Carta ao editor e resposta O que falta na luta contra o câncer de colo uterino? Paola Colares BorbaI, Júlio César TeixeiraII, Cecília Maria Roteli-MartinsIII, Newton Sérgio de CarvalhoIV, Paulo Sérgio Viero NaudV, Nilma Antas NevesVI Prezados Senhores: Em referência à carta ao editor intitulada “Vacinas contra HPV: uma visão crítica”,1 gostaríamos de fazer alguns comentários que julgamos esclarecedores a respeito da situação atual da prevenção do câncer de colo uterino, definido como prioridade de controle em saúde pública tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS)2,3 quanto pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo).4 Em publicação da Figo de outubro de 2009,4 “[...] Não há mais nenhuma justificativa para negligenciar a violação dos direitos humanos das mulheres diagnosticadas com câncer de colo uterino — o direito ao mais alto padrão disponível de atenção à saúde e à qualidade de vida. O controle do câncer não previne apenas mortes e incapacidades, mas também cria melhores condições de saúde e de bem-estar das famílias pela preservação do suporte parental e econômico das mulheres, crianças, famílias e comunidades”. O câncer de colo uterino representa um importante problema global de saúde pública, sendo uma causa comum de mortalidade entre as mulheres, e virtualmente 100% dos casos estão associados à infecção por papilomavírus humano (HPV) oncogênico. O exame de Papanicolaou é um marco alcançado para a prevenção do câncer, através da capacidade de detectar precocemente anormalidades celulares, que resulta na redução da incidência e da mortalidade por câncer de colo uterino.5 Apesar desse sucesso, o exame de Papanicolaou exibe duas importantes limitações: (1) resultados falso-negativos, controlados, em parte, através de repetição periódica e (2) um programa organizado de prevenção de câncer do colo uterino com base no exame de Papanicolaou geralmente está aquém da disponibilidade de recursos das nações em desenvolvimento.5 Assim, a disparidade econômica entre países influencia diretamente na incidência e mortalidade, restando às nações em desenvolvimento taxas elevadas, representando cerca de 80% dos casos do câncer do colo uterino, globalmente. Portanto, a redução do câncer de colo uterino nos países em desenvolvimento ainda representa uma necessidade não atendida.2 Fatos essenciais a serem considerados: • virtualmente todos os casos de câncer do colo uterino (99,7%) resultam de infecções persistentes por tipos de HPV de alto risco,6 ou seja, infecções por HPV oncogênico que não regrediram espontaneamente; • a infecção persistente por HPV oncogênico é causa necessária para o desenvolvimento do câncer do colo uterino;7 • 70,7% dos casos de cânceres do colo uterino estão relacionados aos HPVs 16 e 18 e 82,9% aos tipos de HPV: 16, 18, 31, 33 e 45 que são os cinco mais frequentes causadores de câncer do colo uterino;8 • 90,5% dos adenocarcinomas cervicais estão relacionados aos tipos de HPV 16, 18 e 45;9 no Brasil, a prevalência de infecção por HPV no colo uterino varia entre 10% e 24,5% em mulheres com citologia normal;10 • no Brasil, a prevenção do câncer de colo uterino é feita por rastreamento através do exame de Papanicolaou, na maior parte das regiões, de forma oportunista e não organizada. O controle do câncer do colo uterino se destaca entre as políticas de saúde no Brasil. O Programa de Prevenção de Câncer de Colo Uterino no Brasil foi implantado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) em 1997. Consiste no rastreamento anual para o câncer do colo uterino através do teste de Papanicolaou em mulheres na faixa etária de 25 a 59 anos e no tratamento, quando necessário, de acordo com cada caso. Em 2001, o controle do câncer de colo uterino foi incluído como uma das atividades inerentes à área de Saúde da Mulher, definida como uma das áreas estratégicas a serem desenvolvidas na atenção primária.11 Em 2006, a análise da situação de saúde do país ratificou a importância dessa atividade, definindo-a como um dos compromissos sanitários prioritários estabelecidos no Pacto Médica de Família e Comunidade. Mestre em Nutrição Humana em Saúde Pública pela London School of Hygiene and Tropical Medicine. Universidade de Fortaleza. Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Ginecologista e obstetra. Doutor em Ginecologia. Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ginecologista e obstetra. Doutora em Medicina. Hospital Leonor Mendes de Barros, Secretaria da Saúde de São Paulo. IV Professor adjunto do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e UFPR, Hospital das Clínicas da UFPR, Setor de Infecções em Ginecologia e Obstetrícia. V Professor adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Hospital das Clínicas de Porto Alegre. VI Professora adjunta de Ginecologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Assistência Materno-Infantil pela UFBA. Doutora em Imunologia pela UFBA. Presidente da Comissão Nacional do Trato Genital Inferior da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). I II III Diagn Tratamento. 2010;15(4):198-202. Paola Colares Borba | Júlio César Teixeira | Cecília Maria Roteli-Martins | Newton Sérgio de Carvalho | Paulo Sérgio Viero Naud | Nilma Antas Neves pela Saúde.12 O parâmetro nacional para pactuação da razão entre exames citopatológicos cervicais realizados em mulheres de 25 a 59 anos e a população feminina desta faixa etária para o ano de 2009 foi de 0,28. O Informativo do Monitoramento das Ações de Controle do Câncer do Colo Uterino e de Mama do Inca mostra que, nesse ano, a razão acima referida foi de 0,15, ou seja, 53,2% do valor pactuado e que 68,7% da repetição de exames foram desnecessários, comprometendo, provavelmente, o acesso de mulheres que nunca realizaram o exame.13 Apesar das prioridades normativas para o controle do câncer do colo uterino, a tendência de mortalidade por esse tipo de câncer continua alta no Brasil, destacando-o como um grande problema de saúde pública. Segundo a OMS, no Brasil existem atualmente 69,14 milhões de mulheres acima de 15 anos que estão em risco para o desenvolvimento de câncer do colo uterino. A relevância desse problema para a saúde pública pode ser apontada, também, pela estimativa de que, a cada ano, 24.562 novos casos de câncer do colo uterino são diagnosticados e 11.055 mulheres morrem por essa causa, que é o segundo tipo de câncer mais frequente entre mulheres no Brasil.13,14 As vacinas profiláticas têm uma ótima eficácia na prevenção de infecções causadas pelos tipos de HPV oncogênicos mais prevalentes, HPV 16 e HPV 18. As vacinas encontram-se disponíveis na rede privada e têm o potencial de diminuir significativamente a incidência do câncer do colo uterino e outros cânceres associados à infecção persistente por HPV oncogênico.4 A própria OMS recomenda a vacinação contra HPV de uma forma universal.3 O Brasil apresenta bons indicadores de cobertura de vacinas com programas abrangentes para vacinas selecionadas,15,16 e tem, portanto, capacidade de implementar a vacinação contra HPV oncogênico e assim diminuir grande parte dos casos de câncer do colo uterino que, de outra forma, poderiam não ser evitados. No Brasil ainda não existem recomendações nem esquemas oficiais do Ministério da Saúde para uso das vacinas profiláticas contra HPV. A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), através da Comissão Nacional de Patologia do Trato Genital Inferior, publicou as suas recomendações sobre o assunto em 2009.17 Diversos países no mundo já incluíram a vacina contra HPV em seus programas de vacinação universal associada à triagem para controle do câncer de colo uterino. Esta inclusão tem ocorrido tanto nos países com programas de triagem organizados como naqueles com programas ainda deficientes. Nos países com programas de triagem bem organizados fica claro que este método não foi suficiente para reduzir por completo a incidência e mortalidade por câncer de colo uterino18 e ressalta que tal objetivo poderá ser atingido através da associação com programas de vacinação.19 Diagn Tratamento. 2010;15(4):198-202. Em relação a vacinas em geral, não se conhece mecanismo claro de ação e correlatos de proteção ou tempo de duração para todas utilizadas na rotina. Com relação à vacina contra HPV da GSK, resultados de estudos em grandes populações, metodologicamente corretos, com até 8,5 anos de acompanhamento, têm confirmado o potencial em evitar todos os casos de câncer de colo uterino pelos HPV 16 e 18, com uma proteção ampliada contra os HPV 31, 33 e 45, com projeções de duração de proteção por mais de 20 anos, segundo modelos matemáticos, resultando um potencial de prevenção de mais de 90% de todos os cânceres de colo uterino.20 Nesses estudos, e após a utilização, a partir de 2008, da vacinação em massa contra HPV em mulheres adolescentes e adultas jovens por alguns países e regiões (Inglaterra, Holanda, Panamá, regiões da Espanha etc.) não se registrou, até o momento, nenhum evento adverso grave relacionado à vacina, segundo os órgãos que controlam os estudos e a vigilância oficial de cada local, que tenha impedido a continuidade da vacinação.21 É importante ressaltar a relevância dos estudos clínicos realizados com a participação de pesquisadores e centros