Jornalismo e políticas públicas para as mulheres: a

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Jornalismo e políticas públicas para as mulheres: a promoção de pautas da agenda
social nas redes da internet e na imprensa em geral
Dulce MAZER1 – Universidade Estadual de Londrina
Comunicações científicas: artigo científico
Resumo: As políticas públicas para mulheres trazem benefícios para toda a população. No entanto,
demandas sociais não são, essencialmente, assunto na mídia. A fim de entender e combater o desvio entre
o agendamento social e a cobertura midiática precária sobre assuntos relevantes para o desenvolvimento
de debates públicos mais abrangentes oferecemos, em julho de 2012, o minicurso Jornalismo e políticas
públicas para as mulheres: a promoção de pautas da agenda social nas redes da internet e na imprensa
em geral. Com a ampliação dos conceitos de agenda social e teoria do agendamento, procuramos levar
estratégias de divulgação para pautar as principais demandas sociais e discuti-las na mídia.
Os principais objetivos do uso de ferramentas jornalísticas são estimular a circulação de pautas sobre as
demandas femininas nos espaços de representação política na mídia; discutir sobre as divergências entre
as demandas públicas das mulheres/famílias e a cobertura de assuntos referentes e de representação desse
público; promover outras formas de representação que se distanciem do modelo de consumo; conhecer
técnicas para fortalecer a voz e a visibilidade de mulheres na mídia.
O uso de gênero como categoria de análise transversal (SCOTT, 1991) fortalece as pesquisas e práticas
em comunicação social. Consideramos, a partir de teóricas feministas, de teorias do jornalismo e de
estudiosos da comunicação, as bases materiais da comunicação social aplicadas na construção de modelos
simbólicos em uma sociedade marcada pela divisão sexual.
A distinção não é imperceptível e está presente entre leitores (as) e produtores (as) de conteúdo midiático.
Pode ser vista na divisão sexual do trabalho: menores oportunidades nas redações; menor incidência de
mulheres em cargos de chefia e editoria; Nos estereótipos de gênero, retratadas como objetos sexuais,
como vítimas (da violência, pobreza, catástrofes naturais, guerra e conflito, etc.) e em certas categorias de
mulheres “invisíveis”, que recebem ainda menos atenção, como idosas, negras, as provenientes de
minorias étnicas e grupos religiosos, da classe trabalhadora, e mulheres com uma orientação sexual
diferente. De acordo com o Projeto de Monitoria Global da Comunicação Social (2005, apud IPS
AFRICA, 2008), as opiniões e vozes das mulheres são marginalizadas nos meios de comunicação social
em todo o mundo. Representam apenas 21% das pessoas que figuram nas notícias. Estão mais subrepresentadas na rádio, onde constituem apenas 17% dos temas noticiosos, comparado com 22% na
televisão e 21% nos jornais.
Destacando a importância dos meios de comunicação de massa nas democracias modernas, observamos
que os meios de comunicação massivos podem pautar assuntos que serão discutidos na esfera pública
(McCOMBS, 2009). O modo como a mídia trata os temas também influencia a maneira como o público
os recebe e os compreende. (THOMPSON, 2001). Da mesma maneira que os meios colocam um assunto
em debate público massivo e salientam um ponto de vista sobre ele, deixam de abordar outros temas da
agenda social. (WOLF, 2008, CANELA, 2008). Acreditamos no caráter empírico da divulgação e debate
de outras demandas no âmbito das comunidades e grupos sociais. Porém, observamos que o ciclo da
hegemonia cultural ainda é, muitas vezes, de difícil ruptura.
Palavras-chave: comunicação; agenda social; mulheres; políticas públicas.
