GT 04_Suzana Gonçalves

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IV ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR
Linguagens e identidades da musica contemporânea
15 a 17 de agosto de 2012, Universidade de São Paulo – ECA/USP
1
CHEGA DE SAUDADE: A “NOVA MPB” E AS TRANSFORMAÇÕES NO CENÁRIO
MUSICAL BRASILEIRO1
Suzana Maria Dias Gonçalves2
Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE
Resumo: Por volta dos anos 2000, uma nova produção de música brasileira começa a se
formar no Brasil. A nova geração de músicos, rotulada pela crítica especializada de “Nova
MPB”, a nova música popular brasileira, surge em meio a um novo modelo de negócio da
música, configurado após o desencadeamento da crise da Indústria Fonográfica. Por décadas,
as grandes gravadoras costumavam deter os meios de produção, atuando como filtros daquilo
que viria ou não a ser gravado e colocado no mercado. Com o surgimento das novas
tecnologias de informação e comunicação, o artista passa a poder produzir, divulgar e circular
seu disco em redes virtuais, formando um modelo segmentado de mercado. Dessa forma, o
artigo visa perceber a reconfiguração da indústria da música e a conseqüente segmentação de
mercado, tomando como estudo de caso a produção artística da nova geração de músicos
brasileiros, rotulados como representantes da “Nova MPB”, mostrando que o surgimento
dessa nova formação cultural está diretamente relacionado às transformações do negócio da
música.
Palavras-chave: Música, Indústria da música, Indústria Fonográfica, Mídia, Nova MPB.
Introdução
Não é novidade que, desde a segunda metade dos anos 1990, a indústria da música
vive um momento de transição. Assistimos à crise do modelo tradicional da Indústria
Fonográfica e o consequente crescimento da valorização da música ao vivo, materializada
tanto em shows de músicos contratados por grandes gravadoras, quanto nos festivais
independentes realizados pelo país afora, importantes meios de circulação para artistas que, na
maioria das vezes, se encontravam à margem das grandes companhias fonográficas.
Consequentemente, as novas transformações remodelaram as práticas de
consumo. A necessidade de reestruturação do negócio da música gravada, em razão da
desvalorização do disco, proporcionou o crescimento do consumo de música ao vivo. Se antes
prevalecia a tradicional indústria do disco, com gravação sofisticada, comercialização em
grandes lojas, divulgação e consumo através dos tradicionais meios de comunicação, como a
1
Trabalho apresentado ao GT 4: Mídia, Música e Mercado, do IV Musicom – Encontro de Pesquisadores em
Comunicação e Música Popular, realizado no período de 15 a 17 de agosto de 2012, na Escola de Comunicação e
Artes da USP, São Paulo/SP.
2
Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde desenvolve pesquisa
sobre o
consumo
musical
na atual configuração
do
mercado
da
música.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9403777705531431. E-mail: [email protected].
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TV e o rádio; hoje, a materialização dessa cadeia é possível a partir de novas lógicas de
mercado da música, como o emprego das novas tecnologias de informação e comunicação,
importante ferramenta de divulgação e circulação de conteúdos, que vão ser consumidos nos
espaços urbanos por meio de shows e festivais. No entanto, vale ressaltar que antigas práticas
permanecem, a exemplo da força que o rádio ainda exerce na cultura como meio de consumo
imediato de música.
Assim, pode-se afirmar que há uma relação direta entre o consumo dos produtos
musicais que circulam nos meios virtuais e o modo como são consumidos nessas cenas. Não à
toa, festivais como Coquetel Molotov (PE), RecBeat (PE), Abril Pro Rock (PE), Se Rasgum
(PA) e Bananada (GO) são alguns dos espaços onde se dão a apropriação e a circulação
desses bens culturais. A maioria dos festivais independentes existentes atualmente no Brasil é
filiada à Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), que conta atualmente
com 40 festivais em todo o país.
