ORGANIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO DO ACERVO FRANCISCO

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ORGANIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO DO ACERVO FRANCISCO FERNANDES
Cássia Josiele da Silva1
1 Da parte bibliográfica
Francisco Fernandes nasceu em Arcos, Mina Geral, em 06 de agosto de 1900.
Filólogo, professor edicionarista, Francisco Fernandes sempre foi um pesquisador ativo da
língua portuguesa no Brasil, apesar de terabandonado a escola ainda no quarto ano do
primário. Logo do abandono da escola, Francisco Fernandes teve de ir trabalhar como
marceneiro junto de seu pai. A partir da leitura de clássicos da literatura portuguesa, o autor
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sempre manteve um constante interesse pelos estudos, se tornando então um autodidata.
Em 1915, fundou na cidade o primeiro jornal, O Imparcial. Devido às dificuldades de
distribuição e circulação, o periódico teve pouco mais de três meses de duração, com edições
semanais. Dois anos mais tarde, nascia O ECO, que também circulava semanalmente, contudo
ao longo de dois anos na cidade. Neste segundo jornal, Francisco Fernandes era diretor e
redator, onde começou a escrever suas primeiras crônicas em jornais, sob o pseudônimo de
João Cansado.
Aos 23 anos, passa a viver em Formiga, cidade vizinha e casa-se com Alice Andrade.
Nesse mesmo ano, é aprovado em um concurso num banco da cidade, desempenhando a
função de bancário.
Paralelamente, graças a seus estudos contínuos de português, era
redator-chefe da Gazeta de Formiga, principal jornal da cidade. Dez anos mais tarde, ainda na
cidade, organizou grupos, onde ministrava aulas de língua portuguesa à noite com base em
seus estudos realizados com a língua ao longo de seusanos de estudo.
Acreditava que os clássicos eram de grande valia, principalmente para explicar as
regras disponíveis nas gramáticas durante suas aulas. Nesse período, passou a publicar
também comentários gramaticais no jornal da cidade intitulados de Língua Portuguesa. Tais
publicações resultaram em vários elogios por boa parte de seus leitores que, logo, lhe
aconselharam que os publicassem em forma de livro.
Ao final, com cerca de 6 horas diárias de estudos durante 6 anos, segundo relatos, o
autor obteve cerca de 10 000 verbos e seus usos com exemplos retirados de obras literárias.
Deste estudo, originou-se o Dicionário de Verbos e Regimes, que só pôde ser publicado
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Graduanda do Curso de Letras - PUCRS
graças a um financiamento realizado pelos seus leitores da coluna escrita no jornal mediante a
um contrato de empréstimo.
A Editora Civilização Brasileira, na época localizada em São Paulo, publicou a
primeira edição do dicionário em 1940. Aclamado por escritores, figuras públicas e estudiosos
da língua, a primeira edição do dicionário se esgotou em pouco mais de oito meses, o que
permitiu uma segunda edição muito antes do esperado.
Já na terceira edição, o dicionário saiu pela Editora Globo, que, junto com a
publicação, ofereceu ao escritor a vaga de chefe do departamento de enciclopédias da editora.
Mudou-se então para Porto Alegre, e em 1942 tem seu trabalho agraciado com o prêmio
Francisco Alves, concedido anualmente pela Academia Brasileira de Letras.
Logo da sua chegada a Porto Alegre, Francisco Fernandes passou a ser colaborador da
cadeira de Português, no curso de Letras Anglo-Germânicas da Universidade de Porto Alegre,
hoje UFRGS. Pela Globo, tem publicados Dicionário de Sinônimos e Antônimos (1945),
Dicionário Brasileiro Contemporâneo (1947), Dicionário de Regime de Substantivos e
Adjetivos (1950). No mesmo ano da sua última publicação, inicia a organização de um
dicionário solicitado pela editora, de um porte maior e algo não tão especializado como eram
seus anteriores. O dicionarista então estipula uma data em torno de dez anos para a publicação
do dicionário que chamaria Grande Dicionário Vernáculo. Contudo, um incêndio na editora
consumiu com quase todo o material até então produzido por Francisco Fernandes. Seu
falecimento se deu logo em seguida, em 25 de agosto de 1965.
2 O acervo
O Acervo Francisco Fernandes é composto em sua maioria por correspondências,
fotos, manuscritos, prêmios e suas principais obras. Em fase de catalogação, o acervo
primeiramente teve de ser organizado e acondicionado corretamente antes de ser catalogado.
Este trabalho de separação e acomodação teve duração de cerca de dois meses, e resultou em
todas as subdivisões descritas anteriormente paraque, do processo de catalogação,
resultasseum catálogo disponível na página do Delfos, na internet, dedicado ao autor, ainda
em fase de construção.
A separação é feita manualmente pelo bolsista, assim como o acondicionamento. Para
a catalogação, é utilizado o sistema Aleph (fig. 1), que é padrão da Biblioteca Central da
Pucrs. Para tanto, o bolsista passa por um processo de treinamento junto a umbibliotecário
experiente e responsável pela catalogação. O catálogo é gerado automaticamente na
Biblioteca do Delfos, e parte dele está disponível no site da Biblioteca Central (fig2).
(Fig. 1)
(Fig. 2)
Sobre a importância dos estudos realizados em acervos, Alice Moreira emLiteratura:
História e Memóriafala do quão rico pode ser um acervo, não só pela preservação, mas pelo
conteúdo histórico, literário e até social que podem estar inclusos no estudo da vida e da obra
do autor.