Introdução
Sabemos que as políticas públicas para as mulheres trazem benefícios
para toda a população, pois geram debates nos planos cultural, social e econômico
(CARRASCO, 2003). Carrasco salienta que a sustentabilidade da vida, aliás, não tem
sido nunca uma “preocupação analítica central; ao contrário, usualmente é considerada
uma externalidade do sistema econômico” (2003, p. 12). Apesar da importância dada as
necessidades básicas, à educação e aos cuidados familiares, a temática do cuidado e da
atenção ao desenvolvimento humano não são necessariamente, assunto na mídia. Os
meios de comunicação massivos têm poder de pautar assuntos que serão discutidos na
esfera pública (McCOMBS, 2009), no entanto, poucos reservam espaço para discussões
de demandas públicas (HEDLER, 2011).
O modo como a mídia aborda os temas também influencia a maneira
como o público os recebe e os compreende. (THOMPSON, 2001). Da mesma maneira
que os meios colocam um assunto em debate público massivo e salientam um ponto de
vista sobre ele, deixam de abordar outros temas da agenda social. (WOLF, 2008,
CANELLAS, 2007). A percepção de notoriedade de determinados assuntos contribui
para sua legitimidade, assim como a visibilidade de alguns temas gera a supressão de
outros da pauta miditática (WOLF, 2008). Além disso, a atenção que se dá aos assuntos
ligados a divisão sexual da sociedade é quase nula.
Há vinte anos, as teóricas feministas contemporâneas à Scott tinham
“dificuldades de integrar o termo gênero em conjuntos teóricos pré existentes e em
convencer os adeptos de uma ou de outra escola teórica que o gênero faz parte do seu
vocabulário” (Scott, 1991, p. 13). Apesar da lacuna de duas décadas, a preocupação com
a inserção de temas ligados à estrutura de divisão sexual da sociedade parece ainda não
encontrar lugar nas principais linhas teóricas das escolas de jornalismo e pesquisas em
comunicação. O mesmo ocorre com a pauta jornalística. As mudanças que ocorreram
nas políticas para mulheres na última década e que, conseqüentemente, atingem a
sociedade em geral, são pouco debatidas pelos meios de comunicação de massa
(BUITONI, 2009).
Segundo Canela (2008), a cobertura jornalística de políticas públicas
sociais em geral ainda é falha quanto a temas relevantes a partir da lógica de políticas
públicas, como trabalho infantil, saúde, violência doméstica. O campo de estudos
denominado políticas públicas analisa as relações entre governo, governantes e cidadãos
(CANELA, 2008), tendo como ambiente a sociedade capitalista e suas contradições.
Vale observar que as políticas públicas, embora importantes, têm o caráter reformista,
paliativo e distante de uma revolução completa que alteraria a ordem e as relações
sociais. “Se o sexismo é um subproduto do apetite insaciável do capitalismo pelo lucro,
então o sexismo se extinguirá com uma bem-sucedida revolução socialista.” (RUBIN,
1993, p.2).
Godinho (2000) relata que as políticas públicas sociais são hoje
divididas entre as universais e aquelas mais voltadas aos setores mais pobres da
população (2000). Ela acredita que até a esquerda tem dificuldade para perceber a
maneira que o Estado age sobre a organização econômica, do ponto de vista de gênero;
“como ele organiza as relações sociais e se apresenta como regulador destas, com base
na visão de classe social hegemônica e, também, masculina.” (GODINHO, 2000, p. 27).
Para Hedler (2011), são os homens ou as cidadãs individualizadas, que
não ocupam cargo efetivo na política, que abordam as políticas para mulheres nos meios
de comunicação. Ela observa que a cobertura sobre assuntos relacionados à mulher está
majoritariamente atrelada às editorias de Cultura e Variedades, pois “a imagem da
mulher na mídia está atrelada aos assuntos referentes à arte, música, dança,
celebridades, televisão, cinema e atividades culturais desde o século passado como
comprovam vários estudos.” (HEDLER, 2011, p. 118). O que nos revela que as
políticas específicas para o gênero feminino ainda são formuladas sob a ótica masculina.
