Evolução das Políticas Públicas de Saúde Relativas à Aids e sua

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Evolução das Políticas Públicas de Saúde
Relativas à Aids e sua Influência na
Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
Aluna: Mariana Vieira Villarinho1
Orientador: João Rogério Sanson2
Tutora: Juliana Pereira3
Resumo
Abstract
Estudo histórico-descritivo, documental, com
objetivo de analisar a evolução das políticas
publicas de saúde relativas à aids no Brasil,
do período de 1981 a 2011, assim como sua
influência na assistência às pessoas com a
doença. Foram utilizadas fontes documentais
primárias, publicações do Ministério da Saúde
e, secundárias, a partir da base de dados: BIREME, Lilacs, Scielo, utilizando-se como Descritores: política de saúde, saúde pública, aids,
assistência à saúde. Da análise emergiram dois
temas: implementação e consolidação das Políticas de Saúde em resposta à aids, e Políticas
Públicas em aids e sua influência na assistência
das pessoas com a doença. Percebe-se que há
no Brasil esforços e incentivos garantidos em
lei para que, efetivamente, políticas públicas
em aids rompam barreiras de diversas ordens
e amplifiquem o escopo legal de modo a promover melhorias na assistência.
A historical-descriptive study, aimed at
analyzing the evolution of public health policies on AIDS in Brazil, during the period of
1981 to 2011 as well as its influence on people with the disease. The first milestone is
the year in which the first case of aids was
reported in the country and the final year
represents the age of this epidemic and the
year in which it turned 30. The information
obtained conjugated bibliographic and documentary research. Therefore, we used primary documentary sources such as publications
produced by the Ministry of Health, National
STD-aids Program, and DATASUS. Secondary sources from databases were searched,
which included BIREME Lilacs and SciELO’s
database, using as descriptors, terms in Health Sciences such as “health policy”, “public
health”, “aids”, and “health care”. From the
combination of these descriptors, 86 studies
were located, 23 of which were selected as
Palavras-chave: Política de Saúde. Saúde
support for discussion by this study.
Pública. Aids. Assistência à Saúde.
Key words: Health Policy. Public Health.
AIDS. Health Care.
1
Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC.
Discente do Curso de Especialização Gestão em Saúde Pública. E-mail: [email protected].
2
Doutor em Economia (PhD, 1979) pela Universidade Vanderbilt, EUA. E-mail:
[email protected].
3
Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela
Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected].
Evolução das Políticas Públicas de Saúde Relativas à Aids e sua Influência
na Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
1 Introdução
A epidemia da aids (de acordo com o Programa Nacional de DST/AIDS,
a palavra aids deve ser escrita em caixa baixa (letra minúscula) quando utilizada
em texto por se tratar de um substantivo comum, já dicionarizado no Brasil)
surgiu em uma época em que as autoridades sanitárias mundiais supunham
que as doenças infecciosas estavam controladas, a partir das tecnologias e pelo
saber médico moderno. No entanto, essa epidemia suscitou comportamentos e
respostas coletivas, nas quais estavam inseridas as estratégias políticas oficiais
em seus diversos contextos. No Brasil – como um problema de saúde que
evoluiu demonstrando as contradições sociais, econômicas e culturais – a aids
constituiu-se numa temática relevante na busca de respostas sobre como o
poder público brasileiro poderia organizar e estabelecer as políticas de saúde
pública para o controle da epidemia. (MARQUES, 2002; SOUZA et al., 2010)
Em virtude da urgência, as ações adotadas para responder à epidemia
foram pouco avaliadas, apesar da tradição brasileira, quanto à análise crítica
das políticas públicas em geral (FONSECA, 2005; ANDRADE, 2007). Assim, a
análise da elaboração das respostas políticas à aids no Brasil constituiu, como
ainda constitui, um importante espaço, abrangente e necessário de investigação.
