XI Congresso Brasileiro de Sociologia GT07 - Grupo de trabalho: Ensino Universitário e desenvolvimento científico e tecnológico Nome: Márcia Regina Tosta Dias Filiação institucional: Centro de Documentação e Memória da UNESP e Escola de Sociologia e Política de São Paulo Titulação: Mestre em Sociologia, doutoranda em Ciência Política – FFLCH/USP Título do trabalho: O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão. DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão Título do trabalho: O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão. I O presente trabalho traz uma primeira discussão derivada da pesquisa que desenvolvo para o doutorado em Ciência Política na FFLCH/USP. Trata-se de analisar o processo de criação da mais jovem das três universidades estaduais paulistas, a UNESP, instituída em 1976, a partir da reunião de 14 Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo. Em linhas gerais, busca-se compreender o processo à luz dos planos e políticas de desenvolvimento nacional vigentes no período. A hipótese central considera que o perfil institucional conferido à UNESP expressa de maneira lapidar a lógica presente na Reforma Universitária de 1968, que por sua vez traduz as expectativas do governo militar instaurado em 1964, no que toca o ensino superior. O objeto de estudo tem sua complexidade inscrita na constatação de que a UNESP não surge do projeto de universidade que a institui. Seu formato institucional é pensado e definido a partir de um conjunto de faculdades instaladas no interior do estado de São Paulo, em períodos diferentes a partir de 1923 e que já tinham, portanto, uma história consolidada. Assim, o momento em a UNESP surge, paradoxalmente, concentra criação e reforma e dessa contradição fundamental surge uma nova configuração geo-política-científica, tanto no interior do estado de São Paulo, quanto - no plano interno - na correlação de forças que atuam na universidade. Além de apresentar o problema em suas dimensões essenciais, este breve relato detêm-se, na busca de alguns elementos para a reflexão, a partir de dois pontos fundamentais para o estudo. Primeiramente, trata-se de questionar os motivos que fazem as universidades e o ensino superior como um todo, surgir, formar-se ou reestruturar-se para responder à expectativas do seu tempo, a partir de determinada maneira de se organizar e desenvolver. Por tratar-se de uma abordagem introdutória, a escolha das algumas experiências privilegiou modelos de universidade que inspiraram e influenciaram o processo de formação da universidade brasileira. A discussão, já considerada clássica pela literatura especializada, envolve aspectos do caso francês, alemão e americano. Em segundo lugar - e a partir dos mesmos exemplos - procura-se refletir sobre importância das faculdades de filosofia e dos cursos de filosofia nos exemplos em questão. Meu objetivo é o de compreender o modelo clássico de universidade que tem na faculdade de filosofia o núcleo aglutinador da vida universitária, estrutura que, aliás, foi seguida na criação da Universidade de São Paulo. No rearranjo estrutural que dá início à UNESP, um dos temas mais polêmicos e 3 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão orientadores dos debates e das diretrizes postas em prática, diz respeito à avaliação e a conseqüente reestruturação das sete faculdades de filosofia, ciências e letras que existiam como Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo. A abordagem, longe de fornecer resultados e reflexões acabadas, quer lançar algumas idéias para, se possível, beneficiar-se do debate. II No Estado de São Paulo, a trilha aberta pela cultura cafeeira, no pós II Guerra Mundial passou a ser ocupada pelos anseios de interiorização do desenvolvimento. As políticas desenvolvimentistas intensificaram esse movimento com a expansão da atividade industrial, a mecanização da agricultura, a ampliação das vias de comunicação e o crescimento das cidades 1. Tornava-se então necessário, criar condições para que florescesse, no interior do estado, a educação, a formação de profissionais, professores, cientistas nas várias áreas do conhecimento, estimulando o surgimento da cultura característica das sociedades modernas 2. Em que pese o surgimento da USP, em 1934, a ampliação do ensino superior em São Paulo, até o fim do Estado Novo foi tímida. Mas a Constituição Estadual de 1947, ofereceu condições legais à expansão, na medida em que tratava da necessidade de criação de universidades, utilizando o substantivo no plural3. O mesmo mecanismo que incentivou a expansão do ensino superior foi seguido, na base, pela ampliação dos ginásios. Se em 1940, São Paulo contava com 41 ginásios mantidos pelo governo estadual, esse número foi crescendo progressivamente até chegar a 561, em 1962 (CUNHA, 1983:75). Esse aumento progressivo foi demandando a existência de professores habilitados a lecionar nos ginásios, ao mesmo tempo que formou um contingente potencialmente interessado a dar prosseguimento em seus estudos, no nível superior. O exercício do regime político representativo e da conseqüente competência atribuída à Assembléia Legislativa paulista para criar escolas, em todos os níveis, foi canalizando pressões fortes e difusas, vindas das várias regiões do estado, que representadas por seus deputados, passam a disputar a instalação de ginásios e faculdades em suas cidades e regiões. Assim, escolas superiores isoladas foram criadas, e a partir da fundação da USP iam, ou integrando-se à ela ou por ela sendo supervisionadas. Desde 1923, com a criação da Escola de Farmácia e Odontologia de Araraquara, mas com maior intensidade no final dos anos 50, 1 Cf., por exemplo, DRAIBE, S. Rumos e Metamorfoses. Estado e industrialização no Brasil: 1930/1960. RJ: Paz e Terra, 1985 e CANO, W. As raízes da concentração industrial em São Paulo. SP: Difel, 1979. 2 A bibliografia sobre o tema é bastante ampla. Cf., por exemplo, DE LORENZO, H. e COSTA, W. (orgs.) A década de 20 e as origens do Brasil moderno. SP: Editora UNESP, 1997. 3 Cf. Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo. Memória e História. 1923-1976. Relatório Científico do CEDEM/UNESP. SP: 1995. 