Como Silva 2 (2010), observamos a existência de padrões sociais
baseados na diferença sexual presentes no modo de produzir jornalismo. Sua pesquisa
“foi empreendida na tentativa de perceber se e em que medida este padrão, que é social,
produzido na cultura, perpassa o processo de produção de notícias” (idem). A divisão do
trabalho nas redações demonstra o vínculo da exploração de imagens femininas com
suas bases materiais. Para a autora, os valores culturais hegêmonicos apropriados pelos
jornalistas incidem, ainda que inconscientemente, nos processos criativos, seletivos e
produtivos das notícias. Ela conclui, a partir de sua pesquisa empírica, que ficou
evidenciado entre os jornalistas:
(...) que na hierarquização de valores e posições profissionais, o prestígio e o
poder decorriam de um processo complexo, para além da simples
competência profissional, e que tinham a ver também com adequação a
determinados perfis, cujos atributos de gênero mais valorizados estavam em
consonância com aqueles convencionalmente associados ao masculino (força,
imposição, coragem, pioneirismo, pró-atividade, etc.), independentemente do
sexo biológico dos profissionais” (...). (Silva, 2010, p. 198).
Tais aspectos contribuem para a construção da notícia3 (ALSINA, 2000) e perpassam
modelos que culminam na edificação cultural de papeis e estereótipos. A teoria dos
critérios de noticiabilidade (Sousa, 2001), os estudos sobre a tematização das notícias e
a hipótese do agenda-setting aplicados à observação dos jornais, além dos trabalhos
sobre a visibilidade da mulher na mídia (TUCHMAN, 1978, BUITONI, 2009)
demonstram que as políticas públicas para mulheres são assuntos pouco pautados na
mídia (HEDLER, 2011).
Além disso, de acordo com o Projeto de Monitoria Global da
Comunicação Social (2005, apud IPS AFRICA, 2008), as opiniões e vozes das mulheres
são marginalizadas nos meios de comunicação social em todo o mundo. Representam
apenas 21% das pessoas que figuram nas notícias. Estão mais sub-representadas na
rádio, onde constituem apenas 17% dos temas noticiosos, comparado com 22% na
televisão e 21% nos jornais.
Mulheres e meios de comunicação
Orientado a estudantes, jornalistas, assistentes sociais, representantes
de movimentos sociais, comunicadores comunitários, representantes comunitários,
assistentes sociais, pesquisadores, pessoas envolvidas com as políticas públicas para
mulheres em geral o minicurso de férias Jornalismo e políticas públicas para as
mulheres: a promoção de pautas da agenda social nas redes da internet e na imprensa
em geral tinha como objetivo geral entender o embate entre o agendamento social e a
cobertura midiática de assuntos relacionados às mulheres. Outros objetivos eram
estimular a circulação de pautas voltadas para o público feminino nos espaços e
processos de participação e de representação política na mídia; discutir sobre as
divergências entre as demandas públicas das mulheres/famílias e a cobertura de
assuntos referentes e de representação desse público na imprensa; promover outras
formas de representação das mulheres na mídia e conhecer técnicas para fortalecer a voz
e a visibilidade de mulheres na mídia4.
A mulher como eixo temático da investigação comunicacional foi
pensada por Norma Reynoso, presidenta da Associação Mexicana de Investigadores da
Comunicação (AMIC). Ela afirma (in MELO, GOBBI e BARBOSA [org.], 2003, p. 25)
que o campo das ciências da comunicação tem contribuído de maneira pontual com
investigações sobre a mulher, com métodos cada vez mais adequados para o estudo de
gênero. Ela revela que os estudos advertem sobre a forma como se dá a relação entre as
mulheres e os meios de comunicação, assim como a criação de imagens estereotipadas
da mulher, como muitos outros temas relacionados à questão de gênero. Segundo a
autora, os resultados dessas pesquisas acabam convergindo para o tema “Comunicação e
Mulher”, abordando principalmente os seguintes aspectos:

Papeis do gênero atribuído às mulheres, a imagem estereotipada da
mulher difundida nos meios de comunicação;

Valoração sobre o corpo feminino;

Características “femininas” como ternura, passividade, amor na
imprensa;

Tempo que as mulheres dedicam aos meios de comunicação;

Incorporação feminina ao uso de tecnologias de comunicação.
