PORTFÓLIO INDIVIDUAL VER-SUS SANTOS Marianne de Souza Baptista da Silva FEV 2016 1 Dia 14/02/2016 – Abertura e recepção dos viventes e facilitadores Nesse dia foi possível o contato inicial com a cidade e integração entre todos os viventes e a equipe organizadora. Os participantes chegaram em torno de 14h e se acomodaram. Após, foi feita uma reunião na orla da praia para que nos apresentássemos e conhecêssemos um pouquinho mais da estrutura da cidade. A organização nos apresentou o cronograma da vivência e apresentou um resumo da história da rede de atenção psicossocial (RAPs) de Santos. Santos é uma cidade reconhecida por seu pioneirismo no fechamento do hospital psiquiátrico e sua substituição por uma rede de atenção mais humanizada que não deve possuir abordagem manicomial (NAPS). Santos possui 5 NAPS que atualmente sofreram transição e são conhecidos como CAPES oferecendo atenção integral ao paciente com necessidade. Além disso, a RAPs de Santos também conta com outras instituições como as policlínicas (UBS), Hospitais e Pronto Socorro, 3 SVC (futuro CAPESi), SECERPA (futuro CAPES ad), SERP, SENAT (futuro CAPES ad), Residências Terapêuticas e Consultório na Rua. Figura 1: Imagem de uma manifestação no ES representando a luta antimanicomial. A luta é continua e tem âmbito nacional. 2 Dia 15/02/2016 – Roda de conversa com Secretário e Chefe de Departamento de Atenção Especializada e visita aos CAPS Praia, Orquidário e da Vila No segundo dia participamos de uma roda de conversa com a secretária de atenção especializada, o diretor do departamento e uma das professoras da UNIFESP. A reunião foi realizada na unidade 1 da UNIFESP. Durante a conversa foi especificado como são arquitetadas e distribuídas as unidades de saúde que participam da RAPs assim como alguns de seus problemas. Foi mencionado, por exemplo, que atualmente existem 3 SVCs (centros de valorização da criança), porém essas unidades contam com uma grande demanda escolar – auxiliando crianças que muitas vezes poderiam ser ajudadas pela própria escola, pois apresentam problemas de âmbito pedagógico, não associado a saúde mental. Essa demanda foge do real objetivo do serviço, que futuramente será transformado em capesi para atender demandas graves infantis no âmbito da saúde mental o que representa um problema atual para o serviço. Outro problema atual da rede é a falta de apoio para atendimentos emergenciais, os clínicos gerais e pronto socorro não estão preparados para atendimento de emergência. No período da tarde os participantes se dividiram em 3 grupos e fizeram uma visita a um CAPES especifico. Participei da visita ao CAPES 5. Durante o primeiro dia conheci parte dos usuários e funcionários que estavam restabelecendo sua rotina após o feriado de carnaval e posterior dedetização da unidade. Observei um espaço acolhedor e que possui uma boa infra- estrutura para receber os pacientes. Figura 2 - CAPES 3 - Unidade Orquidário 3 Dia 16/02/2016 – Continuação das visitas aos CAPS Praia, Orquidário e da Vila Durante o terceiro dia foi feita uma nova visita ao CAPES V com o intuito de conhecer mais usuários e participar de suas atividades. Durante esse dia pude acompanhar a farmácia da unidade e como é a sua rotina. Pode-se observar uma grande demanda no local que conta com a dispensação de medicamentos psicotrópicos controlados para pacientes que podem ser usuários do CAPES ou não. No dia da visita havia chegado um novo lote de medicamentos e a farmacêutica precisava se distribuir entre organização/conferência do estoque e atendimento aos usuários que é bem intenso na parte da manhã. Os pacientes passam pela secretaria para agendamento de consultas ou retorno após o atendimento com psiquiatra e seguem para a farmácia para retirada do medicamento. Como só existe uma farmacêutica na unidade não é possível um atendimento de atenção farmacêutica individualizado, além disso, a funcionária não consegue participar das atividades desenvolvidas no CAPES para os pacientes o que a impossibilita construir um vínculo de proximidade maior com eles (que se faz necessário especialmente no âmbito da saúde mental). Além disso, não existe informatização dos sistemas (tanto de dispensação quanto de controle de estoque). Durante a parte da tarde pude participar de uma assembleia realizada pelos pacientes com o auxílio de duas residentes da unidade. Durante a atividade pode-se observar