EDUCAÇÃO LITERÁRIA: O QUE PODE A LITERATURA ATRAVÉS DO CINEMA? SANDRA LUNA (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA). Resumo Na conjuntura de uma cultura midiática que estilhaça o tempo e multiplica interesses e entretenimentos, o campo da Literatura tem se tornado reduto de especialistas. Falta de incentivo à leitura, baixos padrões educacionais e econômicos, em uma sociedade que privilegia o consumo e não a cultura, tudo isso compromete o lugar de uma arte que, durante milênios, ocupou posição privilegiada na esfera educacional e cultural. Não se deve negligenciar, contudo, que esse isolamento tem, ainda, entre suas causas, o esquecimento a que foram relegadas as relações entre a Literatura e outros domínios – a ideologia da estética e o culto ao estruturalismo, durante décadas, fizeram o universo literário girar em torno de si mesmo. Se desistimos de perguntar “O que é Literatura?”, ainda parece viável indagar “Por que, ou para quê Literatura?” Entre uma resposta ingênua, que insista em ver nesta arte uma forma de conhecimento capaz de salvar o mundo, e um esquecimento alienado em relação aos vinte e cinco séculos nos quais a Literatura teve papel central na educação humana, talvez valha a pena apostar no aproveitamento da Literatura como discurso que confronta o mundo a partir de múltiplas perspectivas. Lugar privilegiado para o exercício da consciência crítica, a Literatura ainda parece ser poderoso instrumento para a construção do conhecimento humano sobre si mesmo e sobre o mundo. A presente comunicação apresenta um projeto de Educação Literária que se vale do cinema como portal de acesso à Literatura, abordando, além de aspectos estéticos e comunicacionais, reflexões sobre História, Filosofia, Sociologia, Ética, Política. Este projeto, agora em sua quarta edição, busca articular produção acadêmica de qualidade às necessidades da população estudantil de escolas públicas, promovendo a formação de mentalidades críticas, preparando sujeitos capazes de acionar mudanças e transformações necessárias à construção da sociedade de conhecimento com a qual sonhamos. Palavras-chave: Educação Literária, Literatura e Cinema, Mídia, educação e leitura. Impressiona a recorrente presença da Estética nas proposições que sobre a sociedade moderna têm formulado, nos últimos séculos, os mais ilustres representantes do pensamento ocidental. Desde Kant, a História da Filosofia expõe uma galeria de influentes pensadores que vislumbraram na experiência estética uma categoria do conhecimento que poderia ser acionada como lugar de resistência para diversos fins. Assim é que a arte e a literatura foram insistentemente recrutadas para tarefas desafiadoras, por exemplo, para combater os excessos do racionalismo, resgatar a moral, revigorar o universo das sensações e dos afetos, confrontar a opressão política, assim também para fundamentar análises e críticas das contradições que caracterizam a sociedade na complexa conjuntura do capitalismo tardio. Legitimando essa presença do que Terry Eagleton chamou de uma "ideologia da Estética" nas práticas discursivas daqueles que se devotaram aos nossos ideais de cultura, Hegel, Nietzsche, Schopenhauer, Marx, Freud, Heidegger, Sartre, Camus, Lucáks, Benjamin, Adorno, Raymond Williams, o próprio Terry Eagleton, dentre muitos outros, teceram, sob perspectivas várias, reflexões sobre esse domínio, concedendo à arte e à literatura lugares privilegiados em relação a outros fenômenos educacionais e culturais, segundo Eagleton, reação de resistência também a um insensível cientificismo que facilmente se converte em tecnicismo, alimentado pelos interesses do capital, pela industrialização e todas as suas implicações funestas - massificação, injustiça social, alienação política, sem esquecermos a fatídica indústria da guerra (1993: 7-15). Conclui-se, portanto, que, para muitas mentes efetivamente brilhantes, o domínio da Estética, por sua especificidade, pela irredutibilidade de seu discurso, por sua liberdade e autonomia, suas dimensões criativas, também por sua capacidade de formalização de idéias e sentidos, poderia ofertar alternativas para reencenarmos o primeiro e sempre repetido ato de resistência - divina ou humana, não importa - transformar caos em cosmos. Contudo, a luta pela afirmação da Estética e de suas potencialidades cedo se tornou uma via de mão dupla. A valorização excessiva do belo e da forma, assim