Reynoso afirma ainda que as pesquisas revelam novos obstáculos para
a igualdade de gênero e o desenvolvimento cultural. Ela elenca o aumento de imagens
violentas ou degradantes da mulher, incluindo a pornografia, descrições estereotipadas,
sobretudo por meio de novas tecnologias; a dificuldade de acesso da mulher aos meios
de comunicação e educação; a posição subalterna das mulheres em organizações que
comandam os meios de comunicação massivos. A autora destaca uma pesquisa nacional
realizada no México que revelou que as notícias quase não faziam referência às
mulheres e a temas de interesse de grupos femininos, além de apresentar baixo
percentual de mulheres jornalistas.
A igualdade de gênero é um problema para a comunicação social. É
preciso estabelecer bases que permitam compreender as principais questões referentes
ao gênero e à comunicação social (Escolas de Jornalismo, cidadãos leitores conscientes,
agentes sociais engajados, veículos de informação alternativos). Além disso, para
preparar reportagens eficazes sobre questões que digam respeito à democracia,
igualdade e justiça, é preciso garantir que estes princípios orientem a coleta de
informações e o conteúdo editorial das publicações.
A imprensa corresponde a uma série de atividades da Era Capitalista
que se estruturam, de maneira mais definida, com os processos revolucionários na
Europa do século XVIII. As práticas feministas têm origem na Revolução Francesa
(1789). Resistência, recusa e transgressão constituem a primeira onda do movimento
feminista na Europa e nos Estados Unidos. No início do século XIX o acesso à leitura
pelas mulheres ainda era limitado. Mesmo que elas tivessem o direito à leitura de
jornais, na maioria dos casos, apenas os homens da família eram alfabetizados. Desde a
produção de conteúdos, até a impressão gráfica e distribuição, os jornais eram feitos
exclusivamente por homens para leitores também do sexo masculino (FRAISSE e
PERROT, 1991).
Como afirmara Davis, “nosso objetivo é descobrir a amplitude dos
papeis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual seu
sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la” (1975, p. 90
apud SCOTT, 1991, p.2). Neste caso, em especial, trabalhamos com a hipótese
superestrutura social determinada. Refletimos sobre o conceito moderno de “mediação”
(idem, p. 45). Uma camada produtora de conteúdo cultural, mais especificamente
composta por representantes da grande imprensa, inseridos na sociedade brasileira neste
início de século. Observamos que os assuntos relacionados às mulheres são reduzidos a
representações também determinadas.
Por ora, entende-se por representação o “reconhecimento do eu e do
outro” (SAFFIOTI, 1992), e “as representações que os homens e mulheres fazem da
realidade social operam como forças propulsoras de novas ações”. (WILLIAMS, 2011,
p. 209). Neste sentido, acreditamos que a ideia que se constrói sobre a mulher é
determinante na compreensão dos sentidos do ser mulher, de maneira genérica,e das
possibilidades de ser mulher, nas diferentes classes, tanto no modo como
compreendemos hoje esta vivência, como em uma projeção de papeis e sentidos:
“Através da representação e da percepção, das imagens e dos modelos, das aspirações e
dos valores que estão ligados a essa mudança, temos toda a possibilidade de evolução
de uma sociedade.” (DE LAUWE, 1996).
Os meios de comunicação, como os jornais, são social e
materialmente produzidos (WILLIAMS, 2011). Atuam como aparelhos ideológicos de
Estado (ALTHUSSER, 1999), conforme a concepção marxista de construção social
dividida entre base e superestrutura. Em geral, não “possuem estatuto público, mas são
simplesmente instituições privadas” (idem, p. 265), porém participam da seleta classe
dominante que determina e exerce poderes nas esferas pública e privada. “A distinção
entre público e privado é uma distinção intrínseca ao direito burguês e válida dos
campos (subordinados) em que o direito burguês exerce seus poderes.” (ALTHUSSER,
1999, p. 265). Tais instituições concorrem para a reprodução das relações de exploração
capitalistas e funcionam por meio da ideologia.