4 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão instalaram-se pelo interior do Estado de São Paulo várias escolas superiores isoladas. Além das Escolas de Farmácia e Odontologia, que eram escolas profissionalizantes de formação específica surgidas por um tipo de iniciativa diferenciada, a forma clássica do Instituto Isolado de Ensino Superior foi a da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que tinha o objetivo primordial de formar professores para atuarem no ensino em vários níveis. Mas a interiorização do ensino superior, já tinha promovido a criação de Faculdades como a antiga Escola Superior Agrícola Luiz de Queiróz, de Piracicaba (1901, portanto, num momento distinto), a Faculdade de Medicina e Escola de Enfermagem (1950), bem como a Faculdade de Ciências e Letras (1959), todas de Ribeirão Preto; a Faculdade de Odontologia de Bauru (criada em 1948, mas implantada em 1962) e a Faculdade de Engenharia de São Carlos (1953)4, que estavam sob a coordenação da USP. Vale lembrar que a instalação de qualquer escola superior no interior dependia do parecer do Conselho Universitário da USP. A grande maioria dos pedidos era negada, tendo como base o argumento de que a expansão não garantia a preservação da qualidade, do padrão já consolidado pela USP (LEITE, 1997: 255-278). Apesar dos pareceres contrários, mas como resultado de negociações políticas entre o governo do estado, o legislativo e as prefeituras locais, em 1957, foram legalmente criadas seis Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no interior: Araraquara, Assis, Marília, Rio Claro, São José do Rio Preto e Presidente Prudente5 e ainda uma outra, em 1962, em Franca. Nas áreas de ciências biológicas e exatas, anteriormente, tinha-se assistido à estadualização da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara, em 19516, à criação daquela de São José dos Campos, em 1954; a de Araçatuba data de 1964. Também já nos anos 60, surgiram a Faculdade de Ciências Médicas de Botucatu (1962), a Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (1964), Faculdade de Medicina Veterinária e Agronomia de Jaboticabal (1964). Mais tarde, em 1974, a Faculdade de Música “Maestro Julião” passa também, a integrar o que era na época a Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo (CESESP) que, ligada à Secretaria de Educação, representou o embrião do que veio a ser a UNESP. A interiorização do ensino superior ganha ainda investimento de peso no período com a criação da UNICAMP em 1962, que tem seu funcionamento efetivado a partir de 1966. 4 Cf. Estudos Avançados, nº22, volume 8, setembro/dezembro, 1994. 5 Cf. VAIDENGORN, J. As Seis Irmãs. As Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras - Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo - 1957-1964. Cabe ressaltar que embora tivessem sido legalmente criadas em 1957, tais Faculdades iniciaram suas atividades em anos diferentes. 6 Cf. CORRÊA, A. M. M.. Para Preparar a Mocidade... Fragmentos de memórias na história da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara. 1923 - 1976. SP: Editora UNESP, 1998. 5 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão Mas a instalação dos Institutos Isolados foi trazendo um conjunto de dificuldades sobretudo de ordem político-administrativas ao governo estadual. O número de unidades então constituídas e a proliferação de pedidos de instalação de novas faculdades levou à definição de normas para a expansão do ensino público superior no interior do Estado de São Paulo e à uma temporária suspensão da sua proliferação. Por outro lado, as transformações econômicas e sociais e a aceleração do ritmo do desenvolvimento fizeram do início dos anos 60 um período de grande efervescência socio-cultural. Um dos setores mais mobilizados, o movimento estudantil, clamava por reformas na universidade, pela ampliação do número de vagas e pela expansão do ensino público. O golpe de 1964 afastou a comunidade acadêmica dos debates; as reivindicações foram transformadas e seu alvo passa a ser o fim da ditadura militar7. A reforma no entanto se fez. O trabalho de diagnóstico e de elaboração de seu projeto ficaram a cargo de consultores norte-americanos - que já atuavam no Brasil de maneira mais sistemática desde os anos 40 8 assessorando a expansão do ensino superior - colaboradores do convênio entre o MEC e a USAID e de um Grupo de Trabalho, todos destacados especialmente para a tarefa. É ampla a discussão sobre a Reforma, cujo projeto foi apresentado no Relatório do Grupo de Trabalho da Lei nº 5.540, de 28/11/1968 9. Em linhas gerais, talvez possamos distinguir na Reforma dois sentidos básicos: o que pretende cultivar na universidade um ambiente institucionalmente ágil, competente e eficiente na formação de recursos humanos para atuarem num mercado de trabalho cada vez mais especializado e o que considera a educação um setor politicamente estratégico. Vista desses dois ângulos e considerando-se o regime de exceção vigente, é possível compreender todo o ordenamento que se propõe a partir da alteração da estrutura acadêmica e organizacional. Podemos citar a extinção do regime de cátedras e sua substituição pelos departamentos e pela definição da carreira docente em regime de tempo integral, a integração obrigatória entre ensino e pesquisa, a valorização da dimensão técnica e administrativa, o estabelecimento do sistema de créditos, a normatização dos vestibulares e a reorganização da pósgraduação. Todo esse referencial orientará, de perto, a criação da UNESP. Ao tentar mapear os sentidos da Reforma, Luís Antônio Cunha (CUNHA, 1988) aponta, primeiro, que ela inspirou-se em um determinado modelo alemão de universidade que pregava a forte integração do diverso, sob a égide da economia, da racionalização administrativa e da geração 7 Processo especialmente estudado por CUNHA (1988). Maria Gabriela Marinho, em Norte-americanos no Brasil – uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952) aponta que a influência norte-americana na universidade brasileira é na realidade muito anterior. 8 9 Tomo aqui como base os textos de FÁVERO (1998) e CUNHA (1988). 6 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão de produtos, superando, dessa forma, a fragmentação do modelo bonapartista de escola isolada, que segundo o autor, é nossa maior influência externa. Segundo, diz que se essa é a fonte de inspiração “o modelo organizacional proposto é o norte-americano” (1988:18-22), consolidando uma longa trajetória de colaboração. III Gostaria de retomar e desenvolver um pouco mais alguns aspectos da idéia apresentada por Cunha de que a universidade brasileira nasce sob a inspiração do modelo bonapartista da Universidade da França (também chamada de Universidade Imperial), uma vez que antes de termos universidades, contamos com uma ampla tradição de escolas isoladas. Napoleão Bonaparte, na realidade, operou um grande e quase que insuperável desmonte das universidades francesas nascidas em momentos diversos do Antigo Regime - com o propósito de reordená-las em uma única universidade. Em La longue marche des universités françaises, Christine Musselin afirma que naquele momento, a estrutura universitária foi destruída e à Universidade Imperial foram então reunidas todas as faculdades existentes naquele território10 para que se procedesse sua integração numa estrutura nacional e centralizada. O sistema educativo desenhado e operado por Napoleão entre 1806 e 1808, se apoiou em um modelo “minimalista e estritamente