trabalho - enanpege

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
GRANDES NEGÓCIOS DA REESTRUTURAÇÃO METROPOLITANA
DE RECIFE: UMA ANÁLISE DA ARTICULAÇÃO AMPLIADA ESTRE
ESTADO E CAPITAL NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO
ALEXANDRE SABINO DO NASCIMENTO1
ANA CRISTINA DE ALMEIDA FERNANDES2
Resumo
Dentro do atual processo de reprodução ampliada do capital e de seu regime de acumulação com
dominância da valorização financeira, grandes empresas requerem, cada vez mais, grandes negócios
(megaprojetos, megaeventos), e esses só são viáveis e factíveis com o auxílio, cobertura e parceria
com o Estado. Neste contexto, argumentamos no presente trabalho que o Estado exerce importante
papel na concentração e centralização do capital, a partir da observação do caso de grupos
econômicos nacionais ligados à produção do espaço - onde destacamos o setor da construção civil associados ao capital financeiro. O artigo procura demonstrar esse processo dentro do atual quadro
de reestruturação econômica e espacial da metrópole do Recife, tendo como objeto empírico dois dos
grandes projetos recentemente implementados nesta metrópole, escolhidos, dente outras coisas, pelo
fator de impacto no desenvolvimento urbano-regional da metrópole de Recife.
Palavras-chave: Grandes Negócios; Articulação Ampliada entre Estado e Capital; Metrópole.
Abstract:
Within the current expanded reproduction process of capital and its accumulation regime with
dominance of financial valuation, large companies require increasingly large business (mega projects,
mega-events), and these are only viable and feasible with the aid, coverage and partnership with the
state. In this context, we argue in this paper that the state plays an important role in concentration and
centralization of capital, from observing the case of national economic groups linked to the production
of space - where we highlight the construction sector - associated with financial capital. This paper
argues that process within the current economic and spatial restructuring framework of the metropolis
of Recife, with the empirical object two major projects recently implemented in this metropolis, chosen
tooth other things, the impact factor in the urban-regional development of the metropolis Recife.
Key-words: Big Business; Extended articulation between state and capital; city.
1 – Introdução
Dentro do atual processo de reprodução ampliada do capital e de seu
regime de acumulação com dominância da valorização financeira (CHESNAIS,
2005), grandes empresas e grupos econômicos requerem, cada vez mais, grandes
negócios (megaprojetos, megaeventos), e esses só são viáveis e factíveis com o
auxílio, cobertura e parceria com o Estado. Esta relação, com o tempo, vem se
1
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail
de contato: [email protected]
2
Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail de contato: [email protected]
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tornando mais complexa, envolvendo uma série de inovações em arranjos políticosinstitucionais e espaciais. Entendemos, acompanhando Mészáros (2011), que o
Estado é um elemento estrutural da própria reprodução ampliada do capital. Neste
contexto, argumentamos no presente trabalho que o Estado exerce importante papel
na concentração e centralização do capital, a partir da observação do caso de
grupos econômicos nacionais ligados à produção do espaço - onde destacamos o
setor da construção civil - associados ao capital financeiro, tão caro à fase
monopolista do sistema (OLIVEIRA, 1988; JESSOP, 2009).
O Estado, com o tempo, passa a assegurar condições econômicas e
extra-econômicas indispensáveis para a acumulação (HIRSCH, 1975; JESSOP,
2009), entre as quais a forma como são operados fundos públicos, créditos
subsidiados, incentivos fiscais, uso das terras públicas entre outras. (OLIVEIRA,
1988). Este artigo fundamenta-se em pesquisa de doutorado focada na
reestruturação recente da metrópole do Recife, que pode ser observada como
reflexo da expansão da economia pernambucana, e consequente expansão da
oferta da mercadoria moradia, o que vem produzindo mudanças nas geografias da
urbanização, essas são produzidas no tempo longo com respeito a populações
densamente concentradas e aos entornos construídos das cidades, e, atualmente,
estão adquirindo morfologias novas e de maior envergadura, que perfuram,
atravessam e fazem explodir a antiga divisão entre o urbano e o rural (BRENNER,
2014), num processo de implosão/explosão da cidade, para cujo funcionamento é
indispensável a ação planificadora e a intervenção do Estado (LEFEBVRE, 1999;
2006).
