Jornalismo e políticas públicas para as mulheres: a promoção de pautas da agenda social nas redes da internet e na imprensa em geral Dulce MAZER1 – Universidade Estadual de Londrina Comunicações científicas: artigo científico Resumo: As políticas públicas para mulheres trazem benefícios para toda a população. No entanto, demandas sociais não são, essencialmente, assunto na mídia. A fim de entender e combater o desvio entre o agendamento social e a cobertura midiática precária sobre assuntos relevantes para o desenvolvimento de debates públicos mais abrangentes oferecemos, em julho de 2012, o minicurso Jornalismo e políticas públicas para as mulheres: a promoção de pautas da agenda social nas redes da internet e na imprensa em geral. Com a ampliação dos conceitos de agenda social e teoria do agendamento, procuramos levar estratégias de divulgação para pautar as principais demandas sociais e discuti-las na mídia. Os principais objetivos do uso de ferramentas jornalísticas são estimular a circulação de pautas sobre as demandas femininas nos espaços de representação política na mídia; discutir sobre as divergências entre as demandas públicas das mulheres/famílias e a cobertura de assuntos referentes e de representação desse público; promover outras formas de representação que se distanciem do modelo de consumo; conhecer técnicas para fortalecer a voz e a visibilidade de mulheres na mídia. O uso de gênero como categoria de análise transversal (SCOTT, 1991) fortalece as pesquisas e práticas em comunicação social. Consideramos, a partir de teóricas feministas, de teorias do jornalismo e de estudiosos da comunicação, as bases materiais da comunicação social aplicadas na construção de modelos simbólicos em uma sociedade marcada pela divisão sexual. A distinção não é imperceptível e está presente entre leitores (as) e produtores (as) de conteúdo midiático. Pode ser vista na divisão sexual do trabalho: menores oportunidades nas redações; menor incidência de mulheres em cargos de chefia e editoria; Nos estereótipos de gênero, retratadas como objetos sexuais, como vítimas (da violência, pobreza, catástrofes naturais, guerra e conflito, etc.) e em certas categorias de mulheres “invisíveis”, que recebem ainda menos atenção, como idosas, negras, as provenientes de minorias étnicas e grupos religiosos, da classe trabalhadora, e mulheres com uma orientação sexual diferente. De acordo com o Projeto de Monitoria Global da Comunicação Social (2005, apud IPS AFRICA, 2008), as opiniões e vozes das mulheres são marginalizadas nos meios de comunicação social em todo o mundo. Representam apenas 21% das pessoas que figuram nas notícias. Estão mais subrepresentadas na rádio, onde constituem apenas 17% dos temas noticiosos, comparado com 22% na televisão e 21% nos jornais. Destacando a importância dos meios de comunicação de massa nas democracias modernas, observamos que os meios de comunicação massivos podem pautar assuntos que serão discutidos na esfera pública (McCOMBS, 2009). O modo como a mídia trata os temas também influencia a maneira como o público os recebe e os compreende. (THOMPSON, 2001). Da mesma maneira que os meios colocam um assunto em debate público massivo e salientam um ponto de vista sobre ele, deixam de abordar outros temas da agenda social. (WOLF, 2008, CANELA, 2008). Acreditamos no caráter empírico da divulgação e debate de outras demandas no âmbito das comunidades e grupos sociais. Porém, observamos que o ciclo da hegemonia cultural ainda é, muitas vezes, de difícil ruptura. Palavras-chave: comunicação; agenda social; mulheres; políticas públicas. Introdução Sabemos que as políticas públicas para as mulheres trazem benefícios para toda a população, pois geram debates nos planos cultural, social e econômico (CARRASCO, 2003). Carrasco salienta que a sustentabilidade da vida, aliás, não tem sido nunca uma “preocupação analítica central; ao contrário, usualmente é considerada uma externalidade do sistema econômico” (2003, p. 12). Apesar da importância dada as necessidades básicas, à educação e aos cuidados familiares, a temática do cuidado e da atenção ao desenvolvimento humano não são necessariamente, assunto na mídia. Os meios de comunicação massivos têm poder de pautar assuntos que serão discutidos na esfera pública (McCOMBS, 2009), no entanto, poucos reservam espaço para discussões de demandas públicas (HEDLER, 2011). O modo como a mídia aborda os temas também influencia a maneira como o público os recebe e os compreende. (THOMPSON, 2001). Da mesma maneira que os meios colocam um assunto em debate público massivo e salientam um ponto de vista sobre ele, deixam de abordar outros temas da agenda