utilitário do ensino superior” (2000:25). Todas as faculdades foram organizadas em Academias pertencentes a duas linhas básicas: aquelas ligadas à formação de profissionais na área do direito e da medicina e às de letras e ciências. Essas últimas tiveram seu conteúdo empobrecido e tornaram-se praticamente veículos da concessão de diplomas. As faculdades eram teoricamente idênticas do ponto de vista formal e normativo, diferenciando-se somente nas disciplinas específicas. A Universidade Imperial controlava os conteúdos e as modalidades do conhecimento, regulava as formas de remuneração e constituição do corpo docente e precisava as formas de acesso entre os diversos graus da formação. Por exemplo, permitiu que o baccalauréat fosse reconhecido como o primeiro estágio da vida universitária, sendo até então considerado um grau intermediário, que compunha os requisitos para a admissão no nível superior. Musselin afirma que, apesar de todo o empenho em outra direção, as transformações operadas, ao reforçarem o monopólio da instrução por um sistema educativo centralizado, mesmo que em âmbito nacional, e apoiado em dimensões territoriais, deram continuidade ao Antigo Regime e acabaram por institucionalizar uma corporação universitária (MUSSELIN, 2000: 27-30). Mas parece não ser somente nossa herança de escolas isoladas que prende a atenção de Cunha na citada afirmação, mas sim o paradoxo presente no fato de ter, a família real portuguesa 10 Escolas médias e técnicas também integravam a Universidade da França. 7 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão reproduzido no Brasil as propostas educacionais de Napoleão, depois de ter antecipado em Portugal vários projetos da burguesia francesa no campo do ensino (CUNHA, 1980: 49-50). No Brasil, tratava-se de iniciar o processo de formação de profissionais especializados tal como médicos, engenheiros e advogados que viriam a colaborar para a instituição e incremento do desenvolvimento local. Para buscar um paralelo, poderíamos dizer que do mesmo modo que as reformas napoleônicas impuseram-se até o cerne do funcionamento das faculdades, firmando procedimentos próprios e localizados, apesar da lógica centralizadora em vigor - traço que viria a posteriormente minar muitas tentativas de reconstrução das universidades francesas - no Brasil, o caráter fragmentado do ensino superior sempre ofereceu sérios limites ao surgimento de universidades. Nos dois casos, será somente nos últimos anos 60 que conjuntos de reformas reordenarão os sistemas universitários, conferindo-lhes novos perfis. Ao mesmo tempo das reformas napoleônicas, a universidade alemã também desencadeou uma série de mudanças que levariam à fundação da Universidade de Berlim11, processo que se desenrolou de 1808 a 1810. Tratava-se de responder política e estrategicamente às invasões francesas, salvaguardando a sua instituição de ensino superior mais importante, a Universidade Real de Halle, localizada no ducado de Magdebourg, território que deveria ser abandonado, como exigência do tratado de paz de Tilsitt. Halle deveria ser transferida e transformada em uma nova universidade. Com a criação da Universidade de Berlim, buscava-se uma resposta intelectual à circunstância da invasão; era uma questão de prestígio nacional. Decidida a transferência em setembro de 1807, o ministro Beyme, responsável pela execução do plano, consultou vários intelectuais para saber suas opiniões e sugestões para a reorganização da universidade. É nesse cenário que acontece a participação de filósofos como Schelling, Fichte, Schleiermacher, Humboldt e Hegel, num debate que se tornou um dos mais célebres e consistentes sobre a universidade, seu papel, suas funções, sua organização e suas relações com a sociedade12. Se a gravidade da situação justificava, à primeira vista, a participação ativa dos filósofos do idealismo alemão nas discussões, vemos que à tal urgência reuniram-se também motivos mais fundos, ligados às suas preocupações filosóficas13. A adesão a um projeto geral de “sistematização racional do real”, onde a “sistematização do múltiplo” se apresentava como démarche principal em direção à Idéia (como princípio e ideal), em vários sentidos se aproximou dos desafios postos ao Cf. FERRY, L. PESRON, J.P., RENAUT, A (orgs.) Philosophies de l’université. L’idealisme allemand et la question de l’université. Paris: Payot, 1979, dados referentes à Introdução e CUNHA (1988). 11 12 Vale lembrar que tal debate retoma, de várias formas, O Conflito das Faculdades, de Kant, de1795. 13 É preciso ressaltar que apresento aqui somente alguns dos temas de um debate amplo, rico e de grande complexidade. 8 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão ensino superior, naquele momento. A universidade interessava por reunir a “ciência objetiva e a formação subjetiva”, como espaço de excelência da produção do saber, da geração da verdadeira ciência e, consequentemente, do exercício da filosofia. O momento de sua reestruturação foi visto como a grande oportunidade para sua transformação na Idéia de Universidade, a totalidade unificadora do diverso. Urgia então produzir aquilo que Schleiermacher chamou de Pensées de Circonstances14. Portanto, a colaboração de tais pensadores não se limitou à sua produção filosófica. De sua reflexão sobre o tema resultaram planos de organização e administração da universidade, sendo que alguns, como Humboldt e Fichte, nela ocuparam altos cargos de direção. Humboldt foi responsável pela implantação e o primeiro reitor da nova universidade. Fichte foi diretor da Faculdade de Filosofia e reitor em 1811 (colocando em prática projetos diferentes do seu) e Schleiermacher, diretor da Faculdade de Teologia. Mesmo com ressalvas e cuidados, vieram a colaborar numa dimensão prática diversa daquela em que até então atuavam. O especial interesse que nutro por esta questão está no fato de que nesse momento, parece ter surgido - ou tomado uma feição definitivamente contemporânea - duas posturas diferentes sobre os objetivos e as formas de organização e administração universitária, que no entanto têm a mesma origem, surgem a partir de um núcleo filosófico comum. Tais posturas, e o sucesso prático decorrente delas, parecem ter se propagado e estendido influências a muitas outras experiências universitárias, como a americana e mesmo a francesa, durante todo o século XIX. Naquele momento, a colaboração oferecida inicialmente por Fichte15, foi solicitada pelo ministro Beyme em 1807 e dava sequência a uma discussão com Schelling, que em artigo de 1805 – Conférences sur l’essence du savant - questionava as idéias de suas Conferénces sur la destinacion du savant, de1794. Também atendendo à solicitação do ministro, Schleiermacher logo apresentou uma réplica a Fichte, em suas Pensées des Circonstances. No momento em que Humboldt assumiu a tarefa de organizar a implantação da Universidade de Berlim, ouviu Fichte e Schleiermacher, que defenderam as suas propostas; do debate, Schleiermacher saiu vitorioso. Com os dois projetos, vemos contrapostas idéias consideradas de orientação autoritária, como as de Fichte e liberal, como as de Schleiermacher. Os adjetivos foram escolhidos pelos organizadores da citada coletânea dos textos dos filósofos, acatados por Cunha, e parecem já consolidados no debate. As raízes autoritárias do projeto de Fichte encontraríamos na maneira como perseguia o ideal, quando considerava a possibilidade concreta da sistematização acabada do real a Constante do mesmo volume acima citado, “Pensées de circonstance sur les Universités de conception allemande (1808), p. 253-318. Prefiro conservar os títulos de acordo com sua tradução para o francês. 