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Artigo Original
Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil:
estudo transversal de base populacional
Head and neck cancer epidemiology in Brazil: populational
based cross-sectional study
Resumo
Introdução: As neoplasias malignas do trato aero-digestivo
superior tem como o tipo histológico mais frequente (cerca de
90% dos casos) o carcinoma espinocelular. Trata-se de uma
doença muito prevalente principalmente em países de menor
nível socioeconômico e associada à alta mortalidade. Objetivo:
Estudar a incidência e a distribuição das neoplasias malignas
do trato aero-digestivo superior no Brasil e em suas regiões.
Método: Estudo de base populacional baseado no banco de
dados do Ministério da Saúde (DATASUS) no qual foi avaliado
incidência, fatores de risco e estadiamento em pacientes
diagnosticados no período de 2000 a 2008. Resultados: A
incidência dessas neoplasias malignas é de aproximadamente
11,5 casos/100.000 habitantes. Nota-se que há predominância
pelas quarta e sexta décadas de vida na proporção de 5 homens
para 1 mulher, não só na análise de todo o país mas também
das regiões brasileiras individualmente. Em 80,9% dos casos o
diagnóstico foi estabelecido já em estádios mais avançados (III ou
IV) e, excluindo-se os casos de nasofaringe, tabagismo e etilismo
estão presentes em média em 84,9% e 70% dos pacientes,
respectivamente. Conclusões: A incidência do carcinoma de
vias aero-digestivas superiores no Brasil e suas regiões tem
crescimento progressivo e merece a atenção das autoridades
de saúde principalmente quanto à implementação de programas
de diagnóstico precoce e de combate aos seus fatores de risco.
Os valores de incidência calculados são inferiores a séries
populacionais de outros países, o que demonstra que os dados
brasileiros de estatística do câncer são subestimados.
Murilo Furtado Mendonça Casati 1
Juliana Altieri Vasconcelos 1
Graziele Silva Vergnhanini 1
Priscila Fernandez Contreiro 1
Tatiana Bedenko da Graça 1
Jossi Ledo Kanda 2
Marco Akerman 3
Leandro Luongo de Matos 4
Abstract
Introduction: The most commom histologic type of upper
aerodigestive tract malignant neoplasms (90% of cases) is
the squamous cell carcinoma. This is a very frequent disease,
especially in countries with low socioeconomic status and it is
associated with high mortality. Objective: To study the incidence
and distribution of malignant neoplasms of the upper aerodigestive
tract in Brazil and its regions. Method: A population-based study
using DATASUS database in which were evaluated the incidence,
risk factors and staging of patients diagnosed with these
malignant neoplasms in the period of 2000 to 2008. Results: The
incidence is approximately 11.5 cases per 100,000 inhabitants.
There is dominance by fourth and sixth decades in the proportion
of five men to one woman, not only in the analysis of the whole
country but also on Brazilian regions individually. In 80.9% of
cases diagnosis is already established in more advanced staging
(III or IV) and, excluding cases of nasopharynx, smoking and
alcohol are present in 84.9% and 70% of patients, respectively.
Conclusions: The incidence of malignant neoplasms of the
upper aerodigestive tract in Brazil and its regions is progressively
growing and deserves the attention of health authorities especially
regarding the implementation of programs for early diagnosis and
combating its risk factors. Incidence is lower than populations of
other countries series, which shows that Brazilian data for cancer
statistics are underestimated.
Key words: Head and Neck Neoplasms; Epidemiology;
Carcinoma, Squamous Cell.
Descritores: Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Epidemiologia;
Carcinoma de Células Escamosas.
INTRODUÇÃO
O câncer de cabeça e pescoço é um termo genérico que representa as neoplasias malignas das vias
aerodigestivas superiores como cavidade oral, laringe,
faringe e seios paranasais. O carcinoma espinocelular
(CECCP), presente em cerca de 90% dos casos, é o
tipo histológico mais frequente. Essa doença tem uma
alta mortalidade associada, sendo a sexta maior causa
de morte por câncer no Brasil.1 Trata-se de uma doença com alta prevalência principalmente em países de
baixo nível socioeconômico, sendo mais incidente em
1)Acadêmico do Segundo Ano do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina do ABC. Estudante.
2)Professora Doutora. Professora Regente: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina do ABC.
3)Professor Doutor. Professora Titular: Disciplina de Saúde da Coletividade da Faculdade de Medicina do ABC.