São também, na sua concepção material, forças produtivas em
transformação e que incluem variações históricas, “como as homologias relativas entre
os meios de comunicação e as forças produtivas e as relações sociais mais gerais”
(idem, p. 70). Assim, o modo de produção jornalística está inserido neste movimento de
transformações históricas e sociais, e, como veremos, é responsável em parte por
fenômenos materiais, como a discussão para viabilização de políticas públicas
(materializada), e simbólicos, como a resultante (e muitas vezes negativa) interpretação
sobre quais são os papeis femininos.
A abordagem de demandas públicas pelos meios de comunicação
pode dar diretrizes para políticas de transformação, de maneira que a realidade seja
reorganizada simbolicamente para uma mudança real. “Para a teoria feminista, o
sistema sexo-gênero não é uma maneira contingente, mas essencial, pela qual a
realidade é organizada simbolicamente, dividida e vivida na experiência.”
(BENHABID, 1988, p. 80 apud SAFFIOTI, 1992, p. 188).
A incorporação simbólica que se dá através do conteúdo publicado no
jornal é, há décadas, objeto de estudo das teorias do jornalismo. “As categorias de
percepção do mundo social são, no essencial, produtos da incorporação das estruturas
objetivas do espaço social” (BOURDIEU, 2006, p.141). O problema da naturalização
dos comportamentos considerados “femininos” e o modo como o jornal propaga
determinadas interpretações também são observados. Ainda segundo Bourdieu, o
conteúdo simbólico “leva os agentes a tomarem o mundo social tal como ele é, a
aceitarem-no como natural, mais do que a rebelarem-se contra ele” (idem).
Uma das principais críticas que se faz ao jornalismo contemporâneo
corresponde ao mito da objetividade, que revela a mediação entre sujeito e realidade, de
maneira a aproximá-lo, através da tela ou do papel, do acontecimento, do perfil, da
verdade. O mito da objetividade jornalística foi discutido no Brasil por Ciro Marcondes
Filho, opondo-se ao paradigma de que o jornalismo seria um reflexo da realidade. A
exposição da subjetividade na imprensa desmente uma suposta objetividade da notícia
(MARCONDES FILHO, 1986). Para Marcondes Filho, “a objetividade é impossível” e
a “possibilidade de possuir a verdade é falsa5” (1986, p. 14), traduz-se em dogma.
Acreditamos que neste esforço midiático de produzir e reproduzir
modelos de representação, a imprensa6 está, na verdade, colaborando para ampliar, ou
no mínimo manter, o modelo atual de diferenças histórica, política e simbolicamente
construídas entre os sexos, o que exclui a mulher da “cidadania plena” (SARACENO,
1995).
A perspectiva dos estudos de gênero, “ao destacar a dimensão
subjetiva das relações de poder entre homens e mulheres, acabou por negligenciar o
vínculo com suas bases materiais. Em nossa concepção, não se trata de excluir a questão
feminina do âmbito mais geral da luta de classes, mas – igualmente – não se pode cair
na armadilha de abordá-la como questão específica que acaba por ser diluída no
discurso da proeminência das questões gerais”. (GONÇALVES, 2009, apud
MIRANDA, HOFFMAN, 2009). Como afirmou HEDLER (2011), as políticas
femininas só ganham espaço nos meios de comunicação quando existem fatos
jornalístico envolvendo-as, “pois acontecimentos históricos não são suficientes para
trazer o debate à esfera pública”.
A igualdade entre mulheres e homens constitui um dos grandes
desafios internacionais, presente nos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM,
apud IPS AFRICA, 2008) da ONU. No Brasil, algumas entidades desenvolvem, entre
outras atividades, o trabalho de articular a sociedade, o Estado e os veículos de
comunicação. Destacam se a Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos, a SOF – Sempreviva Organização Feminista, a Rede Mulher de
Educação, o Observatório da Mulher, o Observatório Brasil da Igualdade de Gênero e o
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA).