como sua aproximação à moral, às boas maneiras, às noções de virtude e gosto acabaram por promover, no seio da nossa própria civilização, um generalizado e perverso processo de estetização: fato é que o século XX estetizou o corpo, o comportamento humano, a esfera das relações sociais, a política e até a vida - o que foi o Nazismo senão uma sinistra e abominável tentativa de estetização do humano? Ainda assim, mesmo que a Estética seja um espaço ambíguo e, por isso mesmo, perigoso, por depender da consciência da subjetividade, a valorização da experiência estética focaliza e nutre justamente aquilo que a ordem social hegemônica mais deseja dominar e aquilo mesmo que ela mais teme, aquilo mesmo que lhe pode oferecer resistência - o sujeito humano. Por isso é que a arte e a literatura persistem, na perspectiva dos teóricos e filósofos, como lugar por excelência para o exercício do pensamento crítico, universo inspirador de ações e formas de resistência, denúncia e combate aos vários males da nossa vida política e social. Indiferentes a todo esse legado teórico-filosófico e a esse papel central das artes como forma de compreensão e aferição do lugar do homem no mundo, caminham, muitas vezes, educadores e educandos. Para muitos educadores, a arte e a literatura, justamente por sua pertença ao universo estético, não assumem posição significativa perante as expectativas que o mundo contemporâneo impõe à formação dos alunos. As exigências de uma sociedade produtivista, utilitarista, recomendam muito comodamente uma definição simplificada e superficial da Estética como domínio das finalidades sem fim, afastando a arte e a literatura do rol dos saberes que facilmente se convertem em profissões rentáveis, justamente as que resultam em serviços e produtos. Não que se desconsidere o lugar da arte no pedestal da cultura, o problema é que esse pedestal da hoje pejorativamente chamada "alta cultura" parece elevado demais, inacessível e certamente desinteressante a um público-alvo pleno de necessidades muito imediatas e de interesses bem mais concretos do que aqueles que lhes poderia ofertar o campo dos saberes artísticos. Fato incontestável é que a literatura e outras formas de arte têm desempenhado papel cada vez mais tímido na formação escolar, ocupando cada vez menor espaço nos quadros curriculares. Para além do próprio alheamento dos educadores com relação ao papel formativo da arte e da literatura no processo educacional, não se pode negar que o atual avanço das tecnologias de informação e comunicação tem consubstanciado mudanças, cujas repercussões alteraram de maneira vertiginosa valores e procedimentos que, durante séculos, ofereciam-se como pilastras inamovíveis da vida social. Nos últimos anos, transformaram-se, sobremaneira, não apenas as práticas educacionais, mas os processos de captação e difusão de informações e conhecimento, o que acabou por afetar de forma impactante o comportamento social, as relações humanas, as atividades econômicas, administrativas e empresariais, as escolhas e decisões políticas, a saúde e até mesmo o ócio, o prazer, o lazer e o entretenimento. Em cada uma dessas esferas, as transformações apelam com urgência a redefinições de conceitos, sendo premente uma reflexão profunda por parte dos educadores no que diz respeito a esse processo de expansão universalizada da experiência e de revolução na produção de saberes e na transmissão do conhecimento em relação a seus reflexos na vida humana e social. Essa necessidade de refletir, agir e reagir com responsabilidade diante dos novos cenários desenhados pelas revoluções tecnológicas torna-se ainda mais urgente quando se considera que não temos sido capazes de "humanizar" essa radical revolução. O conhecimento, chave para a consciência e para a liberdade, ainda permanece sob o jugo de terceiros, ou nas mãos de uns poucos, sendo urgente a sua democratização de forma efetiva e responsável. Obviamente, a universidade não pode alhear-se a um processo transformacional de tamanha dimensão. Assumindo seu lugar enquanto foro privilegiado de debates, cabe à universidade atuar com urgência como observatório dessas mutações, repensando suas próprias estratégias de produção e disseminação do conhecimento em relação às demandas reais dessa sociedade em incessante fluxo transformacional, lutando para adequar seus instrumentos teóricos de forma a impedir que essa sociedade de informação seja