A evolução das políticas públicas de saúde com relação à aids no país
caracterizou-se por fases distintas, considerando o desenvolvimento dos conhecimentos científicos com relação à doença, a participação dos segmentos
sociais e institucionais na formação das respostas à epidemia e as articulações
que permearam o espaço da organização dessas ações oficiais. (MARQUES,
2002)
Nesse contexto, muitos são os estudos que apontam diferentes momentos
na história da aids no Brasil, os quais cruzaram-se de inúmeras formas com
a história mais ampla da vida política do país. A primeira fase data do início
da década de 1980, quando surgiram os primeiros casos de aids no país, e
caracterizou-se pela omissão das autoridades governamentais, em especial
no plano federal, junto com uma onda de medo, estigma e discriminação. Na
falta, porém, de liderança nacional, as respostas à epidemia tenderam a surgir
de baixo, das comunidades afetadas e de setores progressistas, chegando até
à formação das primeiras organizações não governamentais. (PARKER, 1997;
MARQUES, 2002)
Com o surgimento de uma resposta no patamar federal, iniciada pela
pressão de um número crescente de programas estaduais e municipais de
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aids, a segunda fase de resposta política à epidemia no Brasil estendeu-se de
1986 até o início de 1990, quando a liderança do Programa Nacional de DST/
AIDS (PN-DST/AIDS) mudou pela primeira vez os seus dirigentes, seguindo
as mudanças políticas do país. Ademais, é preciso enfatizar que a abordagem
burocrática vigente não agradava as organizações não governamentais, que
almejavam resposta mais rápida e agressiva. (PARKER, 1997; MARQUES, 2002)
Ainda com relação à evolução das políticas públicas em resposta à
epidemia da aids, destaca-se a terceira fase, a qual corresponde ao período
de 1990 a 1992, marcada por uma completa falta do diálogo entre a sociedade civil e o governo federal, situação esta que tornou ainda mais clara a
dificuldade de sustentar uma resposta em longo prazo à epidemia (PARKER,
1997). E a quarta fase, de 1993 até o presente momento, período que se caracteriza pela reorganização do PN-DST/AIDS no Ministério da Saúde e pela
efetivação da política de controle da epidemia, decorrente dos empréstimos
do Banco Mundial ao governo brasileiro. Os acordos internacionais até então
firmados com o Banco Mundial, a partir de 1993, passaram a ser os grandes
mantenedores de ações programáticas, dentre as quais, destaca-se aquelas
referentes aos Programas Assistenciais às pessoas com HIV/AIDS (MARQUES,
2002). No que se refere à assistência às pessoas com HIV/AIDS, no Brasil, ao
longo das últimas décadas da epidemia, o conjunto de intervenções voltadas
à qualidade da assistência esteve sempre no escopo das políticas públicas de
saúde (FONSECA, 2005). E a elaboração dessas políticas voltadas ao HIV/
AIDS culminou na consolidação de diversas leis, programas e coordenações
de saúde, assim como tiveram um preponderante papel na organização dos
Serviços de Assistência Especializada às pessoas com a doença. (MELCHIOR
et al., 2006)
Diante do exposto, e com o intuito de contribuir com o conhecimento da
comunidade científica e de fomentar o debate em torno das políticas públicas
de saúde e de sua influência na atenção à saúde das pessoas com HIV/AIDS, o
presente estudo tem como objetivo: analisar, a partir da produção científica, a
evolução das políticas públicas de saúde relativas à aids no Brasil, do período
de 1981 a 2011, assim como refletir sobre a influência dessas políticas sobre
as pessoas com a doença.
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2 Metodologia
Trata-se de um estudo histórico-descritivo, documental, acerca da evolução das políticas públicas de saúde relativas à aids no Brasil, do período de
1981 a 2011, sendo o marco inicial o ano em que o primeiro caso de aids foi
registrado no país e, o marco final, o ano em que essa epidemia completou 30
anos. Segundo Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), as fontes documentais
são importantes para construir a história, uma vez que possibilitam realizar a
análise dos dados e permitem confirmar e/ou rejeitar hipóteses, de modo a
garantir a objetividade e a intersubjetividade da pesquisa.
Assim, a busca pelas fontes de dados ocorreu no site do Ministério da
Saúde (MS), além de documentos, cartilhas, protocolos e materiais produzidos
por tal instituição referente ao tema. Para tanto, foram utilizadas fontes documentais primárias, as quais tratavam da epidemiologia da aids, no período
estudado, especialmente os Boletins Epidemiológicos do MS; o site DATASUS
(Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – SUS); e demais
publicações produzidas pelo MS e PN-DST/AIDS (BRASIL, 2009a; 2011;
DATASUS, 2010). E fontes secundárias, caracterizadas por livros, teses, dissertações e artigos produzidos que versavam sobre a temática, nas bases de
dados on-line: BIREME, Lilacs e Scielo, disponibilizados no primeiro semestre
de 2012. Os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) pesquisados foram:
política de saúde, saúde pública, aids, assistência à saúde. A partir da combinação desses descritores foram localizados 86 estudos, sendo selecionados
23 deles como apoio para discussão neste estudo.
Quanto à análise dos dados coletados, desenvolveu-se a técnica de análise
documental, considerada uma forma de representar a informação que consta
nos documentos (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Obtendo-se, ao
final da análise dos dados, dois importantes temas: o primeiro, denominado
“Implementação e consolidação das Políticas Públicas de Saúde em
resposta à epidemia da aids”, a qual apresenta uma breve descrição do
perfil epidemiológico da aids, quanto à incidência, à mortalidade, às categorias
de transmissão, assim como contextualiza a evolução das Políticas Públicas de
Saúde em resposta à epidemia no Brasil. E o segundo tema, intitulado “Políticas Públicas de Saúde em aids e sua influência relativa à assistência
às pessoas com a doença”, a qual aborda o modo como as autoridades
governamentais e os órgão públicos, a partir das políticas públicas de saúde
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acerca da aids, desenvolveram respostas às demandas assistenciais, voltadas
sobretudo à prevenção, ao tratamento e ao controle da doença.