4)Doutorado. Médico Assistente.
Instituição: Faculdade de Medicina do ABC.
São Caetano do Sul / SP – Brasil.
Correspondência: Leandro Luongo de Matos - Rua São Paulo, 1670, Apto. 41 - São Caetano do Sul / SP – Brasil - CEP: 09541-100 - Telefone: (+55 11) 2376.6930 – E-mail: [email protected]
Recebido em 30/09/2012; aceito para publicação em 28/11/2012; publicado online em 17/12/2012.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
186 e���������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 186-191, outubro / novembro / dezembro 2012
Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional.
homens que em mulheres entre a quarta e quinta décadas de vida.2
Estudos epidemiológicos demonstram que a exposição ao tabaco e ao álcool são os principais fatores causais associados ao desenvolvimento do CECCP.3 O alto
consumo dessas substâncias ou manutenção do hábito após o tratamento estão também associados a uma
maior chance de desenvolvimento de um segundo tumor
primário, além de aumentar índices de persistência e recidiva da doença.4
Frequentemente, a doença é diagnosticada em estádios clínicos avançados e já com doença metastática
ao diagnóstico (estádios III ou IV), o que determina um
pior prognóstico e menor taxa de cura.5 O tratamento do
câncer de cabeça e pescoço é complexo e dispendioso
principalmente nas lesões mais avançadas e é essencialmente cirúrgico e frequentemente associado a quimio e/ou radioterapia,6 que muitas vezes levam a deformidades locais e piora na qualidade de vida, o que torna
a terapêutica dessas neoplasias uma questão de saúde
pública muito relevante.
No Brasil, cerca de 13.470 novos casos de câncer
de cavidade oral, por exemplo, são diagnosticados anualmente.2 A estimativa aproximada para os tumores malignos de cavidade oral e faringe para 2012 é de 40 mil
novos casos no Brasil, o que pode ser reflexo do hábito
tabágico e/ou etílico dessa população, conhecidos fatores de risco para a doença.7
O Ministério da Saúde centraliza os dados nacionais
de notificação das neoplasias malignas no Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Rio de Janeiro, que disponibiliza os valores brutos em bases de dados digitais de
acesso gratuito e publica periodicamente estimativas de
taxas de incidência e mortalidade.8 Entretanto é notável
o fato desses dados serem subestimados e a real incidência dessas neoplasias no país não é conhecida.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo é identificar o perfil demográfico do câncer de cabeça e pescoço
e seus subsítios no Brasil.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal de base populacional.
Os dados brutos de incidência foram consultados no
banco de dados do Ministério da Saúde Brasileiro (DATASUS)9, disponibilizado gratuitamente na Internet. Esse
banco de dados é composto pelo Registro de Câncer de
Base Populacional (RCBP) e pelos Registros Hospitalares de Câncer (RHC). O RCBP é constituído por 25
sítios de coleta de dados distribuídos em todo o Brasil.
O Integrador RHC reúne os dados provenientes de 260
hospitais brasileiros para consolidação de dados hospitalares e se caracterizam em centros de coleta, armazenamento, processamento, análise e divulgação - de forma sistemática e continua - de informações de pacientes
atendidos em uma unidade hospitalar com diagnóstico
confirmado de câncer.10
Casati et al.
Foram incluídas as neoplasias malignas das vias aero-digestivas superiores divididas em subsítios de acordo
com o Código Internacional de Doenças (10a edição)11:
Nasofaringe (C11), Orofaringe (C01, C09 e C10), Hipofaringe (C12 e C13), Cavidade Oral (C00, C02, C03, C04,
C05 e C06) e Laringe (C32). Adotou-se para a análise o
período compreendido entre os anos 2000 e 2008, isso
pelo fato de a análise das taxas brutas de incidência dessas neoplasias demonstrarem que antes do ano 2000 os
dados disponíveis eram muito subestimados e os dados
a partir de 2009, desatualizados. Esse fato pode ser notado durante o processo de obtenção dos dados no qual a
quantidade descrita de pacientes acometidos por CECCP
na base de dados no período fora do acima explicitado
era evidentemente muito inferior aos demais.