De maneira geral, os meios de comunicação abrangem quatro
potencialidades, analisadas por cientistas sociais das mais diferentes áreas: a capacidade
de agendamento social, de enquadramento temático, de construção da informação e de
controle social (CANELA, 2008). “Estamos, portanto, assumindo que a mídia tem um
poder central nas democracias contemporâneas: definir a agenda pública.” (idem, p. 25).
Mas a comunicação, por si só, não promove mudanças materiais.
A mediação só tem efeito de ação quando articula diversos setores da
sociedade, constituindo uma nova forma de comunicar, promover discussões, informar,
estabelecer espaços para propulsão das demandas públicas e dar ao trabalho jornalístico
um caráter mais cidadão “pleno”. A Escola Latina de Comunicação define uma teoria
das “mediações” que perpassa a construção simbólica no âmbito da recepção:
Na redefinição da cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza
comunicativa. Isto é, seu caráter de processo produtor de significações e não
de mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um
simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas
também um produtor. O desafio apresentado pela indústria cultural aparece
com toda a sua densidade no cruzamento dessas duas linhas de renovação que
inscrevem a questão cultural no interior do político e a comunicação, na
cultura (Martín-Barbero, 1997, p. 287).
Carmen Silva escrevia no ano de 1963: “Não é necessária muita
perspicácia para perceber sintomas de insatisfação nas mulheres de hoje” (SILVA,
1994, p. 73, apud CIVITA, 1994). Diferente do que definia Carmen, quase 50 anos
depois, é preciso muita perspicácia para perceber as insatisfações femininas e observar
que elas não são muito diferentes do que se esperava na década de 1960, apesar de
algumas conquistas. “Diversas autoras inseridas no debate olham criticamente para os
universais presentes nas análises antropológicas, reivindicando outorgar especial
importância à observação das diferenças reais entre as sociedades.” (PISCITELLI,
1998, p. 308). Em diversas sociedades e camadas sociais, as necessidades são mais das
mesmas, mascaradas em uma naturalização da igualdade de direitos, deveres e
oportunidades, próprios de uma época pós-moderna e de uma sociedade neoliberal.
Herança dos ideais de liberdade e igualdade, a responsabilização individual chega a seu
extremo no início do século XXI.
Conclusões
Combater as diferenças de gênero e raça, na cultura e na comunicação,
é uma ação prevista no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, cuja importância e
urgência se percebe também nas escolas e pesquisas de comunicação.
(...) A visão difundida pelos meios de comunicação – os mesmos que atuam
para deslegitimar o discurso feminista – de que as políticas para as mulheres
deveriam se localizar e, portanto, se diluir em um ministério dos direitos
humanos, caminha no sentido oposto à construção da igualdade e da
liberdade das mulheres. Estas só serão conquistadas na medida em que haja
uma interferência nas estruturas que sustentam a desigualdade, ou seja, na
divisão sexual do trabalho e na mercantilização do corpo e da vida da
mulheres.” (MORENO, 2011).
Como afirmou Teresa de Lauretis (1992), a identidade de uma mulher
é produto de sua própria interpretação e da reconstrução que faz de sua história,
permeada pelo contexto cultural discursivo ao qual tem acesso. Justificamos esse
desenvolvimento epistêmico a partir de teorias feministas, de teorias do jornalismo e da
comunicação, cujas bases materiais são aplicadas na construção de modelos simbólicos
em uma sociedade marcada pela divisão sexual.
Observamos, a partir de estudos anteriores (WOLF, 2008 HEDLER,
2011, SILVA, 2010) que os jornais determinam conteúdos que possam ser de interesse
público e ainda tematizam mais notícias e informações sobre a política pública para
saúde da mulher e direitos reprodutivos que sobre outros temas. Além disso,
observamos que prevalecem notícias de políticas públicas que dizem respeito à mulher
enquanto progenitora, o que determina uma restrição dos papeis femininos.
Observamos que a inserção de conteúdo via divulgação pública
(releases) têm como fator negativo uma maior resistência dos jornalistas, produtores e
pauteiros para assuntos relacionados às demandas públicas, porém pode significar uma
abrangência mais eficaz. Observamos que a internet, por meio das redes sociais, blogs, e
outros veículos virtuais, tem se mostrado um espaço de menor resistência aos conteúdos
políticos e humanitários. De grande abrangência, porém de menor engajamento, os
assuntos disseminados na rede geram discussões em curto prazo, geralmente apoiadas
no ambiente filosófico, simbólico, bastante distanciadas da práxis.
