CARTOGRAFIA E LITERATURA INFANTO-JUVENIL: UMA PARCERIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Valéria Trevizani Burla de Aguiar/UFJF [email protected] Ana Regina Cardoso Cunha/UFJF [email protected] Thays Saçço/UFJF [email protected] CONSIDERAÇÕES INICIAIS No âmbito da formação do profissional que irá atuar nas séries iniciais do ensino fundamental aparecem disciplinas de formação específica que darão sustentação à prática docente. Entre as disciplinas está a Geografia. Tratar da Geografia no contexto do Curso de Pedagogia é um grande desafio mais ainda, quando abordamos a Cartografia articulada no contexto da Geografia Escolar através da Educação a Distância. A Universidade Federal de Juiz de Fora, no contexto da Universidade Aberta do Brasil (programa do Ministério da Educação que oferece cursos superiores na modalidade de educação a distância) criou o Curso de Pedagogia (formação de professores) em sete cidades-pólo no estado de Minas Gerais, atendendo em cada pólo aproximadamente 50 alunos por turma. Os alunos residem na cidade pólo ou em cidades próximas a esses e vários têm experiência de magistério nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A organização do curso é feita através da plataforma MOODLE (Modular Object Oriented Learning Environment), um software livre que apresenta diferentes possibilidades de interação com os alunos no ensino a distância. A concepção e a organização da disciplina estão a cargo de um professor e de um grupo de sete tutores que são responsáveis pela condução das orientações aos alunos. Não há material previamente elaborado no formato de apostilas para os alunos. Os alunos recebem, antes do início das aulas, o programa e a bibliografia básica da disciplina e, ao longo do desenrolar das atividades, recebem textos de apoio e podem recorrer aos tutores presenciais, que estão à disposição dos alunos, nos pólos. O curso é totalmente a distância havendo, ao final de cada disciplina, uma avaliação presencial. No contexto do curso, a disciplina Geografia é oferecida em dois períodos consecutivos, com a carga horária de 60 horas cada um. Ao longo da disciplina Geografia II, trabalhamos com os alunos, diferentes linguagens no ensino de Geografia e, neste artigo, relataremos a experiência de trabalho com a introdução dos referenciais cartográficos topológicos e projetivos a partir da utilização da literatura infantil. Memória, Saber e Cartografia Conforme Tardif e Raymond (2000: 215), “o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação etc.” Pautando-nos nas considerações dos autores, elegemos os saberes pessoais dos professores e os saberes provenientes da formação escolar anterior como objeto de análise. A pesquisa se pautou em uma abordagem qualitativa e iniciada pela seguinte questão: Quais são os referenciais que lhes vêm à memória quando mencionamos a palavra Cartografia? As respostas foram postadas em um fórum de conversas que permite a interação entre os alunos e entre alunos, professor e tutor do pólo. Avaliando as respostas dos alunos pudemos constatar que a escola lhes forneceu o grande referencial de compreensão do que é Cartografia e, em geral, os estudantes consideram a Cartografia escolar diferente daquela do seu cotidiano de vida. A Cartografia que eles conheceram ao longo do processo de escolarização era alicerçada na memorização de longa nomenclatura, distante de ser algo importante na sua formação. Na memória e na concepção inicial das alunas, o aprendizado da cartografia esteve associado, em grande medida, a uma compreensão estática do conhecimento geográfico. Em seus comentários, o estudo da cartografia limitava-se à localização de lugares no mapa, como ruas, cidades, países, continentes. Alguns destacavam a importância da cartografia, mas a relacionavam a um instrumento que permite “identificar os municípios, países e acontecimentos históricos”, desconsiderando-se outras possibilidades de uso dos mapas. O primeiro referencial de nosso estudo foi o de buscar reconhecer a experiência dos alunos/professores com a Cartografia Escolar. Tomamos como experiência aquilo que nos toca ou nos transforma (Larossa:2002,19) e, portanto, torna-se referencial para nossas atitudes profissionais. A experiência de nossos alunos/professores com a Cartografia não aponta para a internalização de conceitos positivos; as suas “falas” apontaram, de início, para a rejeição do uso da Cartografia. Perguntas como “o que é Cartografia?” “Para que serve a Cartografia?” “Cartografia é memorizar os nomes dos países e de suas capitais?” E com muita freqüência questões como estas foram incluídas pelos alunos. Em decorrência, estávamos diante de um grande problema, ou seja, deveríamos abordar a metodologia do ensino do mapa para crianças com pessoas que deconheciam o mapa; situação diferente da Prática de Ensino para alunos que cursam Geografia posto que no curso destes existe a disciplina Cartografia. De acordo com Rios, a competência docente se revelará em diversas dimensões - técnica, estética, política e ética -, e vincula-se ao domínio de conhecimentos, a articulação desses conhecimentos com a realidade e os sujeitos com quem vai atuar e, citando a autora: “...