TEM GENTE NO PARQUE: um estudo sobre agricultura e

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INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
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II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
TEM GENTE NO PARQUE: um estudo sobre agricultura e áreas protegidas nas
nascentes do rio São Francisco – Serra da Canastra Minas Gerais
Cristiano Barbosa1
João Cleps Júnior2
Resumo
A Geografia Agrária brasileira vive um momento fértil de pesquisas voltadas à compreensão
das dinâmicas sociais e produtivas do território na atual fase do capitalismo. Neste cenário de
pesquisa, nosso estudo pretende colaborar para o debate acerca da relação entre agricultura e
áreas protegidas no Brasil, em especial aquela que é praticada por pequenos produtores de
base familiar nas proximidades das Unidades de Conservação do Cerrado.
Nosso objetivo é pesquisar o conflito gerado pela proposta de ampliação do Parque Nacional
da Serra da Canastra apresentada em 2005 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Renováveis (IBAMA) nos municípios de São Roque de Minas e Vargem Bonita,
localizados no Alto São Francisco na região centro-oeste do Estado de Minas Gerais. O
estudo considera as dimensões políticas, econômicas e culturais daquele território, com vistas
a revelar os dramas sociais vividos pelos pequenos produtores rurais.
Neste artigo, apresentamos considerações parciais da nossa pesquisa de mestrado que
compreenderá o período de março/2005 a fevereiro/2007 no programa de pós-graduação do
Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia.
Palavras-chave: Território, Pequenos Produção Agrícola, Unidade de Conservação do
Cerrado, Parque Nacional da Serra da Canastra, Alto São Francisco.
Introdução
1
Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (Mestrando/bolsista CAPES) - [email protected]
2
Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (Orientador) - [email protected]
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A agricultura brasileira neste início de século apresenta um quadro bastante complexo de
relações políticas, econômicas e sociais, no qual domina os interesses do capital internacional,
sob a lógica do agronegócio, que produz as commodities voltadas para o mercado externo e
para a agroindústria. O que resulta em concentração fundiária e de renda, e pressão sobre os
recursos naturais. Ao mesmo tempo, inseridos nessa mesma lógica de forma contraditória e
desigual, estão os pequenos produtores que lutam pela conquista e/ou manutenção de suas
terras, responsáveis pela maior parte dos alimentos que abastecem o mercado interno, gerando
ocupação para milhares de trabalhadores rurais.
Neste contexto, a Geografia Agrária brasileira vive um momento fértil de pesquisas voltadas à
compreensão das dinâmicas sociais e produtivas do território. Em um universo rural com
profundas desigualdades regionais, diversidade cultural, com interesses políticos e
econômicos difusos e contraditórios, é preciso consolidar políticas públicas que resultem em
geração de renda, justiça social e preservação ambiental. Os desencontros e desarticulações
dos órgãos de governo, a falta de cooperação entre os entes federados (Municípios, Estados e
Governo Federal) e a incipiente e fragmentada participação política da sociedade civil são os
principais fatores a serem superados para resolvermos essa problemática.
Nesta perspectiva, o território aparece como tema central de investigação da realidade do
Brasil rural. Oliveira (2004, p.40) ao discorrer sobre o atual contexto socioespacial da
agricultura brasileira é categórico em afirmar que os seus “trabalhos refletem essa corrente
que tem no estudo do território o tema central da investigação em Geografia”. Por meio desta
categoria de análise podemos identificar os interesses em disputa, suas origens e os principais
agentes envolvidos na dinâmica socioespacial.
Inserido neste cenário atual de pesquisa, este estudo tem como foco a agricultura praticada
pelos pequenos produtores de base familiar localizados na área de ampliação do Parque
Nacional da Serra da Canastra nos municípios de São Roque de Minas e Vargem Bonita,
região centro-oeste de Minas Gerais. A motivação está em compreender os desafios de se
compatibilizar proteção ambiental e desenvolvimento rural em áreas protegidas, conforme
prerrogativas da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação. Neste estudo de caso, pretende-se demonstrar as contradições e
conflitos gerados pelos desencontros entre políticas ambientais e agrárias no Brasil quando da
criação, implantação e gestão de unidades de conservação.
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O decreto de criação do Parque Nacional da Serra da Canastra de 1972 previa uma área de
200.000 ha. Na prática o que se tem hoje são 71.525 ha. Em 2005, o IBAMA aprovou um
novo plano de manejo ratificando o interesse de incorporar os restantes 128.475 ha, além de
estabelecer um raio de 10 km no entorno da área, como faixa de amortecimento.
Na disputa por este território estão, de um lado, o IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente e
as Organizações Não-Governamentais - ONGs ambientalistas de caráter preservacionista, que
defendem a incompatibilidade da permanência de agricultores e demais agentes econômicos
na área. Do outro lado, a sociedade local, composta pelas representações rurais, empresários
do turismo e ONGs de orientação socioambientalista, que apostam na conciliação entre
atividades econômicas e proteção dos recursos naturais.