14 15 Trata-se de Plan déductif d’un établissement supérieur à fonder à Berlin (1807). 9 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão partir da articulação entre razão prática e razão teórica, em que o primado da primeira justificava-se pela necessidade que o homem tem de defender-se, por meio da ação, de sua natural indolência (FERRY et alli, 1979: 28). Em seu projeto para a universidade, essa ação deveria ser dirigida, controlada, prevista, racionalizada e tinha lugar numa estrutura organizada, com formas e conteúdos planejados, produtos e resultados controlados, avaliados e até mesmo julgados por instâncias gestoras16. Da mesma forma, dever-se-ia proceder com relação à performance de alunos, professores e funcionários. A filosofia comporia um tipo de essência presente em todas as áreas, como exercício elementar formador; por isso não precisaria necessariamente situar-se num centro específico. O saber, em todos os domínios, estaria concentrado em torno dos professores, que teriam a obrigação de regulá-lo, definindo procedimentos e garantindo sua execução prática. Portanto, somente princípios de responsabilidade, planejamento, organização, economia e utilidade garantiriam a estruturação do múltiplo e a existência da universidade como totalidade, integrada a uma totalidade mais vasta: a da nação e do Estado. Schleiermacher retomou as idéias de Schelling para quem a educação só se torna possível por meio de um saber nascido da liberdade acadêmica. A universidade, espaço onde se desenvolve e se organiza o saber, deve ser totalmente independente de qualquer finalidade prática (moral ou política). Ela é fim em si e não pode jamais mostrar-se como um meio. Para Schleiermacher e posteriormente para Humboldt, aos professores deveria ser garantido o exercício da maior liberdade possível, sem imposição de normas; um tipo de concorrência benéfica poderia normatizar suas atividades e sua produção. Aos estudantes, estaria reservado um mínimo de obrigações, mas sem nenhuma tutela ou interferências de instâncias julgadoras. Para Humboldt, somente a independência e a liberdade, tomadas como princípio, garantiriam a coesão de um sistema em que o indivíduo participaria de uma atividade comum e constante, sem coerção e objetivos impostos do exterior. Tanto a universidade, como os outros níveis de ensino estariam resguardados pela autonomia de seus domínios e todos estabeleceriam uma mínima relação com o estado, que deveria oferecer-lhes apoio financeiro, mas mesmo este seria sempre visto com reservas e desconfiança. Quando trata da estrutura que deveria ter a nova universidade de Berlim, Schleiermacher defendia que a unidade buscada tivesse seu centro na faculdade de filosofia, pois só ela poderia conter toda a organização natural da ciência, da filosofia transcendental, da ciência natural, da história e de todas as outras disciplinas17. A organização das universidades, em vigor na época, em 16 À esta altura vale apontar que os autores abrem sua referida apresentação a tais textos, citando como paráfrase a seguinte frase de Nietzsche, em La naissance de la tragédie (1872): “La connaissence tue l‟action, pour agir il faut que les yeux se voilent d‟un bandeau d‟illusion...”. op. cit, p. 9. 17 Cf. Schleiermacher, F. Pensées de circonstance sur les Universités de conception allemande - Sur les facultés. Philosophies de l’université.. p. 288-302. 10 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão faculdades de teologia, direito, medicina e filosofia, tinham para o autor, um aspecto “grotesco”, mas eram, de qualquer forma, representativas do passado e do presente das universidades. A universidade por excelência seria aquela formada pela associação científica sediada na faculdade de filosofia. As outras três tinham sido criadas pelo estado, bastante cedo, cercadas de privilégios, vivendo sempre sob a sua proteção, uma vez que se relacionavam com suas necessidades essenciais. Tal como funcionavam, permitiam a presença do estado em seu interior. Por sua vez, a faculdade de filosofia estava para o Estado assim como estava, à época, uma empresa privada. “Existem somente por uma necessidade interna. Graças ao espírito científico dos professores de outras faculdades, conseguem um lugar subsidiário ao seu lado, o que explica sua classificação ao final da lista.” (Schleiermacher, 1979:288). Mas o que importa estar no fim da lista? Para Schleiermacher a faculdade de filosofia deveria ser a primeira, una e autônoma, impossibilitada originalmente de desintegra-se do todo universitário. Seria não somente a primeira como também a soberana, na medida em que todos os membros da universidade teria as suas raízes nela. O aluno ingressante não poderia dirigir-se desde logo às faculdades de áreas especializadas (procedimento considerado “nefasto” pelo autor). Todos deveriam primeiramente frequentar a faculdade de filosofia, sobretudo no primeiro ano da vida universitária. Os professores, além dos vínculos que tivessem com suas áreas de especialidades, deveriam desenvolver projetos específicos na faculdade de filosofia. Para garantir esse livre trânsito, os departamentos seriam formados de maneira flexível e provisória, evitando os rígidos limites entre as disciplinas. O sistema, portanto, não poderia ser um todo acabado, como em Fichte: a sistematização é um movimento que está constantemente por se realizar. Durante o século XIX a Alemanha foi referência para vários países no que toca a vida universitária. Christine Musselin mostra que das inúmeras reformas por que passaram as universidades francesas, aquela proposta por Louis Liard em 1896, teve forte inspiração na universidade humboltdiana. A retomada pelos alemães do territórios invadidos pela França, acabou por despertar nos franceses um interesse pelas “soluções” alemãs e uma vontade a mais de concorrer com a superioridade econômica, cultural e militar alemã. Assim, a Alemanha recebeu à essa época muitos universitários e/ou cientistas franceses (Durkheim, inclusive) encantados com a autonomia e com as facilidades para a pesquisa que desfrutavam os alemães, sobretudo na Universidade de Berlim. Para Liard, era preciso mudar a situação das faculdades de filosofia, ciências e letras, que viviam como anexos dos liceus e preparálas para acolher estudantes interessados exclusivamente na vida acadêmica e científica. Mas, segundo a autora, a tentativa não levou a França a restabelecer seu espírito universitário; o caráter 11 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão eminentemente isolado em torno do qual as faculdades e suas cátedras tiveram que funcionar durante quase um século, acabou por inviabilizar a política de integração18. Por outro lado, a autora adverte sobre as reais possibilidades de que ideais forjados no início do XIX terem força para, no final do século, influenciarem ainda outras instituições, por mais que as universidades alemãs, a partir das reformas, tenham se transformado e se fortalecido de tal forma a sobreviverem, inclusive em momentos de fragilidade social. No mais, mesmo que as reformas tenham chegado a todas as instituições universitárias alemãs, é fato que o princípio de unidade da faculdade de filosofia não foi seguido, sendo a Alemanha um exemplo da existência de centros especializados de ensino e pesquisa de excelência e de geração de novos campos do saber. Mas, as ponderações sobre a longevidade das reformas humboldtianas não desautorizam a reflexão sobre o alcance das influências alemãs. C. Wright Mills (1968), ao analisar as transformações vividas pelo ensino superior americano no período posterior à Guerra Civil (186165), ressalta a importância do intercâmbio realizado com universidades alemãs, desde o último quarto do século XVIII, mas sobretudo a partir de 1815 e durante todo o XIX. A experiência de estudantes, graduados e professores americanos em instituições de ensino alemãs e a presença de professores alemães nos EUA, teria tido um papel fundamental na consolidação das escolas para graduados e, consequentemente para a instituição no país de programas de formação de doutores em filosofia. Nos EUA, a passagem de uma estrutura socio-econômica agrária para a industrializada e complexa, demandava a secularização do ensino superior, que até então existia somente como ensino religioso. A especialização decorrente da diversificação das atividades, passava a exigir a formação de homens de ciência em várias áreas, orientada para atividades práticas decorrentes da transformação econômica em curso. O objetivo de Mills é mostrar que o Pragmatismo resulta da profissionalização da filosofia nos EUA. Apresenta-o como um resultado sui generis das relações que a filosofia pode estabelecer com a sociedade. Portanto as mudanças verificadas na esfera da educação, a superior especialmente, oferecem indicadores substanciosos das transformações muito mais amplas verificadas no conjunto da sociedade americana. Para o seu financiamento, o crescimento quantitativo, a expansão, diversificação e especialização do ensino superior norte-americano apoiou-se, por um lado, no investimento público, o que lhe garantiu, de várias formas, o exercício do ensino laico, estimulando o estudo de temas seculares e de utilidade prática, buscando incluir “leigos de todos os tipos”, favorecendo 18 É importante frisar que, no caso francês, o caráter isolado não produziu necessariamente problemas de qualidade. Estes podem surgir como conseqüências de dificuldades geradas no âmbito da administração e do controle. Por exemplo, políticas educacionais destinadas ao ensino superior, à ciência e à tecnologia têm nas universidades estruturas institucionais muito mais habilitadas à sua implantação do que as escolas isoladas. 12 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão principalmente as classes médias. Mas é amplamente conhecida a força que exerceu (e exerce) sobre o desenvolvimento da universidade americana, o aporte financeiro oferecido por homens possuidores de grandes fortunas, indivíduos que potencializaram os vínculos existentes entre a educação e as transformações industriais e, no limite, econômicas, transferindo parte (ou toda) de sua riqueza para projetos educacionais de grande porte. Sob a égide da filantropia, surgiram ou foram reformadas universidades como Cornell (1865), Johns Hopkins (1876), Chicago (1890), e muitas outras como Boston e Harvard (1869), subsidiadas por grandes doações. Para planejar, dirigir, organizar e administrar as universidades nessa fase de novos investimentos, foram contratados educadores que se tornavam os presidentes das universidades. Para Mills, esse profissional desempenhou funções das mais fundamentais. Mais do que nunca, era preciso formar especialistas nos vários campos da ciência e o país carecia de escolas para graduados, com professores doutores. Além do título praticamente simbólico de Doctor of Divinity, outorgado pelas escolas religiosas, o único título oferecido a graduados antes de 1879 era o de Master of Arts. Título honorário, obtido através de pagamento, só a partir daquele ano passou a ser concedido por meio da apresentação de trabalho científico. De 1876 em diante, começaram a ser concedidos títulos de Doutor em Filosofia e as condições acadêmicas para a sua concessão foram melhorando progressivamente. Tal título, além da forma laica demandada, oferecia um amplo repertório de disciplinas às quais muitos estudos poderiam vincular-se, não sendo a filosofia necessariamente, a área de maior interesse. É nesse sentido que Mills aponta para a importância do intercâmbio estabelecido com universidades estrangeiras, com destaque para a alemã, para a formação de quadros e para o acúmulo e transferência de conhecimentos. Entre 1800 e 1850, cerca de duzentos estudantes americanos estiveram nas universidades alemãs, mas nas quatro últimas décadas do século XIX, uma média de 100 estudantes a cada década lá estiveram; a grande maioria em busca do título de Doutor em Filosofia. Chamou a atenção do autor o fato de que, a partir da década de 1860, “a direção do ensino superior nos Estados Unidos esteve sobretudo nas mãos desses homens. A maioria dos membros do grupo de 53 professores e conferencistas de Johns Hopkins pelo menos havia estudado na Alemanha” (MILLS, 1968: 77). Não se trata de afirmar, como não o quer tão pouco Mills, que as transformações vividas pela universidade americana no período, tem as instituições alemãs como única fonte de inspiração. O que se quer relevar é a importância da primeira como formadora de quadros para a universidade que se transformava, o que certamente trouxe consigo referências importantes. O próprio desenvolvimento da filosofia americana, expressa no pragmatismo, pode ter operado essa 13 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão transposição de influências de maneira