social. (WOLF, 2008, CANELLAS, 2007). A percepção de notoriedade de determinados assuntos contribui para sua legitimidade, assim como a visibilidade de alguns temas gera a supressão de outros da pauta miditática (WOLF, 2008). Além disso, a atenção que se dá aos assuntos ligados a divisão sexual da sociedade é quase nula. Há vinte anos, as teóricas feministas contemporâneas à Scott tinham “dificuldades de integrar o termo gênero em conjuntos teóricos pré existentes e em convencer os adeptos de uma ou de outra escola teórica que o gênero faz parte do seu vocabulário” (Scott, 1991, p. 13). Apesar da lacuna de duas décadas, a preocupação com a inserção de temas ligados à estrutura de divisão sexual da sociedade parece ainda não encontrar lugar nas principais linhas teóricas das escolas de jornalismo e pesquisas em comunicação. O mesmo ocorre com a pauta jornalística. As mudanças que ocorreram nas políticas para mulheres na última década e que, conseqüentemente, atingem a sociedade em geral, são pouco debatidas pelos meios de comunicação de massa (BUITONI, 2009). Segundo Canela (2008), a cobertura jornalística de políticas públicas sociais em geral ainda é falha quanto a temas relevantes a partir da lógica de políticas públicas, como trabalho infantil, saúde, violência doméstica. O campo de estudos denominado políticas públicas analisa as relações entre governo, governantes e cidadãos (CANELA, 2008), tendo como ambiente a sociedade capitalista e suas contradições. Vale observar que as políticas públicas, embora importantes, têm o caráter reformista, paliativo e distante de uma revolução completa que alteraria a ordem e as relações sociais. “Se o sexismo é um subproduto do apetite insaciável do capitalismo pelo lucro, então o sexismo se extinguirá com uma bem-sucedida revolução socialista.” (RUBIN, 1993, p.2). Godinho (2000) relata que as políticas públicas sociais são hoje divididas entre as universais e aquelas mais voltadas aos setores mais pobres da população (2000). Ela acredita que até a esquerda tem dificuldade para perceber a maneira que o Estado age sobre a organização econômica, do ponto de vista de gênero; “como ele organiza as relações sociais e se apresenta como regulador destas, com base na visão de classe social hegemônica e, também, masculina.” (GODINHO, 2000, p. 27). Para Hedler (2011), são os homens ou as cidadãs individualizadas, que não ocupam cargo efetivo na política, que abordam as políticas para mulheres nos meios de comunicação. Ela observa que a cobertura sobre assuntos relacionados à mulher está majoritariamente atrelada às editorias de Cultura e Variedades, pois “a imagem da mulher na mídia está atrelada aos assuntos referentes à arte, música, dança, celebridades, televisão, cinema e atividades culturais desde o século passado como comprovam vários estudos.” (HEDLER, 2011, p. 118). O que nos revela que as políticas específicas para o gênero feminino ainda são formuladas sob a ótica masculina. Como Silva 2 (2010), observamos a existência de padrões sociais baseados na diferença sexual presentes no modo de produzir jornalismo. Sua pesquisa “foi empreendida na tentativa de perceber se e em que medida este padrão, que é social, produzido na cultura, perpassa o processo de produção de notícias” (idem). A divisão do trabalho nas redações demonstra o vínculo da exploração de imagens femininas com suas bases materiais. Para a autora, os valores culturais hegêmonicos apropriados pelos jornalistas incidem, ainda que inconscientemente, nos processos criativos, seletivos e produtivos das notícias. Ela conclui, a partir de sua pesquisa empírica, que ficou evidenciado entre os jornalistas: (...) que na hierarquização de valores e posições profissionais, o prestígio e o poder decorriam de um processo complexo, para além da simples competência profissional, e que tinham a ver também com adequação a determinados perfis, cujos atributos de gênero mais valorizados estavam em consonância com aqueles convencionalmente associados ao masculino (força, imposição, coragem, pioneirismo, pró-atividade, etc.), independentemente do sexo biológico dos profissionais” (...). (Silva, 2010, p. 198). Tais aspectos contribuem para a construção da notícia3 (ALSINA, 2000) e perpassam modelos que culminam na edificação cultural de papeis e estereótipos. A teoria dos critérios de noticiabilidade (Sousa, 2001), os estudos sobre a tematização das notícias e a hipótese do agenda-setting aplicados à observação dos jornais, além dos trabalhos sobre a visibilidade da mulher na mídia (TUCHMAN, 1978, BUITONI, 2009) demonstram que as políticas públicas para mulheres são assuntos pouco pautados na mídia (HEDLER, 2011). Além