Metodologia
A metodologia da pesquisa se estruturou simultaneamente em duas frentes de trabalho. A
primeira relacionada à construção do arcabouço teórico e a compilação e análise de dados
históricos e estatísticos das fontes secundárias. A segunda tem sido direcionada para a coleta
de informações diretamente com os sujeitos da pesquisa. Utilizou-se na pesquisa de campo
roteiros semi-estruturados, que funcionaram como guias de diálogos e observações, visando à
obtenção de dados qualitativos. Por meio do registro das histórias de vida e do
acompanhamento das rotinas de trabalho dos pequenos produtores identificamos os principais
fatores que transformaram e influenciam a dinâmica socioespacial destes sujeitos.
As informações referentes ao processo histórico de ocupação e as recentes transformações
socioespacias da área a partir da implantação do Parque Nacional da Serra da Canastra, em
1972, foram coletas por meio da documentação disponível nos arquivos públicos e acervos
particulares dos moradores dos municípios selecionados, bem como nas pesquisas acadêmicas
desenvolvidas na área e no Plano de Manejo do Parque de 2005.
Os dados socioeconômicos foram tabulados de modo a propiciar uma análise geral deste
território. Eles foram coletados nas fontes oficiais do Estado (IBGE, Fundação João Pinheiro,
INCRA, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Secretaria do Estado de Agricultura e
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Abastecimento IBAMA, EMATER/MG, IMA e IEF/MG)3 e nas entidades representativas dos
produtores rurais, tais como, cooperativas e associações.
O objetivo da pesquisa empírica foi estudar como se processa o sistema socioprodutivo nas
propriedades e nos espaços de sociabilidade fora dela, compreendendo a propriedade como
unidade social de produção. Buscou-se apreender esta dinâmica pela perspectiva dos
produtores rurais. No roteiro de entrevistas foram levantados aspectos políticos, econômicos e
culturais do território de vida e trabalho dos pequenos produtores através do seguinte roteiro:
•
Trabalho familiar – as divisões de gênero, rotinas de trabalho, distribuição do
tempo e dos espaços, mutirões, troca de dias, atividades não-agrícolas,
atividades complementares etc.
•
Unidade de produção – meios de produção (terra, instalações, equipamentos),
recursos externos (financeiros, infra-estrutura), recursos naturais etc.
•
Sistema produtivo – tipos de cultura, tratos culturais, manejo do solo, cuidado
com os animais, relação com a natureza. Comercialização da produção.
Compra de insumos entre outros.
•
Sistema social e político – vínculos institucionais, festas religiosas etc.
Além dos pequenos produtores, foram entrevistadas lideranças políticas locais, técnicos dos
órgãos de extensão rural do Estado, agentes ambientais do IBAMA, empresários do setor de
turismo, agentes vinculados as Organizações não-governamentais de cunho ambientalista,
enfim, os principais sujeitos que interagem com aqueles agricultores e que estão envolvidos
no debate sobre a ampliação do parque.
Referencial teórico básico da pesquisa
O objeto central de análise da Geografia é o espaço, cuja construção é resultado da interação
entre sociedade e natureza. O homem, organizado socialmente, retira da natureza, através do
trabalho, os meios necessários a sua sobrevivência. O espaço como fruto deste processo é o
conjunto interligado dos elementos naturais e sociais.
3
Significado das siglas: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas; INCRA - Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária; EMATER/MG- Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas
Gerais; IMA – Instituto Mineiro de Agropecuária; IEF/MG – Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais.
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“O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam,
de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais,
e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em
movimento.”(SANTOS, 1997, p.26)
A Geografia ao analisar o espaço, busca entender o movimento da sociedade sobre ele, como
se processa a criação e recriação de condições físicas e sociais para a reprodução da vida.
Neste processo dinâmico, o foco está em compreender as forças, as motivações e os interesses
que movem os homens sobre a superfície da Terra.
Nesta perspectiva, o espaço é palco de disputa e o território a materialização da conquista, que
resulta em delimitações, ou seja, fronteiras. Claude Raffestin, na terceira parte de seu livro
“Por uma geografia do poder”, trata da relação entre território e poder, dando ênfase ao
aspecto político na configuração territorial. Para o autor, o território é resultado de um
trabalho no espaço, que envolve energia e informação, e que revela as relações marcadas pelo
poder. Conforme Raffestin (1993) o espaço antecede ao território. A territorialização se
processa a partir da ação social sobre o espaço. O homem ao ocupar o espaço estabelecendo
seu sistema sócio-produtivo o territorializa. “... o território se apóia no espaço, mas não é o
espaço. É uma produção a partir do espaço.”(RAFFESTIN, 1993, p. 144).
O território é o resultado das combinações estratégicas da sociedade na ocupação do espaço,
fruto de interações políticas, econômicas e culturais. Nesta perspectiva, vê-se em Haesbaert
(2004) uma ligação com Raffestin (1993). Para esse autor, o território é compreendido
considerando-se seus aspectos político ou jurídico-político, econômico e cultural ou
simbólico-cultural.
Em relação à dimensão política do território, Haesbaert (2004) destaca o poder do Estado na
delimitação e controle do espaço, estipulando regras e criando oportunidades ou restrições.
No aspecto econômico, o autor enfatiza o território como fonte de recurso, como resultado da
relação capital-trabalho e como produto de uma divisão do trabalho. Do ponto de vista
cultural o território é analisado como produto da apropriação simbólica de um grupo e a
vivência deste com o espaço.