original19. Portanto, é preciso considerar, na medida do que é feito por Mills, a forma como o pragmatismo orienta, forma e direciona não somente a filosofia e as ciências humanas, mas toda a vida universitária americana, procurando sintonizá-la com a grande influência que exerce no ensino superior brasileiro. Desde os acordos de cooperação na área médica do início do século XX, passando pela forte ascendência de pensadores como John Dewey (ele mesmo um filósofo do pragmatismo estudado por Mills) na obra de homens públicos ligados à educação, como Anísio Teixeira20, do trabalho de professores e pesquisadores americanos na Escola Livre de Sociologia e Política21, os dois últimos nas décadas de 1920 e 30, até interferências mais fortes e diretas como as que se observa a partir dos acordos MEC/USAID, na década de 1960, indicam a necessidade de se retomar o estudo da influência norte-americana em nosso ensino superior. Talvez pudéssemos distinguir tais influências entre formadoras e reformadoras. As universidades francesas e alemãs tinham uma história já consolidada, uma tradição pronta a subsidiar, em diversas frentes e por diversos motivos, as iniciativas que surgissem no “novo mundo”. Nesse sentido, atuariam como formadoras. A americana, apesar de ser mais jovem, na segunda metade do século XIX deu um salto quantitativo e qualitativo de tal proporção que lhe possibilitou – e por motivos não somente filantrópicos22 - se relacionar de várias formas com nosso ensino superior, como interface à outras relações que estabelecia com o Brasil. Sua atuação dirigida a uma realidade já constituída, mesmo que de maneira desordenada, teria um caráter reformador (excetuando-se possivelmente casos como o da Escola Livre de Sociologia e Política e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica - ITA). Cunha (1980:117-127) ressalta que Portugal esteve sempre como que dependente da França em termos culturais.Vários laços como o lingüístico e o religioso aproximaram os dois países e essa ascendência foi obviamente transferida para o Brasil. Desde o surgimento dos primeiros cursos superiores, em 1808, os currículos reproduziam o dos cursos franceses e a bibliografia era da mesma origem, não importava a área do conhecimento. Até mesmo quando surgiram as primeiras propostas de criação de universidades no Brasil, intelectuais brasileiros Algumas opiniões coletadas por Mills: “Alguns se dirigiam duvidosos das possibilidades de acesso à vida teórica; outros retornavam decididos a contribuir com seu scherfin (grão de areia) para a massa de conhecimento humano, ardendo de desejo de contribuir na organização da universidade americana.” “ Desde que estive na Alemanha, me sinto otimista com relação às perspectivas da filosofia.” (MILLS, 1968:77). O primeiro trecho vem sem a identificação e o segundo retirado de carta que Santayana escreve para Willian James, de Berlim, em 1887. 19 20 Cf. CUNHA, 1980:229-230. 21 Cf. VILA NOVA, S. Donald Pierson e a Escola de Chicago na sociologia brasileira. Lisboa: Vega, 1998. 22 Cf. MARINHO, op. cit. 14 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão formados na França partidários dos ideais positivistas, condenam as propostas, considerando a universidade como instituição ultrapassada, com base na tradição francesa de escolas isoladas23. No mesmo sentido formador, mas não como contribuição tão direta, a presença alemã, além de contribuições isoladas, pode ser sentida na constituição da Universidade de São Paulo. Cunha (1988:17) refere-se a Fernando de Azevedo como sendo “o Humboldt da Universidade de São Paulo” ao tratar de sua fundamental participação no projeto e na implantação daquela universidade. A defesa que Azevedo fez já em 1926 da necessidade de avançar da “estreiteza cultural resultante da especialização das faculdades” e mais tarde, do papel agregador e formador central da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na criação da USP, remeteria ao projeto humboltdiano. Mas, na mesma FFCL, o peso da contribuição formadora oferecida pela chamada Missão Francesa, dentre outras que a faculdade recebeu, mostra que uma verdadeira mescla de influências francesas, alemãs e americanas caracteriza não somente a formação da USP, mas todo o nosso primeiro ensino superior. De qualquer maneira, prevaleceria a fórmula geral que aqui se propõe, na medida em que, mesmo nas faculdades de medicina e em especial na Faculdade de Medicina da USP, a contribuição essencial de uma fundação como a americana Rockfeller, teve caráter reformador, reestruturando aquilo que já tinha destacada atividade. IV Retornando ao nosso problema central, gostaria de apresentar uma síntese dos passos que levaram à criação da UNESP, buscando a integração de alguns dos temas em tela. Na expansão dos Institutos Isolados os cursos voltados primordialmente para formação de professores, estavam alocados nas Faculdades de Filosofia de Ciências e Letras. Mas a oferta deste tipo de formação não era contraditória à intenção de se constituir também, nesses núcleos, centros de excelência em pesquisa, nas várias áreas de humanidades. A unidade de Assis, por exemplo, destacou professores da FFCL/USP, como Antônio Cândido de Mello e Souza para que colaborasse na formação de um centro especializado na área de letras e literatura. Em Araraquara, a área privilegiada foi a de educação, em Rio Claro, história natural, em Presidente Prudente, geografia, em Marília, ciências sociais. Intelectuais como Antônio Soares Amora, José Querino Ribeiro, Jorge Nagle, Dante Moreira Leite, Fausto Castilho, Fernando Altenfelder Silva empenharam-se na tarefa de implantar e colaborar para o desenvolvimento das escolas24. 23 Cf. BARROS, R. S M. A ilustração brasileira e a idéia de universidade. SP: Editora Convívio, 1986. O Arquivo de Depoimentos do Projeto Memória da Universidade do Centro de Documentação e Memória da UNESP – CEDEM, conta com amplo rol de entrevistas sobre o assunto. 