simplesmente uma "aldeia global". Não se deve esquecer que nessa nova cultura midiática, na qual imperam a instantaneidade, a fragmentação, os flashes, o próprio tempo tornou-se uma categoria das mais problemáticas. Cada vez se torna mais difícil adequar a temporalidade da vida cotidiana às múltiplas alternativas que se oferecem para a realização de objetivos pessoais e profissionais. Não fosse o alheamento em relação às artes e à literatura, conseqüência de uma óbvia perda de espaço e importância na prática efetiva das ações curriculares, nessa era de extremos e contradições, quando a vida bem sucedida precisa ser planejada passo a passo a partir de uma cuidadosa engenharia temporal, parece claro que também o tempo para o encontro com os livros tenha se tornado insuficiente. Na contra-mão da fluidez e da agilidade que movem o universo informatizado, a Literatura acaba sendo atropelada, substituída por formas mais rápidas e mais facilitadas de conhecimento e entretenimento. Para além dessa temporalidade estilhaçada entre muitas opções, há ainda a falta de incentivo à leitura, motivada por padrões educacionais insatisfatórios e agravadas por fatores econômicos, em uma sociedade que privilegia o consumo e não a cultura. Tudo isso faz com que o campo das artes e da Literatura seja hoje reduto de especialistas, o que dificulta, senão inviabiliza, qualquer projeto que adote a experiência estética como mediadora nos processos de conscientização e luta político-social. A bem da verdade, o índice de leitura no Brasil é baixíssimo, quando comparado aos de países desenvolvidos. Pesquisas recentes indicavam que nossa média per capita anual de livros lidos estaria em torno de 1,8 enquanto na França, por exemplo, a média chega a atingir 7 livros por pessoa por ano. A nova edição da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, realizada pelo Ibope para o Instituto PróLivro, em 2008, aponta para índices mais otimistas entre os jovens em idade escolar, que acabam por influenciar positivamente esse índice nacional, mas a gravidade da situação persiste. Preocupa ainda a constatação acerca do irrelevante gasto médio das famílias brasileiras com livros, jornais ou revistas, extremamente baixo, se comparado ao gasto com outros produtos que poderiam ser considerados supérfluos. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, realizada em 2003, mostra que, na divisão dos gastos em praticamente todas as classes sociais, as despesas com esses artigos de leitura e instrução ficam bem atrás das despesas médias com cigarro, perfume, cabeleireiro e manicure. Obviamente, essa falta de interesse pela leitura tem causas diversas e apelam a ações políticas urgentes e eficazes. Um projeto acadêmico de Educação Literária, ao direcionar conhecimentos teóricos para o norteamento de práticas pedagógicas efetivas, produz um amplo espectro de fundamentos capazes de instigar reflexões, instruir debates e inspirar ações transformadoras acerca do papel da Literatura no amplo contexto das prerrogativas educacionais. Houve um tempo em que a Literatura ocupava posição central nos processos formativos e educacionais. Já os gregos, pelo menos durante cinco séculos, educavam seus filhos com a poesia homérica. Na Antigüidade Latina, a Literatura oferecia-se como fonte de onde jorravam exemplos e inspiração, sobretudo para o aprendizado da Retórica, uma das mais prestigiadas formas de saber e uma das mais celebradas artes legadas pelos latinos. A bem da verdade, até o século XVIII, não se concebia formas artísticas que não estivessem vinculadas ao preceito formulado por Horácio, segundo o qual, a arte teria um duplo objetivo: instruir e deleitar. Foi somente depois da categorização dos saberes esboçada por Kant que o domínio das artes passou a ser considerado como uma esfera autônoma de conhecimento humano. Alçada à categoria de fenômeno estético, a arte passou a ser enquadrada a partir de parâmetros que a desligaram de compromissos moralizantes, mas, mesmo assim, não se concebia uma formação humanista que não incluísse o conhecimento sobre o domínio artístico, aí concedido um lugar muito especial para a Literatura. Até então, acreditava-se, a Literatura teria papel preponderante na educação, sobretudo no que diz respeito à aquisição de valores, sociais, éticos e até mesmo morais. No dizer de Goethe, toda grande obra literária traz consigo ensinamentos morais, embora exigir isso