Haesbaert (2004) defende uma visão integradora de território, tornando-se necessário uma
abordagem multissetorial e interdisciplinar. Esse autor defende a interação com as ciências
sociais para o aprofundamento do debate. Para ele, a contribuição da Geografia está na ênfase
à materialidade do território, em suas múltiplas dimensões, mas que, porém, existem
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geógrafos que dialogando com a Ciência Política, Economia, Antropologia, Sociologia e a
Psicologia, vêm desenvolvendo trabalhos consistentes que corroboram com o entendimento
da complexidade territorial.
A conceituação de território destes autores nos direciona a pensá-lo como uma construção
puramente humana, ou seja, criado como forma de apropriação de um espaço, com base em
interesses específicos em um dado momento histórico. Este processo de ocupação nos revela
as forças políticas e econômicas que estiveram e estão em jogo.
A partir deste conceito de território, compreendemos as relações entre agricultura e meio
ambiente como intermediadas pelas dimensões políticas, econômicas e culturais. O processo
produtivo é condicionado pela interdependência dessas dimensões.
Portanto, são as
orientações político-ideológicas predominantes, os parâmetros estabelecidos pelo mercado e
os aspectos subjetivos da cultura, que direcionam os fluxos de capital e a apropriação da
natureza, o que resulta na forma de ocupação do território e respondem pela dinâmica
socioeconômica da agricultura.
Gonçalves (2004), ao analisar a questão ambiental contemporânea coloca o território como
questão central no debate sobre o acesso aos recursos naturais. No seu entendimento, os
limites territoriais revelam as relações sociais e de poder que definem por quem e como será
apropriada a natureza. As fronteiras estabelecidas neste processo é que determinam as
relações de pertencimento e estranhamento, de dominação e exploração.
Outra importante contribuição de Gonçalves (2004) para se discutir a problemática ambiental
é a consideração que ele faz sobre a separação entre homem e natureza provocada pelo
capitalismo. Para o autor, este distanciamento não é uma questão só de mudança de
paradigma, está no cerne das relações de poder e na estruturação deste sistema econômico.
Esta separação se consolida com a instituição da propriedade privada, pois o acesso aos
recursos naturais passa a ser mercantilizado.
Para Gonçalves (2004, p.66), a instituição da propriedade privada fundamenta a constituição
do capitalismo e define a dinâmica dos territórios. “É ela que está na base da constituição do
Estado territorial centralizado, depois Estado-Nação, que é a forma geográfica por excelência
da sociedade moderno-colonial”. Ao estabelecer essa forma de apropriação da terra, o Estado
nega a diversidade de formas de apropriação dos recursos naturais e direciona o processo de
ocupação sob a égide do capitalismo.
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Além da compreensão da função da propriedade privada para se entender a problemática
ambiental, o autor chama a atenção para o papel central do princípio da escassez nas teorias
liberais de apropriação da natureza. Para o autor, a privação de um bem natural, o torna
escasso, pois, seu acesso passa a ser mediado pelo mercado. Neste sentido, ele ganha valor
pela sua restrição. O autor defende a superação do princípio de escassez pelo princípio de
riqueza, ou seja, “incorporar a natureza como riqueza, como algo abundante, um bem
comum” (GONÇALVES, 2004, p.67).
O grande desafio está justamente em assimilar e praticar este princípio de bem comum da
natureza. Porém, a diversidade de interesses políticos e econômicos, de concepções e de
ideologias sobre preservação ambiental, nos coloca diante de um quadro político e social
complexo, onde o consenso parece distante. O que resultará sempre em vencedores e
perdedores. Os vitoriosos são, geralmente, aqueles ligados aos interesses de quem detêm
poder político e econômico.
Caracterização socioambiental da área de pesquisa
Os municípios do entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra - São Roque de Minas,
Vargem Bonita, Delfinópolis, São João Batista do Glória, Capitólio e Sacramento -, estão
localizados na região centro-oeste do Estado de Minas Gerais (Figura 1).
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FIGURA 1 – Mapa de localização da área de estudo
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P. N. Da Serra
da Canastra
FONTE: IBAMA, 2005. Adaptado por Duarte, W. O.; Barbosa, C./2005.
Área de
Estudo
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Estes municípios estão inseridos em uma área de transição entre o Cerrado e a Floresta
Atlântica. Apresentam formações florestais do tipo savana e campestre. O Clima é
subtropical moderado úmido, apresentando temperaturas médias entre 17º a 23º C.
Neles se encontram nascentes de importantes bacias hidrográficas, com a do rio São
Francisco, Araguari e Grande (IBAMA, 2005). As áreas confrontantes com o Parque
Nacional possuem um relevo bastante dissecado com vertentes íngremes nas
proximidades das Serras da Canastra e Babilônia. Possuem também extensões
levemente dissecadas com presença de campos rupestres, utilizados predominantemente
como pastagem e para o cultivo de lavouras de café e milho.
Em relação à demografia dos municípios delimitados para a pesquisa, São Roque de
Minas possuía uma população total no ano de 2000 de 6.325 habitantes e Vargem
Bonita 2.212 habitantes (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2005). A população rural
representava 41,3 % e 46,65 %, respectivamente. Porém, esta estatística não reflete a
realidade constatada na pesquisa de campo. Foi possível perceber que estes municípios
têm uma dinâmica rural mais expressiva do que os dados populacionais demonstram.
