CARLOS ALEXANDRE NASCIMENTO TERENA A LENDA DO

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CARLOS ALEXANDRE NASCIMENTO
TERENA
A LENDA DO BOTO
CONTADA NO RIBEIRÃO
Na beira do precipício, atraente o lago é profundo.
Sobre as asas do vento um suspiro, forte e íngreme salto no escuro.
Fria brisa no rosto gelado atira a moeda esfria o corpo molhado.
De um mergulho passarinho [Martin, pescador] lança a rede no aquário.
Envolvente prazer de sedução, goza o risco na fuga de um alçapão.
De poleiro arteiro em poleiro, canto forte no escapar do passarinheiro.
E o triste assobio de um matador de passarinho,
Coração ferido estrada esvai em desnorteio.
Da floresta de vários amores, entretece a paixão feito teia,
Visgo verde cipó da beleza, isca arisca pescador vira presa.
Enroscado em abraços alheios, deságua o amor no mar em devaneios.
Na beira da praia a enseada, atraente o oceano é profundo.
Fina areia que retrata o ardor da jornada,
Ampulheta é virada em mergulho no escuro.
Ante o mar da saudade horizonte sem rumo,
Corta o remo águas claras, desafiando a chegada
Sem mais remo no escuro, de um vaguear oriundo.
Sem mais rastros nas águas
Fica na areia pegadas,
No findar da labuta,
Cicatrizes que deixam suas marcas.
De volta pro ninho passarinho [Martin, pescador] sem jangada
Maculada alma é amarga. Sem mais peixes no feixe pro seu Pirajá,
Lacrimejo de um desatino, jangadeiro olhando fica pro mar.
Nos seixos do ribeiro lavrado, terena quara fino lençol branqueado.
Batendo roupa limpa em pederneira lisa e funda,
Enxágua os panos no passado de agruras.
Na correnteza as lavadeiras esfregam,
Barulho frenético com os punhos que estalam,
A melodia em lembranças de amores marcantes,
Que o mar pra longe de seus corações levaram:
- Canoa de pescador, que levou meu grande amor,
-Nas águas da solidão, o remo dá sua direção.
-Nas ilhas da paixão um porto, canoa que fica a esperar,
-Barganhas dos homens pesqueiros, pro alimento então granjear.
-Ó canoa ao regaço que torna,
-Sobre as ondas da minha canção,
-Traga meu pescador de volta;
Para os meus lençóis lavar no ribeirão.
Quando o sol dourado estende-se no gramado verdejante,
Brilho forte traz destaque, no florescer do ipê por entre as arvores
gigantes. O amarelo misturado ao verde belo e singelo da floresta;
Faz lembrar mesclados olhos de terena entre as donzelas.
Ao findar o dia que no arraial declina,
Arde a luz da lamparina no cume de um moirão, clareando o ribeirão.
E nos passos de um compasso ao som de um repicado no chão,
Terena canta baixinho, tendo o remo em suas mãos.
Com um brilho no olhar assustado,
Ierê tem ouvido aguçado pra ouvir a lenda triste,
De um jangadeiro e seu passado;
-Ribeiros de muitos amores, redemoinhos da vida a girar.
- Pescador joga os remos na água, e uma moeda para o boto levar.
-Navegante uma rosa comprou, pra deixar ao seu único amor,
-Que da lida saiu a pescar, sem moeda tendo o remo a jogar.
-No redemoinho o boto levou,
- Pescador para longe do seu amor,
-Desaguando água doce no mar,
-E a jangada sozinha a vagar.
Com os olhos mergulhados em lagrimas,
Terena corre na janela a olhar;
A enseada quebrando na praia,
Aguardando jangadeiro voltar.
Cota a lavadeira tricota,
Mais tricota que lava.
Quando perde o sabão na ladeira;
Mais tricota que lava.
Cozendo um pouquinho aqui,
Cozendo um pouquinho ali.
Cochicha de Terena baixinho,
Chocarrice fazendo rizinho:
-Terena esvaiu-se em lagrimas,
-Aguardando jangadeiro voltar.
-Diz que Ierê é filho de pescador,
-Mas o boto é seu verdadeiro amor.
-Ainda me lembro o ensejo,
-Lua cheia fogueira a queimar.
-Extravagante de nariz empinado,
-Uma dança cavalheiro a levar.
-Quando a nona lua cheia passou,
-Ierê em seus braços ganhou.
-Viveu longe do pai pescador,
-Redemoinho oceano levou.
Um rizinho, fuxico baixinho.
Lavadeira perdendo o sabão,
Coscuvilhos desaguando aos ouvidos,
Ribeiros sujos de difamação.
Do rabisco rupestre na pedra do ribeirão,
Andam três no caminho juntos dando as mãos.
Da canoa pesqueira virada na praia,
Dois rabiscos sozinhos olhando a enseada.
Olhos tristes perdidos de um vaguear sem direção,
Só pegada na areia de um vai e vem na solidão.
-Sou semente, sou raminho sem raiz sou alcatrão.
-pobre caule sem um tronco solitário e sem razão.
-Inventado na estória de uma lenda do ribeirão,
-De um predicado sem sujeito meio boto e pescador,
-sou Ierê sou de Terena, cresci menino e homem de dor.
Riacho que deságua no rio,
Curso d’água de um passado a imitar.
Percorrendo correnteza o caminho,
Novas águas adoçando alto mar.
