Os caminhos de cuidado das mulheres com diagnóstico de câncer

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Os caminhos de cuidado das mulheres com diagnóstico de câncer de mama
The pathways of care for women diagnosed with breast cancer
Los caminos del cuidado de las mujeres con diagnóstico de cáncer de mama
Aline Machado Feijó**
Eda Schwartz***
Caroline de Leon Linck****
Aline da Costa Viegas*****
Bianca Pozza dos Santos******
Resumo
Este estudo objetiva descrever os caminhos de cuidado percorridos por mulheres com câncer
de mama em tratamento radioterápico. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de
caráter qualitativo, realizado com mulheres atendidas no Ambulatório de Radioterapia de uma
Universidade Federal do Sul do Brasil. Participaram seis mulheres acometidas por câncer de
mama em tratamento radioterápico. Os dados foram coletados de março de 2006 a dezembro
de 2007, por meio de entrevista semiestruturada. Foram analisados conforme a
operacionalização da análise temática, emergindo dois núcleos: Os enredos dos caminhos de

Recorte do Trabalho de Conclusão de Curso “Os caminhos de cuidado das mulheres com câncer de mama em
tratamento radioterápico”, apresentado à Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel),
em 2008.
**
Mestre em Enfermagem pela UFPel. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel.
Integrante do Núcleo de Condições Crônicas e suas Interfaces (NUCCRIN). Enfermeira do Hemocentro Regional
de Pelotas. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]
***
PhD em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Docente da Faculdade de Enfermagem e do Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel. Pesquisadora do NUCCRIN e do Núcleo de Pesquisa em Saúde
Rural e Sustentabilidade. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]
****
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Docente da Faculdade de Enfermagem da UFPel. E-mail: [email protected]
*****
Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel. Integrante do
NUCCRIN. E-mail: [email protected]
******
Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel. Integrante do
NUCCRIN. E-mail: [email protected]
2
cuidado e a Superação frente ao diagnóstico. Percebeu-se que os caminhos que a mulher
acometida por câncer de mama percorre envolvem tanto facilidades quanto dificuldades,
relacionadas ao acesso aos serviços de saúde, a relação com os profissionais e a capacidade de
superação. Também considera-se importante ter o conhecimento de seu diagnóstico, a fim de
ser uma pessoa ativa neste processo. Ressalta-se a importância dos profissionais e dos serviços
de saúde estarem preparados para acolher as mulheres em situação de enfermidade, pois o apoio
e a orientação são imprescindíveis para a sua reabilitação.
Descritores: Neoplasias da Mama; Mulheres; Enfermagem; Radioterapia (fonte: DeCS, BIREME).
Abstract
This study aimed to describe the pathways of care traversed for women with breast cancer
undergoing radiotherapy. It is a descriptive, exploratory and qualitative study, conducted
among women in the Radiotherapy Clinic of a Federal University in the South of Brazil. The
participants were six women affected by breast cancer undergoing radiotherapy. Data were
collected through semi-structured interviews from March 2006 to December 2007. The data
were analyzed according to the operationalization of thematic analysis, which resulted in two
categories: The plots of the pathways of care, and Overcoming facing the cancer diagnosis. It
was noticed the pathways that women affected by breast cancer travels involve both facilities
and difficulties related to access to health services, their relationship with professionals and
their ability to overcome. It is also considered important to have knowledge about the diagnosis
of the disease in order to be an active person in this process. It is important to have well prepared
health professionals and services, in order to accept women in ill situations, since support and
guidance are essential to their recovery.
Descriptors: Breast Neoplasms; Women; Nursing; Radiotherapy (source: DeCS, BIREME).