Em meio a esse novo contexto histórico da indústria da música, surge uma nova
formação cultural brasileira, rotulada pela crítica especializada de “Nova MPB”. O termo
remete à nova geração de artistas que, submetidos às novas lógicas do mercado, encontram
novas formas de produzir, comercializar e circular seus produtos midiáticos. Artistas como
Rômulo Fróes (SP), Cícero (RJ), Curumim (SP), Céu (SP), Tulipa Ruiz (SP), Lucas Santtana
(BA), Marcelo Jeneci (SP), Nina Becker (RJ), Karina Buhr (PE), Otto (PE), Catatau (CE),
Wado (AL), Momo (RJ), Criolo (SP) e outros protagonizam a nova geração conectada a
novos modelos de produção, circulação e consumo de produtos, por meio de plataformas
digitais de compartilhamento de conteúdos e da materialização do consumo nos circuitos
urbanos. Isso nos faz pensar que o surgimento da chamada “Nova MPB” está diretamente
conectado às transformações do cenário musical brasileiro.
Em 2010, a Rolling Stone Brasil elegeu o disco de Tulipa Ruiz, “Efêmera”, como
o melhor do ano, à frente de trabalhos como da banda Pato Fu. Ainda figuraram na mesma
lista, Macelo Jeneci com “Feito pra acabar” (2º lugar), Karina Buhr com “Eu menti pra você”
(3º) e Nina Becker com “Vermelho” (9º). Em 2009, Céu aparece em primeiro lugar com o
álbum “Vagarosa, à frente de artistas como Erasmo Carlos. Cidadão Instigado, do músico
Catatau, ficou com a 2ª colocação com o disco “Uhuuu!”, Lucas Santanna em 8º lugar com
“Nostalgia”. Em 2011, o “disco inexistente” de Wado, intitulado “Samba 808”, figurou nas
listas do renomado jornalista João Paulo Cuenca, como o melhor disco brasileiro do ano.
Ironicamente, “Samba 808” é um disco que foi lançado apenas no formato digital:
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característica peculiar à nova geração de músicos independentes, capaz de obter o
reconhecimento da crítica a partir de um modelo de produção alheio às lógicas tradicionais
das grandes gravadoras. Dessa forma, os dados acabam por revelar o espaço e a relevância
que a nova produção ocupa no cenário musical brasileiro contemporâneo.
Na reportagem online do jornal O Globo, o jornalista Leonardo Lichote avalia o
surgimento dessa nova cena musical brasileira, fazendo uma conexão entre a circulação e
consumo, tanto no ambiente virtual quanto nos espaços urbanos.
Alguma coisa acontece no coração da nova música popular brasileira quando cruza
certas esquinas paulistanas neste início de século XXI. Aos poucos, nos últimos
anos, uma geração de artistas baseados em São Paulo, de diferentes motivações e
origens (Paraná, Recife, Ceará, Rio e mesmo a capital paulista), vem trocando
ideias, e-mails, arquivos MP3, mensagens no Facebook, links do MySpace produzindo muito e alimentando uma cena que agora, madura, se configura como a
mais consistente do país, apesar do pequeno alcance comercial. Pode ser cedo para
afirmar, mas talvez pela primeira vez desde a década de 60, quando foram realizados
os festivais e os programas da paulista TV Record (como "Jovem Guarda" e "O fino
da bossa"), São Paulo concentre os olhares de quem está interessado nos rumos da
futura MPB (LICHOTE, 2010).
Na edição de julho de 2008 da Revista Bravo!, José Flávio Junior e Marcio
Orsolini tentaram definir o que seria a “Nova MPB”.
Eles não têm manifesto. Não formam um movimento articulado. Por não se sentirem
na obrigação de se opor a um estilo anterior, têm liberdade e abertura para qualquer
influência – e, entre essas influências, valorizam principalmente a MPB tradicional.
