O bispo Ludwig Herbst foi obrigado ingressar nas tropas de Hitler, levou um tiro da cabeça e mora no interior do Acre. FRANCISCO COSTA e CHICO ARAÚJO Era 1943. Seu país estava em plena II Guerra RIO BRANCO — A voz mansa e serena seduz a Mundial. É nesse cenário caótico que o qualquer um. Aos 84 anos — completados em jovem Ludwig Herbst, filho de um trabalhador novembro de 2008 — ele mantém o carisma e o das minas de carvão e de uma costureira, costume de distribuir chocolates aos visitantes. larga o seminário para servir às forças do Assim é o bispo dom Ludwig Herbst, ou ditador Adolf Hitler. E, por um milagre, não é simplesmente Dom Luís, como é mais uma vítima da própria guerra. carinhosamente chamado em Cruzeiro do Sul, no Acre, onde vive há 55 anos. Do porto do Rio de Janeiro, onde desembarcou escondido na terceira classe de um navio, o recém-ordenado padre Ludwig — que fugia do Nazismo de Adolf Hitler — levou vários dias, a bordo de um velho avião da Força Aérea Brasileira, para colocar os pés em Cruzeiro do Sul. O ingresso dele nas forças alemãs se deu por pressão do vigoroso movimento jovem nazista. Optou pela Força Aérea em vez da Marinha, como sempre lhe recomendava sua mãe, Alexandrina. Ficou ali até o final da Guerra, em 1945. A sua estréia em campo de batalha por pouco não lhe tira a vida. Ao enfrentar as forças inimigas, Ludwig levou um Luis Herbst serviu às forças de Hitler, levou um tirou da cabeça. Era final de janeiro de 1945 tiro na cabeça, mas acabou ordenado padre — a guerra é encerrada oficialmente no dia 2 logo após o final de II Guerra Mundial de setembro daquele mesmo ano. /FRANCISCO COSTA Antes chegar ao Vale do Juruá — a região mais ocidental do Brasil — Retorno ao seminário com seus 28 anos de idade, d. Luís fez história fez parte da história de seu país natal, a Com o fim da guerra, o jovem Ludwig (ou Alemanha. Nascido em Bardenberg, hoje Luís) pôde retornar ao seminário. Em Aachen, o menino Ludwig sonhava com a vida setembro de 1946, um ano após o fim da religiosa desde a tenra idade. Aos 12 anos batalha e com a Alemanha derrotada, faz sua ingressou no Seminário Menor dos Espiritanos, primeira profissão de fé em Menden, em Broichweiden, perto de sua casa, e depois Sauerland. Depois de cinco anos de estudos por Kneschtsteden e Donaueschiningen. Mas a é ordenado padre na cidade de vida religiosa dele é abruptamente interrompida Kneschtsteden pelo então bispo-auxiliar de quando chegava aos 19 anos. Colônia, d. Wilhelm Stockums. -2Um ano depois, em 1952, o recém ordenado construção é em estilo germânico, com forma padre Luís deixa a Alemanha, embarca em um octogonal e no seu interior possui um painel navio e cruza o Estreito de Gibraltar — uma representado por Nossa Senhora da Glória. separação natural entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico, e entre o continente europeu e africano — com destino ao Brasil. Antes de desembarcar em solo brasileiro, Luís fez uma parada no Norte da África, onde sua congregação (os Espiritanos) deixou alguns missionários. Agora, d. Luís Herbst não celebra mais na Catedral. A saúde não lhe permite caminhadas longas. Ele tem cinco pontes de safenas e problemas cardíacos, sua pressão arterial oscila bastante, e ainda sofre de diabetes. Mesmo nessas condições, d. Luís recebe seus visitantes — seja conhecidos ou Chegando ao Brasil, o padre Luís Herbst é desconhecidos — com um sorriso largo no mandado direto para Amazônia. Seu destino é rosto e o bom humor que lhe é peculiar. Aos Cruzeiro do Sul, no Acre, onde passa a atuar ao poucos, o religioso seduz com que dialoga. lado do também padre alemão Henrique Rüth Conta suas histórias de vida no Juruá e, em como missionário no vilarejo de Porto Walter, determinados momentos, deixa transparecer hoje município. Atuou como missionários entre que se sente muito sozinho. 