Existem muitos produtores rurais que moram na cidade e trabalham no campo. O
principal motivo apresentado foi a educação dos filhos, pois as escolas urbanas
oferecem melhor qualidade de ensino. No entanto, constata-se pelos depoimentos que as
representações sociais acerca do urbano, como progresso, conforto, modernidade, lazer
e consumo, são os principais fatores de atração das cidades. Outros produtores, quando
se aposentam e não conseguem executar os trabalhos braçais do campo (tirar leite, roçar
pasto, recuperar cerca, entre outros), migram para a sede dos municípios ou distritos
rurais. Neste caso, contrata-se um funcionário (retireiro) para manter a fazenda, arrendase a terra ou a compartilhar com os filhos ou vizinhos por meio de parceria, porém,
executa a gestão da propriedade através de visitas periódicas. Existem também muitos
trabalhadores rurais (peões) que residem nos núcleos urbanos e são contratados para
suprir a escassez de mão-de-obra em serviços eventuais nas pastagens e plantações. Ou
seja, por esse critério da mobilidade, percebe-se pelo fluxo cotidiano cidade-campo, que
se tem uma sociedade ainda basicamente rural, apesar das estatísticas populacionais
expressarem o contrário.
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Os dados econômicos reforçam o argumento anterior. A economia dos municípios é
baseada na agricultura, cuja principal atividade é a pecuária. Conforme dados do Censo
Agropecuário 1995/1996 (IBGE, 2005), as áreas de pastagens naturais e artificiais de
São Roque de Minas correspondem 83,8% do total de terras utilizadas para
agropecuária. Em Vargem Bonita, este percentual é de 83,6%. Os dados oficiais sobre o
percentual do rebanho leiteiro não estão disponíveis, no entanto, na pesquisa de campo
se identificou que em todas as propriedades visitadas com até 100 ha a principal fonte
de renda das famílias está no leite, que é transformado em queijo e adquirido por
intermediários, chamados de queijeiros. Os profissionais que prestam assistência técnica
aos produtores estimam que cerca de 70% das propriedades com até 200 ha são
produtoras de queijo. Os principais condicionantes que impulsionam esta atividade são
a grande demanda pelo produto nos mercados das regiões sul de Minas Gerais e
metropolitana de São Paulo, e a ausência de laticínios para processar o leite.
Na produção agrícola, as lavouras de café, milho e soja tiveram grande avanço nos
últimos 10 anos. Nas terras com baixa declividade, com condições de mecanização,
estas culturas disputam o espaço com a pecuária. Percebe-se na paisagem o domínio
destas culturas na região leste dos municípios, principalmente às margens da rodovia
MG 050 que liga São Roque de Minas e Vargem Bonita à Piumhi. Esta estrada,
recentemente asfaltada, tornou-se o principal vetor de desenvolvimento agrícola. Na
direção norte de São Roque de Minas, nas regiões conhecidas como Leites, Buracas e
Serrinha constata-se o avanço destas monoculturas. O plantio de eucalipto também se
destaca na paisagem. Conforme relatos dos produtores pesquisados, grande parte destes
investimentos agrícolas é de paulistas da região de Ribeirão Preto e Franca.
As conseqüências do avanço desta agricultura são: uso intensivo de agrotóxicos, pressão
sobre os recursos naturais, principalmente água e solo, e proletarização dos pequenos
produtores. Nestas áreas de interesse do agronegócio, é crescente o número de
produtores que arrendam suas terras. Em alguns casos parte da propriedade é arrendada,
mantendo-se o mínimo para a subsistência, e no período de colheita a força de trabalho
excedente é vendida. Em outros, o arrendamento é total. O produtor muda para a cidade
e trabalha em serviços eventuais no campo, como roçagem de pasto, construção de
cercas, capinas, colheitas, entre outras ocupações.
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Outro fator relevante neste processo de modernização da agricultura é a atração
migracional. Como a mão-de-obra local é insuficiente para atender a demanda no
período de colheita do café, a região recebe grande fluxo de trabalhadores, oriundos
principalmente do norte de Minas Gerais. Parte destes migrantes tende a permanecer
nos municípios, o que aumentará a demanda por moradia, saneamento, saúde e
educação.
No tocante a estrutura fundiária, predomina propriedades de 10 a menos de 100 ha, em
ambos os municípios estudados, conforme o Censo Agropecuário 1995/1996 (IBGE,
2005). Em São Roque de Minas, estas propriedades representam 64,4% do total de 969
estabelecimentos rurais. Em Vargem Bonita, este percentual é de 35,6% do total de 295.
Esta grande diferença nos percentuais dos dois municípios aparece também nas
propriedades classificadas de 200 a menos de 500 ha. Enquanto que em São Roque de
Minas, elas representam apenas 1,03%, em Vargem Bonita chegam a 33%. Os
percentuais estão mais próximos em propriedades classificadas com menos de 10 ha.
Em São Roque de Minas elas correspondem a 6,3% e em Vargem Bonita a 4,7% do
total.