Afinados com os novos tempos, divulgam suas obras pelo MySpace. Não são
artistas-solo, como os da bossa nova dos anos 60, nem formam bandas, como os
roqueiros dos anos 80. Trabalham colaborativamente. Em alguns momentos,
formam núcleos de criação que são verdadeiroas incubadoras de talentos; em outros,
se recolhem para criar trabalhos solo. (FLÁVIO JUNIOR; ORSOLINI, 2008, p.90).
Considerado pela crítica como porta-voz da “Nova MPB”, Rômulo Fróes
reconhece a existência da nova formação cultural, embora rejeite o título que lhe fora
concedido.
Havia um sentimento, como ainda hoje há, embora menor, de que nada de novo
estava sendo feito na música brasileira. Como se ela tivesse parado nos anos 1960.
Eu me sentia angustiado em ver uma geração de artistas extremamente talentosos
relegados ao anonimato, por isso passei a escrever sobre eles. [...] Mas estou longe
de ser um porta voz ou mensageiro, se há uma coisa a aprender sobre esta geração é
que ela não possui nem uma só voz nem um só pensamento sobre a música brasileira
(FRÓES, 2011).
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A nova geração de músicos brasileiros caracteriza-se, entre outras coisas, pela
busca de uma nova sonoridade influenciada pela MPB tradicional misturadas a outros gêneros
musicais, como indie rock e samba. São músicos que participam de discos e shows uns dos
outros, independente de seus trabalhos solos, circulam em casas alternativas de show, a
exemplo do Studio SP, além de diversos festivais independentes realizados em todo o país.
Originalmente, a sigla MPB já era alvo de polêmica desde o seu surgimento. Na
década de 1960, artistas da bossa nova e de outras sonoridades brasileiras eram definidos
como representantes da MPB, questionado até hoje se tal rótulo se configura como gênero,
movimento ou mesmo cena musical. Para além das questões que envolvem o rótulo “Nova
MPB” para a formação cultural emergente, é necessário perceber que a nomeação parte da
crítica especializada, como forma de legitimar a relevante produção e circulação da nova safra
de músicos e caracterizar determinadas condições de produção, circulação e consumo
musical.
É necessário nomear as “coisas” que serão consumidas para que sejam observadas
determinadas semelhanças entre elas e elaborados critérios de hierarquização que
irão compor um sistema simbólico. Ao nomear, definimos uma qualidade para um
objeto, uma vez que elegemos elementos que o caracterizam. [...] Classificar
significa realizar uma escolha, elegendo esses critérios e nomeando as categorias.
Ao mesmo tempo, as classificações fazem referência à totalidade do universo
classificado por meio da negação do pertencimento a outras categorias (TROTTA,
2011, p.54).
A reflexão de Trotta (2011) nos leva a concluir que agrupar determinado grupo de
músicos sob determinada rotulação é afirmar que seus representantes possuem elementos
estéticos e midiáticos comuns, que irão determinar não só o perfil do seu público-alvo de
consumidores, como também as estratégias de divulgação e comercialização empregadas.
Assim, mesmo que a “Nova MPB” carregue traços do que se define como cena,
gênero ou movimento musical, mais interessante é observar como essa nova formação
cultural ocupa um lugar de mediação entre as instâncias reprodutivas e o campo da recepção.
Ou seja, como a estrutura e as dinâmicas características do sistema produtivo dessa nova
geração de músicos articulam-se com públicos consumidores específicos.
Reconfiguração da indústria musical: a “Nova MPB” e o mercado de nicho
A atual configuração da indústria da música possibilitou uma transformação no
modo de experienciar a música social e materialmente. Além de contribuir para o aumento do
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consumo por parte de uma audiência leiga musicalmente, as transformações ocorridas no
bussiness da música foram ainda responsáveis por mudar as relações de hábitos e práticas
sociais, por meio das novas tecnologias de informação e comunicação.
