irmão mais velho, Manuel, que já começava a
revelar os primeiros sintomas da doença. Aí construiu a sua vida e hoje
continua a viver em Portimão. Não visita os irmãos tão regularmente como
Lúcia devido à distância geográfica.
Maria dos Anjos Real, 94 anos. É tia dos quatro irmãos – irmã da
mãe. Vive na aldeia de Vale Serrão, onde é a habitante mais idosa. Apesar
da idade avançada, está completamente lúcida e lembra-se de tudo e de
todos. Gosta muito de ver os sobrinhos quando estes visitam a aldeia.
Poderão ainda surgir outras personagens secundárias durante as filmagens, como pessoas
conhecidas que os irmãos vão encontrando durante os seus passeios na aldeia e outros locais.
ESPAÇOS
Casa de Saúde do Telhal (interior e exterior)
A Casa de Saúde do Telhal foi fundada em 1893, pelo padre Bento Menni. A quinta foi comprada
com o objectivo de criar uma instituição de saúde, uma vez que os doentes mentais eram pessoas com
fortes carências.
Foi aqui prestada assistência aos militares da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918,
regressados de França mentalmente perturbados, devido aos gases usados pelas forças alemãs. As
pensões que o Governo pagava pelos militares internados e algumas economias permitiram fazer novas
construções, tendo sido este considerado o melhor serviço da Europa para pessoas com doença mental.
À medida que o número de internados foi aumentando, estes foram sendo agrupados de acordo
com os seus quadros psicopatológicos pelos vários pavilhões que constituem a instituição. Hoje a
assistência em serviços de internamento disponibilizada pela instituição inclui pessoas com doença
mental em fase aguda, pessoas com doença mental em programas de reabilitação residenciais e de
ocupação, pessoas com doença mental em regime de evolução prolongada (longo internamento), doentes
psicogeriátricos (longo internamento e alívio programado das famílias por períodos, no máximo, de três
meses), pessoas com deficiência mental em longo internamento e em programas de reabilitação e doentes
alcoólicos. O Telhal tem uma lotação de 430 utentes divididos por seis unidades de evolução prolongada e
três clínicas terapêuticas. Esta é a instituição onde está internado Manuel Reis.
Casa de Saúde da Idanha (interior e exterior)
A Casa de Saúde da Idanha foi fundada em 1894 pelo padre Bento Menni, tal como a do Telhal. A
instituição opera igualmente no âmbito da saúde mental e psiquiatria. Enquanto que a anterior actua
essencialmente com doentes do sexo masculino, esta dedica-se ao cuidado de pessoas do sexo feminino.
A Casa de Saúde da Idanha tem uma lotação de 500 camas divididas em nove unidades de
internamento, duas residências apoiadas e quatro residências autónomas. Desenvolve programas
assistenciais segundo um modelo de assistência integral que, através do trabalho em equipa, desenvolve a
intervenção terapêutica contemplando os aspectos biológicos, psíquicos, sociais, humanos, espirituais e
ético-relacionais. É aqui que Filomena Sandinha está internada.
Vale Serrão
Esta é uma aldeia pertencente à freguesia e concelho de Pampilhosa da Serra, no distrito de
Coimbra. Está situada na encosta da Serra do Açor e tem uma vista privilegiada sobre o rio Zêzere. A sua
população sempre viveu da agricultura, da pastorícia, do mel, do azeite e da colheita de resina. Em aldeias
vizinhas, os trabalhadores vale serranenses eram mesmo conhecidos como os “resineiros”.
Esta é mais uma das aldeias no interior do país vítimas da desertificação – hoje conta apenas com
14 habitantes, a maior parte deles idosos. Tem uma grande afluência de pessoas principalmente na altura
do Verão.
Casa dos quatro irmãos
Aldeia
Casa da tia Maria
Praia fluvial de Álvaro
A aldeia de Álvaro pertence à freguesia com o mesmo nome, no concelho de Oleiros, e integra a
rede das Aldeias do Xisto. Possui uma das praias fluviais mais próximas de Vale Serrão, onde é possível
andar de barco a remos. Entre a praia fluvial e a aldeia de Vale Serrão distam seis quilómetros.
TRATAMENTO
Estrutura
O filme vai centrar-se numa visita dos quatro irmãos à aldeia onde nasceram e cresceram, algo
que costuma acontecer na altura da Páscoa ou do Verão. Desta forma, o período de rodagem durará o
tempo dessa viagem (em geral, entre três a cinco dias).