1953 e 1967, quando se torna vigário-geral da Prelazia do Alto Juruá. Doze anos mais tarde é nomeado bispo coadjutor de Cruzeiro do Sul e, em 1980, com o lema "Veritas liberabit vos" — A verdade vos libertará (Jo 8,32) —, padre Luís Herbst é ordenado bispo da cidade que escolheu para viver e propagar o Evangelho. O bispo vive em uma casa caprichosa construída pelas irmãs franciscanas nos fundo do Seminário Menor Diocesano de Cruzeiro do Sul. Com bastante verde, a área é bonita e bem cuidada, o que deixa d. Luís bem à vontade para receber seus convidados. Sentado numa cadeira ao lado de uma exuberante samambaia, sempre a Leitura dos jornais da Alemanha é sós, o bispo costuma revirar diariamente os a forma de d. Luís manter os jornais da Alemanha — em língua local para, vínculos com a terra natal segundo ele, "não perder o vínculo com sua terra". As edições são trazidas pelo amigo, o Depois de meio século de trabalho dedicado aos padre alemão Eriberto, com quem conversa pobres do Juruá, d. Ludwig (ou simplesmente bastante sobre diversos assuntos, e, Luís como os fiéis preferem) teve que se principalmente, os religiosos. aposentar aos atingir 75 anos (é a idade limite imposta pelo Vaticano). Mesmo assim, ele não "A morte é um conforto" saiu da cidade. Permaneceu em Cruzeiro do Sul, onde, todo o domingo celebrava a Missa na D. Luís Herbst, que adotou a Amazônia como Catedral Diocesana Nossa Senhora da Glória. A sua terra, vive atualmente sob os cuidados -3especiais de médicos e da irmã franciscana Alemanha que sua irmã estava doente e se Maria da Paz, uma senhora bastante educada e recuperando em hospitais. O bispo comentou que, religiosamente, sempre se apresenta com que na região da única integrante de sua vestimentas bem engomadas em tom cinza leve. família havia um frio muito forte. Abatido pela idade e as doenças, o bispo, Sem celebrar, ele acompanha apenas os apesar dos esforços, tem dificuldades para outros religiosos nas missas da paróquia recordar o passado. Ele sofre de esquecimentos Nossa Senhora Aparecida, que é próxima de espontâneos. Confessa, por exemplo, que a sua casa. Antes, era tradição ir à missa (e memória é hoje sua maior inimiga, e reconhece celebrar) de domingo na Igreja do bairro que "deu trabalho para os médicos e as freiras" Copacabana. Recentemente, devido às quando caiu há poucos dias e lesionou a dificuldades para leitura, d. Luís foi cabeça. recomendado a deixar de celebrar — ofício que ele exercia com esmero. Para o bispo, essas situações são traduzidas como momentos de felicidade e afirma estar "Ele [bispo dom Luís] era um encantador do "preparado para a morte". "Deixa ela [morte] vir, povo com suas palavras. Com o Evangelho, não chame ninguém irmã, nem os médicos", ele emocionava a multidão e tinha prazer de falou Luiz para a irmã Maria da Paz. "Dom Luiz, evangelizar. Sempre foi sua maior paixão, diz que a morte será seu conforto, já que o céu sua maior alegria. Suas pregações cativam é um paraíso", conta a irmã comentando sobre a de mais, são do coração, com entusiasmo", solidão dele. conta irmã Maria da Paz. Com o agravamento dos problemas de saúde, d. FRANCISCO S. COSTA Luís Herbst afastou das atividades religiosas Jornalista DRT/AC 03/03 68 9226 6529 9995 3418 3226 3944 MSN: [email protected] SKYPE: francisco.da.silva.costa www.reporter24horas.blogspot.com www.portaldoacre.com.br oficiais da Igreja e escolheu o Acre para descansar. Para ele, o Acre é "o melhor lugar do mundo para morar". Confessa que "não sente falta da confusão que é Rio Branco, o barulho, a agitação incomoda". Mas tem uma paixão reveladora por Cruzeiro do Sul. Nas idas e vindas ao encontro de sua irmã (mais nova e solteira) que mora em Colônia, na Alemanha, ele diz que sempre retorna o mais rápido que possível para o Acre. Sua última visita a terra natal foi há cerca de dois anos. Em dezembro, d. Luís foi informado pelo padre Frederico durante uma ligação telefônica da