Com isso, os custos com produção foram barateados, os estúdios caseiros
viabilizaram a gravação de trabalhos independentes, os canais de comunicação na Internet
facilitaram a circulação e divulgação de discos, criaram novos canais de consumo, por meio
da venda de música por empresas de telefonias e videogames, constituindo uma importante
forma de reorganização do mercado (HERSCHMANN, 2011).
Tais transformações ampliaram os modos de escuta musical, através do
compartilhamento de músicas online nas plataformas Last.FM, You Tube, para citar alguns,
bem como por meio do consumo de música ao vivo, cada vez mais crescente em tempos de
Internet. Essa realidade está diretamente relacionada à necessidade de reestruturação do
grande negócio da música gravada, em razão da crescente desvalorização do disco.
Se é verdade que até bem pouco tempo os músicos conseguiam dois terços de sua
receita através da venda de fonogramas – o terço restante era obtido através de
shows e publicidade/merchandising –, é preciso ressaltar que atualmente esta
proporção se inverteu. Cientes deste fato, as gravadoras vêm buscando abocanhar
este mercado: passaram a adotar, como medida compensatória às suas perdas,
alterações dos contratos que impõem aos artistas, prevendo, entre outras coisas,
participação nas bilheterias (HERSCHMANN, 2011, p. 30, grifo do autor).
Isso justifica o aumento do número de festivais de música independente
produzidos no Brasil, iniciativa de coletivos, pequenas gravadoras e produtores que, na
maioria das vezes, reúnem artistas fora do grande mercado, contribuindo para a construção e
estabelecimento de um mercado segmentado. No entanto, vale lembrar que, embora tenha
deixado de ser hegemônico, o modelo tradicional de negócio da Indústria Fonográfica não
desapareceu. É o que Henry Jenkins (2009) definiu de “cultura da convergência”, em que há
uma coexistência de novas e velhas mídias, além de uma maior interação entre produtores e
consumidores. A convergência das mídias representa o fluxo de conteúdos em diversos
sistemas de mídia, a busca pela ampliação do mercado, a cooperação entre múltiplas
indústrias midiáticas e o comportamento migratório da audiência em busca das experiências
de entretenimento que desejam.
Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as
antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas
mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas. [...] Cada vez mais, líderes
da indústria midiática estão retornando à convergência como uma forma de
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encontrar sentido, num momento de confusas transformações (JENKINS, 2009,
p.33).
Segundo André Lemos (2009), o novo formato de consumo, produção e
circulação da informação é configurado por um sistema aberto de comunicação, em que o
consumidor também passa a assumir o papel de produtor de maneira colaborativa e
participativa. O autor chamou o novo formato comunicacional de pós-massivo, mídia que
funcionaria como verdadeiro canal de diálogo, no qual a conversação se daria na produção e
nas trocas informativas entre atores individuais ou coletivos.
É importante compreender que a nova paisagem comunicacional não aniquila o
poder e a força dos meios massivos, mas faz emergir outra esfera onde a emissão
não é controlada, onde a conexão planetária dá o tom a uma reconfiguração da
indústria cultural, das formas sociais e da produção e da circulação de informação.
[...] A nova esfera conversacional se caracteriza por instrumentos de comunicação
que desempenham funções pós-massivas (liberação do pólo da emissão, conexão
mundial, distribuição livre e produção de conteúdo sem ter que pedir concessão ao
Estado), de ordem mais comunicacional do que informacional (mais próxima do
“mundo da vida” do que do “sistema”), alicerçada na troca livre de informação, na
produção e distribuição de conteúdos diversos, instituindo uma conversação que,
mesmo sendo planetária, reforça dimensões locais. As tecnologias da comunicação e
interação digitais, e as redes que lhe dão vida e suporte, provocam e potencializam a
conversação e reconduzem a comunicação para uma dinâmica na qual indivíduos e
instituições podem agir de forma descentralizada, colaborativa e participativa
(LEMOS, 2009, p. 03).
