Artigo Original Sobrevida de dez anos de câncer de mama feminino em coorte populacional em Goiânia (GO), Brasil, 1988–1990 Ten year population-based female breast cancer survival in Goiânia (GO), Brazil, 1988–1990 Evaldo de Abreu1, Rosalina Jorge Koifman2, Antonio Gomes Fanqueiro3, Marcelo Gerardin Poirot Land4 , Sergio Koifman5 Resumo A sobrevida de câncer de base populacional constitui-se um reconhecido indicador da qualidade da atenção oncológica prestada para uma dada população. O objetivo deste estudo foi determinar a sobrevida de base populacional de dez anos em coorte com câncer feminino de mama do município de Goiânia (GO), Brasil. Foi realizado o seguimento do universo de mulheres identificadas no Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia (GO), com diagnóstico histológico de adenocarcinoma invasivo de mama realizado entre 1º de janeiro de 1988 e 31 de dezembro de 1990. Os casos registrados com base apenas na Declaração de Óbito (28) foram excluídos. Informações complementares da coorte analisada (n=277) foram obtidas mediante revisão de prontuários médicos e consulta ao Sistema de Informações de Mortalidade. A sobrevida geral (método Kaplan-Meyer) e a sobrevida relativa (método Hakulinen & Abeywickrama) de dez anos foram determinadas. A ocorrência de óbito foi definida como falha, e a perda de seguimento, ou seu término decorridos 120 meses após o diagnóstico, como censura. A sobrevida geral observada aos 60 meses foi de 57,1% aos e aos 120 meses, de 41,5% (sobrevida relativa de 64,0 e 50,0%, respectivamente). A sobrevida relativa de câncer de mama aos 60 meses em Goiânia (GO), foi reduzida, sendo equivalente àquela relatada no mesmo período em países europeus apresentando pior sobrevida (Inglaterra, Eslováquia e Polônia). Palavras-chave: neoplasias; mama; análise de sobrevida; Brasil. Abstract Population-based cancer survival is an acknowledged indicator of the quality of oncological care. This study was carried out aiming to ascertain the ten-year population-based female breast cancer survival in Goiânia, Goiás, Brazil. All cases diagnosed between January 1, 1988 and December 31, 1990 among Goiânia residents with a histologic diagnosis of invasive breast cancer and enrolled by the local Population-Based Cancer Registry were followed-up during ten years. Death certificate only cases (n=28) were excluded. Complementary information (n=277) were obtained from medical records and the Brazilian National Mortality Data System. Ten year overall survival (using Kaplan-Meyer method) and relative survival (using Hakulinen & Abeywickrama method) were ascertained. Death was defined as failure and the follow-up loss, or its conclusion 120 months after diagnosis, as censorship. Sixty-month breast cancer overall survival was 57.1% and in 120 months, 41.5% (relative survival were, respectively, 64.0 and 50.0%). The reduced sixty-month breast cancer relative survival observed in Goiânia (Brazil) was similar than the poorer reported in European estimates (England, Slovakia and Poland) in the same period. Keywords: neoplasms; breast; survival analyses; Brazil. Trabalho realizado no Instituto Nacional do Câncer (INCA) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 1 Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ); Médico do INCA – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 2 Doutora em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ; Pesquisadora Titular da ENSP/FIOCRUZ; INCA – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 3 Médico do Hospital do Câncer Araújo Jorge – Goiânia (GO), Brasil. 4 Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ). 5 Doutor em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil; Pesquisador Titular da ENSP/FIOCRUZ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Endereço para correspondência: Sergio Koifman – Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz – Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 – Manguinhos – CEP: 21041-210 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil – E-mail: [email protected] Fonte de financiamento: Este estudo foi parcialmente apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), INCA e FIOCRUZ. Conflito de interesse: nada declarar. Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 305 Evaldo de Abreu, Rosalina Jorge Koifman, Antonio Gomes Fanqueiro, Marcelo Gerardin Poirot Land, Sergio Koifman INTRODUÇÃO O câncer de mama constitui a primeira causa de câncer no sexo feminino, excluindo-se os tumores de pele não melanoma, em diferentes países industrializados, dentre os quais o Brasil1. Essa neoplasia contribuiu com cerca de 23% do total de novos casos de câncer no mundo durante o ano de 2008 e, nos países em desenvolvimento, totalizou a metade dos casos novos e 60% dos óbitos por câncer2. No Brasil, o número de casos novos de câncer de mama esperados para o ano de 2012 é da ordem de 52.680 casos, correspondendo a uma incidência de 52 casos por 100 mil mulheres, sendo os riscos mais elevados esperados para a Região Sudeste, com uma estimativa de 69 casos por 100 mil mulheres. Assim, a doença coloca-se na pauta das políticas públicas como um importante problema de saúde coletiva no País. À luz do conhecimento atual, e diante da inexistência de medidas de prevenção primária para o câncer de mama, as estratégias de controle dessa neoplasia estão voltadas para seu diagnóstico precoce, com a realização de rastreamento mamográfico periódico. Nesse aspecto, o monitoramento da sobrevida do câncer de mama tem se constituído uma estratégia crescentemente adotada no âmbito internacional como medida para avaliar o progresso das políticas públicas para o controle da doença. Essa prática decorre da observação de que a precocidade no diagnóstico da doença em seus estádios iniciais tende a aumentar as chances de cura no caso de tumores não agressivos. Apesar de a grande maioria dos países do mundo apresentar um aumento nas taxas de incidência para o câncer da mama feminino3, um declínio nas taxas de mortalidade da doença começou a ser verificado em vários países da Europa Ocidental e na América do Norte em meados da década de 19904. Esse fato pode ser explicado pelo aumento na detecção precoce e pelo emprego de procedimentos terapêuticos menos agressivos e mais eficazes5. Assim, a implementação do rastreamento e o avanço obtido com terapêuticas mais efetivas, vêm proporcionando um declínio da mortalidade pela doença, como observado nos Estados Unidos6. Nesse país, observou-se uma elevação da sobrevida de cinco anos de 75,1% entre 1975–1977 para 90,0% em 2001–2007, independentemente da idade e cor da pele7. Os estudos de sobrevida levados a cabo rotineiramente em outros países permitem avaliar a precocidade do diagnóstico da doença e as características de sua evolução, considerado um enfoque coletivo, possibilitando dessa maneira avaliar indiretamente a qualidade da atenção médica e oncológica oferecida à população8. Embora ocupe uma posição destacada no quadro de morbimortalidade no Brasil, inexistem estudos de base populacional 306 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 que estimem a sobrevida do câncer da mama feminino por períodos de dez anos. Este trabalho apresentou os resultados de um estudo de sobrevida de base populacional de dez anos em mulheres com câncer de mama na cidade de Goiânia. METODOLOGIA Desenho de estudo Foi realizado um estudo da sobrevida geral e sobrevida relativa com seguimento de dez anos da coorte de base populacional de casos incidentes de câncer feminino de mama, diagnosticados entre 1º de janeiro de 1988 e 31 de dezembro de 1990 em residentes do município de Goiânia (GO), Brasil. População de estudo Os dados relativos à incidência de câncer feminino de mama foram fornecidos pelo Registro de Câncer de Base Populacional (RCBP) de Goiânia, tendo sido registrados 359 casos diagnosticados no período de estudo. A definição adotada para a entrada na coorte foi a presença de diagnóstico histopatológico de adenocarcionoma de mama (código 174 da 9ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças9). Desse total, cerca de 51 casos (14,2%) foram excluídos pelas seguintes razões: 28 (7%) por tratar-se de casos cuja única informação disponível foi a Declaração de Óbito (Death Certificate Only – DCO), inexistindo assim para estes o seguimento ao longo da enfermidade; 14 (4%) por apresentarem diagnóstico histológico prévio à data estabelecida para início do seguimento; 6 (2%) por não serem residentes no município de Goiânia; e 3 (1%) por razões diversas (1 caso em paciente do sexo