Foram calculadas as incidências anuais por tipo de
câncer, o crescimento das taxas por ano e a partir dos
valores brutos extraídos da base de dados, estes foram
também estratificados e apresentados através de frequências relativas a partir das análises em separado das
seguintes variáveis: sexo, faixa etária, estadiamento, regiões brasileiras, tabagismo e/ou etilismo. Por se tratar
de estudo descritivo, não foram realizadas comparações
ou testes de hipóteses. Por esse motivo foram analisadas as neoplasias malignas das localizações mais frequentes nas regiões da cabeça e pescoço, incluindo a
nasofaringe que sabidamente tem outros fatores implicados em sua carcinogênese.
Como o método de obtenção de dados brutos pelo
DATASUS é proveniente de 25 centros do RCBC e dos
260 hospitais que compões o RHC, não sendo, portanto, representativos de toda a população brasileira, foi
necessário a correção dos dados devido ao fato deles
serem, sem dúvida, subestimados. Foi utilizada a “Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil”7, publicação também do INCA que, como o próprio nome já diz,
estima a incidência das diversas neoplasias malignas no
país para os anos de 2012 e 2013, baseada não nos
dados brutos de incidência, mas de mortalidade pelos
diferentes tipos câncer. Dessa forma, acrescentando-se
a taxa de crescimento de incidência anual calculada e
analisando-se os valores brutos fornecidos na estimativa
para 2012, concluiu-se que os dados de incidência obtidos no presente cálculo são subestimados e representam apenas em torno de 40% do que é o previsto para
o país. Dessa forma, foi adotado coeficiente de correção
de 1/0,4 ou 2,5.
RESULTADOS
Os números absolutos de casos novos de neoplasias malignas de vias aero-digestivas superiores no período de 2000 a 2008 encontram-se descritos na Tabela
1 e representados graficamente na Figura 1. Nota-se o
aumento progressivo no número de casos ao longo dos
anos, sendo em ordem crescente por número de casos,
os sítios: cavidade oral, laringe, orofaringe, hipofaringe e
nasofaringe.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 186-191, outubro / novembro / dezembro 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 187
Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional.
A distribuição de casos, segundo o gênero e estadiamento encontra-se descrito na Tabela 2. Identifica-se
que os casos são mais incidentes em pacientes do sexo
masculino e que os pacientes, em sua maioria, são diagnosticados já em estadiamentos mais avançados e com
doença metastática (estádios III ou IV) e que não houve
redução na distribuição dessa frequência ao longo dos
anos analisados (Tabela 3).
A análise da frequência de casos de acordo com a
faixa etária da população estudada encontra-se descrita
na Tabela 4. É notado que há maior quantidade casos
diagnosticados a partir da quinta década, exceto quanto
aos casos de neoplasias da nasofaringe, que classicamente têm distribuição bimodal, incidindo em pacientes
nos extremos de idade.
Foi identificado que as neoplasias malignas das vias
aero-digestivas superiores são mais incidentes, respectivamente, nas regiões sudeste, nordeste e sul, sendo
de menor destaque as demais regiões. A frequência de
Casati et al.
casos distribuída segundo as regiões geográficas brasileiras é descrita na Tabela 5.
Nota-se a alta prevalência de tabagismo e/ou etilismo nos pacientes acometidos pelas neoplasias malignas
de vias aero-digestivas superiores, a exceção dos carcinomas de nasofaringe (Tabela 6).
Foram calculadas as taxas brutas de incidência por
100 mil habitantes para os anos de 2000, 2005 e 2008.
Notaram-se incidência crescente para os cinco sítios de
neoplasias malignas das vias aero-digestivas superiores
ao longo do período estudado, com incidência global
de 11,54 casos para cada 100 mil habitantes no ano de
2008 (Tabela 7).
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos neste trabalho possibilitam a
discussão de alguns dados referentes à epidemiologia
do Câncer de Cabeça e Pescoço, seja através da evolu-
Tabela 1. Números de casos novos de neoplasias malignas de vias aero-digestivas superiores pela
topografia no período de 2000-2008.
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Nasofaringe
Orofaringe
Hipofaringe
Cavidade Oral
Laringe
398
1788
703
4898
2175
535
2298
940
8750
2923
555
2585
1000
7453
3555
528
2840
1013
7758
3613
625
3150
1173
8790
3898
690
3470
1265
9763
4405
680
3453
1375
9358
4213
845
4263
1710
11245
5390
778
4058
1678
10258
5105
Fonte: DATASUS9
Tabela 2. Distribuição dos casos de neoplasia malignas
de vias aero-digestivas superiores, segundo o gênero e
estadiamento.
to
Gênero
Masculino Feminino
Nasofaringe
Orofaringe
Hipofaringe
Cavidade Oral
Laringe
Figura 1. Distribuição dos casos novos de neoplasias malignas de vias
aero-digestivas superiores no período de 2000 a 2008.