O filme terá início com Lúcia e José a irem a cada uma das instituições buscar os irmãos,
desenvolver-se-á com a família na aldeia de origem e finalizará com os quatro a abandonarem o local,
para regressarem à cidade. O objectivo com esta escolha prende-se ao facto de se querer mostrar a
relação dos irmãos num ambiente que lhes é familiar e onde estão mais descontraídos e sem
constrangimentos. A ideia não é apresentar a realidade das instituições psiquiátricas, mas sim os laços
familiares envoltos neste problema, logo nada melhor do que filmar as personagens naquela que elas
sentem como sendo a sua casa.
O início do documentário pretende situar os espectadores no tema que vai ser tratado – um
distúrbio mental – e apresentar as personagens principais. O desenvolvimento pretende revelar o
impacto da Esquizofrenia no seio desta família, mostrando quem eram estas pessoas antes e quem são
depois do surgimento da doença. No fim, o objectivo que se espera atingir com o filme é o de os
espectadores verem o doente esquizofrénico como alguém que também é filho, irmão e sobrinho de
outrem, que ama e é amado, que em tempos foi alguém exactamente igual a nós e, acima de tudo, que
apreendam a visão da família como um núcleo capaz de se reajustar a mudanças violentas, mantendo
intacto o amor que liga os elementos entre si.
Meio, Duração e Público-alvo
Este documentário destina-se ao meio televisivo. Terá a duração de cerca de 45-50 minutos,
sendo que se destina a um público vasto e heterogéneo. No fundo, este filme é feito para que possa ser
visto por qualquer pessoa; não haverá imagens consideradas chocantes ou de decrepitude e a linguagem
e conteúdo serão de fácil entendimento. As duas personagens com Esquizofrenia não vão ser filmadas em
momentos que possam gerar desconforto, quer para elas, quer para a sua família ou para os espectadores.
Esta história poderá ser vista por todos, talvez excepto por crianças por não serem capazes de entender a
temática abordada.
Ponto de vista
A história será contada segundo o ponto de vista de Lúcia, a irmã saudável. Esta escolha deve-se
ao facto de esta personagem ser a que acompanhou todo o desenvolvimento da doença na vida dos
irmãos e a que ainda hoje está mais presente nas suas vidas. Faz sentido o filme transmitir a sua visão,
uma vez que ela tem uma perspectiva alargada dos acontecimentos e da sua evolução. Lúcia tem vindo
um pouco a exercer o papel de mãe e pai dos irmãos, desde o momento em que se apercebeu que
precisavam de intervenção médica até hoje. É ela que todos os meses os visita e está a par das suas
necessidades. Além disso, tem um bom poder de comunicação e lembra-se com clareza dos momentos
importantes na vida dos dois irmãos doentes, em especial aquando da manifestação da Esquizofrenia.
Tempo
O tempo neste documentário será fragmentado – existirá uma constante viagem entre o presente
e o passado. A par das acções presentes – os irmãos a irem buscar os outros às instituições, a viagem de
todos no carro, os momentos passados na aldeia, etc. – haverá referências ao passado, como forma de
contar a história desta família, pela voz de Lúcia. Muitas das acções realizadas em Vale Serrão vão
remeter para a infância e adolescência dos irmãos e momentos aí vividos; nessas alturas haverá ligações
com o que já ali aconteceu antes e seu significado. Por exemplo, ao irem agora andar de barco no rio
Zêzere, Lúcia explicará como ela e o irmão Manuel ali costumavam pescar quando eram jovens.
Dispositivo narrativo
O dispositivo narrativo serão as recordações de Lúcia a respeito do passado que vão percorrer
todo o filme. Estas recordações materializam-se através de entrevista e arquivo de imagem (fotografias),
cedido pela família. Isto significa que a história da família – de onde vêm, como se desenrolaram as suas
vidas, o aparecimento da doença, etc. – será contada ao longo do filme, de forma parcelada. Ou seja, não se
saberá de uma só vez todo o desenrolar da vida até chegarmos à actualidade – Lúcia irá surgindo várias
vezes ao longo do filme, recordando, principalmente, os irmãos antes da Esquizofrenia, quando ainda
eram pessoas saudáveis. Existem vários álbuns de fotografias, e mesmo fotografias soltas dentro de
gavetas de móveis na casa dos irmãos na aldeia, que irão ilustrar o que Lúcia relata. Algumas vezes irá
falar acerca de momentos concretos do passado enquanto ela própria vê fotografias específicas e as
descreve, outras vezes as fotografias vão surgir no ecrã como forma de completar o que é dito. Assim, o
seu discurso será sempre acompanhado das imagens antigas, ora a surgirem no ecrã, ora nas mãos da
própria personagem.