Ressalta-se ainda que o presente estudo não precisou ser submetido
a um Comitê de Ética em Pesquisa por ser uma pesquisa documental e ter
utilizado apenas fontes de domínio público para sua concretização, todavia,
os cuidados éticos na busca, na análise e na discussão dos resultados foram
rigorosamente contemplados.
3 Análise e Resultados
3.1 Implementação e Consolidação das Políticas Públicas de
Saúde em Resposta à Epidemia de Aids
Primeiramente, cabe contextualizar que o surgimento da aids no Brasil
acontece quase que simultaneamente ao cenário internacional, e sua gravidade
já conhecida sinalizava o surgimento de um problema de saúde pública. O
primeiro caso de aids no país foi identificado oficialmente em 1982, no Estado
de São Paulo, no Hospital Emílio Ribas, no entanto, o seu marco inicial foi
reconhecido como o ano de 1981, pela ocorrência de um caso de aids, neste
ano. No ano de 1983, o Estado do Rio de Janeiro apresentou o segundo caso
e em 1985 foi identificado o primeiro caso por transmissão vertical, entre
mãe-filho e em 1988 foi diagnosticado o primeiro caso entre a população
indígena. (PARKER, 2002)
Segundo dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2011), estima-se que 630 mil pessoas estejam infectadas com o HIV
no Brasil, sendo que destas, há um total de 608.230 casos de aids notificados,
no período de 1980 a junho de 2011. Destes, 397.662 (65,4%) casos foram
registrados no sexo masculino e 210.538 (34,6%) entre o sexo feminino.
Apesar de os casos de aids entre os homens superarem os de mulheres, a diferença está cada vez menor. Atualmente, o Ministério da Saúde fala de uma
feminização da epidemia no país. É perceptível, a partir dos dados publicados
pelos boletins epidemiológicos de DST/AIDS que a diferança do número de
infectados entre os sexos vem diminuindo ao longo dos anos. Em 1985, a
proporção era de 26 homens para 1 mulher, e em 2010 a razão foi de 1,7
homens para cada mulher. Com relação à faixa etária, a idade entre 30 e 49
anos é a mais atingida, em ambos os sexos. (BRASIL, 2011)
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Durante todo o percurso da epidemia da aids no país, algumas regiões
têm recebido destaque, tanto pelo número de casos da infecção, quanto por
suas características epidemiológicas. Nesse contexto, a região Sul destaca-se
ao apresentar a segunda maior taxa de incidência, com 28,8/100.000 habitantes, em detrimento a incidência de aids no país, que em 2010 foi de 17,9
casos para 100.000 habitantes. (BRASIL, 2011)
No que se refere à categoria de exposição da aids no sexo masculino,
uma pesquisa do Ministério da Saúde revela que na primeira década da epidemia, de 1980 a 1997, 17,1% dos casos de aids foram em homossexuais, 9,7%
em bissexuais, 11,9% em heterossexual e de 45,5% em Usuários de Drogas
Injetáveis (UDI). Ao longo dos anos, os dados epidemiológicos confirmam a
mudança do perfil da infecção pelo HIV, no entanto, que no ano de 2011, a
categoria de exposição entre homens foi distribuída em heterossexual 26,7%;
seguida de homossexual 36,9%; bissexual 11,4% e UDI 5,5%. Observa-se
uma estabilização na subcategoria bissexual, uma redução significativa do
número de casos de aids por uso de drogas injetáveis, e uma tendência de
crescimento proporcional dos casos de aids por transmissão heterossexual. Já
entre as mulheres, a categoria de exposição, no ano de 2011, foi de 81,1%
em heterossexual; seguida 3,8% em UDI. (BRASIL, 2011)
Desde a notificação dos primeiros casos no país, a rápida disseminação
do HIV, na primeira década da epidemia, foi bastante evidente. E é desse
modo, à medida que surgiam novos casos, que as primeiras iniciativas de
respostas à aids foram sendo elaboradas, a partir da mobilização social e dos
governos estaduais, pressionando progressivamente um posicionamento do
governo federal. (MARQUES, 2002; GALVÃO, 2000)
Nesse contexto, o estado de São Paulo como pioneiro em casos da
doença, tornou-se palco das primeiras mobilizações de grupos sociais, bem
como das primeiras iniciativas e articulações oficiais em relação à aids. Tão
logo, em 1985 foi fundada a primeira Organização Não Governamental (ONG)
com atividade em HIV/AIDS no país – Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS
(GAPA) e posteriormente em dez estados, criaram-se os Programas Estaduais
de DST/AIDS (CASTRO-SILVA; HEWITT; CAVICHIOLI, 2007). O Ministério
da Saúde passou a veicular várias formas de prevenção da doença, a partir
do uso de preservativos; seringas, agulhas e outros instrumentos esterilizados e
individuais; controle da qualidade do sangue e hemoderivados; e, finalmente,
campanhas de caráter educativo para a comunidade.