masculino, 1 caso com duplo registro e 1 caso com laudo histopatológico de doença benigna de mama). Assim, cerca de 308 casos de câncer de mama atenderam aos critérios de inclusão na investigação. Destes, 31 (10,1%) só dispunham da primeira data de tratamento, constituindo-se em perdas para o seguimento. A coorte analisada foi assim constituída assim por 277 casos de câncer invasivo de mama (Figura 1). Seguimento da coorte Para efeito de análise da sobrevida, foram então considerados 308 casos, iniciando-se a busca ativa de informações sobre seu status vital (paciente viva ou óbito) ao longo de 120 meses após o diagnóstico. Objetivando organizar a coleta de informações relativa aos fatores prognósticos da sobrevida, foi elaborado instrumento de coleta dos dados (questionário) que, após ser testado, começou a ser utilizado para transcrição dos dados constantes no RCBP. Em seguida, realizou-se busca ativa nos prontuários médicos existentes nos hospitais, clínicas e consultórios privados responsáveis pela condução do Sobrevida de câncer de mama em Goiânia tratamento, registros de anatomia patológica e do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) referente ao município de Goiânia. Para os casos em que o status vital da paciente (viva ou óbito) permanecia desconhecido, recorreu-se à busca dessa informação com familiares, parentes e médicos, e, em seguida, no cadastro de votantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e cadastro de inscritos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A busca ativa se estendeu até 31 de março de 2002 quando foram consideradas perdas cerca de 31 pacientes (10,1%) por apresentarem a data do diagnóstico como a única variável de seguimento conhecida (Figura 1). Das 277 pacientes analisadas, ocorreu censura em 5 (1,8%) por seguimento incompleto aos 60 meses de acompanhamento, e em 9 pacientes (3,2%) aos 120 meses. Análise de dados A partir dos questionários preenchidos, foi gerado um banco de dados informatizado utilizando-se o software Epi-Info na sua versão 6.0410. Para o cálculo da sobrevida observada, foi utilizado o software SPSS, versão 17.011, e no cálculo da sobrevida relativa, o software Surv312 . As variáveis independentes consideradas na análise foram idade ao diagnóstico, cor da pele (associada à renda no Brasil) e morfologia tumoral. Para a variável idade, foram analisados os seguintes estratos: <45, 45–54, 55–64, 65–74 e >75 anos, seguindo a estratificação usada no estudo Eurocare13. Essa investigação vem sendo desenvolvida periodicamente em diversos países europeus com casos incidentes de câncer diagnosticados a partir do final da década de 1970, sendo empregada metodologia padronizada de coleta e análise de dados, a qual foi igualmente adotada no presente estudo. A variável cor da pele foi obtida a partir das informações contidas nos prontuários médicos, sendo agrupada em brancos e não brancos. A variável morfologia tumoral foi agrupada, segundo critérios histológicos, em: carcinoma lobular; carcinoma ductal infiltrante (CDI) puro, CDI de baixo grau e CDI misto. O CDI puro inclui os adenocarcinomas dos tipos cirroso e comedocarcinoma; o CDI de baixo grau compreende os adenocarcinomas dos tipos mucinoso, tubular, medular e cribiforme; e no CDI misto, fazem parte todos os casos que apresentaram dois ou mais tipos de adenocarcinoma reunidos em um único espécime, ao diagnóstico histopatológico. A ausência de informações das variáveis analisadas foi de 20,6% (57 pacientes) para cor da pele, 8,3% (23 pacientes) para morfologia tumoral e inexistente em relação à idade. O tempo de sobrevida foi calculado tomando-se como início do seguimento a data do diagnóstico histológico (98% Casos novos de câncer da mama feminino, registrados entre 1º de janeiro de 1988 e 31 de dezembro de 1990, Registro de Câncer de Base Populacional, Goiânia (GO). 28 casos registrados somente com base na Certidão de Óbito (DCO) 23 casos rejeitados na validação (diagnóstico anterior a 1º de janeiro de 1988), declaração equívoca de residência. 