Resumen
Este estudio objetiva describir los caminos del cuidado dado por mujeres con cáncer de mama
3
en tratamiento radioterápico. Se trata de un estudio descriptivo y exploratorio de carácter
cualitativo, realizado con mujeres atendidas en el Ambulatorio de Radioterapia de una
Universidad Federal del Sur de Brasil. Seis mujeres afectadas por cáncer de mama en
tratamiento radioterápico participaran. Los datos fueron recolectados de marzo de 2006 hasta
diciembre de 2007 por medio de una entrevista semiestructurada. Estos fueron analizados de
acuerdo con la funcionalidad del análisis temático, emergiendo dos núcleos: Las dificultades
de los caminos del cuidado y La superación frente al diagnóstico. Se percibió que los caminos
que recurren la mujer sometida por el cáncer de mama envuelven tanto facilidades como
dificultades, relacionadas al acceso a los servicios de salud, la relación con los profesionales y
la capacidad de superación. También se considera fundamental el conocimiento de su
diagnóstico, a fin de ser una persona activa en este proceso. Se debe señalar cuán importante es
que los profesionales de los servicios de salud estén preparados para recibir las mujeres en
situación de enfermedad, pues el apoyo y la orientación son imprescindibles para a su
rehabilitación.
Descriptores: Neoplasias de la Mama; Mujeres; Enfermería; Radioterapia (fuente:
DeCS,
BIREME).
Introdução
O câncer da mama feminina é considerado um problema de saúde pública, tanto nos países em
desenvolvimento quanto nos países desenvolvidos. É o tipo de câncer que mais acomete as
mulheres em todo o mundo, sendo que a sobrevida média após cinco anos na população de
países desenvolvidos é de aproximadamente 85% e nos países em desenvolvimento entre 50%
e 60%. Em torno de 1,67 milhões de casos novos desta neoplasia foram esperados para o ano
de 2012 no mundo, representando 25% de todos os tipos de câncer nas mulheres. No Brasil, o
Instituto Nacional de Câncer (INCA) publicou que a estimativa dessa neoplasia para o ano de
4
2014 foi de 57.120 casos novos (1).
Reforça-se que, embora este seja um câncer com bom prognóstico, a mortalidade ainda continua
elevada no Brasil, principalmente por seu diagnóstico tardio (1), que pode estar associado ao
difícil acesso no atendimento. Por isso, considera-se de suma importância uma melhor
mobilização da rede de atenção à saúde, para a detecção precoce e monitoramento mais efetivo
do câncer de mama na população feminina.
Muitas das mulheres acometidas por câncer de mama se deparam com uma gama de
sentimentos na descoberta do diagnóstico (2), que podem estar associados à autoimagem, à
sexualidade, à maternidade e à feminilidade, o que é muito valorizado na sociedade capitalista
pós-moderna.
Portanto, ter conhecimento sobre esses aspectos possibilita melhorar a qualidade do
atendimento prestado a essas mulheres, reforçando a possibilidade de caminhos a serem
escolhidos durante o percurso da doença. Isso refletirá na aceitação da patologia, adesão ao
tratamento e melhora da qualidade de vida.
Pode-se dizer que existem muitos fatores determinantes para a escolha do caminho a ser trilhado
por estas mulheres, como as representações sobre o que é doença e saúde, as formas de cura e
de conservar o bem-estar tanto físico como psíquico, os papéis desenvolvidos socialmente, o
modo como elas relacionam-se com o próprio eu e com os outros, o contexto cultural e a
resposta as suas condições socioeconômicas.
Sendo assim, a escolha por trabalhar com os caminhos de cuidado das mulheres com câncer de
mama emergiu por considerá-los importantes na evolução da doença e tratamento dos pacientes
oncológicos, uma vez que influenciam o processo saúde-doença, pois deixam marcas positivas
e/ou negativas na vida das pessoas, afetando também a visão que elas têm dos serviços de saúde.
Entende-se por caminho o espaço percorrido ou por percorrer, direção, rumo, maneira de agir,
meio (3). Acredita-se que o caminho seguido pelas pessoas está de acordo com o contexto em
5
que estão inseridas, ou seja, suas práticas derivam de sua visão sociocultural, de sua visão de
mundo, crenças, valores e da relação que possuem com sua família, amigos, profissionais e
serviços de saúde, inclusive o acesso a estes.
Frente a esses aspectos, objetiva-se descrever os caminhos de cuidado percorridos por mulheres
com câncer de mama em tratamento radioterápico.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de caráter qualitativo, realizado com mulheres
atendidas no Ambulatório de Radioterapia de uma Universidade Federal do Sul do Brasil, sendo
esse serviço referência para o tratamento do câncer nesta região. O estudo é um recorte da
pesquisa Intervenções de Enfermagem com clientes oncológicos e famílias em um Ambulatório
de Radioterapia, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do
Sul (FAPERGS), sob o número 05/2279.2 PROADE 3.