Para este fim, Lúcia será entrevistada no pátio da casa de Vale Serrão que tem vista para o rio
Zêzere. Assim, ela será colocada de costas para a paisagem, de modo a esta aparecer como fundo. O plano
de imagem poderá variar entre médio, para dar conta do local onde estamos, e fechado, quando o assunto
for mais delicado para a entrevistada. Este dispositivo narrativo acaba também por funcionar como fio
condutor de todo o filme, uma vez que liga entre si as sequências respeitantes ao presente que vamos
vendo e lhes dá sentido.
Algumas vezes, estas recordações que surgem entre os momentos do presente poderão começar
primeiro apenas com a voz de Lúcia sobre as imagens que a antecedem, dos irmãos na actualidade em
determinada actividade relacionada com o que vai ser dito, ou até logo sobre uma fotografia; contudo,
acabará sempre por aparecer também a sua imagem enquanto narra os acontecimentos, pela necessidade
de acompanhar a sua expressão física enquanto fala de assuntos que lhe são tão próximos e delicados.
Seguem-se alguns exemplos de arquivo fotográfico a ser usado:
.0
Narração
O documentário não terá voz-off. A sua narração é feita, no fundo, por via dos relatos de Lúcia
acerca do passado. Apenas nesses momentos de entrevista alguém, neste caso somente Lúcia, falará
directamente para a câmara e narrará momentos concretos que já aconteceram, para se compreender
quem são estas pessoas, o contexto de onde provêm e até os seus comportamentos no presente. Em todos
os outros momentos do filme, em que se captará o quotidiano dos irmãos, apenas se perceberá o que se
está a passar pela própria dinâmica das acções.
Quando Lúcia intercala o filme recordando o passado e contando a história da família e, em
especial, a dos irmãos, não se ouve a voz do entrevistador a sugerir tópicos para a conversa ou a fazer
questões – somente o próprio relato da entrevistada surge no filme.
Estilo visual
O tripé será usado sempre que possível, para ter uma imagem mais estável, como em imagens
dentro de casa. Em algumas ocasiões isto não poderá acontecer, como em passeios a pé que as
personagens façam ou de barco no rio, por exemplo, em que se quer acompanhar os seus percursos –
nesses casos a câmara será à mão, tentando contudo ter a maior estabilidade possível.
O espaço físico que envolve as personagens será muito tido em conta nas filmagens. Isto apenas
não acontecerá de forma tão vincada nas casas de saúde do Telhal e da Idanha, uma vez que não é aqui
importante dar demasiado relevo a essa realidade – nesses locais, a imagem incidirá com muita maior
precisão nas acções (o caminhar das personagens, o encontro de umas com as outras, o trocar de mala ou
saco de viagem do auxiliar para o irmão, etc.) do que no cenário envolvente. Mas uma vez na Pampilhosa
da Serra, as paisagens rurais vão ter um papel importante na composição da imagem, pois esse contexto
geográfico acaba também por participar no relato da história e no estado de espírito das personagens.
As cores naturais da imagem não serão alteradas.
Banda sonora
A banda sonora será composta pelos sons ambientes dos locais de filmagem – nas casas de saúde,
no carro, em casa, na aldeia, nos campos, no rio, etc. Será dada muita importância aos silêncios, tanto nos
momentos captados em família ou de algum elemento isolado, como durante os períodos de relato de
Lúcia acerca das suas recordações.
Sequências
Automóvel: José e Lúcia serão filmados dentro do carro, com um deles a conduzi-lo. Atravessam a
ponte 25 de Abril em direcção a Lisboa. O automóvel chega à primeira instituição.
Instituições: quando o automóvel entra nas instituições, é filmado a atravessar os portões onde se
lê “Casa de Saúde da Idanha” e “Casa de Saúde do Telhal”. Serão captadas as imagens de José e Lúcia a
chegarem primeiro à Casa de Saúde da Idanha e a percorrerem alguns corredores, até chegarem ao piso
onde está Filomena. Aí uma auxiliar traz a irmã, entrega-a aos outros dois que chegaram, tal como um
saco ou mala com roupa e medicação para passar alguns dias fora. Vê-se depois os três a chegarem à Casa
de Saúde do Telhal e a percorrerem os caminhos exteriores da instituição até chegarem ao pavilhão onde
está Manuel. Aí de novo um auxiliar ou enfermeiro traz o irmão até aos outros três e entrega uma mala.