31 casos sem informação de seguimento – só a data do primeiro tratamento Casos aceitos na validação - com seguimento completo [condição vital (viva/óbito) conhecida na data de término do seguimento] - com seguimento parcial (censurado antes da data de término) Tempo calendário para inclusão no estudo de sobrevida Data inicial da análise da sobrevida Data de término do seguimento Falha Taxas de sobrevida observada e relativa 51 casos excluídos da análise 31 perdas 277 casos incluídos da análise 1º de janeiro 1988 a 31 de dezembro 1990 Data do diagnóstico ou do primeiro tratamento 31 de dezembro 2000 Morte do paciente independente Falha da causa Calculadas pelos métodos de Kaplan-Meyer (observada) e Hakulinen (relativa) Figura 1. Etapas do processo de construção da coorte populacional de pacientes com câncer feminino de mama, Goiânia (GO), 1988–1990 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 307 Evaldo de Abreu, Rosalina Jorge Koifman, Antonio Gomes Fanqueiro, Marcelo Gerardin Poirot Land, Sergio Koifman dos casos) ou a data do primeiro tratamento, quando desconhecida a primeira. O término do seguimento verificou-se na ocorrência de óbito ou na data do último contato com a paciente viva decorridos 120 meses após o início do seguimento. A sobrevida geral na coorte foi determinada por meio da construção de curvas de Kaplan-Meier14, sendo comparadas as sobrevidas observadas segundo as variáveis independentes analisadas (faixa etária, cor da pele e morfologia tumoral) por meio do teste Log-Rank. Em razão das dificuldades em se conhecer a causa efetiva do óbito para todos os casos e visando corrigir a mortalidade associada às demais causas de óbito, foi também determinada a sobrevida relativa. Essa é definida como a razão entre as taxas de sobrevida observada e sobrevida geral da população em que os casos de câncer ocorreram. Para o cálculo das tábuas de vida da população, os óbitos referentes ao período de 1988 a 2000 foram obtidos no SIM do Ministério da Saúde. Aspectos éticos A realização desta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Associação de Combate ao Câncer de Goiás. RESULTADOS As distribuições segundo variáveis demográficas e tipo de tumor na coorte (Tabela 1) revelam predomínio de mulheres menores de 55 anos (58,5%), brancas (58,5%) e apresentando morfologia tumoral de CDI (72,2%). A distribuição de frequências de câncer de mama na coorte populacional de Goiânia (GO) e na população europeia (Estudo EUROCARE, 1985–198913), segundo faixa etária, foi, respectivamente, de: 28,6 e 13,1% na faixa etária de <45 anos; 26,9 e 19,5% na faixa de 45–54 anos; 22,1 e 23,0% na faixa de 55–64 anos; 18,2 e 23,8% na faixa de 65–74 anos; e de 4,2 e 20,6% na faixa de >75 anos (p<0,0001). A sobrevida geral observada na coorte populacional foi de 90,0% aos 12 meses, 57,0% aos 60 meses e 41,5% aos 120 meses de seguimento. As sobrevidas relativas nos mesmos períodos de seguimento foram de, respectivamente, 97,1, 64,2 e 50,1% (Tabela 2 e Figura 2). A distribuição da variável idade ao diagnóstico de câncer na coorte variou entre 23 e 87 anos, com idade média de 52,3 anos (desvio padrão 13,2 anos), e mediana de 50,7 anos (primeiro quartil – 42,3 anos; terceiro quartil – 62,4 anos). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas na sobrevida relativa de 10 anos segundo faixas etárias ao diagnóstico, variando entre 43,0 (faixa de 45–54 anos) e 49,0% (>75 anos). A sobrevida observada de 10 anos em mulheres brancas foi de 44,0% e em mulheres não brancas, de 38,0% 308 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 (p=0,44). A sobrevida observada de dez anos em tumores de baixo grau foi de 71,0%, dos quais 39,0% em tumores tipo CDI, p=0,029 (Tabela 2). A comparação da sobrevida relativa do câncer de mama aos 12 e 60 meses após o diagnóstico realizada entre Goiânia (GO) e países europeus na última metade da década de 1980 encontra-se apresentada na Tabela 3. Observa-se que a sobrevida de cinco anos em Goiânia (GO) na coorte populacional de câncer de mama com diagnóstico ocorrido em 1988–1990 foi de 64,0%, equivalente àquelas verificadas na Eslovênia (64,0%) e Polônia (60,0%) no mesmo período. DISCUSSÃO Os registros de câncer de base populacional permitem não apenas a determinação da incidência de neoplasias em uma dada população de referência, mas também o desenvolvimento de estudos de sobrevida, fundamentais à avaliação e ao monitoramento das ações de controle de câncer. A sobrevida de câncer de base populacional possibilita assim retratar, por meio de