DANÇAR ESPECIAL: DANÇA COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO E INCLUSÃO SOCIAL Fabiana Andreani1 - IFSP Patrícia da Silva Nunes2 - IFSP Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A história da pessoa com deficiência é marcada por acontecimentos trágicos, rejeições, abandonos, extermínios e durante muito tempo nenhum tipo de educação e preocupação foi destinada à essas pessoas. A luta por respeito e direitos iguais já percorre um longo caminho, porém, apesar dos avanços já conquistados, é preciso mais ações que efetivem a real inclusão das pessoas com necessidades especiais. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus Presidente Epitácio em parceria com a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) desenvolve um projeto que contribui para o desenvolvimento das pessoas com deficiência, vindo ao encontro dessa perspectiva inclusiva, vinculado a uma proposta de dança, atividades rítmicas e expressivas, com o objetivo de promover a inclusão, o desenvolvimento e ampliação das capacidades físicas e cognitivas dos alunos da APAE - Presidente Epitácio/SP. Este projeto é fundamentado na metodologia de Rudolf Laban (1978), que apresenta uma prática baseada na realidade do aluno, onde não há padronização de movimentos e o maior enfoque é no potencial de criação dos sujeitos, respeitando suas limitações e individualidades. São duas turmas de 15 alunos, uma no período da manhã, com crianças de 8 a 14 anos e uma turma no período da tarde com adultos. As aulas ocorrem uma vez por semana, as terças-feiras, nas dependências da APAE, com duração de 1h e atividades de alongamento, dança circular, brincadeiras cantadas e criação de coreografias de ritmos variados. Na análise dos resultados foi possível observar a melhoria da comunicação, equilíbrio, disposição, memória, concentração e atenção dos alunos, além da diminuição de situações de conflitos na Instituição de Educação Especial. Palavras-chave: Dança. Inclusão. Educação Especial. 1 Especialista em Educação Infantil pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Presidente Prudente. Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). E-mail: [email protected]. 2 Doutoranda em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista - UNESP/Bauru. Mestre em Educação para a Ciência pela Univesridade Estadual Paulista – UNESP/Bauru Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Email: [email protected]. ISSN 2176-1396 23263 Introdução Muitas vezes quando nos deparamos com alguma pessoa com deficiência, seja ela cadeirante, amputada, cega ou surda, nos remetemos ao sentimento de pena, com a certeza de que são incapazes e infelizes. Entretanto o esporte e a dança são ótimas ferramentas para que essas pessoas mostrem suas qualidades e sejam reconhecidas pelo que tem de positivo e não por suas limitações. Numa sociedade cada vez mais atenta à diversidade e a igualdade de oportunidades, torna-se importante possibilitar as pessoas com deficiência à prática de atividades que proporcionem situações de aprendizagem e lazer, o que é direito de todo cidadão. A Constituição Federal (1988) nos traz em seu art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, já a LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do adolescente assegura os direitos fundamentais de acesso à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Pensando no processo de inclusão, aceitamos as diferenças e valorizamos as pessoas, bem como proporcionamos experiências significativas mediante algumas adaptações necessárias. Dentre as Estratégias de Inclusão reconhecidas pelas Normas de Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, que introduzem a cultura e a arte como facilitadoras da inclusão (Organização das Nações Unidas, 1995) e a dança pode proporcionar benefícios em vários domínios (físico, sensorial, cognitivo e emocional), incentivando a criatividade e a habilidade motora. Dançar é uma atividade que exige esforço, concentração, memória, entre outras coisas, todavia, todos são capazes de dançar, independente de suas dificuldades. Dessa forma, o referido trabalho, é um projeto desenvolvido na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Presidente Epitácio/SP em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Câmpus Presidente Epitácio, que visa por meio da dança, valorizar as capacidades da pessoa com deficiência, reconhecento suas habilidades, ampliando saberes e contribuindo para o seu desenvolvimento. Os participantes do projeto são adultos e crianças que apresentam síndrome de down, paralisia cerebral, deficiência intelectual, física e auditiva, em sua maioria decorrente de meningite, rubéola, uso de entorpecentes pelas genitoras e complicações no parto. As crianças frequentam as APAE no período da manhã e o ensino regular no período da tarde, já os adultos só frequentam a instituição de educação especial no período vespertino. 