disso, de acordo com o Projeto de Monitoria Global da Comunicação Social (2005, apud IPS AFRICA, 2008), as opiniões e vozes das mulheres são marginalizadas nos meios de comunicação social em todo o mundo. Representam apenas 21% das pessoas que figuram nas notícias. Estão mais sub-representadas na rádio, onde constituem apenas 17% dos temas noticiosos, comparado com 22% na televisão e 21% nos jornais. Mulheres e meios de comunicação Orientado a estudantes, jornalistas, assistentes sociais, representantes de movimentos sociais, comunicadores comunitários, representantes comunitários, assistentes sociais, pesquisadores, pessoas envolvidas com as políticas públicas para mulheres em geral o minicurso de férias Jornalismo e políticas públicas para as mulheres: a promoção de pautas da agenda social nas redes da internet e na imprensa em geral tinha como objetivo geral entender o embate entre o agendamento social e a cobertura midiática de assuntos relacionados às mulheres. Outros objetivos eram estimular a circulação de pautas voltadas para o público feminino nos espaços e processos de participação e de representação política na mídia; discutir sobre as divergências entre as demandas públicas das mulheres/famílias e a cobertura de assuntos referentes e de representação desse público na imprensa; promover outras formas de representação das mulheres na mídia e conhecer técnicas para fortalecer a voz e a visibilidade de mulheres na mídia4. A mulher como eixo temático da investigação comunicacional foi pensada por Norma Reynoso, presidenta da Associação Mexicana de Investigadores da Comunicação (AMIC). Ela afirma (in MELO, GOBBI e BARBOSA [org.], 2003, p. 25) que o campo das ciências da comunicação tem contribuído de maneira pontual com investigações sobre a mulher, com métodos cada vez mais adequados para o estudo de gênero. Ela revela que os estudos advertem sobre a forma como se dá a relação entre as mulheres e os meios de comunicação, assim como a criação de imagens estereotipadas da mulher, como muitos outros temas relacionados à questão de gênero. Segundo a autora, os resultados dessas pesquisas acabam convergindo para o tema “Comunicação e Mulher”, abordando principalmente os seguintes aspectos: Papeis do gênero atribuído às mulheres, a imagem estereotipada da mulher difundida nos meios de comunicação; Valoração sobre o corpo feminino; Características “femininas” como ternura, passividade, amor na imprensa; Tempo que as mulheres dedicam aos meios de comunicação; Incorporação feminina ao uso de tecnologias de comunicação. Reynoso afirma ainda que as pesquisas revelam novos obstáculos para a igualdade de gênero e o desenvolvimento cultural. Ela elenca o aumento de imagens violentas ou degradantes da mulher, incluindo a pornografia, descrições estereotipadas, sobretudo por meio de novas tecnologias; a dificuldade de acesso da mulher aos meios de comunicação e educação; a posição subalterna das mulheres em organizações que comandam os meios de comunicação massivos. A autora destaca uma pesquisa nacional realizada no México que revelou que as notícias quase não faziam referência às mulheres e a temas de interesse de grupos femininos, além de apresentar baixo percentual de mulheres jornalistas. A igualdade de gênero é um problema para a comunicação social. É preciso estabelecer bases que permitam compreender as principais questões referentes ao gênero e à comunicação social (Escolas de Jornalismo, cidadãos leitores conscientes, agentes sociais engajados, veículos de informação alternativos). Além disso, para preparar reportagens eficazes sobre questões que digam respeito à democracia, igualdade e justiça, é preciso garantir que estes princípios orientem a coleta de informações e o conteúdo editorial das publicações. A imprensa corresponde a uma série de atividades da Era Capitalista que se estruturam, de maneira mais definida, com os processos revolucionários na Europa do século XVIII. As práticas feministas têm origem na Revolução Francesa (1789). Resistência, recusa e transgressão constituem a primeira onda do movimento feminista na Europa e nos Estados Unidos. No início do século XIX o acesso à leitura pelas mulheres ainda era limitado. Mesmo que elas tivessem o direito à leitura de jornais, na maioria dos casos, apenas os homens da família eram alfabetizados. Desde a produção de conteúdos, até a impressão gráfica e distribuição, os jornais eram feitos exclusivamente por homens para leitores também do sexo masculino (FRAISSE e PERROT, 1991). Como afirmara Davis, “nosso objetivo é descobrir a amplitude dos papeis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual seu sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la” (1975, p. 90 apud SCOTT, 1991, p.2). Neste caso, em especial, trabalhamos com a hipótese superestrutura social determinada. Refletimos sobre o conceito moderno de “mediação” (idem, p. 45). Uma camada produtora de conteúdo cultural, mais especificamente composta por representantes da grande imprensa, inseridos na sociedade brasileira neste início de século. Observamos que os assuntos relacionados às mulheres são reduzidos a representações também determinadas. Por ora, entende-se por representação o “reconhecimento do eu e do outro” (SAFFIOTI, 1992), e “as representações que os homens e mulheres fazem da realidade social operam como forças propulsoras de novas ações”. (WILLIAMS, 2011, p. 209). Neste sentido, acreditamos que a ideia que se constrói sobre a mulher é determinante na compreensão dos sentidos do ser mulher, de maneira genérica,e das possibilidades de ser mulher, nas diferentes classes, tanto no modo como compreendemos hoje esta vivência, como em uma projeção de papeis e sentidos: “Através da representação e da percepção, das imagens e dos modelos, das aspirações e dos valores que estão ligados a essa mudança, temos toda a possibilidade de evolução de uma sociedade.” (DE LAUWE, 1996). Os meios de comunicação, como os jornais, são social e materialmente produzidos (WILLIAMS, 2011). Atuam como aparelhos ideológicos de Estado (ALTHUSSER, 1999), conforme a concepção marxista de construção social dividida entre base e superestrutura. Em geral, não “possuem estatuto público, mas são simplesmente instituições privadas” (idem, p. 265), porém participam da seleta classe dominante que determina e exerce poderes nas esferas pública e privada. “A distinção entre público e privado é uma distinção intrínseca ao direito burguês e válida dos campos (subordinados) em que o direito burguês exerce seus poderes.” (ALTHUSSER, 1999, p. 265). Tais instituições concorrem para a reprodução das relações de exploração capitalistas e funcionam por meio da ideologia. São também, na sua concepção material, forças produtivas em transformação e que incluem variações históricas, “como as homologias relativas entre os meios de comunicação e as forças produtivas e as relações sociais mais gerais” (idem, p. 70). Assim, o modo de produção jornalística está inserido neste movimento de transformações históricas e sociais, e, como veremos, é responsável em parte por fenômenos materiais, como a discussão para viabilização de políticas públicas (materializada), e simbólicos, como a resultante (e muitas vezes negativa) interpretação sobre quais são os papeis femininos. A abordagem de demandas públicas pelos meios de comunicação pode dar diretrizes para políticas de transformação, de maneira que a realidade seja reorganizada simbolicamente para uma mudança real. “Para a teoria feminista, o sistema sexo-gênero não é uma maneira contingente, mas essencial, pela qual a realidade é organizada simbolicamente, dividida e vivida na experiência.” (BENHABID, 1988, p. 80 apud SAFFIOTI, 1992, p. 188). A incorporação simbólica que se dá através do conteúdo publicado no jornal é, há décadas, objeto de estudo das teorias do jornalismo. “As categorias de percepção do mundo social são, no essencial, produtos da incorporação das estruturas objetivas do espaço social” (BOURDIEU, 2006, p.141). O problema da naturalização dos comportamentos considerados “femininos” e o modo como o jornal propaga determinadas interpretações também são observados. Ainda segundo Bourdieu, o conteúdo simbólico “leva os agentes a tomarem o mundo social tal como ele é, a aceitarem-no como natural, mais do que a rebelarem-se contra ele” (idem). Uma das principais críticas que se faz ao jornalismo contemporâneo corresponde ao mito da objetividade, que revela a mediação entre sujeito e realidade, de maneira a aproximá-lo, através da tela ou do papel, do acontecimento, do perfil, da verdade. O mito da objetividade jornalística foi discutido no Brasil por Ciro Marcondes Filho, opondo-se ao paradigma de que o jornalismo seria um reflexo da realidade. A exposição da subjetividade na imprensa desmente uma suposta objetividade da notícia (MARCONDES FILHO, 1986). Para Marcondes Filho, “a objetividade é impossível” e a “possibilidade de possuir a verdade é falsa5” (1986, p. 14), traduz-se em dogma. Acreditamos que neste esforço midiático de produzir e reproduzir modelos de representação, a imprensa6 está, na verdade, colaborando para ampliar, ou no mínimo manter, o modelo atual de diferenças histórica, política e simbolicamente construídas entre os sexos, o que exclui a mulher da “cidadania plena” (SARACENO, 1995). A perspectiva dos estudos de gênero, “ao