um único parâmetro, a resultante de diferentes determinantes para a evolução da doença, como a acessibilidade aos serviços de saúde, a precocidade do diagnóstico, o intervalo de tempo decorrido entre o diagnóstico e início do Tabela 1. Distribuição de variáveis sociodemográficas e morfologia tumoral, coorte de base populacional de câncer feminino de mama, Goiânia (GO), 1988–1990 Ano do diagnóstico 1988 1989 1990 n 89 108 111 % 28,9 35,1 36,0 Casos analisados n % 80 28,9 91 32,8 106 38,3 Faixa etária 15–44 45–54 55–64 65–74 >75 86 85 68 56 13 27,9 27,6 22,0 18,2 4,2 81 79 61 45 11 29,2 28,5 22,1 16,2 4,0 Cor da pele Branca Não branca Sem informação 170 81 57 55,2 26,3 18,5 162 77 38 58,5 27,8 13,7 CDI 225 73,0 200 72,2 CLI CDI de baixo grau CDI misto Não especificado 15 23 22 23 4,9 7,5 7,1 7,5 15 21 22 19 5,4 7,6 7,9 6,9 Variável Morfologia tumoral Categoria Casos incluídos CDI: Carcinoma ductal infiltrante; CLI: Carcinoma lobular infiltrante Sobrevida de câncer de mama em Goiânia A B Linha tracejada: sobrevida relativa; linha pontilhada: sob observada Figura 2. (A) Sobrevida geral observada em 120 meses de seguimento; (B) sobrevida geral (método Kaplan-Meyer) e sobrevida relativa (método Hakulinen & Abeywickrama); 120 meses de seguimento, coorte populacional de câncer feminino de mama diagnosticado em 1988 – 1990, Goiânia (GO) Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 309 Evaldo de Abreu, Rosalina Jorge Koifman, Antonio Gomes Fanqueiro, Marcelo Gerardin Poirot Land, Sergio Koifman tratamento, a adequação do tratamento oncológico realizado, a qualidade dos serviços terciários de apoio existentes aos pacientes com câncer, entre outros. Trata-se, enfim, de um importante indicador da qualidade do conjunto da atenção oncológica existente em uma região, convertendo-se assim em instrumento para viabilizar a introdução de mudanças nos serviços de saúde voltados para a melhoria desse tipo de atenção. Um exemplo deste potencial foi observado no estudo EUROCARE de sobrevida de câncer em países europeus13. Através desta investigação, evidenciou-se que a Inglaterra apresentava uma sobrevida de câncer de mama de cinco anos (66,0%) similar à de regiões com sobrevida reduzida no Leste Europeu e muito inferior aos indicadores de outros países da Europa Ocidental, como Alemanha e França (Tabela 3). Os resultados do estudo EUROCARE possibilitaram a realização de importante reorganização da atenção oncológica às pacientes com câncer de mama no Reino Unido e outros países, contribuindo assim para a elevação da sobrevida do câncer de mama nos países europeus15 . Na cidade de Goiânia (GO), o câncer da mama feminino contribuiu com cerca de 15% de todos os casos de neoplasias diagnosticadas em mulheres no período 1988–1990. Segundo o RCBP de Goiânia (GO), a incidência de câncer de mama em 1991 naquela localidade foi de 39,3/100.000 mulheres, situando o município como aquele que apresenta a terceira maior incidência de câncer de mama entre aqueles então contando com RCBP, subsequente a São Paulo e Porto Alegre16,17. Goiânia é uma das cidades que apresenta um RCBP no Brasil com uma longa série histórica de casos compilados desde 1987, sendo estes coletados segundo os padrões de qualidade para registros de câncer estabelecidos pela Agência Internacional de Pesquisa de Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/WHO)18. A compatibilização dos dados dos RCBPs com o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde torna factível Tabela 3. Sobrevida relativa de 12 e 60 meses para câncer feminino de mama, Goiânia (GO) (1988–1990) e países europeus selecionados (1985–1989)* Faixa etária (anos) Local 15–44 45–54 55–64 65–74 12 meses França Finlândia Espanha Alemanha Inglaterra Eslovênia Polônia Goiânia 60 meses França Finlândia Alemanha Espanha Inglaterra Eslovênia Polônia Goiânia +75 Todas as faixas 98 98 98 97 95 97 94 97 98 98 96 94 94 96 95 95 96 96 94 95 92 91 88 96 95 94 93 92 89 87 83 99 92 90 90 86 80 80 78 108 96 95 94 93 90 90 87 97 81 79 71 79 70 71 63 61 84 84 73 70 72 65 65 56 78 81 73 69 69 63 59 65 80 77 73 69 67 64 57 85 78 72 68 71 57 60 53 87 80 78 72 70 67 64 60 64 *Fonte: Sant et al., 200113 Tabela 2. Sobrevida observada e sobrevida relativa (um, cinco e dez anos) segundo variáveis analisadas, coorte de base