São considerados fontes de pesquisa documentos objetos de estudos literários, tais
como: textos raros, manuscritos e edições de obras, esboços, cadernos de notas,
correspondências, fotografias, registros de prêmios literários, medalhas e diplomas,
notas de imprensa, artigos críticos, revistas e jornais literários, enfim, todo
documento do autor ou sobre o autor que possibilite, sobretudo, uma revisão da
história e de critica literária. (MOREIRA, 2007, p. 26)
Dentro desta perspectiva, o projeto de organização e divulgação do Acervo Francisco
Fernandes é abrangente em todos estes sentidos. Por se tratar de um acervo recente no
Delfos, durante a organização foi possível encontrar documentos raros e de um peso histórico
imensurável. Podem ser listados aqui o contrato registrado em cartório, ainda em Formiga
para a publicação do Dicionário de Verbos em Regimes, onde há aspectos relevantes tanto
historicamente como culturalmente para a cidade de Formiga. Há também um radiograma
enviado por JucelinoKubichek, quando o mesmo ainda era governador de Minas Gerais em
agradecimento pelo primeiro dicionário publicado pelo autor. Já nas publicações de imprensa,
há uma notade Carlos Drummond de Andrade, lamentando o falecimentodo dicionarista,
publicada em Minas Gerais, com fonte desconhecida. Inéditos do autor que restaram do
incêndio da Editora do Globo, com verbetes iniciados pela letra “A”, todos disponíveis para
pesquisa no acervo.
3 Sobre a divulgação
Hoje em dia, com a popularização e o fácil acesso à rede mundial de computadores,
podemos fazer um falso julgamento quanto à divulgação biográfica de fato. Caso façamos um
estudo biográfico de um autor, a internet, nos dias atuais, terá certa carga de responsabilidade
pelos resultados obtidos. Roland Barthes, em “A morte do autor”ao criticar o fato de que o
autor ainda reina nos manuais de teoria literária, e colocá-lo no status de “Ser de papel” apaga
totalmente esta mera figura literária. No texto, Barthes não só mata o autor, mas fazer nascer o
leitor, este o ser mais importante do texto.
Contudo, apesar de estarmos tratando aqui de um dicionarista, é interessante pensar
que a obra em questão é automaticamente divulgada e conhecida com o auxílio da sua
biografia. É necessário que elementos biográficos sejam escritos edivulgados, pois por se
tratar de um dicionarista, em que não há um nível tão grande de envolvimento entre leitor e
obra literária, por exemplo, essa divulgação se faz necessária. O cânone aqui pode ser visto
como um obstáculo também, pois assim como em obras literárias conceituadas, o mesmo
ocorre quando nos referimos a dicionários.
Observamos que, ao se tratar de dicionários, o conceito de cânone aqui é muito mais
nebuloso. Por se tratar de obras referentes à língua, que é algo vivo, e que, principalmente na
fala, mas também na escrita, se modifica constantemente, a atualização deste tipo de obra se
faz necessária. Assim, não defendo aqui a exclusão do uso das obras ditas ultrapassadas, mas
proponho um estudo diacrônico da língua através da obra de Francisco Fernandes.
Peguemos aqui de exemploum estudorealizado pela UNESP, sobre o verbo “Depararse”, onde oautor analisa o uso do verbo tanto no uso corriqueiro quanto no culto. No estudo o
autor inicia com a análise do verbete segundo Dicionário de Verbos e Regimes,de Francisco
Fernandes, que admite seis regências para seu uso. Contudo, em seu dicionário apossibilidade
de “Deparar-se com” é excluída , mas admitida em outros dicionários de regência consultados
pelo autor durante o estudo.
Assim, fica clara a contribuição de Fernandes à lexicografia da língua Portuguesa no
Brasil. Mesmo com pouco grau de escolaridade, o autor conseguiu se dar conta de que havia
algo faltando nos estudos relacionados à língua tudo graças à literatura, seu esforço e paixão
pela lexicografia. Cabe aqui ressaltar também, o quão pouco seus estudos são divulgados e a
pouca quantidade de resultados relacionados em uma simples busca feita por seu nome na
internet, relacionado ou não à lexicografia.
Referências
MARTINS, Lêda Terezinha. O dicionarista Francisco Fernandes. Cadernos de Pesquisa
Literária da PUCRS. Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 34-38, 1996.
VERÍSSMO, Érico. Certo Henrique Bertaso- Pequeno retrato em que o pintor também
aparece. Porto Alegre: Globo, 1973.
AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura: História e Memória. In: AGUIAR, Vera Teixeira;
WANNMACHER, Vera. (Org.) Pesquisa em letras. Porto Alegre: Edipucrs, 2007. p. 26-33.
BARTHES, Roland. A morte do Autor. Disponível em:
<http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/48019/mod_resource/content/1/morte_do_autor.
pdf>. Acesso em 15 out. 2012.
BÔAS, Pedro Leite Villas. Dicionário Bibliográfico Gaúcho, Porto Alegre: EST, 1991.
FERNANDES, Francisco. Dicionário de verbos e regimes, Porto Alegre: Globo, 1945.
CHOCIAY , Rogério. O verbo “Deparar” e seus problemas de regência. 1990. 11 fls –
Departamento de Letras Vernáculas- Instituto de Biociências, Letras e Ciências ExatasUNESP, São José do Rio Preto, 1990.
LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. São Paulo: Ática, 2003.
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