ao poeta, como doutrina estabelecida a priori, significaria estragar seu ofício (cf. LUNA, 2008: pp. 233-243). Entre o final do século XIX e o início do século XX, a Literatura preencheu inúmeras funções: foi formadora de valores estéticos, políticos, sociais, sendo sempre ressaltada a sua capacidade de reler o mundo sob perspectivas críticas. O Nazismo, contudo, significou um terrível impasse em relação ao ideal formativo das artes no Ocidente: como continuar a crer que a Literatura e as Artes produziam uma influência positiva na formação humana quando grandes líderes nazistas eram também grandes conhecedores e admiradores das artes e das tradições literárias? Desde então, embora filósofos e pensadores tenham se dedicado com intensa devoção a ponderar sobre o papel das Artes e da Literatura como lugar de resistência, suas contribuições tendem a gravitar em torno de esferas teóricas e, mesmo dentre aqueles que assumem em suas proposições políticas um compromisso com a práxis, não são muitos os que se arriscam a formular bases objetivas para o aproveitamento direto das artes nos processos formativos educacionais. Nem mesmo os professores de Literatura têm concedido a esta questão a atenção que lhe é devida. Contudo, se hoje desistimos de perguntar com Sartre "O que é Literatura?", talvez ainda pareça viável indagar "Por que, ou para quê Literatura?". Esse parece ser um dos temas mais pertinentes e mais urgentes aos estudiosos da Teoria Literária. Entre uma resposta ingênua, que insista em ver na Literatura uma forma de conhecimento capaz de salvar o mundo, e um esquecimento alienado em relação aos vinte e cinco séculos nos quais a Literatura teve papel formativo central na educação humana, talvez valha a pena apostar, não em soluções apressadas ou definitivas, mas em experiências que tenham por base o aproveitamento da Literatura como forma de discurso que confronta o mundo a partir de múltiplas perspectivas. É justamente essa capacidade de representar múltiplas facetas da realidade que faz do discurso artístico e do discurso literário lugares privilegiados para o exercício da consciência crítica. Para além das dimensões estéticas do texto literário, a Literatura ainda parece ser poderoso instrumento para a construção do conhecimento humano sobre si mesmo e sobre o mundo. Mas como levar a Literatura para fora das portas da academia, quando já registramos as dificuldades de se dedicar aos livros o tempo que eles exigem? Como sugerir que o discurso literário é sedutor, sem obrigar os educandos a se debaterem com os textos? Como motivar a leitura das obras literárias ou como sugerir que elas podem ser digeridas sem dores? O cinema pareceu-nos, então, a melhor forma de tornar o universo literário acessível a um público distanciado das facilidades e das motivações que levariam os jovens a um contato mais efetivo com as Letras. Não se deve esquecer que, de maior importância nesse cenário contemporâneo, são as mudanças epistemológicas que caracterizam atualmente a cultura - estamos inevitavelmente passando de uma cultura verbal para uma cultura visual - cada vez mais conhecemos porque vemos, e não porque lemos (MIX, 2004:13-23). E a universidade ainda não criou formas efetivas de processamento dessa cultura visual. Neste sentido, a opção pelo cinema é estratégia didática e não se reduz ao estudo do universo fílmico, mas apela aos filmes como portal de entrada para o estudo do universo cultural mais geral, aí incluídas as obras literárias adaptadas para as telas, mas também os contextos históricos, as dimensões sociais, as implicações políticas, ideológicas e culturais que se internalizam nas próprias produções artísticas. Adotando-se as influentes reflexões de Raymond Williams sobre cultura, examinam-se nos filmes os processos através dos quais os discursos artísticos se precipitam enquanto forma para expressar matéria do seu próprio tempo. À luz das proposições de Antonio Cândido, observa-se como o externo se internaliza nas formas artísticas, adotando sempre perspectivas que integram dialeticamente forma e conteúdo, texto e contexto. Não trabalhamos, contudo, com a idéia ingênua de que o cinema possa ser considerado no Brasil como cultura de massa. Estatísticas revelam que apenas 14% da população brasileira vai ao cinema: 60% jamais assistiu a um filme em salas de exibição. A esse respeito, devemos considerar ainda como, atualmente, quase a totalidade