Estadiamen-
69,6%
82,6%
85,4%
76,5%
86,2%
30,4%
17,4%
14,6%
23,5%
13,8%
I/II
III/IV
12,1%
13,9%
9,0%
28,3%
32,3%
87,9%
86,1%
91,0%
71,7%
67,7%
Fonte: DATASUS9
Tabela 3. Distribuição da frequência de diagnóstico tardio (estádios III ou IV) de neoplasias malignas de
vias aero-digestivas superiores pela topografia no período de 2000-2008.
Nasofaringe
Orofaringe
Hipofaringe
Cavidade Oral
Laringe
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
90,7%
81,8%
86,6%
66,4%
65,1%
86,4%
83,2%
90,1%
72,3%
66,7%
89,8%
85,8%
90,4%
69,0%
67,3%
92,6%
86,5%
91,5%
72,1%
67,7%
88,8%
86,6%
91,1%
73,3%
70,6%
78,5%
85,1%
91,3%
72,1%
58,7%
84,3%
88,2%
90,9%
74,2%
72,5%
91,3%
88,8%
95,7%
73,7%
70,2%
89,0%
89,0%
91,4%
72,3%
70,5%
Fonte: DATASUS9
188 e���������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 186-191, outubro / novembro / dezembro 2012
Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional.
Casati et al.
Tabela 4. Distribuição dos casos de neoplasia malignas de vias aero-digestivas superiores,
segundo a faixa etária.
Nasofaringe Orofaringe
Cavidade oral
Laringe
Hipofaringe
Até 40 Anos
40-49 Anos
50-59 Anos
28,95%
3,91%
5,57%
2,18%
2,17%
20,03%
20,42%
17,48%
13,51%
15,28%
22,58%
33,27%
27,17%
30,09%
28,46%
60-69 Anos Além de 70 Anos
16,59%
24,60%
23,97%
30,92%
37,58%
11,85%
17,80%
25,81%
23,30%
16,51%
Fonte: DATASUS9
Tabela 5. Distribuição dos casos de neoplasia malignas de vias aero-digestivas superiores, segundo a
região geográfica brasileira.
NasofaringeOrofaringe
Norte
Nordeste
Sudeste
Centro-Oeste
Sul
5,6%
27,4%
40,2%
2,2%
24,6%
Hipofaringe Cavidade Oral
3,5%
20,8%
49,6%
2,1%
2,9%
17,1%
46,9%
2,1%
23,9%
4,1%
27,8%
44,1%
2,5%
31,0%
21,5%
Laringe
4,8%
24,6%
43,9%
3,2%
23,5%
Fonte: DATASUS9
Tabela 6. Distribuição dos casos de neoplasia malignas de
vias aero-digestivas superiores, segundo o hábito tabagico
e/ou etílico.
TabagismoEtilismoTabagismo
e Etilismo
Nasofaringe
Orofaringe
Hipofaringe
Cavidade oral
Laringe
50,9%
85,2%
87,3%
81,9%
85,4%
37,5%
72,5%
75,6%
66,5%
65,5%
40,7%
84,3%
87,6%
79,7%
82,7%
Fonte: DATASUS9
Tabela 7. Taxas brutas de incidência por 100 mil habitantes e de número de casos novos de
neoplasia malignas de vias aero-digestivas superiores segundo a localização primária.
Nasofaringe
Orofaringe
Hipofaringe
Cavidade Oral
Laringe
Total
População*
2000
CasosTaxa Bruta
2005
CasosTaxa Bruta
398
1788
703
4898
2175
0,23
1,04
0,41
2,86
1,27
690
3470
1265
9763
4405
9960
5,82
19593
171.279.882 183.383.216 2008
CasosTaxa Bruta
0,38
1,89
0,69
5,32
2,40
778
4058
1678
10258
5105
0,41
2,14
0,88
5,41
2,69
10,68
21875
11,54
189.612.814
* Fonte: IBGE12
ção do número de casos entre os anos de 2000 e 2008,
seja por meio das avaliações estratificadas entre sexo,
faixas etárias, estádios em que os casos são diagnosticados, regiões do Brasil e hábitos tabágico e/ou etílico.