Apesar de não se ter dados atualizados, pelas informações repassadas por agentes
imobiliários locais, não ocorreu grandes alterações nesta estrutura fundiária. Por meio
destes relatos e da observação da paisagem, constatou-se que o comércio de terras mais
expressivo se concentra nas estradas de acesso ao Parque Nacional e próximo dos
atrativos naturais, principalmente de cachoeiras. Pequenas glebas, em média até 10 ha,
são transformadas em sítios de lazer ou pousadas. Seus principais compradores são
paulistas das regiões de Franca, Campinas e Ribeirão Preto. Estas terras têm baixo valor
agrícola, possuem declividade acentuada e pastagens exauridas. No geral, são pastos
abandonados, que se tornaram matas secundárias. Porém estas áreas, na perspectiva do
turismo ecológico são valorizadas. Conforme a localização, a paisagem cênica que
oferecem e a proximidade de atrativos naturais, podem ser vendidas por até R$
15.000,00 o hectare. O que para a realidade local é muito expressivo, já que o preço
médio de terras sem estas especificidades varia de R$ 8.000,00 a R$ 10.000,00. No
momento, a indecisão sobre a ampliação do Parque Nacional estagnou este mercado
imobiliário.
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Os pequenos produtores, ao venderem parte da propriedade, compensam a perda da área
e a conseqüente redução da renda através da prestação de serviços em sítios e pousadas.
As mulheres fazem serviços domésticos e os homens cuidam da terra – capinam
pequenos pomares, roçam pastos, regam plantas, etc. É comum também se beneficiarem
da venda direta de alguns produtos agrícolas, em especial o queijo.
Do ponto de vista da preservação ambiental, os sítios de lazer e pousadas contribuem
para a conservação da natureza. Constata-se nestas propriedades o cumprimento da
legislação ambiental no que se refere à proteção de Áreas de Preservação Permanente –
APPs e Reservas Legais.
Em relação aos aspectos socioeconômicos dos municípios delimitados para a pesquisa,
São Roque de Minas e Vargem Bonita obtiveram melhoras significativas nos seus
Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, conforme dados do Atlas do
Desenvolvimento Humano de 2000 (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2005). Em São
Roque de Minas o IDH de 1991 de 0,674, subiu para 0,766 em 2000; a taxa de
analfabetismo de 22,9% em 1991, caiu para 13,3% em 2000; a renda per capita média
de R$ 176,70 em 1991 elevou-se para R$ 256,20 em 2000. Os dados de Vargem Bonita
também são expressivos, o IDH de 1991 de 0,672, subiu para 0,760; a taxa de
analfabetismo de 18,3% em 1991, caiu para 14,9 em 2000; a renda per capita média de
R$ 132,60 em 1991 elevou-se para R$ 210,80 em 2000.
Todavia, estes indicadores não refletem os dramas sociais vividos pelos pequenos
produtores de base familiar inseridos nesta área de ampliação do Parque Nacional. Além
das dificuldades estruturais e econômicas, como baixa mecanização, péssimas
condições das estradas, necessidade de aprimoramento técnico, alto custo de insumos e
dependência de intermediários na venda da produção, eles sofrem as conseqüências das
indefinições do Governo Federal em relação ao processo de regularização da área.
O Território em disputa
A região das cabeceiras do rio São Francisco na Serra da Canastra deste o século XVIII
foi palco de intensas disputas. Os centros auríferos da Capitania de Goiás foram
responsáveis pelo traçado dos primeiros caminhos que transpunham as escarpas
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íngremes das serras e cortavam os extensos chapadões. As rotas pioneiras pela Canastra
surgiram como alternativa à estrada dos Goiases4 para fugir dos tributos cobrados pela
Coroa Portuguesa nos postos de fiscalização ao longo deste trajeto.
Conforme Lourenço (2005), a efetiva colonização luso-brasileira na região da Serra da
Canastra ocorreu no início do século XIX, com as primeiras concessões de sesmarias no
período de 1800 a 1803, decretadas pelo governo da Comarca do Rio das Mortes - atual
São João Del Rei. O território antes dominado por ameríndios – Cataguases, Acroás,
Chacriabás e Caiapós - e negros organizados em quilombos foi ocupado por grandes
fazendeiros de gado e produtores de base familiar após as campanhas de extermínio
destes povos. O impulso migracional foi estimulado pelo esgotamento da fertilidade das
terras das regiões auríferas da Capitania de Minas Gerais, pela crescente demanda por
produtos agrícolas dos centros urbanos, principalmente da capital Rio de Janeiro, bem
como, pelos interesses geopolíticos de ocupação do interior resultantes das reformas
políticas promulgadas pelo Marquês de Pombal na segunda metade do século XVIII.
Pelos estudos de Lourenço (2005) e pelas informações obtidas nas pesquisas de campo
junto às lideranças políticas e aos antigos moradores de São Roque de Minas e Vargem
Bonita, os pioneiros vieram principalmente da região de Itapecerica, Formiga e São
João Del Rei. O sistema agropastoril que se instalou na região ao longo do século XIX
era caracterizado por grandes fazendas de criação de gado e por uma agricultura
complementar de base familiar desenvolvida em pequenas posses, onde eram criados
rebanhos leiteiros e cultivadas lavouras de milho, feijão e arroz para a subsistência.