Na mesma direção, Thiago Soares (2011) afirma que massivo e pós-massivo não
se encontram necessariamente em polos opostos dentro da indústria musical. O autor toma
como exemplo o videoclipe como produto que transita dinamicamente/livremente entre
ambos os processos.
Trata-se de um produto que não se furta a deslizar pelas instâncias massivas e pósmassivas. Desde que passou a habitar tanto as emissoras de televisão musical (MTV,
VH1 etc.) quanto as plataformas de compartilhamento de vídeos na internet (You
Tube, Yahoo! Vídeos, entre outras), os videoclipes tornaram-se objetos amorfos,
adaptáveis e moduláveis aos meios em que circulam, fonte interessante de
reconhecimento de como o massivo e o pós-massivo devem ser vistos não como
instâncias distintas e distantes, mas sim a partir de uma lógica de um mútuo
agendamento (SOARES, 2011, p. 65).
É diante desse cenário que os artistas da “Nova MPB” se valem das novas lógicas
de produção, circulação e consumo da música, observadas tanto nos meios virtuais quanto no
tecido urbano. Em outras palavras, a nova safra de artistas utiliza a Internet como importante
meio de divulgação e circulação de músicas, uma espécie de agendamento do consumo e da
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circulação em shows ao vivo, o que, em certa medida, também contribui para a venda de
discos físicos, ainda que em proporções menores se comparada à época de ouro do disco.
Quanto ao modelo de produção, os músicos da “Nova MPB” geralmente recorrem
a pequenas gravadoras e mesmo estúdios caseiros para produzir seus discos, utilizam a
Internet para fazer circular suas obras, circulam em festivais independentes e outros circuitos
alternativos de shows. É um momento histórico em que novos artistas se envolvem
profundamente com o processo de gravação, no sentido de lidar diretamente com o aparato
técnico para a elaboração do disco. Da mesma forma, muitas vezes se envolvem diretamente
com o processo de divulgação do disco, colocando-o para circular nas redes virtuais.
Tais mudanças proporcionaram o surgimento de novas tendências de um mercado
cada vez mais segmentado. O mercado massivo deixa de ser hegemônico, abrindo espaço para
o mercado de nicho local e global, contribuindo para o surgimento e fortalecimento de
públicos consumidores específicos. Por isso, a venda de produtos que não se encontram
disponíveis em lojas físicas tradicionais tem crescido vertiginosamente no mercado virtual,
por exemplo.
É o que Chris Anderson (2006) chamou de “mercado de Cauda Longa”. O termo
foi cunhado em virtude da cauda formada ao longo do gráfico que mostra a relação da
quantidade da venda de produtos populares e não-comerciais. Segundo o autor, a soma da
venda de produtos especializados, ou seja, de produtos menos populares têm se tornado um
negócio lucrativo para a indústria, visto que cada vez mais são formados novos públicos
consumidores. Dessa forma, conclui que “um número muitíssimo grande (os produtos que se
situam na Cauda Longa) multiplicado por um número relativamente pequeno (os volumes de
vendas de cada um) ainda é igual a um número grande.” (ANDERSON, 2006, p.23).
A música em si não caiu em desfavor – muito ao contrário. Nunca houve melhores
tempos para artistas e fãs. A Internet é que se tornou o veículo favorito para se
escutar música. O que caiu em desfavor foi o tradicional modelo de marketing de
vender e distribuir música. O sistema de produção e distribuição de músicas, que
atingiu proporções gigantescas, nas costas das máquinas de fabricar sucessos do
rádio e da televisão, gerou um modelo de negócios dependente de grandes hits de
platina – e hoje já não existe tanto arrasa-quarteirão. Estamos testemunhando o fim
de uma era (ANDERSON, 2006, p.34-35).