um grande empoderamento por parte dos usuários que expõem seus conflitos e suas opiniões acerca do funcionamento do espaço. Houveram reclamações sobre a pouca diversidade na comida e a decisão de futuras atividades a serem realizadas e conjunto (uma visita a praia, por exemplo). Figura 3 - Espaço de vivência do CAPES 4 Dia 17/02/2016 - Visita a UBS José Menino e Residências Terapêuticas Durante o quarto dia de vivência os grupos foram divididos em dois, 6 participantes visitaram a UBS e os outros 6 visitam o serviço de residência terapêutica e no período da tarde o grupo foi invertido. A visita à UBS foi monitorada por uma das enfermeiras. A infra-estrutura da UBS é precária. É um sobrado (o que dificulta o acesso principalmente dos pacientes idosos que são maioria na unidade). A farmácia não possui ar condicionado e não foi possível observar um atendimento de atenção farmacêutica além da dispensação de medicamentos o que pode ser resultado da própria dinâmica do atendimento (que era intensa e pareceu não permitir um contato mais individualizado). Em relação a saúde mental e ao acolhimento realizado, a enfermeira ressaltou que de início os casos são direcionados aos CAPS (existindo comunicação entre esses serviços), porém os casos mais leves podem ser tratados na unidade (como ansiedade, depressão, etc). Nesse âmbito, foi relatado que nem todos os médicos da unidade se sentem confortáveis em prescrever medicamentos e que essa colaboração ainda está sendo construída com esses profissionais. Durante a visita, o que pudemos observar é que a prescrição é promovida, porém o atendimento em saúde vai além da prescrição de medicamentos e a responsabilidade no uso de psicoativos não parece ser uma preocupação. Após a visita a UBS, no período da tarde foi feita uma visita às Residências Terapêuticas. A visita foi monitorada pela enfermeira que demonstrou grande comprometimento em desenvolver a autonomia dos moradores, de maneira que eles são responsáveis por atividades como lavar a louça, arrumar a própria cama, lavar roupa, ajudar a cuidar dos animais de estimação, etc. Porém, foi observado que ainda existe certo assistencialismo que precisa ser minimizado. Durante a visita foi possível notar que os usuários são estimulados à manter contato com o CAPS de referência e a participar de suas atividades. Além disso, possuem livre circulação: vão ao mercado, realizam visitas entre as residências (que são próximas uma da outra), fazem passeios na praia etc. Existe interesse dos funcionários que no futuro os pacientes estejam aptos a buscar seus próprios medicamentos no CAPS e que preparem a sua própria comida (serviço que atualmente eles não possuem escolha de realizar pois a prefeitura disponibiliza marmitas e não uma verba direcionada para alimentação). Apesar das limitações o serviço gerou uma percepção positiva no grupo 5 Figura 4- Um dos animais de estimação da Residência Terapêutica Dia 18/02 – Visita ao SVC da zona Noroeste e Roda de Conversa No quinto dia os participantes foram divididos e tive oportunidade de visitar o SVC. A visita foi monitorada por uma das psicólogas da unidade que nos apresentou o espaço e sua rotina de trabalho. Foi observado que a infra-estrutura é extremamente precária e as crianças não possuem muito espaço e apesar do interesse em transformar a unidade em CAPES infantil, não existe previsão para que essa mudança ocorra devido a dificuldade em alocar um novo espaço. Essa falta de regulamentação do serviço cria uma demanda e ao mesmo tempo falta de objetividade do serviço. Atualmente, além dos casos graves, a unidade recebe muitos casos leves que correspondem mais a problemas pedagógicos com os professores das escolas do que relacionados à saúde mental especificamente. Durante a visita, foi reafirmado por diversas vezes que os casos pedagógicos não são tratados na unidade e são reencaminhados para escola como maneira de evitar a medicalização excessiva de crianças. Um ponto observado por uma das viventes é que mesmo os pacientes não tratados geram um prontuário de atendimento – o pode gerar confusão na contabilização dos casos tratados e encaminhados pela unidade (prontuário deve ser diferente de protocolo de atendimento). A unidade não conta com leitos e o serviço atualmente não consegue tratar casos graves que necessitem de internação, o que representa uma falha do serviço (devido a não regulamentação). Além