SOBRE O PARÁGRAFO IX DE “A METAFÍSICA DOS COSTUMES” DE KANT ORIENTADOR: PATRICIA KEMERICH DE ANDRADE ([email protected]) / MESTRADO EM FILOSOFIA, SANTA MARIA-RS Palavras-Chave: DEVER, VIRTUDE, FIM Nesse parágrafo Kant traz a questão “o que é um dever de virtude?”. E para respondê-la, faz considerações, basicamente, sobre os conceitos de “virtude”, “dever” e “fim” para então caracterizar o conceito de “dever de virtude”, ou, o conceito de um “fim que é também um dever”. Para Kant, a virtude é uma espécie de força ou disposição que o ser humano tem e que o capacita a superar as próprias inclinações, quando elas se apresentam como obstáculos parar a moralidade. Para Kant, o conceito de virtude comporta um auto-constrangimento, no sentido de que um sujeito “auto-constrange-se” segundo máximas da própria liberdade deste sujeito, enquanto ser racional e livre; ou seja, não há lugar nesta definição Kantiana para um auto-constrangimento no sentido de mera resignação em desfavor das inclinações, que por sua vez esteja desvinculado do reconhecimento, por parte do sujeito, da própria liberdade. Pois, um sujeito que reconhece a lei moral e compreende que agir segundo ela é a única maneira de agir livremente, também reconhecerá que a lei moral não só o obriga, mas também o protege e que ele só poderá, racionalmente, querer um mundo regido por tal legislação (moral). Pois é fácil perceber que felicidade enquanto mera satisfação de nossas inclinações sensíveis não nos propicia satisfação duradoura. Por isso a esperança de ser feliz depende que abandonemos nosso natural estado de barbárie, onde os desejos, inclinações e interesses de uns atropelam os dos outros. Portanto o auto- constrangimento presente no conceito de virtude só pode provir de uma reflexão racional e não de quaisquer crenças que um sujeito possa ter, as quais lhe prescrevem qualquer tipo de resignação em desfavor das próprias inclinações naturais. Afinal, parece que uma máxima pode estar de acordo com a lei da moralidade sem ser um grande sacrifício das inclinações; todavia, o quê não pode acontecer segundo Kant, para que minha ação seja ética (virtuosa) é que o sujeito formule máximas baseadas em leis de heteronomia da vontade, isto é, tais máximas não poderão ter outros fins quaisquer que não sejam a realização do dever. Afinal, enquanto ser humano, os fins que devemos perseguir não deve ser apenas fins “egocêntricos”, e arbitrários, mas sim, os necessários fins da razão prática, que são, portanto fins para todos os seres racionais e por isso também para nós (humanos). Desse modo, a ação virtuosa (ética) é aquela baseada em máximas que nós podemos querer que sirvam para todos, que nós poderíamos querer que valessem universalmente. Sendo que para filosofia Kantiana é “fato” que a lei moral assim vale. Ao caracterizar o conceito de dever, Kant salienta que “todos os deveres envolvem um auto-constrangimento através de uma lei”. Daí distingue, os deveres éticos, que só comportam auto-constrangimento do tipo já mencionado, “para o qual somente uma legislação interna é possível”, dos deveres de direito que podem darse por uma legislação externa, sendo esta que os caracteriza. A ação que emerge da virtude (ou disposição de respeito pela lei), aqui não é necessário que seja a lei moral, “pode ser chamada de ação virtuosa, mesma que estabeleça um dever de direito” e disso segue-se que nem tudo o que é virtuoso fazer é por isso um dever de virtude. O que caracteriza um dever de virtude, segundo Kant, toca além daquilo que é formal na máxima e relacionase com a matéria dessas; isto é, com um fim (que é também um dever). Tal caracterização remete a “dupla cidadania” do ser humano, que conforme Kant sustenta, é um ser natural (sujeito as leis mecanicistas da natureza), mas que também pode ser pensado como um ser moral (sujeito as leis da liberdade). E por que “toda máxima da ação encerra um fim” (MC, p.239), poderão ocorrer conflitos entre os fins de uma e de outra “cidadania”. Nesse sentido, enquanto seres humanos, nós podemos estabelecer para nós fins compatíveis com a lei moral, embora possa estes fins ser arbitrários. Todavia, os fins que, segundo Kant, nós temos o dever de tornar fins para nós são os fins da razão prática, estes sim necessários. Os fins da razão prática são tornados deveres por nós e para nós por que nossa vontade não é apenas racional, pois se fosse estaria necessariamente de acordo com a lei moral e não teria sentido falar em dever. Com isso concluímos que, os deveres de virtude são os fins da razão prática tornados deveres (fins) por nós e para nós. Sendo que, o princípio da doutrina da virtude é “age de acordo com uma máxima de fins que possa ser considerada por todos”. De acordo com tal principio é necessário que cada ser humano aja de tal modo a considerar a si e aos outros nunca apenas como meio, mas sempre e simultaneamente como fim. Além disso, completa Kant, a razão prática não pode ser indiferente ao que ela necessariamente prescreve, afinal, a lei moral é a única lei que pode ser querida racionalmente por todos Bibliografia: ADELA CORTINA ORTS. Estudio Preliminar (a La metafísica de las costumbres). In:KANT, Immanual. La metafísica de las costumbres. Trad. Adela Cortina Orts y Jesus Conill Sancho. 3 ed. Madrid: Tecnos, 1999. IMMANUEL KANT. A metafísica dos costumes. Trad. J.Lamego.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,2005. JOHN RAWLS. História da Filosofia Moral. Organizado por Bárbara Herman; tradução de Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Kant, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela P. dos Santos e Alexandre F. Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, 5ª edição. REFERÊNCIAS: Immanuel Kant; A metafísica dos costumes; Lisboa; Fundação Calouste Gulbenkian; 2005. JOHN RAWLS; História da Filosofia Moral; São Paulo; Martins Fontes; 2005.. ADELA CORTINA ORTS; Estudio Preliminar (a La metafísica de las costumbres); Immanuel Kant; A metafísica dos costumes; Madrid; Tecnos; 1-30; 1999.