Analisando as novas tendências do mercado da música, a lógica funciona da
mesma maneira: se antes prevalecia a cultura dos hits, tocados massivamente nas rádios e
vendidos em grandes lojas físicas de varejo, hoje há uma grande cultura de nicho
caracterizada pela procura de conteúdos não-comerciais, que dificilmente são encontradas nos
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grandes meios de comunicação de massa, mas que podem ser facilmente acessados através
das vendas pela Internet.
Sem precisar pagar espaço de prateleira – e, no caso de serviços puramente digitais,
como a iTunes, nenhum custo de fabricação e quase nenhum custo de distribuição –
a venda de um produto de nicho é apenas mais uma venda, com margens iguais ou
melhores do que as dos hits. Pela primeira vez na história, os hits e os nichos estão
em igualdade de condições econômicas, ambos não passam de arquivos em bancos
de dados, ambos com iguais custos de carregamento e a mesma rentabilidade. De
repente, a popularidade não mais detém o monopólio da lucratividade
(ANDERSON, 2006, p.23).
Cada vez mais grupos de interesses são formados por afinidade e gostos em
comum do que por gostos padronizados pelos meios massivos de comunicação. No mundo da
música, pode-se tomar o caso das gravadoras independentes que atualmente abocanham juntas
importante fatia do mercado de discos. A busca por gêneros mais marginalizados pela grande
mídia tem crescido nesse mercado de nicho, a exemplo da procura pelo indie rock. Para se ter
uma ideia da importância do mercado especializado, as gravadoras indies representam juntas
28,4% do mercado de fonogramas, de acordo com a última pesquisa apontada pela
International Federation of the Phonographic Industry (IFPI)3, mais que a fatia de cada uma
das quatro grandes gravadoras multinacionais, a saber Universal, Sony BMG, EMI e Warner,
ocupando, respectivamente, 25,5%, 21,5%, 13,4% e 11,3% das vendas de discos no mercado.
O que se avalia dos dados apresentados é a confirmação de uma transição do
consumo de hits para consumo de nichos. Com as facilidades trazidas pelas novas
tecnologias, que permitiram a democratização dos meios de produção, as gravadoras
independentes pluralizaram as possibilidades de gêneros e subgêneros responsáveis pela
criação de muitos mercados de nicho, cuja soma ultrapassa o lucro de quaisquer das quatro
maiores gravadoras separadamente.
Anderson (2006) enumera as razões que levaram ao surgimento e fortalecimento
da cultura de nicho e que a posiciona como forte tendência para os próximos anos: a)
democratização das ferramentas de produção, b) redução de custos de consumo com a
democratização da distribuição e c) facilidade de acesso aos produtos (ligação entre oferta e
demanda). Com o advento do computador e de softwares de gravação, milhões de pessoas
puderam produzir álbuns em estúdios caseiros e distribuir sem custos na Internet. O acesso é
facilitado tanto pelas ferramentas de recomendações, como resenhas de clientes nos sites de
3
Disponível em http://www.ifpi.org/content/section_news/20050802.html. Acesso em 06/03/2012.
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vendas, blogs, além das possibilidades de busca de produtos no Google, que atua como
importante filtro de pesquisa diante das infinidades de discos produzidos atualmente.
Assim, o mercado especializado possibilitou o surgimento de diversos produtos de
nicho, que, por sua vez, atraíram diversos públicos consumidores que não se conformavam
com a padronização de gosto proposta pelas mídias e lojas físicas tradicionais. São milhões de
ouvintes que buscam diariamente na Internet por discos que dificilmente seriam acessados na
era de ouro da indústria do disco. Em outras palavras, observa-se hoje não só um surgimento
de uma nova cena de música brasileira representada pela “Nova MPB”, como também a
consolidação da produção artística plural de seus personagens, numa era em que obter o
reconhecimento da crítica e do público não implica, necessariamente, em vendas exorbitantes
de discos, mas em produção musical consistente, muitas vezes experimental e independente, a
ponto de terem seus talentos reconhecidos, inclusive, pela velha guarda da MPB. É o caso de
Caetano Veloso, que constantemente tem firmado parcerias com os jovens artistas, ou de
Chico Buarque, que não se esconde a admiração pelo rapper paulistano Criolo. Com isso, a
nova geração da música popular brasileira conquista seus espaços, colocando em xeque o
velho saudosismo descrente na atual produção musical brasileira contemporânea.