Concluímos que a discussão de futuras mudanças, necessárias, são
quase inexistentes na mídia. A politização dos jornalistas, dos jornais e dos leitores será
fundamental para a discussão de assuntos que gerem novas políticas. É preciso admitir,
em primeiro plano, a transversalidade da divisão sexual, das questões de gênero.
Desenvolver documentos que gerem o interesse jornalístico por pautas sobre políticas
públicas para mulheres. Desenvolver na academia o interesse por assuntos relacionados
às políticas públicas para mulheres, bem como a reflexão sobre o assunto.
Um dos objetivos propostos nesse trabalho era discutir de que maneira
podemos desenvolver uma comunicação social mais orientada para os direitos e
cooperar com os promotores de conteúdo, de maneira a determinar que assuntos de
interesse público sejam pautados nas mídias. É fundamental que os agentes públicos
conectem-se com os leitores/consumidores de mídia e com os produtores, do outro lado
do jornal, por meio da inserção de pautas nos jornais e revistas impressos, rádios e TVs.
Além disso, é imperativo perceber que os quadros acadêmicos tem sido destinados para
um jornalismo cada vez mais mercadológico e menos humanitário, o que implica em
profissionais mais tecnicistas, menos preocupados com o desenvolvimento humano.
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New York: Oxford University Press, 1978.Acesso: 15.08.2012.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e Materialismo. São Paulo: UNESP, 2011, p. 43-68.
WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações de Massa. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
1 Dulce Mazer é jornalista, mestranda em Comunicação na Universidade Estadual de Londrina. Pesquisa
o uso do corpo imagem feminismo no jornalismo brasileiro. Especialista em Marketing, Comunicação e
Negócios é professora do curso de Jornalismo da Universidade Norte do Paraná.
2 A dissertação de Silva - Masculino, o gênero do jornalismo: um estudo sobre os modos de produção das
notícias - foi vendedora do prêmio Adelmo Genro Filho, edição 2011, concedido pela Sociedade
Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo – SBPJOR.
3 A Teoria Construcionista reconhece um grau maior de autonomia por parte dos jornalistas. Outra
diferença importante entre esta e a Teoria Estruturalista é que a última defende a posição de que os
valores-notícia dos jornalistas têm um papel central na reprodução da ideologia dominante. De acordo
com as teorias do jornalismo, White definiu em 1950 o conceito de gatekeeper. Em sua teoria, o processo
de produção de notícias é concebido como uma série de escolhas, onde o fluxo de notícias tem que passar
por diversos portões (gates), que são momentos de decisão em relação aos quais o gatekeeper (jornalista)
tem de decidir se vai escolher ou não uma notícia, deixá-la passar ou não (PEREIRA JUNIOR, 2005,
WOLF, 2008).
4 Na programação do curso, prevíamos ampliar os conceitos de agenda social e teoria do agendamento no
jornalismo, além de desenvolver estratégias de divulgação na mídia para jornalistas e para cidadãos
engajados, bem como definir caminhos para pautar as principais demandas sociais e discuti-las na mídia.
5 Para Marcondes filho, não significa que tudo seja igualmente subjetivo no jornalismo ou “que todas as
expressões jornalísticas da realidade mantenham a mesma distância do real: há apropriações mais ou
menos próximas da verdade dos fatos”. (1986).
6 Quando pensamos no papel do jornalismo na atualidade, ecoamos o mito da objetividade e da
imparcialidade jornalísticas, quando, em qualquer análise de sentido, vamos perceber que a simples
escolha de palavras, para os textos, ou ângulos e poses, para as fotografias, por exemplo, já é a recusa de
outros. A escolha de um assunto, em detrimento de outro, é “uma parte seletiva da realidade”
(TRAQUINA, 2005).
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