dos cinemas no Brasil situam-se em shopping centers, muitos dos quais estrategicamente localizados em regiões inacessíveis aos sistemas públicos de transporte. Essas dificuldades de acesso parecem ainda menos importantes quando se considera o desconforto de freqüentar "templos de consumo" experimentado por aqueles que vivem fora dos padrões aquisitivos e longe dos padrões de comportamento das classes mais abastadas que usualmente ditam as regras nesse universo de compras e entretenimento onde se inserem os cinemas de hoje. É possível imaginar, portanto, os múltiplos e férteis caminhos que se abrem para a continuidade deste projeto, atualmente em sua quarta edição, já tendo sido premiado institucionalmente em 2007. A partir de exibições de filmes inspirados em textos e contextos literários, palestras e debates teoricamente informados sobre as dimensões estéticas e semióticas das obras permitem-nos apresentar a alunos da rede pública de ensino as linhas de força que engendram processos artísticos e comunicacionais, abrindo o leque das discussões para nelas incluir reflexões sobre as interrelações entre o domínio estético e outros campos do conhecimento, tais como a História, a Filosofia, a Sociologia, a Ética e a Política. Não se pode negar que, atualmente, as políticas, nem sempre esclarecidas ou bem fundamentadas de adequação de currículos, programas e metodologias de ensino a necessidades regionais e locais mais imediatas tem, não raramente, significado o alheamento ou mesmo o esquecimento de valores e referências canônicas tradicionais. Entendemos que nunca foi tão premente, sobretudo em nosso contexto, o investimento criativo na formação de mentalidades intelectuais, a preparação de sujeitos solidamente informados, munidos de informações que os permitam ser alçados a domínios mais elevados das discussões que instigam mudanças e transformações históricas e sociais. A sociedade de conhecimento com a qual sonhamos está longe de poder ser construída sem o conhecimento do passado, de nossas tradições cultas e de suas implicações para o tempo presente. O excluído dificilmente tornar-se-á um agente transformador, se não adquirir instrução capaz de colocá-lo no caminho da inclusão. Não por acaso, elegemos como público-alvo para o desenvolvimento deste projeto alunos da rede pública de ensino, considerando as suas carências, as suas limitações, mas, sobretudo, os seus sonhos e as suas potencialidades. Assim, sob a nossa Coordenação, uma equipe multidisciplinar composta por Doutorandos e Mestrandos matriculados no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB, participantes dos Grupos de Pesquisa por nós coordenados e trabalhando, sob nossa orientação, com pesquisas distintas sobre Literatura e Cinema, reúne-se regularmente com alunos bolsistas e eventuais colaboradores, oriundos não apenas do Curso de Graduação em Letras, mas também de Comunicação, Sociologia, Artes, etc. Assim é que são planejadas e executadas as atividades que alicerçam o projeto, cujo desenvolvimento metodológico parte de uma seleção de obras representativas da tradição literária que se quer apresentar. Esses textos, literários e fílmicos, previamente estudados pelos participantes da equipe, inspiram a detecção das linhas de força que dão suporte teórico e temático a cada uma das palestras e dos debates a serem realizados. As mostras dos filmes incluem não apenas obras ficcionais, mas também documentários, que contribuem para situar os alunos em relação a aspectos diversos implicados nas obras literárias. Assim, por exemplo, o legado literário dos gregos torna-se mais compreensível quando, em meio aos filmes de ficção baseados nas epopéias e nas tragédias gregas, infiltra-se um documentário sobre a própria civilização grega, tudo convergindo para melhor embasar as palestras e expandir as potencialidades dos debates que se seguem a cada exibição fílmica. Deve-se dizer ainda que esses debates, ainda que informais, têm formato de mesas-redondas, apresentadas e coordenadas pelos membros da equipe, que se revezam nessas funções, projetando, a partir de suas especialidades, idéias instigantes para despertar interesse e fomentar as discussões entre os jovens que compõem o público-alvo do projeto. A opção de selecionar dentre os membros da equipe um mediador responsável por cada sessão tem produzido efeitos bastante positivos, na medida em que esse facilitador apresenta um