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Ainda no âmbito das políticas públicas na luta e no controle à epidemia
da aids, o Ministério da Saúde criou, em 1986, o PN-DST/AIDS, que em 2003
foi considerado referência mundial por diversas agências internacionais. O
sucesso de tal programa, deu-se não só pela oferta universal e gratuita dos
medicamentos antirretrovirais (ARV), mas também por ser um programa
interministerial em diálogo permanente com os movimentos sociais e com a
comunidade científica (CHEQUER, 2005; SOUZA et al., 2010). Nesse mesmo
ano, a aids passou a ser incluída na relação de doenças de notificação compulsória do país, mediante Portaria n. 1.100, de 24 de maio de 1986. Começou
também a estruturar-se um movimento de luta contra a aids em nível federal,
a partir da criação da Coordenação Nacional de DST/AIDS (CN-DST/AIDS),
porém somente em 1987 que essa coordenadoria foi efetivamente instalada
e posta em prática. Embora os preceitos do PN-DST/AIDS defendessem a
saúde como um direito do cidadão e responsabilidade do estado, assim como
a universalização do atendimento através de ações desenvolvidas nas três
esferas governamentais, infelizmente tal programa foi assumindo uma posição centralizadora, distanciando-se tanto dos programas estaduais, como da
sociedade civil organizada. (MARQUES, 2002; TEMPORÃO, 2008)
A implementação das políticas públicas de saúde voltadas à epidemia
da aids, no Brasil, aconteceu em paralelo aos fatos políticos importantes no
país, como o ano de 1988, a aprovação da nova Constituição Federal e especificamente no campo da saúde, a realização da VI Conferência Nacional
de Saúde (1986) e a aprovação dos SUS, em 1988. Nessa época, o sistema
de saúde brasileiro começou a distribuir medicamentos específicos para as
doenças oportunistas e a zidovudina, mais conhecidas como AZT. Esse inibidor
da transcriptase reversa (ITR) abriu perspectivas terapêuticas no sentido de
ampliar o tempo de sobrevivência do paciente soropositivo (GRANGEIRO
et al., 2006; GALVÃO, 2000). Em 1988, a Organização Mundial da Saúde
instituiu o dia primeiro de dezembro como dia internacional na luta contra
a aids, sendo parte de uma estratégia de mobilização, conscientização e
prevenção em escala global. Essa data também passou a ser observada no
Brasil, criando-se uma oportunidade em que são divulgadas informações
sobre a aids e são realizadas campanhas de cunho educativo. (CHEQUER,
2005; MARQUES, 2002)
Como se pode observar, várias foram as políticas de saúde em aids
estruturadas na década de 1980, decorrente ao surgimento da doença. Nesse
contexto, não há como deixar de mencionar o período histórico vivenciado no
Brasil, pois com o fim da ditadura militar, um novo cenário político nacional se
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na Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
apresentou, a partir das eleições presidenciais e da entrada de novos dirigentes
políticos, sinalizando uma mudança significativa nas políticas de saúde e um
retrocesso importante nas ações já estabelecidas em resposta à epidemia da
aids, uma vez que desarticulou as ações já iniciadas pelo Programa Nacional
e desintegrou significativamente a relação entre governo federal, estados,
organizações não governamentais e demais instituições envolvidas, além de
promover campanhas de caráter moralista, que alimentava ainda mais o estigma e o preconceito ao indivíduo portador da doença. (MARQUES, 2002;
GALVÃO, 2000; CARVALHO; PAES, 2011)
A crise política que sucedeu essa fase deu lugar a uma nova mudança
dos dirigentes dos Programas de Saúde, e, no caso da aids, uma reformulação
de estratégias que se traduziu em uma nova etapa, que vem evoluindo até os
dias atuais. A nova direção do PN-DST/AIDS foi recuperando progressivamente o relacionamento entre todas as esferas do governo e sociedade civil,
formulando acordos e convênios internacionais que passaram a subsidiar
ações de assistência e prevenção. (MARQUES, 2002)
A década de 1990 então, mais especificamente o ano de 1993, passou
a ser marcada por negociações, convênios entre o governo brasileiro com o
Banco Mundial para o primeiro acordo de empréstimo, denominado “Projeto
AIDS I” que entrou em vigor em 1994 com vigência até 1998 e priorizava a
implantação e a estruturação de serviços assistenciais. Após a implementação
do “Projeto AIDS I”, o governo brasileiro negociou e aprovou, junto ao Banco
Mundial, o “Projeto AIDS II”, cuja vigência foi de 1998 a 2003 e tinha como
objetivos reduzir a incidência de casos de HIV e DST, assim como expandir e
melhorar a qualidade do diagnóstico, do tratamento e da assistência às pessoas
com DST/HIV/AIDS. (BARBOZA, 2006)
A partir das avaliações de desempenho dos acordos de empréstimo no
AIDS I e II, as equipes do Banco Mundial e da CN-DST/AIDS firmaram novo
convênio, denominado “Projeto AIDS III”, no qual o período de execução
foi de 2003 a 2006. Esse projeto tinha como objetivos o aprimoramento dos
processos de gestão nas três esferas de governo e na sociedade civil organizada; o desenvolvimento tecnológico e científico, qualificando a resposta
brasileira à epidemia, especialmente no controle das DST; a ampliação do
acesso ao diagnóstico precoce do HIV e a melhoria da qualidade da atenção
às DST/AIDS oferecida pelo Sistema Único de Saúde no país. (BARBOZA,
2006; BANCO MUNDIAL, 2002)
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No Projeto AIDS III foi recomendado que o país investisse recursos próprios na descentralização do financiamento das ações programáticas para os
estados e os municípios, utilizando os mecanismos legais existentes no SUS.