Os dados coletados no Integrador RHC e no Registro de Câncer de Base Populacional, sistemas virtuais
gratuitos coordenados pelo Instituto Nacional do Câncer
(INCA)10, apesar de serem de grande utilidade epidemiológica, apresentam uma considerável subestimação de
dados. Estes são ainda mais escassos nos anos que
antecedem o ano de 2000 e sucedem 2008, fato que
levou a limitar o presente estudo a este período, para
que os resultados descritos fossem mais verossímeis da
realidade epidemiológica da doença no Brasil. Essa carência de dados é decorrente do fato dos sistemas ainda
estarem em implantação em regiões mais longínquas do
Brasil e por haver falta ou falha de notificação de casos
de neoplasias malignas, o que dificulta o correto cálculo
de incidência, sendo necessários coeficientes de correção como o empregado neste trabalho.
Antunes et al.1 avaliaram a distribuição e mortalidade dos cânceres de cavidade oral somente na cidade
de São Paulo no mesmo período avaliado neste estudo.
Concluíram que estes eram mais incidentes em áreas
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Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional.
de menor nível socioeconômico, e sugeriram que ações
preventivas sejam direcionadas a essas áreas visando
um diagnóstico mais precoce. No trabalho, os autores
fazem uma crítica aos registros civis da cidade, dizendo
que muitos erros ou faltas de registro afetaram diretamente os reais cálculos de incidência e mortalidade por
esta doença. Wunsch-Filho13, em outro trabalho, avaliou
a epidemiologia das neoplasias malignas da cavidade
oral e orofaringe no Brasil no período de 1980 a 1995,
considerando os dados epidemiológicos de cinco capitais brasileiras na tentativa de refletir o panorama nacional dessa doença: Belém (região norte), Fortaleza
(nordeste), Goiânia (centro-oeste), São Paulo (sudeste) e Porto Alegre (sul). Observaram-se dados bastante
discrepantes considerando-se a quantidade de casos
novos pela população habitante dessas regiões, estabelecendo-se dois paralelos bastante distintos: enquanto
nas regiões sul e sudeste houve uma incidência de aproximadamente 15 casos para cada 100 mil habitantes
dessas neoplasias, esta foi cerca de metade nas demais
regiões. Quanto à mortalidade, esta também foi cerca
de três vezes mais elevada nas regiões mais desenvolvidas (sul e sudeste) quando comparada às demais. O
autor considera que esta diferença deveu-se à carência
de dados populacionais nas regiões menos favorecidas
do país, e também ao difícil acesso dos pacientes aos
serviços de saúde, exames diagnósticos, etc.
Em alguns países mais desenvolvidos, essa carência de dados não é tão comum, uma vez que sistemas
como os registros de câncer populacionais já foram implantados há mais tempo e algumas medidas dos sistemas de saúde desses países incentivam a coleta das
informações necessárias para uma melhor acurácia
desses bancos de dados e cálculo de indicadores de
saúde.14 Isso permite uma melhor acurácia dos dados
o que mostra inclusive que a incidência das neoplasias
malignas nessas populações são ainda maiores do que
as estimadas para o Brasil, independentemente da condição socioeconômica.
Analisando-se a evolução dos tipos de câncer estudados de 2000 a 2008, observa-se que as localizações
primárias que apresentaram maior crescimento nesse
período foram cavidade oral e laringe, respectivamente. Antunes e colaboradores1 descrevem uma forte associação das neoplasias malignas dessas localizações,
principalmente de cavidade oral, com uma baixa condição socioeconômica, que vem associada a uma menor
qualidade dos serviços de saúde e, consequentemente,
maior mortalidade. Esse mesmo estudo aponta, ainda,
que, apesar de um considerável desenvolvimento social
e decrescente taxa de mortalidade desde 1990, no Brasil
se encontra um dos maiores índices de câncer de cavidade oral do mundo, sendo mais frequentes em homens
e estando diretamente relacionados com a idade e condições socioeconômicas
Outro aspecto relevante observado foi a incidência
dessas neoplasias serem aproximadamente 70% em
homens quando comparados às mulheres. Os tumores
Casati et al.
de laringe são os que mais ilustram essa discrepância,
com um número de casos até seis vezes maiores em homens. Tal diferença deve-se, dentre outros fatores, aos
hábitos tabágico e/ou etílico mais frequentes nesse gênero.15 Contudo, com mudanças no estilo de vida, sendo
cada vez mais comum encontrar mulheres tabagistas e/
ou etilistas, essa diferença vem se reduzindo consideravelmente, segundo alguns estudos.3; 15; 16 O aumento
do consumo de tabaco e álcool influencia, portanto, diretamente na incidência dessa neoplasia na população,
como mostra Franceschi e colaboradores17, que relatam
um aumento desses casos no leste e sul europeu advindo do consumo dessas substâncias.