brasileiros de alta qualidade há pelo menos 10 anos, com publicações em periódicos internacionais renomados.20,22,23 Terminamos citando o recente discurso do doutor Stephen Lewis,24 proferido na abertura da Conferência Internacional de Papilomavírus Humano ocorrida em Montreal, Canadá no período de 2 a 8 de Julho de 2010, em que o autor mostrou que temos no momento todos os meios de combater o câncer do colo uterino, ou seja, temos as ferramentas para a prevenção secundária (implementar e melhorar o rastreamento) e temos a vacinação para evitar a infecção persistente por HPV oncogênico nas mulheres. Então, o que falta para acabar com o câncer do colo uterino, que é responsável por 250 mil mortes de mulheres por ano no mundo (no Brasil, uma por hora25)? E completamos com o comentário publicado na revista Lancet26 por Clifford, da International Agency for Research on Cancer (IARC), no artigo entitulado “Acesso global à vacinação contra o HPV: o que estamos esperando?” O autor refere a necessidade de se olhar com atenção para a vacinação em países referidos como pobres. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Paola Colares de Borba Rua Carolina Sucupira, 960 — apto 401 Aldeota — Fortaleza (CE) CEP 60140-120 Tel. (85) 3224-5062 Cel. (85) 9207-6696 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: Investigadores da vacina GSK 199 200 O que falta na luta contra o câncer de colo uterino? REFERÊNCIAS 1. Simões CB. Vacinas contra o HPV: Uma visão crítica. Diagn Tratamento. 2010;15(2):92-5. 2. World Health Organization. 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Data de entrada: 30 de agosto de 2010 Data da última modificação: 22 de novembro de 2010 Data de aceitação: 24 de novembro de 2010 Resposta Cleomenes Barros SimõesI O papilomavírus humano (HPV, human papillomavirus) é um agente partícipe necessário na gênese do câncer do colo do útero, porém, insuficiente. Carece de cofatores (cocancerígenos) para esse desiderato.1 Esse conhecimento permitiu que os cientistas desenvolvessem um método de prevenção contra esse agente etiológico. A carta ao editor: “Vacinas contra o HPV: Uma visão crítica”2 tem como finalidade precípua expor a verdade científica sobre as vacinas que imprudentemente se denominam de “vacinas contra o câncer do colo do útero”. Trata-se, na realidade, de vacinas contra uma proteína (L1) da cápside do HPV e não contra as proteínas oncogênicas E6 e E7. Portanto, só produzem anticorpos contra os vírus e não eliminam as células infectadas (não se modifica a imunidade celular).3 I Médico e especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Diagn Tratamento. 2010;15(4):198-202. Paola Colares Borba | Júlio César Teixeira | Cecília Maria Roteli-Martins | Newton Sérgio de Carvalho | Paulo Sérgio Viero Naud | Nilma Antas Neves Segundo a análise de informação obtida da FDA (Food and Drug Administration) concernente à vacina contra o HPV pela Judicial Watch4 (JW), uma organização não governamental estadunidense de interesse público, dedicada a examinar as ações do governo norte-americano e processar a corrupção governamental, não foram realizados estudos de carcinogenicidade e genotoxicidade dessas vacinas a longo prazo. Logo, paradoxalmente, não podemos assegurar que as meninas não contraiam câncer por vacinar-se, ou que se intoxiquem a nível genético. Além do mais, essas vacinas não podem prescindir do exame de Papanicolaou, e não são suficientes para erradicar o câncer do colo do útero, uma vez que apenas cobrem os tipos virais oncogênicos 16 e 18 geradores de aproximadamente 70% de todos os cânceres do colo do útero no mundo.2 Embora as vacinas possam oferecer algum grau de proteção cruzada contra outros genótipos de HPV de alto risco, essa proteção é extremamente baixa e de duração desconhecida.5 Atualmente, o cenário mais otimista sobre a eficácia dessas vacinas não pode ser levado em consideração: nós não saberemos por muitos anos se a vacina contra o HPV irá prevenir o câncer ou, na pior das hipóteses, causar algum dano.6-8 Tanto que os principais cientistas, incluindo o laureado Nobel Harald zur Hausen, preveem que a vacina para HPV necessitará de doses suplementares ou de reforço.2,6-8 No que diz respeito à prevenção do câncer do colo do útero, o rastreio citológico de Papanicolaou, feito corretamente, é uma certeza; a vacinação contra o HPV, feita corretamente, não é.6 Portanto, países em desenvolvimento devem alocar seus limitados recursos para a triagem do câncer do colo do útero através do exame de Papanicolaou, em vez de usá-los na vacina contra o HPV.6 Os cientistas finlandeses foram os pioneiros em pesquisas sobre