disso, foi ressaltada a falta de psiquiatras. Só existe uma psiquiatra que atende aos 3 SVCs. 6 Durante a parte da tarde foi feita uma roda de conversa com alguns convidados que participam da rede de atenção psicossocial direta ou indiretamente. Estiveram presentes uma terapeuta ocupacional do NAPS IV, uma psicóloga da Secretaria da Assistência Social e um advogado e militante da luta antimanicomial. Durante a roda, os participantes dividiram suas experiências e percepções pessoais acerca do sistema de atenção à saúde mental nacional, seus desafios e sua implicação política enquanto direito do cidadão, mas que depende de interesses e conflitos políticos. Foi discutido que a luta é constante e deve ser motivada não só pelos profissionais da saúde que desejam fortalecer ao SUS mas também pelos usuários. Temas como a interdisciplinaridade na atenção à saúde como necessidade, a medicação excessiva e reeducação dos profissionais para controle das prescrições também foram abordados. 2.5. Dia 19/02/2016 – Visita ao SECERPA (Seção Centro de Referência Psicossocial do Adolescente) e Roda de Conversa Durante a parte da manhã houve intercâmbio entre os grupos e tivemos a oportunidade de visitar o SECERPA (Seção Centro de Referência Psicossocial do Adolescente, também conhecido “Tô Ligado”). A visita foi monitorada por um dos psicólogos , chefe da unidade. O SECERPA é um serviço de portas abertas, que atua dando suporte para saúde mental de adolescentes de 12 a 18 anos, o que inclui a questão de álcool e drogas. Durante a visita o grupo observou uma boa infra- estrutura e foi ressaltado que existe uma boa integração entre os funcionários da unidade (principalmente com as médicas psiquiatras) e muitas oficinais disponíveis para os usuários (de musica, de leitura,de arte, etc). Como ainda é um serviço de transição para futuro CAPES ad, foi mencionado que ainda existe falta na rede de um serviço que ajude pacientes adolescentes em situação de crise – esse serviço é feito emergencialmente pelo CAPES adulto, porém não deveria ser assim. Em todos os dias de vivência, após as visitas e rodas de conversa eram feitas discussões entre os viventes para troca de informações, especialmente quando as visitas eram realizadas em unidades diferentes. Nesse dia especificamente foi observado uma certa discrepância na descrição do serviço. Um dos grupos de viventes que realizou a visita 7 na parte da manhã do dia anterior teve uma percepção completamente diferente do segundo grupo no que corresponde à dinâmica e demandas da SECERPA. Figura 5 - Um dos trabalhos manuais realizados pelos usuários Durante a parte da tarde foi feita uma roda de conversa com Roberto Tikanore, ex-coordenador nacional de saúde mental, álcool e outras drogas no Ministerio da Saúde. O debate foi muito rico e nos levou a reflexão de conceitos, desde o significado da palavra atenção (em contraposição a palavra apoio) nos serviços de saúde e sua implicação no empoderamento do uéuário ate a discrimição social, racial, etc e sua implicação no atendimento a saúde. Apesar das dificuldades, a roda de conversa foi motivadora em que concui-se que esse é um momento de instituir novas práticas e lutar por elas. “ Se você não consegue encontrar a solução, mude o problema” [Roberto Tikanore]. Muitas vezes nos sentimos atravancados tentando buscar a solução para um problema específico, porém existem outras questões que podemos solucionar em um ambiente complexo e olhar para elas pode trazer mais avanços do que o problema que visávamos solucionar em primeiro plano. 8 Dia 20/02/2016 e Dia 21/02/2016 - Final de Semana Foram feitas atividades livres e rodas de conversa entre os viventes com o intuito de trocar experiências, refletir sobre os tópicos abordados durante a semana e conhecer a cidade. Dia 22/02/2016 – Dicussão sobre consultório na rua e Roda de Conversa com o Programa de Saúde na Escola (PSE) e com a Seção Centro de Prevenção Primária ao Uso de Substâncias Psicoativas (SECEPREV) O grupo de viventes de se dividiu em dois. Uma parte do grupo realizou uma roda de conversa sobre o consultório na rua e outra parte visitou o SENAT . Foram apresentados alguns vídeos educativos que descreviam o serviço. Foram discutidos pontos como a importância da redução de danos na atenção à saúde, o caráter de atenção básica que é oferecido pelo serviço (oferendo testes rápidos de HIV, tuberculose, etc) e