Além do gado que era comprado por comerciantes de São João Del Rei, os principais
produtos agrícolas que saíam da região eram queijo e banha de porco. Os pequenos
produtores transportavam estes produtos em carros-de-boi até os entrepostos comerciais
e os trocavam por sal e óleo para lamparina.
As propriedades de base familiar da região da Serra da Canastra, como as estudadas por
Cândido (1982) na região de Bofete no Estado de São Paulo e Brandão (1981) na região
de Mossâmedes no Estado de Goiás, possuíam características de uma economia de autoconsumo, com trabalhos fundamentados na cooperação e na reciprocidade, e uma
4
Esta estrada também conhecida também como do Anhanguera, era o caminho oficial que ligava a
Capitania de São Paulo às minas de Goiás cortando a região do Triângulo Mineiro (LOURENÇO, 2005).
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organização social determinada pelos laços de parentesco. Produziam-se praticamente
todos os bens necessários à subsistência.
As lavouras eram cultivadas após a retirada das matas, aproveitando-se a fertilidade do
solo. Quando estas condições se exauriam, outras áreas eram derrubadas. Na
impossibilidade de abrir novas roças nas próprias terras, faziam-se parcerias com
pecuaristas próximos. Aos grandes criadores de gado interessavam parte do excedente
produzido e a formação de pastagens após o uso agrícola.
Em relação ao manejo do rebanho e das pastagens, na estação chuvosa – outubro a abril
- o gado ficava nas terras baixas, próximas as encosta das serras. Na estação seca – maio
a setembro – os animais eram levados às terras altas dos chapadões. Antecedia a subida
do rebanho a queima do pasto. Os campos ficavam cobertos com relva verde de grande
valor nutricional. Estas áreas eram estratégicas para a pecuária, funcionavam como
reserva de alimento para os animais e aqueciam o mercado local. Conforme
informações históricas contidas no Plano de Manejo do Parque (IBAMA, 2005), na
segunda metade do século XIX a movimentação de boiadas se intensificou na região.
Muitos pecuaristas das vilas paulistas da margem esquerda do Rio Grande conduziam
seus rebanhos para engordar nas invernadas da Serra da Canastra. Nos depoimentos dos
produtores pesquisados constatam-se os benefícios deste itinerário. Eles descrevem que
neste período a compra e venda de gado se intensificavam, o comercio nas mercearias
crescia e surgiam mais oportunidades de trabalho e negócios.
Conforme descrições dos produtores pesquisados, o manejo destas pastagens era feito
com fogo. Dividia-se a área em duas parcelas e fazia-se uma rotação bienal. Os aceiros
eram feitos no entorno de nascentes, matas e divisas de pastos e logo após as primeiras
chuvas ateava-se fogo.
As mudanças significativas neste sistema agropastoril ocorreram somente no início do
século XX. A construção da ponte do Surubim sobre o Rio Grande entre 1910 e 1915,
mais tarde submersa pelas barragens das hidroelétricas de Furnas na década de 1960,
intensificou as transações comerciais entre paulistas e mineiros daquela região. O
mercado paulista fomentou a produção de cana-de-açúcar, café, queijo e manteiga. O
desenvolvimento da pecuária de corte na região de Uberaba, ao longo da primeira
metade do século XX, deslocou os investimentos desta atividade para o Triângulo
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Mineiro e a maioria das propriedades da Serra da Canastra se especializou na produção
de leite e queijo (IBAMA, 2005).
Outro importante fato histórico que corroborou para as mudanças socioeconômicas da
região ocorreu na década de 1930. A descoberta de jazidas de diamante no leito e nas
margens do rio São Francisco e de seus afluentes atraiu grande contingente de
garimpeiros para a área que hoje corresponde ao município de Vargem Bonita. Esta
atividade gerou o aumento da demanda por produtos agrícolas. Os pequenos produtores
foram os mais beneficiados economicamente, pois os produtos mais requisitados eram
leite, queijo, ovos, mandioca, feijão, porcos e galinhas. Os depoimentos de produtores
que vivenciaram este período evidenciam a necessidade de maior uso da terra e a
conseqüente pressão sobre os recursos naturais.
Com a mecanização da extração na década de 1970 os impactos ambientais se
intensificaram. Os movimentos ambientalistas nos anos de 1980 pressionaram o Estado
a fechar as lavras. Finalmente em 1989, diversos garimpos foram desativados pelo
IBAMA, o que provocou o encerramento deste ciclo e o descontentamento dos
produtores rurais que se beneficiavam da atividade (IBAMA, 2005).
A década de 1980 foi um período marcado por grandes crises econômicas no Brasil. Na
região da Serra da Canastra estes anos foram de empobrecimento da população. Os
prejuízos acumulados na agricultura culminaram em um colapso financeiro no início
dos anos de 1990. A única agência bancária do município de São Roque de Minas, a da
Minas Caixa, foi liquidada pelo Banco Central deixando a população local sem acesso a
serviços bancários. Não havia interesse de nenhum banco comercial em instalar agência
naquela região.