Participaram deste estudo seis mulheres que tinham diagnóstico de câncer de mama, com idade
superior a 18 anos, que estavam em tratamento radioterápico e que conseguiam comunicar-se
verbalmente durante o período da coleta. Todas as participantes assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido e, a fim de manter o anonimato, foram identificadas por
algarismos arábicos, conforme a sequência das entrevistas, seguido da idade.
Os dados foram coletados entre os meses de março de 2006 e dezembro de 2007, por meio de
entrevistas semiestruturadas, as quais foram gravadas e transcritas na íntegra. Após, foram
analisados conforme a operacionalização da análise temática, identificando os núcleos de
sentido presentes nas falas das participantes. Para isso, foram desenvolvidas três etapas: préanálise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação (4).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Pelotas, sob o ofício 028/06, e seguiu os princípios éticos do Código
6
de Ética dos Profissionais de Enfermagem-Resolução COFEN nº 311/2007 (5) e a Resolução do
Conselho Nacional de Saúde nº 196/96 (6).
Resultados e Discussão
Serão apresentados, neste momento, os caminhos percorridos pelas mulheres com câncer de
mama, traçando sua trajetória desde a descoberta da doença. Para isso, agruparam-se as falas
das entrevistadas em dois núcleos temáticos, que são: Os enredos dos caminhos de cuidado e
A superação frente ao diagnóstico.
Os enredos dos caminhos de cuidado
A descoberta do câncer de mama
A forma como o câncer de mama foi descoberto pelas mulheres que fizeram parte do estudo,
reforça que muitas vezes essa descoberta pode ser realizada pela própria mulher ou por outros
atores.
Passei a mão e percebi os carocinhos. Logo fiquei com aquela sensação de que era câncer [...] (12, 64
anos).
Foi em casa, quando fui me passar um óleo para o corpo. Encontrei dois (caroços) e o meu marido
encontrou o terceiro na axila. [...] (11, 58 anos).
Nestes relatos, nota-se que as mulheres percebem os nódulos ao palparem suas mamas, sendo
que em uma delas o esposo participou da descoberta. Embora haja controvérsias acerca da
realização do autoexame das mamas, uma vez que as mulheres podem não realizá-lo
corretamente, ocorrendo um cuidado inadequado (7), reforça-se que este procedimento, quando
bem orientado, pode auxiliar na identificação precoce do câncer mamário.
Destaca-se que o objetivo do autoexame das mamas não é diagnosticar um câncer, e sim,
proporcionar à mulher e seu/sua companheiro(a) um maior conhecimento acerca de seu corpo,
facilitando a identificação de alterações e promovendo a busca ativa do serviço de saúde com
7
maior brevidade, a fim de ser avaliada por profissionais de saúde capacitados.
A realização do autoexame como método de rastreamento do câncer de mama não pode ser
totalmente excluído, já que para as mulheres se constitui em uma forma de autocuidado e de
redução dos casos avançados da doença. O autocuidado é considerado mais importante que o
autoexame, uma vez que recebe um conceito mais amplo de saúde, ou seja, o conhecimento
sobre a doença e seu corpo e a redução do seu risco. Assim, o processo educativo constitui-se
em um componente essencial para o diagnóstico precoce do câncer de mama. Salienta-se,
também, que as pacientes que realizam o autoexame frequentemente aderem mais aos
programas de rastreamento mamográfico (8).
Além disso, emergiu em uma das falas a participação masculina na descoberta do nódulo, sendo
oportuno salientar que o(a) companheiro(a) pode ser uma importante fonte de informação,
colaborando nesta descoberta. E, ainda, acentua-se que a inserção do(a) companheiro(a) neste
contexto pode amenizar a angústia e a ansiedade da mulher frente ao possível diagnóstico de
câncer.
A presença e a participação do companheiro(a) nesse processo é importante para a mulher, pois
a auxilia no favorecimento de um conceito mais elevado de si, na elaboração de sua nova
realidade, reabilitação e qualidade da vida matrimonial (9).