Nessa modalidade um conjunto de municípios deveria receber recursos para
o desenvolvimento de ações de prevenção e controle ao HIV/AIDS e outras
DST, a partir de critérios epidemiológicos, capacidade instalada e capacidade
gestora das Secretarias de Saúde. (BARBOZA, 2006)
Ainda em relação aos projetos AIDS, os conveniados eram denominados
“executores das ações” e elaboravam Planos Operativos Anuais (POA), cujas
diretrizes estavam articuladas aos objetivos do projeto aprovado conjuntamente pelo Ministério da Saúde e pela equipe do Banco Mundial. O POA foi
regulamentado pela Portaria n. 347, de 25 de março de 1993, mantendo-se
em vigor do início do convênio com o Banco Mundial até o ano de 2001,
sendo que a partir de 2002 foram instituídos o Plano de Ações e Metas (PAM).
(BRASIL, 2000)
O PAM, de acordo com a Portaria n. 2.313, de 2002, se constituiu em
um instrumento de planejamento, monitoramento e avaliação das ações a
ser implementado pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde selecionadas para receberem recursos do incentivo (BRASIL, 2000). Essse plano foi
considerado um instrumento de integração das diretrizes nacionais e regionais
no combate à epidemia de aids, de modo que o PN-DST/AIDS alcançasse
respostas positivas e coerentes com as características da epidemia das diferentes
regiões do país. Esse plano apresenta-se em quatro tópicos que se iniciam pela
caracterização da unidade territorial, diagnóstico epidemiológico e das ações
em DST/HIV/AIDS, avaliação da capacidade institucional/gerencial e elaboração do plano de ações e metas para o período de um ano. (BRASIL, 2000)
Tal política pública de incentivo visa à implementação de políticas na
área de HIV/DST/AIDS, apresentando como principais diretrizes: a melhoria
da qualidade dos serviços públicos oferecidos às pessoas com HIV/AIDS e
outras DST; a redução da transmissão vertical do HIV e da sífilis; o aumento
da cobertura do diagnóstico e do tratamento das DST; o aumento da cobertura
do diagnóstico da infecção pelo HIV; a redução do estigma e da discriminação;
a melhoria da gestão e a sustentabilidade das ações; o aumento da cobertura
das ações de prevenção para populações vulneráveis e população em geral e
a promoção do controle social. (FONSECA, 2005)
Várias foram as políticas públicas em aids no Brasil que tiveram importantes financiamentos do Banco Mundial, apesar dos pontos de divergência
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na Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
entre a política nacional e a ideologia de custo-efetividade do Banco, que
defendeu a expansão de intervenções preventivas em detrimento de serviços
clínicos de alta complexidade e de estratégias assistenciais mais dispendiosas,
como a distribuição gratuita de antirretrovirais. (COUTO, 2009; SOUTO, 2003)
Considerando a pressão política promovida pela sociedade civil que,
respaldada nos princípios de universalidade e de integralidade do SUS, requeria o acesso universal ao tratamento da aids, o Brasil já em 1992 passou
a fornecer gratuitamente o AZT e os medicamentos utilizados na quimioprofilaxia a pacientes cadastrados em serviços de referência. Foram incorporados
também, a partir de 1995, a didanosina (ddI) e a zalcitabina (ddC). (HALLAL
et al., 2010)
Em 1996, o Brasil adotou a Lei n. 9.313, de 13 de novembro de 1996,
a qual dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos para todas as
pessoas acometidas pelo HIV/AIDS, mesmo contra recomendações e advertências do Banco Mundial (BRASIL, 1996). Tal proposta terapêutica denominada de “High Active Antiretroviral Therapy” (HAART) veio proporcionar
grande aumento na sobrevida aos pacientes soropositivos. A disponibilidade
dessa terapia antirretroviral de alta potência, gratuita para todas as pessoas
soropositivas, causou impacto notável na realidade da epidemia no Brasil,
com redução da morbimortalidade, diminuição das internações hospitalares
e progressiva mudança na maneira da sociedade e dos profissionais da saúde
frente às pessoas com HIV/AIDS. (GEOCZE et al., 2010; GRANGEIRO et al.,
2006).