Escolhemos
como
objeto
empírico
dois
dos
grandes
projetos
recentemente implementados nesta metrópole, escolhidos em função dos seguintes
critérios: fator de impacto no desenvolvimento urbano-regional da metrópole de
Recife; engenharia financeira que demonstra ligação com uma certa fluidez do
capital fixo incorporado e as relações entre capitais públicos e privados, e por
representarem segmentos diferentes como os da infraestrutura de saneamento, e o
da produção de equipamento de lazer e cultura somado a um projeto habitacional,
que tornam-se importantes no atual quadro de reestruturação produtiva e espacial
da metrópole de Recife. Assim temos, respectivamente, o programa Cidade
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Saneada com a PPP do Saneamento da Região Metropolitana do Recife, que
representa o maior do setor de saneamento do país, e a Arena Itaipava (e/ou a
Cidade da Copa) como ícone da reestruturação da porção oeste da metrópole.
2 – Acumulação do capital, Estado e produção do espaço: uma
tentativa de síntese
Em alguns períodos da história do Brasil vultosos investimentos foram
destinados ao desenvolvimento da infraestrutura econômica, social e urbana do
país, apresentando-se o Estado como indutor das transformações necessárias à
promoção do desenvolvimento, e no cenário de crise estas mesmas ações serviram
como medidas anticíclicas, e ao mesmo tempo estavam ligadas a geração de altas
dívidas e a prisão do Estado a interesses de certos grupos no poder. (KEYNES,
1996; OLIVEIRA, 1988).
Obras ligadas a produção de capital fixo e bens de consumo de larga escala
(HARVEY, 2013) como rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas e
termelétricas, refinarias e petroquímica, unidades habitacionais e de “mobilidade”
urbana são alguns dos eixos de intervenção nos quais o Estado vem ocupando um
papel de protagonismo no planejamento e na condução de grandes projetos, sejam
estes relacionados aos megaeventos esportivos que foram/serão sediados no país,
ao desenvolvimento da rede de infraestrutura brasileira ou à redução da pobreza.
Percebe-se um crescente desenvolvimento da aliança entre o Estado e grandes
grupos econômicos ligados a construção civil pesada (empreiteiras), que neste
período passam a participar de fatias amplas de investimentos estatais, e a fazerem
cada vez mais parte dos rumos do suposto projeto desenvolvimentista brasileiro.
Destaca-se o quanto a produção do espaço passou a ter uma caráter de
maior centralidade no momento de crise do atual ciclo sistêmico liderado pelos EUA
(ARRIGHI, 1996), fato que não é novidade em nossa história como aponta G. Arrighi
em sua obra demonstrado com o crescimento da produção de capital fixo no fim do
ciclo sistêmico de dominância inglesa. O qual foi permitido graças a criação de um
sistema de crédito, que permite que grandes quantidades de poder e de dinheiro
possam ser reunidas rapidamente por meios diferentes. Essa “associação de
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capitais” em larga escala pois em marcha em nossa história os tipos de trabalhos
monumentais
como
ferrovias
que
foram
necessários
para
sustentar
o
desenvolvimento capitalista a longo prazo. (HARVEY, 2011).
Lefebvre (1999), fala sobre o papel do urbanismo, afirmando que o mesmo se
traduziria numa estratégia de manutenção dos ganhos da classe capitalista no setor
imobiliário, encobrindo as operações realizadas pelo setor público como forma de
auxílio à reprodução do capital, em nosso estudo a mesma se daria através de
grandes negócios ligados à reestruturação do espaço metropolitano.
Recorre-se a análise de Francisco de Oliveira em sua teoria do antivalor,
através da qual pode-se observar e analisar mudanças no padrão de ação do
Estado, como as da última década, onde cresceram o papel das políticas
originalmente anticíclicas de inspiração keynesiana, constituindo um padrão de
financiamento público da economia capitalista. (OLIVEIRA, 1988; 1998). Sobre esse
padrão o autor afirma que este pode ser sintetizado em “[...] uma esfera pública
onde, a partir de regras universais e pactuadas, o fundo público, em suas diversas
formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital, de
um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo
globalmente toda a população por meio dos gastos sociais”. (OLIVEIRA, 1988, p.