No espelho das correntezas cortadas,
Refletida face identidade aviltada.
Lua cheia silhueta sombreia,
Lança moeda, jangada sem remos permeia.
Ancorado em selva alheia, coração desembarca na aldeia.
Descobre amores preso em cipós de lendas,
Desbravadora alma amarga em rancores;
Sente os espinhos hereditários em destino.
Planta dos pés em terra estranha,
De lavadeiras em ribeirões da aldeia que cantam.
Na melodia o som repete a mesma sintonia.
Lençol de nodoa em canoa vazia;
-Menina prenha carregando lenha,
-No doce embalo modo de preparar,
-O ensopado para o jangadeiro amado,
-Que rio adentro o peixe foi pescar.
-Na busca de suas raízes, já longe do seu mocambo,
-Um broto encontrou no campo, paixão pela cor do jambo.
-Encantou-se pelos lábios de jatobá,
-No perfume evolado dos cabelos no doce jequitibá.
-Sucupira menina mulher, que um boto afugentou pro mar.
-Do amor forte da floresta, nova vida em seus braços brotou,
-Semente da terra mãe, exalou uma linda flor,
-Que da mata verde o encanto,
-Cicatriza um passado de dor.
Chica a lavadeira prendada,
Faz fuxico e lava roupa no ribeirão.
Quando perde o sabão dentro d’água,
Mais fuxica que lava.
Foi dizendo de Ierê bem baixinho;
-Jangadeiro lança rede no rio, sem saber quando vai voltar.
-Passarinho [Martin pescador], de poleiro arteiro em poleiro,
-Canto forte foi para o ninho chocar,
-E o dono da arte é o boto, que levou pescador para o mar.
-Ainda me lembro o ensejo, lua cheia fogueira a queimar.
-Um caçador de passarinho, coração triste a remar,
-seu amor aqui veio chorar;
-Terena doce encanto do campo, flor do ipê no musgo tapete em manto.
-A cobrir os torrões da terra mãe que no seu vermelho paixão,
-Passarinho fez seu ninho, afugentando-me o coração.
Quando as águas seguem seu curso,
No encontro do remanso no rio,
Tronco velho agarrado nos ramos,
Dos cipós por ele envolvidos.
Disse-lhe Ierê:
-quisera ser tu um boto, a nadar contra a maré,
-Pra pescar os teus salmões, e cortar as águas turvas,
-Do rio Negro ao Solimões.
-Mas, nas correntezas das línguas contrarias,
-Persuasivas perniciosas malditas,
-Deixas-te teu remo levar, deixando a deriva teu barco ficar.
-No remanso deste lugar.
Disse-lhe o tronco velho:
-Nas lendas de minhas raízes ampulheta eu tive que virar,
-E pra longe do meu amor ficar, até a criança crescer.
-Senão teria que jogar; mãe e filho no rio escuro,
- Para o boto em suas águas levar.
No silêncio do remanso um suspiro,
Pai e filho sem os remos nas mãos,
Entre lagrimas perdidas no rio,
De um tempo na estória do ribeirão.
Dorme a dor do desejo de casa
Singular sentimento no coração,
No abraço de uma morada,
Pai e filho remando com as mãos.
Ante o mar da saudade horizonte sem rumo,
Jangada corta águas claras, desafiando a chegada
No vaguear oriundo.
No ribeiro de amores perdidos,
Baila as pálpebras em meio a uma canção,
Ofuscando um ipê escondido,
Em folhas secas caídas ao chão.
De um brilho no horizonte distante,
Solidão rasga a alma em um olhar,
Desesperança que apaga a centelha,
De uma lágrima no rosto a rolar.
E no bater repicado de um remo ao chão;
Lança a moeda no lago; silenciando o conto nos lábios,
E na areia pegadas sem mais rastro nas águas;
O findar de uma espera, em cicatrizes que deixam suas marcas.
Dos lençóis manchados em nodoas,
Lavadeiras boca de sabão,
Estendem suas línguas nocivas
Conspirando nas águas de um ribeirão;
-Matador de passarinho está de volta pro ninho.
-Querendo seu amor nos lençóis derramar,
-E a estória do Martin pescador,
-Neste aquário peixe não vai mais pegar.
-Ó canoa de pescador,
-Que levou meu jangadeiro pro mar,
-Faça com que ele volte,
-Para os meus lençóis novamente lavar.
-Terena esvaiu-se em lágrimas, aguardando jangadeiro voltar.
-Lua cheia que clareia a enseada, revelando na areia pegadas,
-De um boto que a veio buscar.
No cume de um moirão clareando o ribeirão,
O vendo forte vem do norte apagando a luz do lampião.
No canto triste um só convite; de um íngreme salto no escuro,
Terena e o boto em mergulho; mar a dentro em amores profundos.
Sem mais rastros nas águas,
Fica na areia pegadas.
No findar de uma espera,
Cicatrizes que deixam suas marcas.
De volta pro ninho passarinho [Martin, pescador] sem jangada
Maculada alma é amarga. Sem mais peixes no feixe pro seu Pirajá,
Lacrimejo de um desatino, jangadeiro olhando fica pro mar.
E do ribeirão de vários amores entretece a paixão feito teia,
Na floresta o cipó da beleza, isca arisca pescador vira preza.
Enroscado em abraços alheios, deságua o amor no mar em devaneios.
FIM
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