Os quatro são então filmados a entrar no veículo.
Automóvel: é captada a viagem de carro dos quatro, tal como a vista que se tem da janela quando
se chega ao concelho de Pampilhosa da Serra (montanhas, vegetação, rio), principalmente da perspectiva
de Manuel e Filomena sentados, em princípio, nos bancos traseiros.
Vale Serrão: é captada a imagem do automóvel a chegar à aldeia, que tem uma placa à entrada
com o nome da mesma (imagem do exterior do carro, de quem já está na aldeia e o vê chegar). O carro
pára junto à casa da família e filma-se a reacção dos irmãos doentes ao chegarem aí, tal como imagens a
olharem o rio, as ruas e a entrarem em casa. São captadas todas as acções mais simples e quotidianas
feitas em conjunto pelos quatro irmãos e isoladamente pelos dois doentes – ir buscar lenha, limpar
algumas partes da casa, fazer as camas, apanhar fruta das árvores do quintal, olhar o rio pelo pátio da
casa, arranjar o jardim, etc. São captadas todas as imagens de acções realizadas ao longo dos dias na
aldeia, como as refeições em conjunto feitas em casa, Lúcia ou José a darem a medicação diária aos
irmãos, os passeios pelas antigas hortas da família onde os quatro trabalharam, pela antiga escola
primária da aldeia, as conversas entre irmãos enquanto passeiam, a reacção de Filomena e Manuel ao
visitarem determinados sítios, etc. Será sugerido que vejam todos juntos fotografias suas antigas que
estão na casa, como forma de poder ligar esse momento ao discurso de Lúcia acerca do passado. Serão
captados os comportamentos dos dois irmãos doentes, as suas acções mais simples. Na aldeia, será ainda
filmada a visita dos quatro irmãos à tia Maria dos Anjos Real na sua casa e, em especial, a reacção desta ao
ver Filomena e Manuel e os diálogos entre a tia e estes sobrinhos. Claro que a tudo isto está associada
alguma imprevisibilidade, estas são apenas as situações que à partida irão acontecer e têm de ser
captadas.
Álvaro: aqui será captado o passeio de barco dos irmãos pelo rio Zêzere.
Automóvel: serão ainda captadas imagens dos quatro a entrarem no carro, depois de fechada a
casa, na hora de ir embora. Aqui é gravada apenas a perspectiva do lado de fora do veículo – as
personagens a entrarem, o carro a ligar e por fim a abandonar a aldeia. Não são captadas cenas no
interior.
Assim, esta poderá ser a estrutura geral do documentário:
Início
Lúcia e José no carro. Lúcia e José a irem buscar Filomena. Lúcia, José e Filomena a
irem buscar Manuel. Os quatro a entrarem por fim no carro, enquanto surge o título
“Irmãos da Esquizofrenia”.
Desenvolvimento
Viagem de carro. Paisagem vista pela janela do carro. Chegada a Vale Serrão.
Entrada em casa. Tarefas domésticas. Irmãos no quintal, no pátio, à volta da casa.
Lúcia começa a falar do passado – a sua infância e a dos irmãos, relação entre uns e
outros, a vida na aldeia.
Passeio pela aldeia. Visita às antigas hortas. Passeio de barco no rio. Lúcia a falar –
o trabalho precoce das crianças no rio e nos campos, a migração dos irmãos para
Lisboa (e também para Portimão no caso de Manuel) e as suas vidas na cidade.
Em casa, as actividades mais familiares e quotidianas. Visita à tia Maria dos Anjos.
Lúcia a falar – o surgimento e evolução da doença na vida dos irmãos.
Todos em casa a verem fotografias antigas. Manuel a fumar e a rir. Filomena a
desabafar com alguém sobre as suas preocupações. Lúcia a falar – internamento
dos irmãos nas instituições e seu estado de saúde a partir daí até hoje, as
consequências da doença na vida de todos.
Final
Família a preparar-se para ir embora. Alguém a fechar e trancar a porta da casa. Os
quatro entram no carro. O automóvel a afastar-se e a abandonar a aldeia.
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