08).
Para Oliveira (1988), o fundo público passa a ser um ersatz (espécie de
substituto inferior) do capital financeiro. Sobre isso, e com relação à abordagem
perseguida por este trabalho, o autor afirma “Na forma dos títulos públicos e dos
vários tipos de incentivos e subsídios, é o fundo público que agiliza a circulação do
capital, e em muitos casos cumpre o papel da famosa ponte invisível keynesiana
entre quem poupa e quem investe”. (OLIVEIRA, 1988, p. 14). Essa função de ponte
invisível é entendida aqui como a atual articulação ampliada estre Estado - via fundo
público (bancos públicos, estatais etc.) - e capital, com as grandes construtoras
ligadas a grandes projetos de reestruturação metropolitana e a expansão do capital.
Temos assim os casos das concessões e parcerias público-privadas – PPPs,
da gestão corporativa de fundos de investimento (Fundo de Investimento do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço – FI - FGTS) e de pensão, e o papel dos bancos
públicos de fomento (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -
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BNDES, Banco do Nordeste - BNB, Caixa Econômica Federal – CEF) e suas
relações com grandes empresas ligadas ao ramo da indústria da construção civil
pesada (Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez
entre outras), que travam lutas por hegemonia, e criam hierarquias de poder e de
comando, formando trustes e oligopólios, como também ações que se refletem na
produção do espaço via grandes projetos de investimento (VAINER, 2007)
carregados de intencionalidades (SANTOS, 2002), ligados à realização de grandes
negócios para estas grandes empresas.
3. Tudo se encontra na metrópole do Recife: PPPs, Concessões e
os grandes projetos de investimento na metrópole
Qualquer semelhança com o que está acontecendo nas metrópoles de países
emergentes como o Brasil não é mera coincidência. A capital do estado de
Pernambuco, não fica de fora desse processo e nos últimos anos puxada por um
projeto de cunho “novo desenvolvimentista” do estado – com grande apoio do
Governo Federal - passou a disputar seu lugar no hall das metrópoles periféricas
emergentes, centrando-se na produção e consumo desigual de seu espaço urbano.
Pernambuco, nos últimos anos, foi palco de massivos investimentos que continuam
a se instalar no estado com amplas probabilidades de realização. Houve nos últimos
anos um impacto muito grande que o setor da construção civil produziu nas taxas do
PIB de Pernambuco, com projetos como Estaleiro Atlântico Sul, Petroquímica Suape
e Refinaria Abreu e Lima, somando-se o crescimento do setor imobiliário.
Como parte do cenário do atual dinamismo da economia do estado de
Pernambuco, nos chamou a atenção a emergência de um conjunto de grandes
obras ligadas a diferentes fins (infraestruturas viárias, de saneamento, equipamentos
de lazer, requalificação urbana de áreas “degradadas”, habitação, entre outras),
observamos que, simultaneamente, vem emergindo uma relação mais próxima entre
os mercados imobiliário, da construção civil , de investidores institucionais e o
Estado via novas formas de financiamento ligadas a: governança corporativa de
fundos de investimento(FI-FGTS), debêntures
de
infraestrutura, etc., arranjos
político-institucionais (Programa Estadual de PPPs - PE). Estes grandes negócios
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necessitam de investimento muito alto que, diante da “falta” de poupança do Estado
para neles investir diretamente, impele-o em direção a políticas de cunho neoliberal
como as PPPs.
Identificou-se que setores como o da construção civil ganham com o
crescimento da economia nacional e regional o que leva à busca por investimentos
em capital fixo, que também ocorre em períodos de crises econômicas do sistema
capitalista.
Os grandes negócios analisados neste estudo estão ligados a reestruturação
do espaço nacional, urbano e regional, que por sua vez estão ligados a um
capitalismo do tipo rentista ou como chamado por Chesnais (2005) de capitalismo
patrimonialista, que se adapta bem a nossa sociedade que possui suas raízes
fundadas no patrimonialismo. Sobre isso Paulani assevera
O capitalismo rentista é, portanto, o avesso do mercado, da concorrência,
do risco capitalista, da ausência do Estado. Paradoxalmente, é esse tipo de
capitalismo que hoje predomina. Em alguns aspectos, ele lembra os inícios
do capitalismo, a época da acumulação primitiva, quando os Estados
nacionais se formavam como grandes negócios e a acumulação capitalista
passava diretamente pelo poder desses Estados. (PAULANI, 2010, p. 131).
