Ricardo Mendes - Revista Backstage

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OPINIÃO | EXTRA
Opinião
Ricardo Mendes
Música
e
EDUCAÇÃO
Parte VI
Se você leu esta coluna na edição anterior, pode pular a introdução e ir
direto ao texto. Caso não tenha lido, nos meses passados, falei sobre a
“crise” cultural e educacional em nosso estado. Como já disse, os
culpados são absolutamente todos os envolvidos com a produção
cultural. Eu incluído... Vamos continuar a dissecar a culpa de cada uma
das partes, sem rancores ou partidarismos...
V
ou pedir praticamente o impossível: ao invés de se defender, ficar
chateada ou ofendida, cada parte deveria analisar a sua parcela de culpa e
ver se realmente está dando a sua
contribuição para o desenvolvimento da cultura ou apenas vê a cultura
como mais um mercado a ser explorado. O que tento fazer não é acusação e
sim uma proposição à reflexão.
Como foi dito nos artigos anteriores,
os culpados, sem ordem de importância e em ordem alfabética, são: os comerciantes de música, os contratantes, o Estado, a imprensa escrita, os
músicos, o público, as rádios e a televisão. Se não esqueci ninguém, abso42 www.backstage.com.br
lutamente todo mundo envolvido de
alguma maneira com a música, incluindo eu. Hoje é a vez dos músicos.
MÚSICOS
É hoje que eu morro!!! Antes que comece a chuva de pedras sobre a minha
cabeça, uma informação primordial:
eu também sou músico e já cometi e
cometo vários dos erros que irei analisar. O artigo de hoje, além de uma
análise dos pontos fracos do nosso
mercado de trabalho, também é uma
auto-análise.
Sei que a discussão é cultural e a cultura
envolve bem mais ramos do que a música. Pintores, escritores, cineastas, dan-
çarinos, atores, escultores, cartunistas,
artistas plásticos, etc... No entanto, irei
abordar somente o mercado musical
por total desconhecimento das outras
áreas. Não vou me arriscar a dar palpite
sobre o que não conheço.
O maior inimigo do músico é ele mesmo. O músico é rei de dar tiro no próprio pé. Uma parte é chorona, fica reclamando que não tem espaço, que a
“panelinha” não o deixa entrar, blá,
blá, blá... Uma outra parte faz panelinhas para que os integrantes dessa
panelinha fiquem dizendo uns para
os outros que eles são os melhores...
Uma outra parte usa a filosofia do Silvio Santos: topa tudo por dinheiro
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(ou fama) e uma minoria se divide em
duas partes: uma que luta para ganhar
a vida com música dignamente e outra que faz realmente arte com a música. Estas duas subcategorias, às vezes, podem convergir em um único
artista. Neste caso, este artista tem o
meu respeito máximo. Independente
de eu gostar do estilo dele ou não.
A grande fraqueza do músico está no
fato de misturar sonho com profissão.
O músico, quando sonha com seu futuro, não sonha só com conquistas materiais, dinheiro, casa, situação estável,
etc... Ele sonha com um estádio lotado
cantando as suas músicas, ele sonha ser
reconhecido na rua, ele sonha com pessoas disputando uma declaração sua.
Sonha ouvir sua música tocando nos
cantos mais remotos do país, quem sabe
do mundo... Sonha estar em uma capa
de revista, sonha ser convidado na condição de VIP para qualquer evento, so-
A grande fraqueza do
músico está no fato de
misturar sonho com
profissão. O músico,
quando sonha com seu
futuro, não sonha só com
conquistas materiais...
Ele sonha com um
estádio lotado...
nha aparecer na televisão, sonha tocar
no Rock in Rio, em um megapalco com
uma megaestrutura...
Bem como este artigo é dirigido para
nós músicos, vocês sabem muito bem
dos sonhos e acho que não preciso ficar listando todos eles. E quando os
caminhos passam pela via do sonho,
não há racionalidade, não há ponderação, especialmente porque o músico, artista, é emocional por natureza.
O músico, além de emocional também é egocêntrico por natureza. E
este egocentrismo o faz sempre pensar individualmente e não corporativamente. Ou seja, ele só pensa em si.
Se alguém disser: mas ter uma banda
não é só pensar em si... Claro que é. A
MINHA banda...