Esta situação caótica provocou a mobilização dos produtores rurais e comerciantes a
criarem em 1991 a Cooperativa de Crédito Rural de São Roque de Minas
(SAROMCREDI). Atualmente a instituição atua também nos municípios vizinhos
Vargem Bonita, São João Batista do Glória, Delfinópolis e Pratinha. Conforme Lima
(2003), participaram da Assembléia Geral Ordinária de 22 de março de 2003 mais de
três mil associados. Para este autor, além de resolver os problemas bancários, a
cooperativa tornou-se um importante agente de desenvolvimento rural. Foi criada a
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Fundação SAROMCREDI que desenvolve projetos agropecuários, com destaque para o
projeto Queijo-Canastra, que visa à certificação de origem.
O maior desafio na qualificação da produção do “queijo canastra” é cumprir os padrões
técnicos e sanitários definidos pela Portaria nº 694 de 17 de novembro de 2004, do
Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA. As adequações, segundo o engenheiro
agrônomo da Prefeitura de Vargem, exigem-se investimentos de R$ 15.000,00 a R$
20.000,00. Na avaliação, considerando que a maioria dos produtores possui renda média
mensal em torno de R$350,00 (Trezentos e cinqüenta reais), os principais obstáculos
são o acesso ao crédito compatível à capacidade de pagamento desses produtores, a
definição de uma logística de comercialização que assegure demanda e preço que
resgate os investimentos e o medo dos produtores de se endividarem e perderem suas
terras.
Segundo informações coletadas na pesquisa de campo, a maioria dos produtores vende
o queijo tipo frescal, aquele que é comercializado em no máximo 4 dias, por um preço
médio de R$ 4,00 a peça5. A produtividade de leite por vaca na região é de 2 a 3
litros/dia, oscilando em função da disponibilidade de pasto, já que poucos fazem
silagem. Como a maioria dos rebanhos possui de 12 a 15 bovinos em lactação, a
produtividade de uma pequena propriedade - 4 módulos fiscais ou 140 ha - pode chegar
no máximo a 45 litros/dia, considerando a hipótese de um rebanho de 15 vacas com
bom estado de nutrição. Com 45 litros de leite, o produtor fabrica de 4 a 5 queijos, que
são vendidos a R$ 4,00 a unidade, chegando-se, portanto, a um rendimento médio de R$
20,00/dia. Contudo a realidade é que a renda média dos pequenos produtores, cuja mãode-obra é essencialmente familiar, gira em torno de no máximo R$ 15,00/dia.
A escassez nutricional do rebanho decorrente da falta de silos e das restrições legais
para fazer a queimada nas pastagens naturais, o chamado capim macega, resultam na
produção de 3 a 4 queijos/dia. A venda é feita para os intermediários, conhecidos como
queijeiros, que revendem praticamente toda essa produção nas regiões metropolitana de
São Paulo e Sul de Minas Gerais. Poucos produtores conseguem fazer a venda direta ao
consumidor. A exceção são aqueles cujas propriedades estão nas estradas dos roteiros
turísticos, que fazem eventualmente a venda direta aos visitantes, recebendo R$ 8,00
5
As informações foram coletadas no mês de setembro de 2005.
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por peça. Portanto, é compreensível o temor pelo financiamento mesmo a juros de 4%
ao ano, com prazo de 8 anos para pagar, como oferece o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF.
Para o presidente da SAROMCREDI, João Carlos Leite, o maior desafio nesse processo
de certificação de origem está justamente em convencer os produtores a investirem na
qualificação da produção. Neste sentido, a cooperativa pretende ampliar sua atuação
junto aos produtores fornecendo toda assistência técnica necessária, de modo a
complementar o trabalho do IMA e da EMATER, e esclarecendo todas as dúvidas
referentes ao financiamento, as demandas do mercado, entre outras. Outro obstáculo a
transpor são as limitações da circulação do produto. É fundamental a criação de uma
estratégia de venda coletiva, para que os produtores não fiquem dependentes dos
queijeiros para escoar a produção.
A aposta é que o sucesso dos pioneiros provoque a mobilização dos demais produtores.
Atualmente quatro propriedades estão próximas de receber o certificado de qualidade do
IMA. Os queijos produzidos nestas fazendas já são vendidos pelo triplo do preço que é
pago pelos queijeiros. Seus compradores são basicamente os turistas que visitam os
atrativos naturais da região. João Carlos Leite, avalia que estabelecida uma forma
cooperativa de venda, somada ao exemplo de sucesso destas propriedades, o projeto terá
mais adesão.
Isolar ou integrar o Parque
O mapa da biodiversidade do Brasil informa que os Domínios do Cerrado abrangem
25% do território nacional, 2 milhões de Km². Infelizmente, o processo de ocupação
desta área nos últimos 40 anos fez com que restassem apenas 10% de áreas nativas
(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2002). Confrontando este mapa com os de
Unidades de Conservação e de Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, constata-se
que a maioria dessas áreas protegidas está inserida em regiões pobres, de pequeno
desenvolvimento econômico e graves problemas sociais.