A globalização econômica e a liberalização dos capitais se dão articulados
com o surgimento de novas formas de governança, e com a formação de um novo
modus operandi escalar de ação dos governos e capitais, onde tem-se uma relação
entre a produção em grande escala do ambiente construído e a criação de novas
relações de poder políticos, sociais e econômicos nas metrópoles (SWYNGEDOUW;
MOULAERT; RODRIGUEZ, 2002). Isso tudo ligado a luta constante entre as
diversas frações do capital em busca de viabilizarem seus projetos e seus lucros,
rendas e demais dividendos. Por seu caráter patrimonialista e rentista essa
articulação cria uma verdadeira máquina de crescimento urbano rentista engendrada
pela dívida pública do Estado (em suas diversas escalas), dando uma nova
dimensão a chamada “máquina de crescimento urbano” de Logan e Molocht
(FERNANDES, 2001; MOLOCHT, 1976).
Lembremos
de
Maricato
(2014),
a
qual
aponta
que
as
cidades
contemporâneas atuam dentro do processo de acumulação no capitalismo
globalizado com seus meganegócios, onde a produção do espaço urbano, das obras
de
infraestrutura
e
das
edificações
têm
um
papel
essencial.
Assim
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desregulamentação, flexibilização e privatização são práticas que acompanharam a
reestruturação das cidades no intuito de abrir espaço para os capitais imobiliários e
de infraestrutura e serviços.
Observou-se que os setores da economia que mais ganham com o
crescimento dos investimentos em capital fixo nos períodos de crise do sistema, é o
setor da construção civil com forte crescimento neste período. Analisou-se a origem
e o papel do grandes projetos de investimento em infraestruturas e de
reestruturação do espaço metropolitano, e como já citado, entendemos os mesmos
como grandes negócios da produção do espaço, identificamos seus principais
beneficiados no caso as grandes empreiteiras (“As Campeãs Nacionais”).
Conformando arranjos políticos-institucionais e espaciais construídos para a
produção e funcionamento destes grandes negócios: as PPPs e as concessões.
Verificando que estes não são tão novos assim, e já se deram em outros períodos
de expansão financeira na geografia histórica do capitalismo. (BRAUDEL, 1996,
FAORO, 2001, HARVEY, 2013).
Chama-se atenção ao fato de que especialmente no ambiente de
redemocratização brasileira, o poder local tem sido privilegiado como espaço
potencial de inovação no campo das políticas públicas, de democratização das
relações Estado-sociedade e de projetos de atores sociais endereçados às
premissas de inclusão e equidade. Onde também cresceu o uso de arranjos
políticos-institucionais e espaciais como as concessões para vias expressas
pedagiadas, PPPs ligadas a produção de equipamentos de lazer e consumo, etc.
órgãos e leis ligadas a liberação de ativos como a terras públicas nas cidades entre
outros.
Mudanças que se relacionam com o planejamento urbano moderno que, nas
últimas décadas, passa a ter um caráter estratégico empresarial, flexível, com
intervenções urbanísticas pontuais, limitadas no tempo e no espaço (GPDUs), e
orientadas pelo e para o mercado. Assim têm-se também a gestão da cidade como
um negócio ou uma empresa, e uma coalizão dos interesses públicos com os
privados (MOLOCHT, 1976), refletido na maioria dos GPDUs na forma de
instrumentos como parcerias público-privadas - PPPs, Operações Urbanas
Consorciadas etc. (MASCARENHAS, BIENENSTEIN & SÁNCHEZ, 2011).
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No tocante a escala da metrópole diante da falta de uma gestão metropolitana
surge um padrão de governança corporativa, presente por meio de formas diversas
de concessões de serviços públicos, de práticas de privatizações e de parcerias
financeiras para a construção de projetos de infraestrutura e equipamentos urbanos
de grande porte. A interpenetração entre o público e o privado se estabelece com a
presença reguladora do Estado, mediante as beneficies de isenções fiscais, a usura
do patrimônio público, o marketing e a apropriação de espaços das cidades (LEAL,
2006).