Após a descoberta realizada pelas mulheres em seu domicílio, logo procuraram auxílio dos
serviços de saúde para ter um diagnóstico ou confirmar a suspeita de câncer de mama. Para
isso, realizaram, também, alguns procedimentos diagnósticos.
[...] Então consultei e ele logo fez a biópsia e em seguida já me operou, ele não retirou toda a mama. [...]
Quem retirou o exame depois de um mês fui eu, levei para o médico e ele confirmou que era câncer e que
estava no segundo estágio de desenvolvimento, ainda continua no segundo estágio (12, 64 anos).
[...] Fui no INSS fazer uma consulta, a médica mandou que eu fizesse uma mamografia urgente. Depois
de dois dias a médica me encaminhou para o hospital, lá pediram uma ultrassonografia. Depois de uma
semana fui operada para fazer a biópsia. [...] Eu sabia que era câncer (02, 74 anos).
8
O bico do meu seio começou a entrar para dentro. Procurei um médico, fiz mamografia [...] (05, 38 anos).
[...] fiz todos os exames de novo, aí a médica do postinho disse que ia me passar para um mastologista
porque viu alguma coisa na minha mamografia [...] (01, 52 anos).
Percebe-se nos relatos que os procedimentos mais utilizados para o estabelecimento do
diagnóstico foram a mamografia, seguida pela biópsia e por último a ultrassonografia, que foi
referida por apenas uma das entrevistadas.
A mamografia é considerada o principal exame para detecção precoce do câncer de mama nos
programas de rastreamento desta enfermidade (10). Esse exame permite rastrear e identificar
tumores cada vez menores (11). Por conseguinte, a ultrassonografia também é um método
importante de avaliação adicional para um diagnóstico clínico das mamas (12).
Com isso, ressalta-se a necessidade de acesso das mulheres a esses métodos diagnósticos, a fim
de promover a detecção precoce desta afecção, diminuindo as taxas de morbidade e
mortalidade, como forma de melhorar a qualidade de vida destas mulheres.
Os caminhos e os descaminhos
Quando iniciam sua trajetória, muitos acontecimentos marcam suas vidas. Portanto, neste
momento serão apresentados os caminhos e os descaminhos de acesso ao serviço de saúde e os
principais entraves durante esse percurso. As falas que seguem expressam as principais
facilidades de acesso aos serviços de saúde relatados pelas mulheres:
[...] Fui no posto e pedi para fazer uma mamografia. Fui encaminhada direto para o toque de vida. Depois
de dois dias eu consultei com o especialista, ele coletou material, foi para o exame, no dia seguinte já
tinha feito todos os exames e o médico já marcou a cirurgia para retirar os três nódulos (11, 58 anos).
[...] Ele logo disse que era câncer. Internei uma semana depois da consulta e logo fiz a cirurgia [...] Gostei
muito do atendimento, fui bem orientada, tive psicólogo para mim e para o meu marido e grupo de apoio
(05, 38 anos).
[...] Dificuldade financeira eu não tive porque a prefeitura me ajuda no transporte [...] (12, 64 anos).
[...] Tinha uma amiga que era enfermeira, ela me disse por que eu não ia para o Mama Vida [...] e eu fui.
Foi aí que começou todo o atendimento [...] eu nem sabia, porque a gente quando não tem problema, tu
9
não sabe nada, até surgir o problema, aí tu vai bisbilhotar. [...] (01, 52 anos).
Nos relatos, percebe-se a rapidez do atendimento, desde a procura da mulher pelo serviço de
saúde, passando pelo especialista e a realização de exames até o tratamento. Além disso, para
uma das mulheres conhecer um profissional de saúde inserido no serviço, constituiu-se como
um facilitador na sua trajetória terapêutica.
Nessa perspectiva, o acesso aos serviços de saúde, a existência de programas de prevenção, as
intervenções efetivas e as estratégias diagnósticas e terapêuticas disponíveis e de qualidade
interferem positivamente na sobrevida dos pacientes (13).
Em um dos relatos também aparece como meio de ajuda a prefeitura, que ao disponibilizar
transporte auxilia neste percurso, amenizando as dificuldades econômicas e favorecendo a
continuidade do tratamento.