populacional de câncer feminino de mama, Goiânia (GO), 1988–1990 Variável Categoria Faixa etária (anos) Cor pele Morfologia Obs Um ano Rel 15–44 45–54 55–64 65–74 >75 91,0 85,0 90,0 95,0 91,0 97,0 95,0 96,0 99,0 100,0 Branca Não branca 92,0 88,0 99,0 97,0 CDI 89,0 CLI 100,0 Carcinoma de baixo grau 100,0 CDI misto 95,0 Sobrevida coorte 90,0 97,1 Probabilidade de sobrevida (%) Cinco anos Valor p Obs Rel Valor p 59,0 51,0 57,0 65,0 55,0 61,0 56,0 65,0 85,0 87,0 0,331 59,0 55,0 65,0 63,0 0,176 55,0 73,0 86,0 64,0 57,0 Dez anos Rel Valor p 45,0 40,0 38,0 49,0 18,0 47 43 47 46 49 0,534 0,574 44,0 38,0 51 50 0,442 0,035 39,0 53,0 71,0 41,0 64,2 Obs: sobrevida geral observada; Rel: sobrevida relativa; CDI: Carcinoma ductal infiltrante; CLI: Carcinoma lobular infiltrante 310 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 Obs 42,0 0,029 50,0 Sobrevida de câncer de mama em Goiânia a realização de estudos que demandam o seguimento de pacientes, como os de sobrevida. No Brasil, até o ano de 1995, não era obrigatória a transcrição do nome do paciente constante nas DCO para o sistema informatizado. Essa ausência dificultou muito a estratégia de seguimento passivo, prejudicando o cruzamento de informações entre os bancos de dados analisados. A relação inversa existente entre a sobrevida de câncer e o estádio da doença foi há muito descrita na literatura19. A sobrevida observada em nosso estudo reafirma essa concepção e ressalta a condição incipiente da estrutura de serviços de saúde voltados para o controle do câncer em Goiânia no período de construção da coorte analisada neste trabalho. Os resultados observados com a sobrevida relativa de cinco anos para o câncer feminino de mama (Tabela 3) situavam o município de Goiânia no mesmo patamar da qualidade de atenção para a doença existente na Polônia e Eslováquia no final da década de 1980 e cerca de 15 a 20% abaixo daquele observado em outros países europeus, como França, Holanda, Alemanha e Finlândia20 . No período 1985–1989, a sobrevida média de cinco anos em países europeus era de 73%21. Vale destacar que, em um estudo internacional comparando a sobrevida relativa de cinco anos para câncer em localizações anatômicas selecionadas (mama, cólon, reto e próstata) diagnosticados entre 1990 e 1994 e incluídos nos registros de 101 RCBP de 31 países8, a sobrevida relativa para o câncer feminino de mama em Goiânia (GO) (65,4%) permaneceu similar àquela descrita no presente trabalho. A similitude na estimativa da sobrevida de câncer de mama aqui apresentada com aquela obtida em estudo internacional com padronização da metodologia empregada para a determinação da sobrevida relativa em diferentes países aporta validade aos resultados descritos no presente trabalho. A heterogeneidade observada nos resultados de estudos de sobrevida de base populacional de câncer pode resultar de diferenças metodológicas, em especial quanto ao seguimento dos casos da doença. A determinação do status vital dos casos de câncer na coorte foi realizada com a adoção de um seguimento misto excludente, o qual implica o conhecimento da condição vital dos pacientes por meio da busca ativa e da exclusão dos casos dos quais conhecemos apenas a data do diagnóstico13,22. Com essa opção, as estimativas de sobrevida obtidas podem ser consideradas mais conservadoras, reduzindo o risco de superestimação da sobrevida. A distribuição de frequências de idade na coorte de câncer feminino de mama em estudo é concordante com o padrão da população mundial, exceto para o grupo de mulheres com idade superior a 75 anos, possivelmente em decorrência das esperanças de vida desiguais entre as populações comparadas (Tabela 1). A análise de sobrevida, segundo a faixa etária, na coorte 1988–1990 de Goiânia (GO) revelou um padrão distinto daquele descrito em outras investigações. Alguns estudos de sobrevida de base populacional apontaram a faixa etária de 40–54 anos como aquela apresentando melhor sobrevida, enquanto as faixas etárias extremas — <35 e >70 anos — evidenciavam piores resultados15,19,23. Na coorte de Goiânia, apesar de não ter sido observada significância estatística, a melhor sobrevida de 5 anos foi verificada na faixa etária dos 65 aos 74 anos de idade, enquanto a mais reduzida recaiu exatamente na faixa dos 45 aos 54 