Em 2005, o Ministério da Saúde devido à falta de acordo com laboratórios fabricantes decorrente do alto custo do medicamento adotou
o licenciamento compulsório de um dos antirretrovirais de segunda linha,
efetuando desta forma a quebra de patentes. Tal medida tornou-se necessária
para garantir a sustentabilidade do programa de combate a epidemia da aids,
permitindo assim que muitos pacientes soropositivos fossem beneficiados
por essa política. (GRANGEIRO et al., 2006)
Nessa perspectiva ressalta-se a importância de se reconhecer os empréstimos concedidos pelo Banco Mundial ao Brasil, já que eles são essenciais
para a promoção das políticas públicas nacionais voltadas à epidemia da aids.
Pois, tais investimentos permitiram a estruturação de uma rede assistencial em
diversas regiões do país, destacando os Serviços Ambulatoriais Especializados
(SAE), Hospitais-Dia (HD), Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA),
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os serviços de Assistência Domiciliar Terapêutica (ADT), além dos hospitais
convencionais. (BRASIL, 2000)
3.2 Políticas Públicas de Saúde relativas à AIDS e sua Influência na Assistência às Pessoas com a Doença
As políticas públicas de saúde até então vigentes no Brasil, em relação à
epidemia da aids, têm como foco prestar assistência de qualidade às pessoas
que convivem com a doença. Nessa perspectiva foram elaboradas portarias
ministeriais, dentre elas a Portaria n. 291, de 17 de junho de 1992, que incluiu
a assistência à aids em nível hospitalar, ao Sistema de Procedimentos de Alta
Complexidade (SIPAC). Concomitante ao prosseguimento dessa primeira
iniciativa, seguiu-se o processo de credenciamento de hospitais convencionais
para internação dos pacientes com aids. (BRASIL, 1992)
O crescente aumento de casos notificados gerou na época uma grande demanda para internação dos pacientes com a doença. Tão logo, fez-se
necessário a presença de ações que compreendiam desde o credenciamento
de hospitais para o desenvolvimento de Programa de Alternativas Assistenciais e a definição de condutas terapêuticas, de políticas de medicamentos,
assim como a capacitação de profissionais no manuseio clínico dos pacientes.
(BRASIL, 2000)
Dando prosseguimento às adequações para as regulamentações da
assistência prestada em nível hospitalar ao paciente com HIV/AIDS, foram
estabelecidos critérios mínimos de infraestrutura e da equipe multidisciplinar
para o credenciamento desses serviços. Nesse contexto, pode-se observar na
regulamentação dos hospitais a mudança de paradigma da aids como doença
potencialmente letal para uma enfermidade prolongada, o que já demonstrava
os reflexos da terapia antirretroviral instituída no ano de 1996 (BRASIL, 2008a).
Até o ano de 1998, já existiam 338 hospitais convencionais credenciados no
Brasil, sendo que, atualmente, são 382 os hospitais. (BRASIL, 2009b)
No que diz respeito à rede ambulatorial de assistência às pessoas com
HIV/AIDS, houve um crescimento progressivo em resposta à demanda assistencial crescente. Dessa forma, o Ministério da Saúde instituiu os projetos de
Serviço de Assistência Especializada (SAE), o Hospital-Dia (HD) e a Assistência
Domiciliar Terapêutica (ADT). A implantação da ADT ficou sob responsabilidade
do PN-DST/AIDS, enquanto a implantação do SAE e do HD foi delegada às
Coordenações Estaduais e/ou Municipais. (MELCHIOR et al., 2006)
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Evolução das Políticas Públicas de Saúde Relativas à Aids e sua Influência
na Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
No que se refere aos SAEs, a partir dos anos 90, com a interiorização da epidemia, o número de Serviços de Atendimento
Especializado, no SUS, cresceu de forma significativa, passando
de 33 serviços em 1996 para 540 em 2011. No final de 2007, esse
número era de 636, e, atualmente, com a Portaria 2.313/2002,
a qual dispõe sobre o repasse de recursos no sistema “fundo
a fundo”, para que estados e municípios desenvolvam ações
voltadas ao enfrentamento da epidemia, o Brasil alcança um
total de 737 serviços implantados, em todas as regiões do país.
(BRASIL, 2010a, p. 14)
Esse repasse foi baseado em estudos, que a partir do perfil epidemiológico, capacidade de gestão e/ou localização estratégica de referência definiram
quais os municípios e estados da federação poderiam ser contemplados.
O SAEs estão situados em policlínicas municipais ou estaduais, hospitais de referência, unidade básica de saúde, clínicas de DST, ambulatórios
especializados em DST/AIDS e outros. E algumas das principais atividades
realizadas por esses serviços são: cuidados de enfermagem; orientação e
apoio psicológico; atendimentos em infectologia, ginecológico, pediátrico e
odontológico; controle e distribuição de antirretrovirais; orientações farmacêuticas; realização de exames para monitoramento; distribuição de insumos de
prevenção; atividades educativas para adesão ao tratamento e para prevenção
e controle das DST e aids. (BRASIL, 2009b)
Outra modalidade de assistência às pessoas com HIV/AIDS diz respeito aos serviços de Hospital-Dia (HD), iniciados no Brasil em decorrência
das políticas públicas em aids, no final da década de 1980. A implantação
desse serviço, no contexto do Programa de Alternativas Assistenciais, deu-se
em resposta à crescente demanda de assistência e à limitada resolutividade
da rede pública hospitalar. Diante dessa realidade, o Ministério da Saúde,
através da Portarias Ministeriais de n. 93, de 31 de maio de 1994 e de n.