Emergiu em outra fala, a satisfação da mulher em relação ao atendimento, por ter sido bem
orientada e ter participado de grupo de apoio juntamente com o seu esposo. No que diz respeito
ao grupo de apoio, este possibilita que as mulheres com câncer de mama compartilhem seus
sentimentos, dúvidas e perspectivas sobre o processo de adoecimento, o que promove seu
empoderamento e atitudes positivas diante das adversidades (14-15). Ainda, a convivência em
grupos de apoio proporciona a troca de experiências e informações sobre atividades de lazer,
melhorando a autoestima.
Além disso, é importante o engajamento do(a) companheiro(a) no grupo de ajuda, favorecendo
o melhor entendimento deste(a) sobre o câncer de mama, para que possa enfrentar este
momento de crise, dando suporte e apoio a sua mulher.
Após a detecção do nódulo, embora as mulheres tenham procurado atendimento, algumas
tiveram dificuldades que desfavoreceram o diagnóstico precoce.
[...] e ele disse que não era nada, que retornaria ao normal com a menopausa. Com o tempo comecei a
ficar apavorada com o jeito que estava ficando o bico do meu seio [...]. Fui consultar em outra médica,
10
ela olhou, mas não quis me falar nada. Disse para minha irmã que eu devia ir num especialista. No mesmo
dia consultei com o especialista [...] (05, 38 anos).
Logo que eu cheguei, ele disse que era um tumor, porque o de Bagé disse que não era, que era só um
nódulo [...] (14, 62 anos).
[...] Em 2004 fiz uma sequência de duas mamografias, os médicos de Pelotas que me tratavam há 20 anos
me disseram que era só uma calcificação, fiquei tranquila e fui para Camboriu [...] Na época estava com
problema financeiro, sem dinheiro, fui tentar fazer de graça [...]. Fui no hospital [...] disse que não tinha
como pagar esse exame agora, aí a moça mandou eu ir no Centro de Saúde, eu fui, a atendente que me
atendeu lá, muito fria por sinal [...] disse que talvez dali uns dois ou três meses eu conseguisse [...] (01,
52 anos).
Observa-se nas falas das depoentes que a maioria retratou como principal dificuldade a conduta
profissional. Além disso, outros problemas relatados foram a questão financeira e a dificuldade
de acesso rápido aos exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No terceiro relato, fica evidente a dificuldade desta mulher em realizar os exames pelo SUS e o
seu descontentamento frente ao atendimento prestado por um profissional no Centro de Saúde,
o que poderia fazer com que esta paciente não voltasse a procurar o sistema de saúde,
agravando, desta forma, sua situação.
Diante do contexto apresentado, observam-se dificuldades na obtenção da resolutividade dos
problemas de saúde do paciente, mediante entraves na trajetória nos serviços de saúde. Essa
resolutividade pode ocorrer a partir de uma atenção acolhedora e da responsabilização dos
profissionais (16). Entretanto, quando não há resolução, algumas pessoas ultrapassam as
barreiras encontradas no caminho, pois procuram descobrir e desenvolver estratégias a fim de
solucionarem seus problemas de saúde.
Ainda, sabe-se que em alguns serviços de saúde é comum as pessoas procurarem ajuda e se
depararem com profissionais pouco acolhedores, arrogantes, ríspidos, indelicados e até
grosseiros, que não “olham na cara”. Nesses casos, ocorre o aumento da insegurança, da
11
insatisfação e da frustração por parte dos pacientes, gerando desarmonia (17).
Entende-se que é de suma importância a melhoria do acesso aos serviços de saúde e a qualidade
do atendimento prestado, vislumbrando o relacionamento interpessoal e o cuidado integral ao
ser humano, colocando em prática os princípios de universalidade, integralidade e equidade
preconizados pelo SUS.
A superação frente ao diagnóstico
A importância de saber o diagnóstico para superá-lo
No que se refere ao diagnóstico do câncer de mama, evidencia-se nas falas da maioria das
mulheres deste estudo, o reconhecimento de seu diagnóstico:
[...] sei o diagnóstico, é câncer de mama. O médico me disse que era câncer [...]. Acho que a gente tem
que saber o que tem (12, 64 anos).