é possível falar de uma competência específica do professor que precisa dominar determinados conhecimentos, relativos a uma área específica da realidade – biologia, física, filosofia, etc. Mais ainda que além dos saberes a ensinar, necessita dominar os saberes para ensinar.” (Rios, 2002:169). De fato, o professor que atua ou atuará nas séries iniciais do ensino fundamental tem uma gama de saberes a ensinar (Geografia, História, Matemática, etc.), portanto deve dominar as diferentes dimensões desses conhecimentos e, sobretudo, deve conhecer a metodologia de como ensiná-los no contexto das políticas e propostas educacionais hodiernas. Assim posto, procuramos um caminho que permitisse a articulação de diferentes saberes escolares. Como na proposta da disciplina abordaríamos diferentes linguagens no ensino de Geografia, optamos por articular a Cartografia com a Literatura infanto-juvenil, considerando que seria uma proposta de ensino mais plausível para nossos alunos. Geografia, Cartografia e Literatura A utilização de diferentes fontes escritas no ensino de Geografia (jornais, revistas) tem crescido ao longo do tempo; entretanto, a literatura ainda é pouco utilizada. Ressaltamos o emprego de textos literários, da literatura clássica à literatura infanto-juvenil atual posto que a própria natureza do texto literário, caracterizado por sua multiplicidade e complexidade, assegura um referencial tão propagado hoje em dia pelas propostas que têm norteado a educação escolar, ou seja, pluridisciplinaridade e enriquecimento cultural, facetas que dificilmente serão alcançadas com a leitura exclusiva de textos científicos e escolares. Cabe destacar que o texto geográfico e o texto literário se complementam, uma vez que existem similaridades entre o trabalho do geógrafo e do literato: ambos têm como referência a sociedade e buscam explicá-la, situando-a em um determinado tempo, espaço e lugar. Cada um deles ressalta uma experiência ou uma faceta diferenciada do espaço, seja este uma paisagem, uma região, uma cidade ou um meio rural, o que possibilita diferentes olhares sobre o objeto de estudo. Vários foram os estudos realizados na busca de uma leitura de textos literários no ensino de Geografia, como os de Aguiar, Miranda e Cardoso (1984), Aguiar (1985), Aguiar, Cardoso e Vargas (1985), Ferreira (1991) que discutem a inclusão da literatura infanto-juvenil em diferentes momentos para com alunos do ensino fundamental. Os resultados apontaram que tanto professores que fizeram parte de uma pesquisa (Aguiar, 1983-1986) quanto os escolares despertaram prazer pelas aulas de Geografia, muitas vezes tida como uma disciplina que os entediava na escola. Toda linguagem tem seus códigos e, para que sejam compreendidos, há a necessidade do domínio das chaves de decodificação. A literatura infanto-juvenil e a cartografia são linguagens com diferentes chaves de decodificação e, para decodificálas, destaca-se o papel da escola, do professor no processo de ensinar as diferentes possibilidades de leitura de cada uma delas. No contexto do curso de formação de professores, buscamos a aproximação da literatura infantil e da cartografia/geografia escolar, com o intuito de atender os preceitos dos Parâmetros Curriculares Nacionais e de, ao mesmo tempo, desenvolvermos uma proposta cuja metodologia pudesse ser transposta para a sala de aula do ensino fundamental, posto que entendemos que os conceitos cartográficos e sócio-espaciais se entrelaçam, tanto nos currículos da educação básica quanto nos dos cursos superiores que norteiam a formação docente. Dentre as inúmeras possibilidades, optamos por iniciar as atividades cartográficas com o livro “A Casa da Joaninha” que trata de um convite de uma joaninha, um inseto, para um menino ir conhecer sua casa. Ao longo do percurso, por ela indicado, são abordados todos os referenciais topológicos e projetivos de orientação espacial. O livro se pauta em uma linguagem adequada às séries iniciais do ensino fundamental e nos permitiu abordar as relações topológicas de vizinhança, separação, ordem espacial, envolvência (dentro e fora) e contínuo. Paralelamente, introduzimos, ainda com vistas no texto do livro, as noções projetivas como coordenação de perspectivas, esquerda e direita absoluta e relativa e reta projetiva. A proposta possibilitou aos alunos da Pedagogia agirem como alunos do ensino fundamental e gradativamente eles deram depoimentos de como estavam mudando suas ações em sala com seus alunos uma vez que possibilitamos que eles representassem suas cognições e locomoções no espaço geográfico local no processo de operacionalização das relações espaciais. Conforme proposto por Oliveira (1978), nossos alunos tiveram a oportunidade de agirem como mapeadores para depois tornarem-se leitores de mapas. A partir dos referenciais propostos pela obra de literatura foi possível trabalhar a conceituação básica para a compreensão de orientação e direção no espaço geográfico, com alunos que, em sua maioria professores do ensino fundamental, desconheciam o trabalho com a geografia escolar. Os conceitos de Geografia, Cartografia e de Cartografia Escolar foram introduzidos na unidade temática proposta e, ao final do curso, constatamos o enorme aproveitamento dos alunos que, ao final do curso, dominavam as relações projetivas e tornaram-se competentes usuários de mapas, demonstrando capacidades de analisar distribuição de dados espaciais nos mapas, fazer inferências através da comparação de mapas e espacializar as relações sociais. Referências bibliográficas AGUIAR, V. T. B. de. Literatura e Ensino de Geografia. Anais do II Congresso de Ciências Humanas, Letras e Artes das Universidades Federais Mineiras. Uberlândia: UFU, 1995. _____ & FERREIRA, C. C. M. 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