24 15 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão Os Institutos contavam com uma estrutura administrativa bastante simples. Desde seu surgimento estiveram, em geral, vinculados institucionalmente à Secretaria da Educação, a partir de elos diferenciados25. Mas, questões relativas à expansão das atividades, melhorias na infra-estrutura, contratações, ou seja, no trato de sua vida institucional o diretor do Instituto Isolado reportava-se diretamente ao governador e a seus assessores mais diretos. Portanto, o diretor concentrava uma margem de negociação, muitas vezes intermediada por deputados de sua região, que lhe conferia considerável poder político. O sistema gerava disputas entre Institutos de regiões diferentes. Não havia um ordenamento que permitisse comparar ou distribuir recursos de maneira equitativa; critérios de ordem política, baseados em alianças locais e regionais definiam a destinação dos recursos. Do ponto de vista interno, não havia, igualmente, um ordenamento administrativo. Cada Instituto tinha autonomia para decidir sobre a sua normatização, seus trâmites burocráticos e até mesmo seus procedimentos acadêmicos. Tanto externa quanto internamente, a geo-política-cientíca em vigor estava praticamente isenta de regulação estatal. O funcionamento da CESESP (Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo), formada pelo coordenador e pelos diretores, representava uma primeira tentativa de centralização administrativa. E como decorrência, surgiram as primeiras idéias de congregar os Institutos em uma Federação de Escolas, em Universidades Regionais ou em uma única instituição. O desafio estava em criar estruturas que permitissem a concentração de unidades geograficamente dispersas e academicamente diversas. “O sistema contava com 1.700 docentes, 78% em regime de dedicação integral a docência e à pesquisa, 50% com titulação de doutor, contando com aproximadamente 11.000 alunos” (CORRÊA, 2001:12). Expressava a diversidade acadêmica, de um lado, sete Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras que, em geral, ofereciam cursos de ciências, letras, matemática, ciências sociais, estudos sociais, história, filosofia, psicologia, pedagogia, geografia, geologia, variando a distribuição e ocorrência em cada Faculdade. De outro lado um grupo de unidades das áreas de ciências biológicas e exatas com cursos de ciências médicas e biológicas, agronomia, veterinária, odontologia, farmácia e engenharias. A idéia de uma Federação de Escolas parece ter sido descartada considerando a possibilidade de que viesse a interferir pouco na realidade existente. Sob a direção de Luiz Ferreira Martins, professor da USP da área de microbiologia aplicada à veterinária e coordenador da CESESP é que no final do ano de 1975 definiu-se que uma única universidade congregaria os 25 Respectivamente, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Conselho Estadual de Educação, Coordenação da Administração do Sistema de Ensino Superior (CASES) e Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo (CESESP). Fonte: CESESP, Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo. Diagnóstico e Sugestões, s/d, mimeo, p. 4. 16 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão Institutos Isolados em um sistema pretensamente multi-campi, ainda não existente no Brasil26 (CORRÊA, 2001:11). A Reitoria sediada provisoriamente em São Paulo concentraria a administração dos antigos Institutos transformados em unidades universitárias. A proposta de criação da UNESP foi apresentada à Assembléia Legislativa em 24/10/1975 pelo governador Paulo Egydio Martins e sua promulgação (Lei 952), efetivada em 30/01/1976, como autarquia de regime especial. Foi-lhe dado o nome de “Júlio de Mesquita Filho”, segundo o governador, em homenagem ao ilustre educador27. Setores da comunidade acadêmica foram tomados de surpresa com a notícia do advento da UNESP e imediatamente articularam reações, debates, questionamentos. Criar a UNESP pode ter parecido uma tarefa relativamente simples se comparada ao processo de reestruturação e a conseqüente elaboração de seu primeiro estatuto. Daí, a existência do citado paradoxo peculiar: o mesmo processo que cria a universidade promove uma reforma dentro dela. Ou melhor, a nova universidade surge a partir de uma reordenação em sua . O Conselho Universitário Provisório e uma comissão assessora do Prof. Luiz Ferreira Martins, escolhido pelo governo do Estado para ser o primeiro reitor, iniciaram o trabalho de definição de uma nova estrutura, uma nova dinâmica acadêmica, a busca de um perfil para a UNESP. O trabalho foi de gabinete. Levantamento de dados, diagnósticos, números, foram definindo regras e critérios (que estão sendo conhecidos, analisados e compreendidos) de racionalização, otimização, economia, produtividade. Do conjunto de análises, uma parece ter tido importância maior: a da demanda por vagas, a partir da análise do número de inscritos para os vestibulares dos vários institutos. No documento intitulado Fundamentação do Anteprojeto do Estatuto da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, de novembro de 1976, são definidos os seguintes objetivos maiores para a UNESP: a) Formação de recursos humanos da mais alta qualificação a nível de graduação, sem perder de vista a demanda de candidatos existentes e a realidade do mercado de trabalho; b) Formação de recursos humanos em outros níveis que não graduação, através de cursos de pós-graduação, especialização, aperfeiçoamento, conduzidos sempre com os mais altos graus de eficiência; c) Aproveitamento dos recursos existentes para oferecimento de cursos outros em áreas que, sem ser de ensino superior, se justifiquem pela necessidade de formação de mão-de-obra adequadamente profissionalizada. 26 Consta que um dos modelos pesquisados foi o da Universidade da Califórnia/USA, que é multicampus, com a diferença de ter, em cada um deles, faculdades pertencentes a todas as áreas do conhecimento. 27 Essa é uma questão a ser melhor analisada, uma vez que o jornal O Estado de São Paulo, autor de sérias críticas a expansão do ensino superior no interior do Estado de São Paulo desde a época dos Institutos Isolados (CORRÊA, 1998) fez igualmente publicar textos severos questionando a importância de se fundar aqui uma terceira universidade estadual. 17 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão d) Aumento da capacidade criativa expressa não só em termos quantitativos mas principalmente qualitativos.28 O documento foi submetido à discussão pela comunidade acadêmica de todas as unidades universitárias, em novembro de 1976. No entanto, em janeiro de 1977 foi promulgado o Estatuto da UNESP, que conservou a essência do Anteprojeto, apesar da reação de várias unidades universitárias às mudanças propostas. A determinação, repetida insistentemente no texto, de “não duplicação de meios para o mesmo fim” expressa um dos principais valores do documento, da mesma forma que a qualificação de recursos humanos para atuarem diretamente no setor produtivo, passa a ser um dos principais objetivos da Universidade. A estrutura proposta afetou majoritariamente as unidades e cursos de ciências humanas, a partir da justificativa de que havia uma oferta de vagas muito superior à demanda. Foram extintos os cursos de Pedagogia de Rio Claro, São José do Rio Preto e Presidente Prudente e os de Ciências Sociais existentes em Rio Claro e Presidente Prudente. Esta última unidade teve seu perfil significativamente alterado, considerando que lá foram criados os cursos de Engenharia Cartográfica e Estatística. Igualmente atingidas foram as unidades de Assis e Marília. A primeira perdeu também, seu curso de Filosofia, transferido para Marília, ficando com aqueles de História, Letras e Psicologia. Na segunda, foram extintos ainda os de História, Letras e Ciências, adquirindo, além do de Filosofia, o de Biblioteconomia29. Desse conjunto complexo de ações, a transferência do curso de filosofia de Assis para Marília permanece sendo a mais nebulosa. Do Anteprojeto podemos citar as seguintes justificativas: (...) 