O Parque Nacional da Serra da Canastra é um típico exemplo desta situação. Criado em
1972 com área de 200.000 ha, pelo Decreto Lei n.° 70.355 (de 3 de abril de 1972), teve
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como motivação uma resposta do Governo Federal aos riscos de perda da
navegabilidade do rio São Francisco (IBAMA, 2005). Naquele período, a bacia
hidrográfica franciscana, na região norte de Minas Gerais, já sofria sérios problemas
ambientais provocados pelas políticas de fomento aos plantios florestais para atender a
demanda de carvão das siderúrgicas. O projeto de um parque nas nascentes do rio surgiu
como compensação a estes danos ecológicos produzidos pelo capital agroindustrial.
O processo de criação desta unidade de conservação, no período considerado mais
truculento da Ditadura Militar, foi marcado por conflitos violentos. Os produtores que
resistiram à desapropriação foram retirados à força. Os depoimentos revelam cenas
lamentáveis praticadas por policiais federais, que para intimidar os produtores atiravam
em latões de leite e destruíam as instalações das fazendas. O ressarcimento pelas terras
foi moroso e conturbado, com o pagamento feito com títulos da dívida pública
(IBAMA, 2005). Em alguns casos o dinheiro demorou anos para chegar, em outros até
hoje permanece em litígio. A questão é que independente da veracidade da intensidade
dos relatos de agressão física, o estrago político e psicológico é a principal seqüela deste
processo.
Depois de um longo período marcado por brigas políticas e ações judiciais contra a
desapropriação, o parque foi delimitado em 71.525 ha no ano de 1976, o que
corresponde à área atual. Porém a efetiva desocupação ocorreu em 1979. Até então
havia na área alguns rebanhos de produtores que se aproveitavam das indefinições.
O conflito ressurge em 2005 com a publicação do novo plano de manejo do parque
propostos pelo IBAMA, que ratifica a necessidade de regulamentação da área original e
estabelece uma faixa de 10 km no entorno do parque, como faixa de amortecimento.
Isto implicará na renovação de vários produtores rurais de suas propriedades e no
aumento das restrições de uso dos recursos naturais.
Em decorrência dessas mudanças foi criada a Frente Popular em Defesa da Canastra,
composta por representantes políticos locais, empresários do turismo e lideranças rurais
vinculadas aos sindicatos e associações comunitárias. Este grupo conseguiu mobilizar
parlamentares do Congresso Nacional vinculados às comissões de agricultura e de meio
ambiente, que promoveram em agosto de 2005 uma audiência pública na Câmara dos
Deputados para discutir a ampliação do parque. Esta mobilização política resultou na
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criação de um grupo inter-ministerial liderado pela Casa Civil para estudar uma
alternativa que atenda os interesses em conflito. Até neste momento, não há uma
posição do Governo Federal.
Nesta área de ampliação de cerca de 130.000 ha, a Frente Popular em Defesa da
Canastra propõem a criação de uma Área de Proteção Ambiental - APA, categoria de
unidade de conservação presente no Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC, que prevê o uso sustentável dos recursos naturais. O IBAMA, apoiado por
algumas entidades ambientalistas e pesquisadores de universidades, ratifica as diretrizes
do plano de manejo de 2005. Ou seja, de um lado, estão os produtores rurais e suas
representações defendendo que é possível conciliar produção e conservação, e do outro
o IBAMA, certo de que a retirada dos produtores rurais e demais agentes econômicos é
a única alternativa para a preservação daquele território.
Considerações finais
No processo de disputa por este território os mais lesados são os pequenos produtores
de base familiar, que correm o risco de perder suas terras e de serem indenizados com
valores incapazes de propiciar a reprodução do seu sistema socioprodutivo em outras
áreas. Além disso, não há dinheiro que pague os impactos sociais e psicológicos
causados por anos de incertezas sobre os rumos do Parque Nacional da Serra da
Canastra.
A criação de áreas protegidas no Brasil, como em qualquer lugar no mundo, precisa ser
um processo democrático e transparente. Decretar uma unidade de conservação sem
antes ter os recursos para sua implantação e manejo, e negligenciar a participação da
sociedade local nesta discussão, resultará sempre em conflito. Aqueles que poderiam ser
parceiros do parque tornar-se-ão inimigos casos não sejam incorporados no processo.
O Parque Nacional da Serra da Canastra terá assegurada sua proteção quando seus
gestores compreenderem que sempre haverá agricultura confrontante às suas fronteiras.
E que, portanto, só uma política de integração, e não de isolamento, preservará seus
recursos naturais.
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O Estado também precisa promover políticas inter-setoriais, principalmente entre os
ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social se
pretende fazer da agricultura familiar a base do desenvolvimento local das regiões
pobres deste país. É insustentável uma pequena propriedade de base familiar sem
políticas de proteção que assegurem preços mínimos, apoio técnico, educação de
qualidade e programas de saúde.
A sociedade local também precisa se organizar politicamente, fortalecer suas bases
comunitárias e assumir responsabilidades que lhe compete. A esperança é que esta
mobilização social para discutir os limites do parque não se disperse quando o processo
se concluir. A consolidação de um fórum democrático permanente de planejamento e
gestão deste território será fundamental para as pretensões de conciliar desenvolvimento
socioeconômico e preservação dos recursos naturais.
Esta pesquisa na Serra da Canastra pretende ao final evidenciar estes problemas e
colaborar para o debate acerca das alternativas para agricultura de base familiar daquele
território.
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