Estudos demonstram que o CECCP é mais prevalente em indivíduos maiores que 40 anos, sendo a sexta
e a sétima décadas de vida as mais frequentes.2 Os resultados descritos neste trabalho demonstram que mais
da metade dos casos se concentrou entre 40 e 69 anos,
o que está de acordo com outras casuísticas.2; 18; 19; 20 Um
trabalho conduzido no interior de São Paulo demonstrou
que 58,1% da população atendida diagnosticada com
CECCP na cidade de São José do Rio Preto apresentava entre 41 e 70 anos de idade.2 Outro estudo realizado
em Pernambuco mostrou que 55,8% desses pacientes
também se encontravam dentro desta mesma faixa etária.19
Em todas as localizações primárias de tumores malignos estudadas, a maioria dos casos é diagnosticada
em estádio III ou IV, ou seja, tardiamente e já com doença
metastática, o que é extremamente comprometedor para
o prognóstico e tratamento a ser oferecido.1 As localizações primárias de tumores mais comumente diagnosticadas em estádios avançados são cavidade oral, orofaringe e laringe, podendo levar a alto comprometimento
da função do órgão com maiores taxas de sequelas e
também de mortalidade.16; 18 Um dado ainda mais alarmante é que ao longo de todo o período analisado não
houve redução na taxa de diagnóstico tardio (estádios III
ou IV) o que demonstra que não estão sendo adotadas
medidas preventivas ou de diagnóstico precoce efetivas.
A grande maioria dos casos estudados se concentra
na região sudeste, o que se deve, dentre outros fatores,
a esta ser detentora de 80,3 milhões de habitantes, 44%
da população brasileira.12 Durante os anos 1980 e 1990,
as regiões sul e sudeste do Brasil presenciaram um forte
desenvolvimento social, com diminuição da mortalidade
infantil e aumento da expectativa e qualidade de vida,
o que refletem também na incidência das neoplasias
malignas.1 Essas diferenças regionais se devem principalmente à aplicação de exames preventivos e práticas
para a detecção precoce mais frequentes nas regiões
mais desenvolvidas, onde a população tem maior acesso aos serviços de saúde, e também à maior captação
de dados epidemiológicos como já foi previamente discutido.13; 21
O tabagismo e etilismo, como já destacado anteriormente, são fatores diretamente relacionados à carcinogênese do CECCP, sendo conhecidos fatores de risco
190 e���������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 186-191, outubro / novembro / dezembro 2012
Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional.
para essa doença e que representam um aumento de
cerca de 20 vezes no risco quando comparado a indivíduos não dependentes.3; 5; 16 O uso dessas substâncias
atinge grande parte da população adulta apesar da tentativa de conscientização quanto aos seus malefícios pelos órgãos governamentais, e influencia diretamente na
incidência dessas neoplasias na população, sendo seu
efeito dependente da quantidade acumulada ao longo da
vida.3 O presente estudo determinou que mais de 80%
dos pacientes com neoplasias malignas de cavidade
oral, laringe e faringe, a exceção da nasofaringe, eram
tabagistas ao diagnóstico e cerca de 70% eram, também, etilistas, fato corroborado por outros estudos.2; 18;
19; 20
CONCLUSÃO
O perfil demográfico do paciente com CECCP é de
indivíduo do sexo masculino, com idade entre 40 e 69
anos, diagnosticado em estadiamento avançado, tabagista e/ou etilista. A incidência do CECCP no Brasil
e suas regiões tem crescimento progressivo e merece
a atenção das autoridades de saúde, principalmente
quanto à implementação de programas de diagnóstico
precoce e de combate aos seus fatores de risco, pois se
trata uma doença, na maioria das vezes, relacionada à
exposição a fatores ambientais evitáveis. Os valores de
incidência calculados são inferiores a séries populacionais de outros países, o que demonstra que os dados
brasileiros de estatística do câncer são subestimados,
sendo necessários programas de melhoria aos institutos
de coletas de dados epidemiológicos e incentivo à notificação dos casos de neoplasia maligna no Brasil.
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