130 de 3 de setembro de 1994, legitimou essa modalidade de atendimento,
atribuindo pagamento diferenciado e estabelecendo parâmetros de estrutura
física, resolutividade diagnóstica e capacidade operacional dos Serviços. A
dinâmica para a implantação de HD foi a mesma do processo adotado para
implantação do SAE, e pelas mesmas dificuldades em relação ao processo
de expansão e qualificação desses Serviços, a CN-DST/AIDS centralizou no
início de 1997 o repasse de recursos para implantação de HD. Hoje, estão
cadastradas 79 unidades de HD no país. (BRASIL, 2010a)
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Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 6
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Ainda sobre as estruturas de assistência às pessoas com HIV/AIDS, um
outro serviço foi a Assistência Domiciliar Terapêutica como modalidade de
assistência inovadora na época, considerando o contexto assistencial da aids
e o cenário da saúde pública no país. Esse serviço, além da visita domiciliar,
constituía-se em referência para o encaminhamento de internações de longa
duração, compreendendo desde cuidados curativos a paliativos. No ano de
1996 foram habilitados os primeiros serviços e, atualmente, encontram-se
cadastrados 54 unidades de ADT no Brasil. (BRASIL, 2010a)
Outra modalidade de serviço que se situa tanto na assistência quanto
na prevenção são os Centros de Testagem e Aconselhamento, que têm como
objetivo promover a identificação precoce do paciente soropositivo para o
imediato encaminhamento à rede de assistência, além da atuação em ações
de prevenção (VERMELHO; BARBOSA, 2004). No Brasil, os exames sorológicos para detecção de anticorpos do HIV foram disponibilizados para uso
de rotina nos bancos de sangue, a partir de 1987, sendo recomendados em
algumas situações: “[...] na triagem de sangue para transfusões; na triagem
de doadores de órgãos e/ou sêmem; para confirmar o diagnóstico, diante das
diferentes manifestações clínicas da aids, assim como para determinar a prevalência de infecção pelo HIV na população” (BRASIL, 1999, p. 7). Visando
absorver a demanda dos testes oferecidos pelos bancos de sangue, foram
criados inicialmente os Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COAS), os
quais passaram a disponibilizar exames de HIV de forma gratuita, confidencial
e anônima, tendo também como finalidade a educação e o aconselhamento
daqueles que estivessem sob maior risco de infecção. (DOMINGUES, 2004)
O primeiro Centro de Orientação e Apoio Sorológico (COAS) do país foi
criado em 1988, no Rio Grande do Sul, seguido do município de São Paulo
em 1989. O objetivo era interromper a cadeia de transmissão da doença,
mediante a realização do diagnóstico precoce das pessoas infectadas e de
seus parceiros, promovendo a oferta do aconselhamento de uso de preservativos e oferecendo informações apropriadas em relação à epidemia, além
do encaminhamento de pessoas com HIV/AIDS aos serviços de referência.
(BRASIL, 2008b)
Depois de dez anos da criação do primeiro COAS, ele passa a ser denominado de Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), e os recursos para a
implantação de novos CTAs foram descentralizados para estados e municípios,
que tiveram que se responsabilizar pela elaboração dos novos projetos e pela
formação dos gerentes e profissionais dos serviços. (BRASIL, 2008b)
Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 6
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Evolução das Políticas Públicas de Saúde Relativas à Aids e sua Influência
na Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
De acordo com as diretrizes traçadas pela CN-DST/AIDS, os serviços
oferecidos pelos CTAs devem seguir os princípios de acessibilidade e gratuidade, estando situados em lugares de fácil acesso para a população em geral
e, principalmente, para os segmentos populacionais mais vulneráveis. Tais
serviços são baseados no anonimato flexível, e os resultados devem estar disponíveis em tempo hábil, a fim de garantir o encaminhamento dos pacientes
soropositivos aos serviços de referência assistencial, onde terão acesso ao
tratamento. (BRASIL, 2010b)
No início do ano de 2000, a ênfase nacional passou a ser a incorporação do teste anti-HIV na rede pública de saúde, com especial atenção para os
serviços de atenção básica. No ano de 2003, foi criado o Programa Nacional
de Hepatites Virais pelo Ministério da Saúde e os CTAs passaram a ser estratégicos para ampliar o diagnóstico das hepatites B e C (BRASIL, 2008b).