Considerações finais
A partir da análise da nova conformação da indústria da música, é possível
compreender as forças que atuam no mercado musical brasileiro hoje e afirmar que existe
uma linha tênue entre ser alternativo e ser mainstream, podendo um músico oscilar entre uma
esfera ou outra, uma vez que, com o surgimento das novas tecnologias digitais, essas
fronteiras se misturaram. No entanto, não se pretende aqui afirmar que a rede virtual é um
processo democrático absoluto. Da mesma forma que ela facilitou o processo de produção e
divulgação do trabalho de um músico, é também por causa dela que os ouvintes de hoje não
querem mais pagar para consumir disco. O que não significa, entretanto, que todos os músicos
da época de ouro das grandes gravadoras viviam as melhores condições da profissão. Vale
lembrar que muitos músicos ficavam à margem das companhias fonográficas se não se
submetessem às lógicas comerciais ditadas por elas.
Mais que isso, pretende-se destacar no presente trabalho que os personagens da
chamada “Nova MPB” fazem parte de uma geração que assimilou a linguagem da Internet,
dos movimentos urbanos, das lógicas de mercado e de formas não convencionais de
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expressão. Muitas vezes alheios às formas tradicionais de grande produção e nem sempre
incentivados pelo poder público, eles se organizaram em coletivos e em circuitos culturais
alternativos da cidade. Isso não quer dizer, no entanto, que a nova geração não dê conta de
uma produção musical de qualidade diante da ausência da força midiática que o modelo
hegemônico das grandes gravadoras exerce no mercado. Pelo contrário, os músicos da cena
contemporânea dão conta de uma produção musical consistente e ainda carregam a habilidade
de assimilar referências da tradicional MPB, somando-as a sonoridades contemporâneas sem
perder sua autonomia criativa.
O resultado é um novo cenário em que não é mais necessário ser um artista de
grandes vendagens para ter seu trabalho reconhecido pela crítica e ouvintes ou para que se
possa, ao menos, almejar sobreviver com a renda da própria produção musical, visto que
muitas vezes o caminho é árduo. Vale notar também que, diante da atual configuração do
bussiness da música, não se pode afirmar que os músicos são resumidos a empresários do
ramo, uma vez que, na concepção de um produto musical, está em jogo uma série de lógicas
comerciais e também processos criativos. Assim, ao assumir essas tensões como parte de seu
trabalho, músicos independentes da nova geração reconhecem a lógica do jogo do qual
participam e as estratégias e/ou necessidades para a sobrevivência nesse cenário.
Portanto, percebe-se que as práticas musicais contemporâneas estão diretamente
relacionadas às transformações culturais ocorridas no Brasil nos últimos anos. Da mesma
forma, como nunca visto antes, há certa conscientização da importância de aliar os aspectos
mercadológicos dos produtos culturais, sem esquecer de valorizar seu valor estético. Concluise ainda que, talvez pelo seu caráter de transição e incertezas quanto ao futuro da indústria do
disco, formas residuais de produção, circulação e consumo da música sobrevivem ao lado das
formas emergentes.
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value
of
popular
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FRÓES,
Rômulo.
Entrevista:
Rômulo
Fróes.
<http://screamyell.com.br/site/2011/08/01/entrevista-romulo-froes/>.
setembro de 2011.
11
Disponível
em
Acesso em 25 de
GOMES, Itania Maria Mota. Gênero televisivo como categoria cultural: um lugar no
centro do mapa das mediações de Jesús-Martín-Barbero. Porto Alegre: Revista Famecos.,
v. 18, nº 01, p. 111-130: janeiro/abril, 2011.
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