anos, apontada na literatura mundial como a que apresentaria o melhor prognóstico evolutivo. Várias hipóteses podem ser levantadas para explicar o melhor prognóstico observado em outros estudos em mulheres na faixa etária 45–54 anos. Pode incluir-se a hipótese que relaciona a proximidade do climatério e o padrão hormonal observado nesta fase da vida24. Em outra investigação, a justificativa do melhor prognóstico foi apontada como sendo devida ao maior cuidado com o corpo dispensado pelas mulheres e com a saúde no período pré-climatério25. Esse comportamento acarretaria maior atenção de mulheres e médicos para com a saúde da mama, e o consequente aumento na frequência de diagnósticos precoces e tratamentos mais eficazes. No caso de Goiânia, o resultado oposto ao esperado poderia estar relacionado com a precária estrutura da rede pública de assistência à saúde existente no final da década de 1980, responsável pelo atendimento médico de 80% da população, no qual as ações de prevenção e o diagnóstico precoce do câncer eram incipientes. Para a análise da sobrevida segundo a morfologia tumoral, os diferentes tipos histológicos foram agrupados de acordo com sua importância prognóstica. Dessa forma, foram estabelecidos quatro grupos contendo subtipos com afinidades estabelecidas a partir da correlação com o prognóstico e suas implicações clínicas. Os resultados apresentados revelam sobrevidas distintas segundo a morfologia tumoral, sendo observada significância estatística nos resultados observados, tanto aos 60 meses (p=0,053) quanto aos 120 meses (p=0,057) de seguimento. O grupamento definido como CDI de baixo grau, englobando o carcinoma tubular e o medular, foi o que apresentou a melhor sobrevida, 85,7% aos 60 meses e 71,4% aos 120 meses de seguimento, confirmando os dados da literatura mundial26,27. Já o CDI puro foi o que apresentou a pior sobrevida, com 55,0 e 39,0%, respectivamente. Em relação à variável cor da pele, apesar da não terem sido observadas diferenças estatisticamente significativas, a sobrevida foi mais elevada para o estrato classificado como de mulheres brancas que nas não brancas (Tabela 2). É importante, no entanto, considerar que a importante miscigenação étnica existente em nosso País e o emprego da apreciação individual e visual na categorização da cor da pele podem ter introduzido distorções na classificação dessa variável. Nesta investigação, a categorização da cor da pele foi realizada por mais de um avaliador em diferentes Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 311 Evaldo de Abreu, Rosalina Jorge Koifman, Antonio Gomes Fanqueiro, Marcelo Gerardin Poirot Land, Sergio Koifman serviços de saúde. Adicionalmente, considerando-se a correlação existente entre a variável cor da pele e renda ou escolaridade, as diferenças observadas no estudo quanto à sobrevida segundo essa variável podem resultar da heterogeneidade no acesso à atenção de saúde, da precocidade do diagnóstico e da qualidade da atenção oncológica prestada às pacientes de ambos os estratos. No plano internacional, verifica-se que os melhores índices de sobrevida são observados exatamente nos países com maiores percentuais da doença diagnosticados na fase inicial28. Nos Estados Unidos, segundo dados do Programa Surveillance, Epidemiology and End Results (SEER)29, ocorreu um crescimento exponencial no número de casos novos de carcinoma in situ diagnosticados a partir da década de 1970 (2,8% em 1973, 3,8% em 1983 e 14,4% em 1993), sendo a realização da mamografia apontada como a principal responsável pela detecção, desde então, da grande maioria dos casos de carcinoma in situ30. Os prováveis fatores associados ao incremento na sobrevida das pacientes com câncer verificado em vários países incluem o aumento na detecção precoce dos tumores, melhor tratamento e o diagnóstico de formas menos agressivas do tumor31. Os autores observam em seu estudo que, decorridos 19 anos do diagnóstico, as pacientes com câncer de mama apresentavam o mesmo risco de óbito observado para a população geral feminina, podendo ser consideradas como curadas após esse período. De uma maneira geral, os tumores considerados de melhor prognóstico, como é o caso do câncer da mama feminino, tendem a apresentar uma acentuação na diferença entre a sobrevida observada nos