Atualmente, os CTAs oferecem à população os testes de diagnóstico de HIV,
incluindo o teste Elisa e confirmatórios, sífilis e triagem sorológica para hepatites
B e C. De acordo com as Diretrizes para Organização e Funcionamento dos
CTAs do Brasil, há mais de 400 CTAs implantados hoje no cenário nacional.
(BRASIL, 2010b)
Além dos CTAs, outros serviços assistenciais mais recentes foram criados,
como as Unidades Dispensadoras de Medicamentos Antirretrovirais (UDM),
que são estabelecimentos integrantes de serviço de saúde que realizam gestão
e dispensação de medicamentos antirretrovirais, assim como acompanhamento
e monitoramento (BRASIL, 2000). As UDMs têm como atividade o atendimento individual e/ou coletivo, que pode ser realizado durante consulta com o
profissional farmacêutico, nas quais são prestadas informações sobre a síndrome, os medicamentos e os cuidados necessários para o tratamento. Também
são desenvolvidas ações de acompanhamento farmacoterapêutico, no qual
é estudada a condição, a história clínica e terapêutica do paciente, incluindo
outros medicamentos prescritos, além dos ARVs. Atualmente há 675 UDMs
cadastradas no país. Essas unidades estão alocadas das formas mais variadas,
podendo estar junto aos SAE, Centros de Saúde, Ambulatórios, Hospital-Dia,
Farmácias Básicas Municipais, entre outros. (BRASIL, 2010a; 2010b)
Ainda em relação aos serviços de assistência às pessoas com HIV/AIDS,
o PN-DST/AIDS implantou e implementou a Rede Nacional de Laboratórios
para contagem de linfócitos T (CD4+/CD8+) e carga viral do HIV, que visa
monitorar a evolução clínica das pessoas com o HIV, decorrente da introdu-
158
Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 6
Mariana Vieira Villarinho # João Rogério Sanson # Juliana Pereira
ção das terapias ARVs, assim como prevenir possíveis infecções oportunistas.
(BRASIL, 2007)
Diante do exposto, atualmente a Rede Nacional em aids é constituída
por 1.310 serviços. Apesar de os inúmeros serviços de assistência especializada às pessoas com HIV/AIDS e das políticas públicas de saúde acerca da
epidemia representarem um nível de excelência e terem o reconhecimento
internacional, essas políticas ainda apresentam desafios em sua execução, a
exemplo da necessidade de integração de todas as esferas de atenção para
que seja oferecido um serviço de prevenção e assistência de maior qualidade
(BRASIL, 2000). Pois, a estruturação de uma rede assistencial em HIV/AIDS
contemplando majoritariamente ações de média e alta complexidade não tem
sido suficiente para garantir a integralidade da atenção à saúde, de modo que
se observa a necessidade de descentralização do financiamento e gerência das
atividades do PN-DST/AIDS para estados e municípios, bem como a expansão
das ações de assistência ambulatorial para a rede básica de saúde. (NEMES
et al., 2009; GRANGEIRO et al., 2010)
4 Considerações Finais
Considerando que o HIV/AIDS aportou no Brasil no início da década
de 1980, período de intensa mobilização política e social, as respostas iniciais
à epidemia deram-se de formas diversas em diferentes estados brasileiros. E
nesse contexto, a tomada de decisão do Governo Federal em assumir oficialmente a aids como um problema de saúde pública resultou da pressão dos
estados e municípios onde a epidemia crescia, assim como da mídia nacional
e de grupos militantes que se formaram inicialmente junto às respostas oficiais. Tão logo, a sociedade, por meio das organizações não governamentais,
mídias entre outros grupos organizados, passou a exercer importante função
na formulação das políticas públicas com relação à aids no Brasil.
Com este estudo foi possível perceber que há no Brasil inúmeros esforços
garantidos em termos de lei e diversos incentivos do Governo Federal para
que, efetivamente, as políticas públicas acerca da aids rompessem barreiras
de diversas ordens e amplificassem o escopo legal, de modo a promover, na
prática, a melhoria das condições de assistência às pessoas com a doença.
Pois, no cotidiano da assistência, principalmente no âmbito da aids, muitas
foram as conquistas, mas também há muitos obstáculos para a implementação das políticas públicas, sobretudo a consolidação delas para um cuidado
Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 6
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Evolução das Políticas Públicas de Saúde Relativas à Aids e sua Influência
na Assistência às Pessoas com a Doença no Brasil
individualizado e integral. E diante do contexto, a descentralização, talvez, foi
o maior desafio de todos, haja vista as enormes diversidades encontradas no
país, a destacar as diferenças culturais, regionais e sociais, assim como a falta
de diálogo nas diferentes esferas governamentais.
Enfim, apesar dos reconhecidos avanços conquistados em termos de
políticas públicas em aids no Brasil, há ainda um longo e difícil caminho na
busca pela qualidade da assistência às pessoas com a doença, para a qual a
superação das iniquidades e das desigualdades apresenta-se como desafio para
todos os que defendem a vida como um direito de cidadania e bem público.
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