23264 O projeto fundamenta-se na metodologia de Rudolf Laban (1978), que apresenta uma prática baseada na realidade do aluno, onde não há padronização de movimentos e o maior enfoque é no potencial de criação dos indivíduos, os quais são reconhecidos como sujeitos do processo pedagógico. As aulas são semanais, com atividades de alongamento, danças circulares, brincadeiras cantadas e ritmos variados (axé, sertanejo, funk, samba, forró). Objetivos Os objetivos deste projeto são, por meio da dança, promover a inclusão, o desenvolvimento e ampliação das capacidades físicas (coordenação motora / equilíbrio) e cognitivas das pessoas com deficiência, resgatando sua autoestima, proporcionando momentos de lazer, socialização e melhorando sua qualidade de vida. Referencial Teórico O contexto histórico da pessoa com deficiência nos mostra momentos de rejeição e preconceito, o tratamento dado à esses indivíduos na antiguidade baseava-se no extermínio e abandono social. Segundo Diehl (2008, p. 22) “abandono e extermínio foram atitudes praticadas em alguns períodos e regiões do mundo”. Os bebês deficientes eram abandonados em cavernas, trilhas (e certamente morriam em pouco tempo, por desidratação/desnutrição), ou enterrados vivos (exterminados) – comum nas comunidades indígenas. Posteriormente deixaram de ser exterminadas, mas passaram a ser excluídas do convívio social (isoladas em porões, ilhas e vales), vítimas de punições, torturas e diversos tipos de maus-tratos para a expiação dos pecados. Segundo o Decreto 7.612/2011 (BRASIL, 2011), pessoas com deficiência são aquelas que têm “impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Sendo assim, os tipos de deficiência podem ser: auditiva, física, visual, intelectual e múltipla. O documento de Estratégias para Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais nos traz algumas definições, referindo-se à deficiência visual como uma “redução ou perda total da capacidade de ver com o melhor olho e após a melhor correção ótica” (BRASIL, 2003, p.30), que pode ser classificada em cegueira e visão reduzida. A deficiência auditiva é entendida como “perda total ou parcial, congênita ou 23265 adquirida, da capacidade de compreender a fala por intermédio do ouvido” (BRASIL, 2003, P.29), perda da percepção de sinais sonoros, classificada em leve/moderada e severa/profunda. São exemplos de deficiência física, entre outas, amputações, paraplegia, monoplegia, displegia, triplegia e quadriplegia. A deficiência física é compreendida como uma “variedade de condições não sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou da fala, como decorrÍncia de lesıes neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou, ainda, de malformaçõe congênitas ou adquiridas” (BRASIL, 2003, p.29). A deficiência intelectual/mental caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitaçõe associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivÌduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação; cuidados pessoais; habilidades sociais; desempenho na família e comunidade; independência na locomoção; saúde e segurança; desempenho escolar; lazer e trabalho (BRASIL, 2003, p. 29). São exemplos de deficiência intelectual: Síndrome de Down, Síndrome do X-Frágil, Síndrome de Willians, Síndrome de Angelman, Autismo, entre outras. Por fim, a deficiência múltipla “é associação no (mental/visual/auditiva/física), mesmo com indivíduo, de duas ou comprometimentos que acarretam mais deficiências atrasos no desenvolvimento global” (BRASIL, 2003, p.30). Dados da Cartilha do Censo Demográfico 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstraram que o Brasil possui 45,6 milhões de pessoas (23,9% da população total) com alguma deficiência, entre os vários tipos e etiologias, constituindo, assim, um número significativo de nossa população. Desses indivíduos, 26,5% são mulheres e 21,2% são homens, sendo a deficiência visual a de maior ocorrência, afetando 18,6 % da população, seguida pela deficiência motora, que acomete 7% dos cidadãos brasileiros. Os jogos, os esportes e a dança se tornam uma ótima ferramenta para que essas pessoas mostrem suas qualidades e sejam reconhecidas pelo que tem de positivo e não por suas limitações. Qualquer pessoa pode dançar ou praticar esporte mediante algumas adaptações. Os esportes adaptados ganharam força após a Segunda Guerra Mundial, devido à existência de inúmeras pessoas mutiladas, vítimas das guerras. A prática de atividades esportivas funcionava como forma de reabilitação para os soldados que voltavam da 2ª Guerra Mundial com sequelas de lesão medular e amputações, além disso, tinha o objetivo de 23266 reintegrá-los a sociedade. As conquistas no meio esportivo têm avançado significativamente, diversas modalidades surgiram para atender as necessidades da pessoa com deficiência, com eventos de grande porte como os Jogos Parapanamericanos e as Paralimpíadas. Como exemplo de esportes para deficientes visuais se pode citar o goalball, atletismo e o futebol de 5, para os deficientes físicos há o basquete, tênis e rugby em cadeira de rodas, além do volei sentado, natação e muitos outros. Nesse ano de 2015, os Jogos Parapanamericanos, em sua quinta edição, foram realizados em Toronto, no Canadá, com total domínio do Brasil que foi o campeão geral com 257 medalhas, 109 de ouro, 74 de prata e 74 de bronze. É notória a importância da prática de exercícios, esportes, qualquer atividade física para a saúde do ser humano, a dança, em especial, traz inúmeros benefícios para as pessoas, como desenvolvimento de consciência corporal, aumento da flexibilidade, aumento da coordenação motora, melhor condicionamento cardiorrespiratório, entre outros, possibilitando uma maior percepção das potencialidades e capacidades do ser humano. A dança proporciona a superação de barreiras arquitetônicas e de comunicação, criando um diálogo entre as pessoas, reconhecendo seus potenciais e desafios (FORCHETTI, 2014). Para a pessoa com deficiência ou não, a dança se torna um desafio a ser superado, entretanto, todos são capazes de dançar, independente de suas limitações. É necessário buscar o potencial de cada um e ampliar possibilidades, a música e a dança são capazes de proporcionar estimulos e aprendizagens significativas, contribuindo para o