prólogo que contextualiza histórica e culturalmente a película a ser exibida, tecendo considerações breves sobre a mesma e a obra literária a qual esteja vinculada, facilitando, desta forma, a recepção do filme. Este padrão de organização das sessões tem sido mantido em todas as fases do projeto. Note-se que a preparação para os prólogos aos filmes, assim como os estudos que precedem os debates impulsionam eficazmente os próprios membros da equipe responsável pelo projeto no sentido de uma atualização e expansão ininterrupta dos seus conhecimentos sobre Literatura e outras disciplinas que lhes são relacionadas. Esse investimento na preparação dos prólogos e dos debates tem sido relatado por todos como um salto de qualidade em seus próprios processos formativos, como se pode ler nos relatórios que elaboram. Note-se, ainda, que exorientandos de pós-graduação, assim como ex-bolsistas, têm permanecido no projeto mesmo após a conclusão de suas pesquisas institucionais, o que nos tem permitido manter vínculos altamente produtivos com nossos alunos egressos. Relatórios parciais elaborados pela equipe registram as etapas diversas das atividades, focalizando desde aspectos teóricos considerados no planejamento das ações até detalhes sobre a execução prática dessas atividades. Ao fim de cada semestre acadêmico, um relatório geral apresenta um balanço das atividades, permitindo uma avaliação dos resultados e traduzindo em trabalhos para publicação os relatos da experiência. Deve-se ressaltar, a respeito do domínio plurilinguístico necessário ao estudo dos Clássicos da Literatura em suas línguas originais, que os membros da equipe são todos fluentes, leitores assíduos e estudiosos de pelo menos uma Língua Estrangeira, antiga ou moderna, o grupo como um todo estando apto a trabalhar com obras originalmente escritas em diversos idiomas (grego, latim, inglês, francês, espanhol), havendo, claro, especialistas na área de Literatura Brasileirax. As informações acima referidas deixam clara a preocupação da equipe em desenvolver um projeto multidisciplinar, informado e fundamentado teoricamente, articulado de forma a aproximar as esferas do ensino, da pesquisa e da extensão, cuidando ainda em recuperar os resultados dos exercícios práticos como objetos de reflexão teórica, promovendo a instauração de um ciclo que, em última instância, tenta vislumbrar saídas para embasar o próprio conceito de ensino de Literatura nos Cursos de Licenciatura. Afinal de contas, a célebre pergunta de Ítalo Calvino "Por que ler os Clássicos?" - ainda não foi satisfatoriamente respondida. No tocante à repercussão do projeto junto às escolas públicas, não há dúvidas de que a preparação de jovens para a vida profissional e comunitária inclui não apenas a incorporação de assuntos acadêmicos, mas também a aquisição de valores sociais, culturais e políticos, além de outros atributos que estimulem a formação do cidadão. Um projeto de Educação Literária com tal abrangência multidisciplinar, ao fazer escoar a produção de um conhecimento acadêmico de qualidade para impulsionar processos de desenvolvimento no âmbito educacional do ensino médio, mais que uma ação estritamente acadêmica, é uma evidência de estarmos tentando operar de forma competente e efetiva para transformar essa sociedade de informação em uma sociedade de conhecimento, por mais utópico que nos pareça esse desejo de transformação. Enfim, por seu caráter multidisciplinar, trans-histórico e transcultural, pelas articulações que promove entre níveis distintos de conhecimento acadêmico, por aproximar conhecimentos teóricos de finalidades práticas, por levar a universidade a atuar fora de portas, por trazer de volta à universidade dados concretos para inspirar novos debates teóricos, por tudo isso, o projeto que damos a público neste evento, além de desejável e exeqüível, define-se como importante mudança de atitude em relação ao ensino das Letras, atualizando seu papel enquanto instrumento nos processos de formação e transformação de mentalidades individuais. Entendemos que a universidade não pode renunciar à utopia, seu projeto para o futuro não pode ser outro senão aquele que prepara, sob bases distintas, uma sociedade melhor. REFERÊNCIAS: ANGENOT, Marc et al. Théorie littérarie, problèmes et perspectives. Paris: Puf, 1989. CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 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