países desenvolvidos e aquela dos países em desenvolvimento. O cálculo da sobrevida relativa nos estudos de sobrevida de base populacional possibilita, entre outros aspectos, a realização de comparações entre resultados de estudos desenvolvidos em diferentes países. A grande maioria dos estudos de sobrevida com base populacional disponibilizados na literatura mundial apresentam resultados correspondentes a 60 meses de seguimento. A probabilidade de sobrevida relativa verificada na coorte em estudo no município de Goiânia foi de 64% aos 60 meses de seguimento. Esse resultado, comparado ao de estudos de sobrevida com base populacional realizados na Europa e nos Estados Unidos, situam Goiânia no patamar inferior daquele verificado para o mesmo período (ano-calendário) naqueles países. Em comparação com o grupo de países europeus que participou do estudo EUROCARE13, a população do município de Goiânia apresentou uma sobrevida relativa de câncer de mama no mesmo patamar daquela observada na Eslovênia, Polônia e Inglaterra em anos similares. Certos tumores malignos, como o da mama feminina, apresentam um melhor prognóstico quando detectados precocemente e tratados adequadamente28. Com base nesses 312 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (3): 305-13 fatos, pode-se supor que a menor sobrevida de cinco anos verificada na coorte de pacientes de Goiânia, quando comparada àquelas verificadas nos países europeus e nos Estados Unidos da América, pode decorrer das diferenças verificadas no estadiamento tardio da doença ao diagnóstico existente naquela população, limitando as possibilidades terapêuticas adotadas no final da década de 1980. A distribuição de frequências segundo faixa etária da coorte de câncer de mama de Goiânia, quando comparada com a mesma distribuição nas populações europeia e mundial, revelou importante diferença na contribuição das faixas etárias extremas. Essa heterogeneidade foi particularmente acentuada para faixa etária de mulheres com 75 e mais anos, cuja frequência em Goiânia foi 4 vezes menor que aquela verificada na população mundial. (Tabela 2). Segundo nosso conhecimento, o presente estudo constituiu-se no primeiro estudo brasileiro de base populacional analisando a sobrevida de dez anos em uma coorte com câncer feminino de mama. Os resultados observados com sobrevida reduzida da doença apontam para a necessidade de realização de novos estudos similares, tanto em Goiânia como em outras cidades do País, os quais permitam avaliar os resultados do programa de controle do câncer de mama em curso no País. CONCLUSÕES O acompanhamento ao longo de dez anos da coorte de câncer de mama diagnosticada no município de Goiânia (GO) entre 1988–1990 revelou uma sobrevida observada de 90,0% aos 12 meses, 57,0% aos 60 meses e de 41,5% aos 120 meses de seguimento, bem como uma sobrevida relativa de, respectivamente, 97,0, 64,0 e 50,0%. Essas estimativas equiparavam a sobrevida de câncer de mama em Goiânia (GO) àquelas mais reduzidas observadas aos 60 meses de seguimento em países europeus durante o mesmo período. AGRADECIMENTOS Os autores são gratos à equipe de registradores do Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia e a sua coordenadora durante a realização do estudo, Maria Paula Curado, pela disponibilização dos dados do Registro. São igualmente agradecidos ao grupo de pesquisadores do Estudo EUROCARE e particularmente a Gemma Gatta (Istituto Nazionale dei Tumori, Milão, Itália) e a Carmen Martinez-Garcia (Escuela Andaluza de Salud Publica, Granada, Espanha) pelo estímulo e sugestões durante a execução desta investigação. A realização deste estudo foi parcialmente apoiada pelo Conselho Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento Científico (CNPq). Sobrevida de câncer de mama em Goiânia REFERÊNCIAS 1. Ferlay J, Shin HR, Bray F, Forman D, Mathers C, Parkin DM. GLOBOCAN 2008 v1.2, Cancer Incidence and Mortality Worldwide: IARC CancerBase n. 10 [Internet]. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer; 2011 [cited 2012 Apr 07]. Avaliable from: http://globocan.iarc.fr 2. Jemal A, Bray F, Center MM, Ferlay J, Ward E, Forman D. Global cancer statistics. CA Cancer J Clin. 2011;61(2):69-90. 3. Wang H, Thoresen SO, Tretti S. 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