desenvolvimento das pessoas de forma integral. Metodologia A metodologia fundamentou-se no esquema de Rudolf Laban (1978), que apresenta uma prática baseada na realidade do aluno, onde não há padronização de movimentos e o maior enfoque é no potencial de criação dos indivíduos, os quais são reconhecidos como sujeitos do processo pedagógico. Laban, com a Teoria do Movimento, mostrou ser possível qualquer pessoa dançar, desde que suas individualidades sejam respeitadas. Essa metodologia possibilita ao aluno expor seus próprios movimentos, não ficando restrita apenas a forma técnica da dança, reconhecendo a importância da construção do movimento e da participação do aluno (LABAN, 1978). Os alunos participam de aulas de Dança, atividades Rítmicas e Expressivas nas dependências da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) na cidade de 23267 Presidente Epitácio – São Paulo. O projeto conta com duas turmas, uma no peíodo da manhã com crianças de oito a quatorze anos e outra turma no período da tarde com adultos, uma vez por semana, com duração de 1h em cada. As aulas são desenvolvidas da seguinte forma: alongamento inicial, movimentação (coreografias trabalhadas juntamente com alunos, buscando trabalhar a criatividade dos mesmos), em determinados momentos eles dançam livremente, alongamento final. As coreografias são baseadas em diferentes ritmos musicais: axé, funk, samba, forró, pagode, sertanejo etc. A carga horária semanal do projeto é de 4h semanais, sendo 2h de atividades executadas na APAE e 2h para preparação das ações a serem desenvolvidas. Ao final do projeto no ano de 2014, foi realizada uma avaliação, os professores responderam um questionário que abordava questões relacionadas às melhorias ocorridas no período de realização das atividades com dança, como os aspectos motores, capacidades físicas, socialização, comunicação, comportamento, atenção e memória. A avaliação com os alunos realizou-se por meio de uma roda de conversa com os sujeitos, buscando destacar os aspectos positivos e negativos do projeto. Já os professores responderam um questionário elaborado pela Coordenadoria de Extensão do Instituto Federal. As atividades estão em continuidade no ano de 2015 e no final de dezembro, no encerramento das aulas haverá nova avaliação seguindo os mesmos parâmetros do ano anterior. Considerações Finais Além das aulas de dança, os alunos da APAE participam de outras atividades diversificadas, como pintura, aulas de música e no corrente ano também em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Câmpus Presidente Epitácio e colaboração da Professora Patrícia da Silva Nunes, os alunos tiveram a oportunidade de fazer uma horta, na qual plantaram verduras para o próprio consumo na instituição. A maior parte dos projetos na Instituição de Educação Especial é por meio de voluntariado ou parcerias, dessa forma diante do tempo que os alunos passam na APAE, o número de atividades diferenciadas pode ser considerado baixo. As atividades de dança iniciaram-se em setembro de 2014 com as turmas da manhã com crianças de oito a quatorze anos e no período da tarde os adultos. No decorrer das aulas foi possível notar diferença comportamental dos indivíduos, que passaram a se comunicar 23268 mais e melhor, entre eles, com seus professores e funcionários da APAE, além da diminuição dos conflitos existentes. Na avaliação dos professores, o projeto com dança trouxe inúmeros benefícios para as crianças e adultos, como o desenvolvimento da comunicação, das capacidades físicas (em especial a flexibilidade), memória e atenção, o que refletiu de forma positiva nas atividades em sala de aula. Na avaliação dos alunos, a dança e a música são algo que os deixam felizes, sentem-livres e capazes de mostrar todo seu potencial, é um momento em que não se sentem “diferentes” dos demais. Na dança não existem barreiras, os cadeirantes ou indivíduos que tem movimento restrito dos membros inferiores, podem dançar utilizando os membros superiores, ou o inverso ocorrer, e mesmo que não tenha movimento de braços e pernas, a participação com movimentos oculares ou da cabeça também ocorre quando a música começa a tocar. Dessa forma, é possível afirmar que a dança proporcionou a esses alunos o desenvolvimento nos aspectos, psicológico, social e motor, a limitação foi superada a cada passo. Por meio da dança, da música e do lúdico foi possível mediar as dificuldades e estimular os alunos de forma criativa e prazerosa. Além dessas melhorias alcançadas, a dança também pode proporcionar outros inúmeros benefícios, como por exemplo a independência para a realização das atividades diárias, a autoconfiança, prevenção de doenças secundárias e motivação para atividades futuras. O projeto está em continuidade no ano de 2015 e serão realizadas novas avaliações no fim do ano para verificação dos avanços, dificuldades e possibilidades de trabalho a serem desenvolvidas na Instituição sempre visando a aprendizagem, o desenvolvimento de forma prazerosa e a inclusão dos alunos, respeitando as diferenças, propondo desafios e valorizando suas potencialidades. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988. 292 p. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 30 jul. 2015. ______. Casa Civil. DECRETO Nº 7.612 de 17 de novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos direitos da Pessoa com Deficiência, 2011. ______. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 23269 ______. Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial. Saberes e práticas da Inclusão. 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