a vacina contra o HPV e na participação dos ensaios clínicos internacionais sobre essa vacina. No entanto, o governo da Finlândia não a implementou em seu programa nacional de vacinação, pois argumenta que ainda não existe evidência que demonstre que a vacina contra o HPV possa prevenir o câncer do colo do útero.9 Na Finlândia, o câncer do colo do útero é efetivamente controlado através de um programa nacional com exame de Papanicolaou.9 Os efeitos colaterais registrados na Espanha, após a vacinação contra o HPV, foram tão grandes que um grupo de famílias espanholas criou, em 9 de Julho de 2009, a AAVP - La Asociación Española de Afectadas por la Vacuna del Papiloma Humano (www.aavp.es),10 cuja finalidade é informar e sensibilizar a sociedade sobre os riscos dessa vacina e oferecer informações às mulheres que apresentem, tenham apresentado ou possam apresentar efeitos adversos após a vacinação.4 Com o mesmo propósito foi criado internacionalmente o “Truth about Gardasil” (www.truthaboutgardasil.org).11 Recentemente, o governo da Índia, através do Conselho Indiano de Pesquisa Médica (ICMR), suspendeu a vacinação Diagn Tratamento. 2010;15(4):198-202. contra o HPV após a ocorrência de quatro mortes e 120 casos de reações adversas relacionadas à vacinação.10-14 Após esse ocorrido, a Associação das Afetadas pela Vacina do Papiloma (AAVP) decidiu unir-se ao grupo internacional Truth about Gardasil, para reivindicar junto a representantes da FDA (Food and Drug Administration, agência de medicamentos estadunidense) soluções aos problemas que a vacina causou a 90 jovens de vários países, entre eles a Espanha, os Estados Unidos, a GrãBretanha, a Austrália e a Nova Zelândia.14 No Brasil, em audiência pública feita na Câmara dos Deputados pelas comissões de Seguridade Social e de Finanças e Tributação não houve apoio ao Projeto de Lei 164/07, que pretende oferecer de forma obrigatória a vacina contra o HPV para mulheres entre 9 e 26 anos nos postos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Os três especialistas convidados para o debate se manifestaram contra a proposta: o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).15 Declarou o diretor do Inca: “Ela não foi incorporada porque existem razões técnico-científicas que precisam ser mais esclarecidas. Não se sabe exatamente o tempo de proteção que essa vacina oferece”. E concluiu: “Existem ainda várias lacunas a serem preenchidas para que a vacina possa ser recomendada como estratégia de saúde pública”.15 O relator do projeto na Comissão de Finanças disse que seguirá a opinião dos especialistas no parecer que dará pela rejeição: “Nós vamos dar parecer rejeitando o projeto porque temos outros mecanismos de inibir e controlar esse mal que acomete a população de baixa renda. Cabe ao Poder Público utilizar de mecanismos rotineiros de prevenção, como o exame de Papanicolaou, para evitar que a patologia possa deflagrar um câncer”, afirmou.15 O Ministério da Saúde informa que tem ampliado em 800 mil por ano os exames de Papanicolaou.15 “A vacina contra o HPV está aprovada no Brasil. Mas só é indicada para jovens mulheres que ainda não tenham iniciado sua vida sexual”, disse o diretor-geral do Inca. Segundo o especialista, cerca de 80% das mulheres com atividade sexual estão contaminadas pelo HPV, e para pessoas contaminadas a vacina não surte efeito.15 A prevenção secundária do câncer do colo do útero, através do exame de Papanicolaou, é método acessível atualmente que deve aplicar-se massivamente na população feminina, inclusive nas mulheres que tenham recebido a vacina contra o HPV. Consideramos bem-vinda essa vacina, contudo, existem boas razões para sermos cautelosos e prudentes, pois ainda não temos evidências suficientes de sua total efetividade e inocuidade.7,8 Eu pessoalmente acredito que deveremos ter, no futuro, uma vacina profilática multivalente, que englobe todos os tipos virais de alto risco oncogênico, e outra vacina de ação terapêutica para tratar as pacientes infectadas e com lesões de alto grau a progredir para malignidade. E que essas vacinas sejam efetivas, 201 202 O que falta na luta contra o câncer de colo uterino? com segurança comprovada e com custos acessíveis para as mulheres em risco de países em desenvolvimento. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Av. Dr. Timóteo Penteado, 5 — 1o andar — sala 13 Guarulhos (SP) CEP 07094-000 Tel. (11) 2440-4659 consultório E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflitos de interesse: nenhum declarado REFERÊNCIAS 1. Simões CB. HPV e coilocitose [HPV and koilocytosis]. 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