Soma-se a isso a consecução de grandes projetos, que são intervenções
concretas que expressam as formas de transformações das configurações políticas,
econômicas e espaciais contemporâneas. Estes ilustram o processo concreto real
através do qual formas pós-modernas, dinâmicas econômicas pós-fordistas, e
sistemas de governança neoliberais são criados. Neste contexto novas articulações
e rearranjos quanto as (des)regulamentações e escalas governamentais são
produzidas. Assim as novas formas e arranjos espaciais e político-institucionais
contemporâneos expressam processos que operam no interior e sobre uma
variedade de escalas que vão do local para o regional, do nacional para o global, ou
do local para o global etc. (SWYNGEDOUW; MOULAERT; RODRIGUEZ, 2001).
Observou-se que programas viabilizados com recursos do FGTS possuem
inovações capazes de realizar a passagem das formas fixas de capital para formas
cada vez mais fluídas. Pois a produção de capital fixo realizada através desses
instrumentos e programas já é carregada de um caráter fluido que advém do papel
do crédito e dos fundos públicos ou semi-públicos viabilizados na sua produção,
distribuição, comercialização e consumo. Apresenta-se como exemplo o programa
Saneamento para todos – SPE, que se dar via Sociedades de Propósito Específico SPE, constituídas especificamente para a realização da operação estruturada de
saneamento, como veremos com o programa “Cidade Saneada” da metrópole de
Recife. Viu-se também o papel do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço - FI-FGTS na produção do espaço via financiamento (direto e
indireto) da produção de infraestruturas.
Várias empresas que atuam em Pernambuco têm participação societária do
FI-FGTS. O fundo detém 30% do capital social da Odebrecht Transport
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Participações, que em Pernambuco tem os projetos da Rota dos Coqueiros e Rota
do Atlântico (Expressway). A Foz do Brasil (Odebrecht Ambiental), também da
Odebrecht, tem obras de saneamento em municípios da RMR e em outros Estados
e tem participação de 26,53% do fundo. A Odebrecht Transport também possui
participação acionária da BNDESPar. Essas relações entre capitais públicos e
privados levam a uma articulação ampliada entre o público e o privado.
Grande parte desses grandes projetos expressam a forma como as forças e
capitais que operam em uma variedade de escalas geográficas se entrecruzam na
construção de novos ambientes socioeconômicos ou na reestruturação do espaço
metropolitano, utilizando-se de articulações ampliadas entre capitais públicos e
privados. Podemos ver isso claramente nos diferentes tipos e escalas de
concessões e PPPs que vão de hidrelétricas à vias expressas que ligam áreas
nobres de cidades, e essas sendo puxadas pelos agentes do Estado e do capital
nas diferentes escalas de governo.
Para se ter uma ideia da magnitude desse processo só no ano de 2014 foram
assinados 103 contratos de concessão no país. O número é o maior da série
histórica, que havia atingido seu recorde em 2012, com 75 contratos. A estimativa de
investimento dessas concessões é de R$ 63,8 bilhões3.
No
metrópole
de
Recife
tem-se,
atualmente,
grandes
projetos
de
infraestrutura urbana desenvolvidos em todas as suas extremidades, nas suas
porções oeste, sul e o de maior envergadura, que é o de saneamento que perpassa
os limites da metrópole chegando a cidade de Goiana, devido ao seu processo de
crescimento acelerado e dinamizado por conta da implantação da fábrica de
veículos da FIAT em seu território, constituindo uma paisagem estendida de
urbanização. (BRENNER, 2014). Pelo escopo deste trabalho não poderemos citar
todos, nem explicar devidamente suas nuances.
A chamada administração de um bem público (ativo para os negócios) por um
tempo determinado é a grande inovação, junto com outras concessões mais
tradicionais. Na década de 90 a legislação básica sobre o tema era composta pelas
seguintes leis principais: Lei 8987 de 13/02/95, chamada Lei das Concessões, que
3
Disponível em: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/financiamentos-de-longo-prazo-cairam58-em-2014-diz-anbima. Acesso em: 26 jun. 2015.