Para mim, era câncer. Podia ser benigno, eu acho que não era maligno com certeza. Eu não sei, porque
não li toda aquela papelada [...]. É muito importante saber o diagnóstico (02, 74 anos).
[...] câncer de mama maligno [...]. Achei importante saber o diagnóstico (05, 38 anos).
[...] mas era um carcinoma de III grau com adiposo como se diz, infiltrante que significa maligno. Era
pequenininho, mas era maligno. [...] a pessoa tem que saber o que tem [...]. Uma pessoa mais jovem tem
que contar mesmo para lutar por alguma coisa, para lutar pela vida, para ver, pagando para ver [...] (01,
52 anos).
Observa-se nos relatos que as mulheres foram informadas acerca de seu diagnóstico, no entanto,
as mesmas têm pouca clareza sobre o que é o câncer. Por isso, considera-se extremamente
relevante que os pacientes sejam informados sobre o seu diagnóstico, a fim de tornarem-se
agentes ativos em seu processo saúde-doença, estimulando-se a autonomia para a escolha de
qual caminho seguir.
Nesse contexto, é importante salientar que, embora um indivíduo seja submetido a uma mesma
situação, a sua resposta pode variar em relação ao outro, a depender de sua personalidade e
vivência, dando origem a diferentes respostas comportamentais. Assim, é possível afirmar que
12
o ser humano tem capacidade adaptativa diante das diversas situações geradas pelo câncer (18).
Ainda, muitas transformações biológicas são geradas pelo câncer de mama, entretanto, existe
um vínculo imutável entre os elementos físico, mental e espiritual. Essa fusão torna o ser
humano carregado de subjetividade e dotado de especificidades que caracterizam a resposta de
cada um frente às situações de adoecimento (19-20).
A superação
Neste tema, vê-se o quanto as mulheres são fortes e lutadoras. Apesar de ser difícil o diagnóstico
de câncer de mama, elas mostram-se dispostas a enfrentar tudo, sem medo, vergonha e
preconceito. Desta forma, será abordada a superação frente a esse difícil diagnóstico e as
mudanças e adaptações referidas pelas mulheres a partir da descoberta e tratamento do câncer.
Emergem nas falas a seguir, demonstrações de coragem perante a doença e o tratamento,
ressaltando-se a vontade de viver que essas mulheres apresentam:
Me sinto uma guerreira, nunca escondi de ninguém sobre a doença. Não me entreguei (12, 64 anos).
No dia que achei o caroço, logo imaginei que era câncer. Aceitei tudo na maior naturalidade, se a pessoa
é depressiva com isso, nem cura. [...] Tive uma imensa vontade de ficar boa, uma coragem, nunca tive
medo de morrer, eu acho que estou curada (02, 74 anos).
É difícil, mas enfrentei. Eu não sou a primeira e nem a última. Sempre tive muita coragem, até para passar
para meu marido. O importante é vencer e lutar (11, 58 anos).
[...] Sem medo nenhum, eu não tenho medo, eu acho assim, se eu tiver que fazer alguma coisa que vá ser
útil para o outro, que eu fique. Se tiver que ir, estou preparada [...] (01, 52 anos).
Notam-se as diferentes reações nos relatos, quando algumas mulheres referiram não terem sido
afetadas pelo diagnóstico, enquanto outras disseram que foi difícil, mas enfrentaram. Em geral,
as mulheres deste estudo procuraram enfrentar a doença sem escondê-la de ninguém, sem medo,
como guerreiras, lutando por suas vidas e pela cura.
Acredita-se que as mulheres têm diferentes reações comportamentais perante o diagnóstico de
câncer por pertencerem a contextos diferentes (18). É importante frisar, que cada ser é único,
13
com características próprias, devendo ser tratado como tal, portanto, o enfrentamento da doença
dependerá do agir e do reagir frente às mudanças ocorridas no adoecer por câncer (21-22).
Deste modo, as mulheres com câncer acabam aderindo a todo o tipo de tratamento estabelecido
pelos profissionais de saúde, sem interrogar a possibilidade de não fazê-lo, pois depositam nesse
a esperança de vida e a cura (23).