Tente explicar para alguém de uma banda, ao se descortinar uma possibilidade
de tocar em um grande evento, que apesar de a banda ter conseguido o contato,
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que a outra banda dos amigos dela tem
mais a ver com o evento e que seria melhor para todos que a outra banda tocasse, pois isso poderia chamar atenção para
as bandas daquela região e que no futuro
a primeira banda (aquela que descolou o
contato, mas que ficou de fora), aí sim,
poderia entrar em um evento que fosse
mais adequado para o seu estilo. Pouquíssimas entenderiam. Iriam manobrar o
que pudessem para poder tocar de qualquer jeito. Isso é pensar individualmente
e não corporativamente.
vencendo de que mais pessoas estarão
escutando a banda e que todo mundo
vai comentar... É claro, não diga para
a banda que o som dela não tem nada
a ver com o perfil dos ouvintes da rádio, e que a banda estará pagando
mais para, na melhor das hipóteses,
ninguém estar prestando atenção...
Isso se não queimar o filme da banda...
3 – Se você é produtor fonográfico
(quem produz discos), fale que conhece fulano e sicrano no Rio e São
Paulo, que tem uma “ponte” em New
O mesmo vale para a galera do vídeo... É muito
mais fácil conquistar um cliente músico para fazer
um videoclip dizendo que conhece o diretor da
MTV do que mostrando o seu portfólio...
Dessa maneira apostamos que vamos
conseguir sozinhos. Temos que conseguir sozinhos, pois não estamos a fim de
dividir o bolo com ninguém. É a lógica
do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Esse é o tal individualismo do qual
se fala tanto hoje. O individualismo
nos deixa sozinhos, e quando se está sozinho, sempre somos mais fracos. E estando fracos ficamos mais vulneráveis.
Existem várias maneiras de se aproveitar da fraqueza de um músico:
Atenção vigaristas, aí vai um ótimo manual para vocês aumentarem seus lucros!
1 – Se você faz eventos, ao chamar
uma banda para tocar, diga a ela que
não há grana, mas que vai ser ótimo
para divulgar o trabalho...
2 – Se você trabalha com divulgação,
peça uma grana para pagar um jabá na
rádio mais popular da cidade, que
normalmente é o jabá mais caro, con44 www.backstage.com.br
York (será que é a ponte do Brooklin?)
e um “canal” na Europa (poderia ser o
canal da mancha?)... Não perca seu
tempo discutindo a sonoridade do
disco ou então checando se têm notas
fora da harmonia nas linhas de vocal... Se você já trabalhou com alguém
famoso, não deixe de dizer, mesmo
que você só tenha servido cafezinho
naquele disco...
4 – O mesmo vale para a galera do
vídeo... É muito mais fácil conquistar
um cliente músico para fazer um
videoclip dizendo que conhece o diretor da MTV do que mostrando o
seu portfólio...
5 – Se você é técnico de som, não se
esqueça de, no final do show, ficar dizendo para a banda como o som estava “demais”, mesmo que estivesse
uma porcaria, apitando, distorcendo
e que não deu para ninguém entender
o que o vocalista estava cantando...
“Vibre” com eles no camarim e seu
emprego estará garantido. Sugiro que
você entre gritando o seguinte texto:
“Impressionante!!! Ninguém no
Brasil faz um som desses!!!”. Abrace
todo mundo e diga como estava a
pressão do grave... Mas cuidado! Se
aparecer um outro técnico dizendo
que trabalhou com o NX-Zero em São
Paulo, você vai dançar, e ele será contratado sem que a banda ao menos
ouça o seu trabalho ou o dele...
É óbvio que das cinco categorias citadas
acima todas são profissionais a quem os
músicos recorrem e o “caô” sugerido
para cada categoria não são seus profissionais “vigaristas” que inventam até
porque a maioria é gente honesta. São
apenas as mentiras que os músicos querem ouvir. Eles não avaliam que é melhor tecnicamente ou esteticamente
para estar ao seu lado. Eles só avaliam
que eles acham que pode vir a ser uma
ponte mais rápida para o sucesso. E de
forma totalmente emocional, sem lógica nenhuma.
O sucesso não é algo ruim. Pelo contrário, é bom. Sem ele o músico não
sobrevive. Desde um pequeno sucesso regional em um “point” da cidade,
até um megasucesso mundial. O que
eu discuto é o caminho a ser tomado
para se chegar a esse sucesso. O desespero do sucesso a qualquer preço pode
levar o músico a tomar decisões erradas e gastar dinheiro e tempo sem obter os resultados esperados, e pior do
que o não retorno financeiro é a sensação pessoal de frustração e fracasso.
É nesse ponto que se abre a brecha da
“competição” artística e ela se converte em inflação artística resultando
em perda de receita para quem vive de
música. Bem, esta fica para o mês que
vem. Abraços.
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