do significado da vida na rua (nem sempre precisamos lincar a vida na rua com dependência química. Existem diferentes “modalidades” de vida na rua). Um dos principais desafios desse serviço e a questão da comunicação entre a rede, pois alguns pacientes usuários de outros serviços da RAPS podem ser encontrados e ajudados pelo consultório na rua sendo importante esse reconhecimento e comunicação entre a rede. Durante a parte da tarde foi feita uma roda de conversa que contou com a presença de uma psicóloga do Seceprev e uma dentista, uma professora e uma médica, do Pse. Durante a conversa foi ressaltado o caráter preventivo do SECEPREV, que atua desde 2002 na prevenção primária atuando com pessoas que nunca tiveram o contato com drogas. O Seceprev, tem atuado muito com o Pse através do Programa Jovem Santos Doutor, uma parceria de instituições de ensino com a prefeitura para formação de jovens, trazendo de maneira lúdica a discussão sobre questões de saúde, mas quer ampliar a sua participação na RASP atuando com os NASFs, por exemplo. O objetivo de ambos os projetos, são a promoção e prevenção em saúde, sendo o PSE que coordena o andamento do Secreprev e de outros projetos dentro das escolas (está principalmente vinculado com UBS, levando profissionais da saúde para dentro das escolas a fim de promover educação). 9 23/02/2016 - Visita ao SENAT, Consultório na Rua e Roda de Conversa com a Coordenação de Saúde Mental do município Durante a parte da manhã os grupos foram invertidos e realizamos uma visita ao SENAT, futuro CAPES AD. A visita foi monitorada por duas das psicologas da unidade. Tivemos a oportunidade de participar de uma apresentação das oficinas feita pelos próprios usuários e de uma dinâmica para nos apresentarmos e os conhecelos. Após fizemos um reconhecimento da estrutura da unidade e observamos que também é precária e necessita de mudanças, como por exemplo, a unidade não conta com enfermaria o que dificulta muito a administração de medicamentos que precisam de aplicação assistida. A unidade também não possui previsão para mudança para CAPES AD, a alteração e regulamentação deveria ter ocorrido no ano passado. Dessa maneira, ainda não existe um local apropriado na rede de saúde para acolhimento dos pacientes que precisam de desintoxicação. Esse processo é feito atualmente no Pronto Socorro. Além disso, foi observado durante a conversa com as psicólogas que a integração entre os profissionais ainda é um desafio existindo certa fragmentação interna. Faltam treinamentos, supervisão dos funcionários. Durante a parte da tarde foi realizada uma nova roda de conversa com uma representante da gestão de saúde mental na qual foi feita uma devolutiva dos estudantes acerca das experiências vividas ao longo da semana. Ainda existe muita culpabilização dos funcionários, a quem é atribuida a culpa pela dificuldade de manutenção dos serviços. Nesse âmbito sentimos certo incômodo, pois enxergamos que é de responsabilidade da gestão propor novas mudanças e diretivas para sanar as falhas do sistema levando em consideração também a saúde dos funcionários, que é precária, principalmente na rede de saúde mental. Observamos que os desafios existem, porém eles só serão resolvidos quando houver comprometimento e colaboração de ambos os lados (gestão e funcionários) e para que isso ocorra, a clareza na tomada de decisões e direcionamento dos recursos do município devem ser estimuladas. 10 24/02/2016 - Confecção do Relatório Coletivo Esse dia foi dedicado para o fechamento do projeto e para a realização do relatório final coletivo. Conclusão: O Ver-SUS me possibilitou uma imersão no sistema de saúde de Santos, especificamente sua rede de atenção psicossocial. O caráter interdisciplinar dessa vivência, que foi construída por participantes de diferentes formações e em diferentes níveis de formação contribuiu para a diversidade de percepções e riqueza nos debates. Além disso, devido a diferente naturalidade dos participantes também foi possível trazer discussões a nível da diversidade nos municípios. Pudemos observar claramente os pontos que precisam ser fortalecidos e os pontos que precisa de melhoria na rede de saúde. Enquanto vivente natural de São Paulo trago comigo o desejo de converter as reflexões que desencadeamos durante a vivência em uma melhor compreensão do sistema de saúde minha cidade objetivando a sua melhoria. 11