Também se pode dizer que as mulheres ao descobrirem o câncer de mama procuram meios para
adaptarem-se a doença, tentam não se deixar afetar por esta e ainda buscam dentro de si toda a
coragem para conseguir sobreviver. Assim, neste momento serão apresentadas as mudanças e
adaptações que ocorreram na vida das mulheres em decorrência do diagnóstico de câncer de
mama:
[...] quem sabe fiquei até melhor. A gente aprende a viver diferente quando passa por uma doença. [...]
Eu estou melhor, minha cor melhorou, deixei de fumar, examino meus olhos, pele, unhas e o seio. Sempre
tive muita energia. (02, 74 anos).
Na minha vida modificou muita coisa, até a minha cabeça eu acho [...] (05, 38 anos).
Nestes relatos, transparece que ter uma doença que deixa dúvidas quanto à vida e a morte, faz
com que a maneira de pensar das mulheres mude. A primeira depoente refere ter passado a
cuidar-se mais, abandonando o vício do cigarro e prestando mais atenção em seu corpo.
Quando as mulheres passam por este tipo de conflito, o qual ocorre devido às modificações
impostas pela doença, começam a dar mais valor à vida, procurando desenvolver atividades que
lhes satisfazem e que as deixem felizes. Além disso, a autovalorização e o pensar em si foram
evidenciados em um estudo a partir da experiência de ser portadora de câncer de mama, no qual
também foi observada a transformação dessa vivência arrasadora para uma lição de vida
positiva (24).
Estudo realizado na Colômbia apresentou como resultado, que a experiência de viver com
câncer de mama modificou a existência das mulheres em todos os âmbitos, fazendo com que
14
estas passassem a valorizar mais as suas próprias necessidades, promovendo o autocuidado, a
valorização pessoal e a qualidade de vida (25).
Assim, pensa-se que quando a mulher com diagnóstico conhecido de câncer de mama
estabelece novos propósitos em sua vida, ela se adapta e se renova, sendo capaz de superar e
enfrentar qualquer dificuldade, inclusive os caminhos tortuosos desta doença estigmatizante.
Considerações finais
Ao desenvolver este estudo, percebeu-se que os caminhos que a mulher acometida por câncer
de mama percorre envolvem tanto facilidades quanto dificuldades, sendo trilhados por cada
mulher de maneira diferente, mas ao mesmo tempo muito semelhante.
Ressalta-se que os profissionais de saúde são importantes atores no processo saúde-doença, pois
suas orientações e condutas influenciam de maneira significativa no percurso da pessoa doente.
O enfermeiro, em especial, pode desenvolver ações que objetivem esclarecer dúvidas e
possibilitar maior segurança para o paciente. Também faz parte de seu papel, como cuidador,
estimular o autocuidado e a autoestima.
Os serviços e os profissionais de saúde podem atuar como facilitadores nesta trajetória. Quando
as mulheres têm seu acesso facilitado, conseguem transitar com facilidade de um serviço para
o outro e recebem um cuidado qualificado, prestado por profissionais capacitados, que visam o
bem-estar e a autonomia dessas. No entanto, os serviços e profissionais também podem ser
considerados entraves neste percurso, quando as mulheres não conseguem acesso aos exames,
têm dificuldade de comunicação com os profissionais e sentem-se desamparadas, o que pode
dificultar também a superação da doença.
Considera-se importante, para a construção da superação do câncer de mama, que as mulheres
tenham o conhecimento de seu diagnóstico de forma clara e segura, pois pode favorecer a busca
da cura ou ao menos do seu bem-estar físico e emocional e de seus familiares. Saber o que tem
15
é importante para avaliar o que se pode fazer para ser uma pessoa ativa neste processo.
Assim, ressalta-se a importância dos profissionais e dos serviços de saúde estarem preparados
para acolher as mulheres em situação de enfermidade, pois o apoio e a orientação são
imprescindíveis para a sua reabilitação.
Destaca-se que uma limitação deste estudo é a sua metodologia qualitativa e o número menor
de participantes, que não permite a generalização, porém possibilita evidenciar a realidade.
Com isso, sugere-se a realização de estudos multicêntricos ou multiculturais envolvendo esta
temática.
Referências
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