destacar a dimensão subjetiva das relações de poder entre homens e mulheres, acabou por negligenciar o vínculo com suas bases materiais. Em nossa concepção, não se trata de excluir a questão feminina do âmbito mais geral da luta de classes, mas – igualmente – não se pode cair na armadilha de abordá-la como questão específica que acaba por ser diluída no discurso da proeminência das questões gerais”. (GONÇALVES, 2009, apud MIRANDA, HOFFMAN, 2009). Como afirmou HEDLER (2011), as políticas femininas só ganham espaço nos meios de comunicação quando existem fatos jornalístico envolvendo-as, “pois acontecimentos históricos não são suficientes para trazer o debate à esfera pública”. A igualdade entre mulheres e homens constitui um dos grandes desafios internacionais, presente nos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM, apud IPS AFRICA, 2008) da ONU. No Brasil, algumas entidades desenvolvem, entre outras atividades, o trabalho de articular a sociedade, o Estado e os veículos de comunicação. Destacam se a Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, a SOF – Sempreviva Organização Feminista, a Rede Mulher de Educação, o Observatório da Mulher, o Observatório Brasil da Igualdade de Gênero e o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). De maneira geral, os meios de comunicação abrangem quatro potencialidades, analisadas por cientistas sociais das mais diferentes áreas: a capacidade de agendamento social, de enquadramento temático, de construção da informação e de controle social (CANELA, 2008). “Estamos, portanto, assumindo que a mídia tem um poder central nas democracias contemporâneas: definir a agenda pública.” (idem, p. 25). Mas a comunicação, por si só, não promove mudanças materiais. A mediação só tem efeito de ação quando articula diversos setores da sociedade, constituindo uma nova forma de comunicar, promover discussões, informar, estabelecer espaços para propulsão das demandas públicas e dar ao trabalho jornalístico um caráter mais cidadão “pleno”. A Escola Latina de Comunicação define uma teoria das “mediações” que perpassa a construção simbólica no âmbito da recepção: Na redefinição da cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza comunicativa. Isto é, seu caráter de processo produtor de significações e não de mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas também um produtor. O desafio apresentado pela indústria cultural aparece com toda a sua densidade no cruzamento dessas duas linhas de renovação que inscrevem a questão cultural no interior do político e a comunicação, na cultura (Martín-Barbero, 1997, p. 287). Carmen Silva escrevia no ano de 1963: “Não é necessária muita perspicácia para perceber sintomas de insatisfação nas mulheres de hoje” (SILVA, 1994, p. 73, apud CIVITA, 1994). Diferente do que definia Carmen, quase 50 anos depois, é preciso muita perspicácia para perceber as insatisfações femininas e observar que elas não são muito diferentes do que se esperava na década de 1960, apesar de algumas conquistas. “Diversas autoras inseridas no debate olham criticamente para os universais presentes nas análises antropológicas, reivindicando outorgar especial importância à observação das diferenças reais entre as sociedades.” (PISCITELLI, 1998, p. 308). Em diversas sociedades e camadas sociais, as necessidades são mais das mesmas, mascaradas em uma naturalização da igualdade de direitos, deveres e oportunidades, próprios de uma época pós-moderna e de uma sociedade neoliberal. Herança dos ideais de liberdade e igualdade, a responsabilização individual chega a seu extremo no início do século XXI. Conclusões Combater as diferenças de gênero e raça, na cultura e na comunicação, é uma ação prevista no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, cuja importância e urgência se percebe também nas escolas e pesquisas de comunicação. (...) A visão difundida pelos meios de comunicação – os mesmos que atuam para deslegitimar o discurso feminista – de que as políticas para as mulheres deveriam se localizar e, portanto, se diluir em um ministério dos direitos humanos, caminha no sentido oposto à construção da igualdade e da liberdade das mulheres. Estas só serão conquistadas na medida em que haja uma interferência nas estruturas que sustentam a desigualdade, ou seja, na divisão sexual do trabalho e na mercantilização do corpo e da vida da mulheres.” (MORENO, 2011). Como afirmou Teresa de Lauretis (1992), a identidade de uma mulher é produto de sua própria interpretação e da reconstrução que faz de sua história, permeada pelo contexto cultural discursivo ao qual tem acesso. Justificamos esse desenvolvimento epistêmico a partir de teorias