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estabeleceu normas para a participação privada nos projetos de infraestrutura e na
prestação de serviços de utilidade pública. Entendemos neste período iniciaram-se
as atuais mudanças ocorridas nesta relação ou interação, passemos há algumas
definições objetivas do que se tratam estas concessões e parcerias público-privadas
tão propaladas nos dias de hoje. Deve-se lembrar que a Lei Nº 11.079, de 30 de
dezembro de 2004, a chamada lei das PPPs, instituiu as normas gerais para
licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
pública no país, criada no primeiro mandato do presidente Lula. Esta representou a
abertura de possibilidades concretas de parceria entre o setor público e o setor
privado em áreas e segmentos de atividade econômica quase sempre de ação
exclusiva do Estado. Veio com o intuito de atrair o capital privado para áreas como a
saúde, a educação, a segurança, a justiça, ou o desenvolvimento urbano, entre
outras.
Estes setores até então não pareciam passíveis de se constituir em atividades
capazes de atrair a capacidade empreendedora ou desejo de lucros de empresários,
portanto não eram vistos como possíveis mercadorias ou nichos de mercado. Mas
uma questão ligada à nossa urbanização incompleta e ao nosso capitalismo tardio
levou a um insight por parte dos empresários ligados a burguesia nacional do setor
de construção civil. Foi a questão dos ganhos de escalas potenciais destes setores.
Pois as áreas e segmentos cobertos pelas PPPs possuem uma magnitude ligada à
nossa “dívida social” acumulada em períodos de crescimento descontínuo
atravessado de crises.
O estado de Pernambuco foi um dos primeiros a adotar modelo de PPPs,
aplicando-o, inicialmente, em projetos diversos como rodovias, centro de
ressocialização e na Arena Multiuso. A legislação local para viabilizar o mecanismo
foi criada em 2005, um ano após a federal, e já em 2006, o Estado deu início à
primeira PPP rodoviária do Nordeste, um investimento de R$ 115 milhões da Rota
dos Coqueiros, consórcio formado pela Construtora Norberto Odebrecht e a
Odebrecht Transport e o Grupo Cornélio Brennand, em operação desde 2010.
Destaca-se que em Pernambuco tivemos certa hegemonia do grupo Odebrecht na
participação de concessões e PPPs do estado, com uma política agressiva de
proposição de projetos da empresa via instrumentos como Procedimento de
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Manifestação de Interesse (PMI), viu-se que os procedimentos de implantação de
PPPs em Pernambuco (Resolução Normativa RN/CGPE-001/2006, de 06 de
fevereiro de 2006) não seguem as mesmas regras de outros entes federados, nem
mesma da União. Existe a presença do grupo Odebrecht em mais de 60% da
propostas de PPPs do estado. Do Porto de Suape à Ferrovia Transnordestina,
literalmente do litoral ao Sertão, a empresa está à frente de obras e até de
concessões. Seu porte gigantesco e suas inúmeras divisões permitem a ela
participação em frentes simultâneas e bem distintas: construção de estradas,
operação de estádios de futebol, imóveis em locais paradisíacos, transporte público
e até esgoto. Assim, tem-se que na área de concessões obras e prestação de
serviços, o grupo já assumiu a construção e operação do acesso viário – Rota dos
Coqueiros - à Reserva do Paiva, em parceria com o Grupo Cornélio Brennand, a
Arena da Copa, em São Lourenço da Mata, e a Via Expressa, em Suape. E a
empresa do grupo, a Foz do Brasil, assinou o megacontrato da chamada PPP do
Saneamento, projeto “Cidade Saneada” que é uma PPP com faturamento estimado
em R$ 16,7 bilhões.
Concluímos que o atual processo de reestruturação urbana e regional da
metrópole do Recife apresenta-se como um produto da concorrência global
capitalista agora movida por um amplo processo de financeirização da economia
mundial, este é, também, fruto de um ajuste espaço temporal do sistema, mas
também representa um resultado dos interesses de frações do capital nacionais e
locais ligadas a produção do espaço, como os proprietários fundiários, grupos
econômicos ligados a construção civil, e da própria lógica territorial do Estado com
seus projetos políticos de desenvolvimento, forças endógenas,
articuladas
por
coalizações de agentes capazes de manipular o fundo público via poder político
e econômico, dentro de um contexto de imbricação de escalas geográficas.
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