7. É imperiosa a adoção de medidas que permitam criarem-se, no mais breve prazo, condições para o pleno e adequado trabalho universitário na UNESP, por meio da aglutinação de especialistas diferenciados e utilização concentrada de recursos, corrigindo-se distorções e deficiências resultantes da atual multiplicação de núcleos em que se cultivam áreas idênticas do conhecimento, gerando rarefação de recursos humanos e diluição das dotações orçamentarias disponíveis. 8. Os dados relativos aos vestibulares dos últimos anos para os cursos oferecidos pelas Faculdades de Filosofia, Letras e Ciências Humanas não seriam de molde a justificar, por si sós, a multiplicação excessiva de oportunidades oferecidas pelo Estado. Esses dados e inclusive os relativos às 93.000 inscrições já realizadas para os vestibulares de 1977 (Fundação Universitária para o Vestibular FUVEST) permitem inferir que, consideradas as vagas da UNESP, o poder público as está oferecendo em maior número do que o de candidatos efetivamente vocacionados.(...) Fundamentação do Anteprojeto do Estatuto da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, CEDEM/UNESP, Arquivo do Projeto Memória da Universidade, p. 3. 28 29 Idem, p. 6-7. 18 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão 10. A realidade do mercado de trabalho demonstra que, em grande parte, os egressos dos cursos de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e de formação de Professores não têm possibilidade de desenvolver efetivamente atividades relacionadas com a sua formação, havendo que se conformar com sub-empregos, considerado o seu grau de especialização, o que conduz, entre outros problemas, a sérios desequilíbrios e frustrações. 30 Alerta-se ainda que: No processo de reestruturação inicial e na expansão futura da Universidade, não se admitir, em uma mesma região, duplicação de meios para o mesmo fim, baseando-se sempre na aglutinação de recursos humanos e concentração de investimentos, criando-se, assim, condições para os trabalhos universitários em sua plenitude31. Institui-se o câmpus de Ilha Solteira, para o funcionamento de um curso de Engenharia, com a missão de bem ocupar as instalações repassadas ao governo do Estado pela CESP. Justificouse a expansão pela necessidade da Universidade acompanhar a interiorização do desenvolvimento. No entanto, uma das unidades mais prejudicadas com a nova estrutura foi a de Presidente Prudente, localizada no extremo oeste paulista32. A Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu foi fragmentada em quatro unidades universitárias: Faculdades de Medicina, de Agronomia, de Veterinária e o Instituto de Biociências. Consideradas as mudanças estruturais relacionadas às diversas áreas do conhecimento, definiu-se uma nova configuração geo-política-científica ao primeiro Conselho Universitário, a partir da aprovação do Estatuto da UNESP. A ele seguiu-se a aplicação das mudanças, processo complexo e penoso para os segmentos envolvidos. Por outro lado, o estado de São Paulo adquire também uma configuração geo-política-científica diferenciada, pois em seu interior atuam três universidades que vão estar entre as primeiras do país, fortalecendo e consolidando o processo de interiorização do desenvolvimento. No entanto, é preciso aprofundar a reflexão sobre o sentido de tal configuração, considerando que ela expressa aquilo que o estado identifica como benéfico e importante, elegendo o que o conhecimento, a ciência, o ensino e a pesquisa devem aportar ao crescimento, à modernização e o desenvolvimento social. Se no movimento simultâneo e contraditório de criação e reforma do qual surge a UNESP, muitos cursos da área de humanidades são extintos sob a justificativa de que são ociosos, de que para eles não havia demanda, é preciso questionar se não é o próprio estado, o responsável pela educação básica, que deveria garantir que essa demanda 30 ibidem, p. 3. 31 ibidem, p. 4. 32 Ao refletir sobre a transformação da FFCL de Presidente Prudente em Faculdade de Ciências e Tecnologia não se pode deixar de lembrar que o espaço deixado na região, pelos cursos extintos, foi logo ocupado por uma instituição de ensino superior particular que veio se tornar uma das maiores do estado, a UNOSTE. Sua Faculdade de Ciências, Letras e Educação, surgiu naquela cidade em 1972, com o objetivo de formar professores. Cf. www.unoeste.br. 19 DIAS, Marcia R. Tosta. O processo de criação da UNESP e a questão das ciências humanas – primeira discussão existisse. Como Institutos Isolados, tais faculdades iniciaram suas atividades na virada dos anos 1950 para os 1960. Não seria um tanto precoce fechar cursos e escolas superiores com um pouco mais de 10 anos de atividade, justamente na área de humanidades, que parecem apresentar um tempo de maturação diferenciado? Porque o setor público não podia mais empenhar-se da formação de professores? Ou não havia mais a necessidade de formá-los? É amplamente conhecido que o setor privado tomou para si tal tarefa, pois proliferaram pelo interior do estado faculdades que traziam um formato parecido com o daquelas que foram extintas (como no caso citado de Presidente Prudente), oferecendo frequentemente licenciaturas curtas, raramente respondendo aos padrões normativos e de qualidade vigentes no ensino oficial. Ainda mais complexa e delicada é a tarefa de identificar as implicações e nexos políticos que orientam tais mudanças, considerando serem estas, ações de natureza essencialmente política. A UNESP surge portanto de um projeto grandioso no qual o lugar da formação em ciências humanas tornou-se especialmente limitado. Da centralidade que exercia nos planos de reforma e criação de universidades como a de Berlim e mesmo, na USP; da valorização da cultura humanística como base fundamental da formação de cientistas, professores, empresários, políticos, cidadãos, que orientou vários projetos como o dos próprios Institutos Isolados, chegamos ao surgimento de uma instituição do porte da UNESP com a tarefa de alimentar o mercado com recursos humanos especializados, gerar produtos de alta tecnologia para transferir ao setor privado (potencialmente financiador de pesquisas), mantendo os cursos de humanidades – caso estes se adequem aos níveis de excelência (e aos referenciais de produtividade) encontrados em outras áreas do conhecimento – no fim da lista, tal como nos explica Schleiermacher, sobre a sua realidade no início do século XIX. 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