feministas, de teorias do jornalismo e da comunicação, cujas bases materiais são aplicadas na construção de modelos simbólicos em uma sociedade marcada pela divisão sexual. Observamos, a partir de estudos anteriores (WOLF, 2008 HEDLER, 2011, SILVA, 2010) que os jornais determinam conteúdos que possam ser de interesse público e ainda tematizam mais notícias e informações sobre a política pública para saúde da mulher e direitos reprodutivos que sobre outros temas. Além disso, observamos que prevalecem notícias de políticas públicas que dizem respeito à mulher enquanto progenitora, o que determina uma restrição dos papeis femininos. Observamos que a inserção de conteúdo via divulgação pública (releases) têm como fator negativo uma maior resistência dos jornalistas, produtores e pauteiros para assuntos relacionados às demandas públicas, porém pode significar uma abrangência mais eficaz. Observamos que a internet, por meio das redes sociais, blogs, e outros veículos virtuais, tem se mostrado um espaço de menor resistência aos conteúdos políticos e humanitários. De grande abrangência, porém de menor engajamento, os assuntos disseminados na rede geram discussões em curto prazo, geralmente apoiadas no ambiente filosófico, simbólico, bastante distanciadas da práxis. Concluímos que a discussão de futuras mudanças, necessárias, são quase inexistentes na mídia. A politização dos jornalistas, dos jornais e dos leitores será fundamental para a discussão de assuntos que gerem novas políticas. É preciso admitir, em primeiro plano, a transversalidade da divisão sexual, das questões de gênero. Desenvolver documentos que gerem o interesse jornalístico por pautas sobre políticas públicas para mulheres. Desenvolver na academia o interesse por assuntos relacionados às políticas públicas para mulheres, bem como a reflexão sobre o assunto. Um dos objetivos propostos nesse trabalho era discutir de que maneira podemos desenvolver uma comunicação social mais orientada para os direitos e cooperar com os promotores de conteúdo, de maneira a determinar que assuntos de interesse público sejam pautados nas mídias. É fundamental que os agentes públicos conectem-se com os leitores/consumidores de mídia e com os produtores, do outro lado do jornal, por meio da inserção de pautas nos jornais e revistas impressos, rádios e TVs. Além disso, é imperativo perceber que os quadros acadêmicos tem sido destinados para um jornalismo cada vez mais mercadológico e menos humanitário, o que implica em profissionais mais tecnicistas, menos preocupados com o desenvolvimento humano. 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Especialista em Marketing, Comunicação e Negócios é professora do curso de Jornalismo da Universidade Norte do Paraná. 2 A dissertação de Silva - Masculino, o gênero do jornalismo: um estudo sobre os modos de produção das notícias - foi vendedora do prêmio Adelmo Genro Filho, edição 2011, concedido pela Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo – SBPJOR. 3 A Teoria Construcionista reconhece um grau maior de autonomia por parte dos jornalistas. Outra diferença importante entre esta e a Teoria Estruturalista é que a última defende a posição de que os valores-notícia dos jornalistas têm um papel central na reprodução da ideologia dominante. De acordo com as teorias do jornalismo, White definiu em 1950 o conceito de gatekeeper. Em sua teoria, o processo de produção de notícias é concebido como uma série de escolhas, onde o fluxo de notícias tem que passar por diversos portões (gates), que são momentos de decisão em relação aos quais o gatekeeper (jornalista) tem de decidir se vai escolher ou não uma notícia, deixá-la passar ou não (PEREIRA JUNIOR, 2005, WOLF, 2008). 4 Na programação do curso, prevíamos ampliar os conceitos de agenda social e teoria do agendamento no jornalismo, além de desenvolver estratégias de divulgação na mídia para jornalistas e para cidadãos engajados, bem como definir caminhos para pautar as principais demandas sociais e discuti-las na mídia. 5 Para Marcondes filho, não significa que tudo seja igualmente subjetivo no jornalismo ou “que todas as expressões jornalísticas da realidade mantenham a mesma distância do real: há apropriações mais ou menos próximas da verdade dos fatos”. (1986). 6 Quando pensamos no papel do jornalismo na atualidade, ecoamos o mito da objetividade e da imparcialidade jornalísticas, quando, em qualquer análise de sentido, vamos perceber que a simples escolha de palavras, para os textos, ou ângulos e poses, para as fotografias, por exemplo, já é a recusa de outros. A escolha de um assunto, em detrimento de outro, é “uma parte seletiva da realidade” (TRAQUINA, 2005).