UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL IMUNOTERAPIA COM A VACINA HETERÓLOGA DE DNAHSP65+PROTEÍNA-HSP65 DE Mycobacterium leprae EM TUMORES MAMÁRIOS DE CADELAS Carolina Franchi João Médica Veterinária JABOTICABAL-SÃO PAULO-BRASIL Março de 2012 i UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL IMUNOTERAPIA COM A VACINA HETERÓLOGA DE DNAHSP65+PROTEÍNA-HSP65 DE Mycobacterium leprae EM TUMORES MAMÁRIOS DE CADELAS Carolina Franchi João Orientadora: Profa. Dra. Mirela Tinucci Costa Co-orientador: Célio Lopes Silva Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título Doutora em Medicina Veterinária (Clínica Médica Veterinária) JABOTICABAL-SÃO PAULO-BRASIL Março de 2012 ii DADOS CURRICULARES DO AUTOR CAROLINA FRANCHI JOÃO – nascida em 28 de janeiro de 1981, em Guaranésia, Minas Gerais. Formada em Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, câmpus de Jaboticabal em dezembro de 2003. Durante a graduação fez Iniciação Científica no Departamento de Patologia Veterinária, sob orientação do Prof. Dr. Matias Pablo Juan Szabó, com o projeto “Comparação das cepas de Rhipicephalus sanguineus do Brasil e da Argentina”. Em 1º de fevereiro de 2004 ingressou no Programa de Aprimoramento Profissional em Medicina Veterinária, na área de Clínica Médica de Pequenos Animais junto ao Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” da Universidade Estadual Paulista – Unesp – Câmpus de Jaboticabal, concluindo o mesmo em 31 de janeiro de 2006, sob orientação da Profª. Drª. Mirela Tinucci Costa. Em 1º de março de 2006, após concurso de seleção, iniciou o Mestrado no programa de pós-graduação em Medicina Veterinária, área de concentração em Clínica Médica, junto à FCAV, Unesp, campus de Jaboticabal, sob orientação da Profª. Drª. Mirela Tinucci Costa, o qual concluiu em fevereiro de 2008. Atualmente é doutoranda do programa de pós-graduação em Medicina Veterinária, área de concentração em Clínica Médica, da mesma instituição sob a orientação da Profª. Drª. Mirela Tinucci Costa. Em 2009, foi aprovada em concurso público para o cargo de professora de Clínica Médica de Pequenos Animais na Universidade Federal do Pará (UFPA), onde desde então é professora assistente. iii “Não há pedra em teu caminho. Não há ondas no teu mar. Não há vento ou tempestade que te impeçam de voar.” Sá e Guarabyra iv DEDICO... ... ao meu pai Jorge e a minha mãe Maria Regina, por serem meus alicerces, meus exemplos de vida e sempre cuidarem de mim, ... aos meus irmãos Marina e Jorge Filho por estarem presentes em todos os momentos sempre me apoiando, ... ao meu namorado Diogo pela imensa ajuda no experimento e por ser meu companheiro sempre, Amo todos vocês!!!! v OFEREÇO... ...ao meu querido avô Ítalo, que sempre será grande exemplo de força e perseverança na minha vida... vi AGRADEÇO... ...à Deus, por permitir tudo isso, ...à minha vó Delfina por todo amor, ...a todos tios, tias e primos pelo apoio, ...a D. Marilza pelo carinho, ...à professora Mirela, por além de ser uma orientadora sempre presente, é uma amiga para todos os momentos. E por ter me mostrado esse mundo incrível e intrigante da imunopatologia, …ao prof. Célio Lopes Silva, pela oportunidade e confiança no nosso trabalho e por toda a ajuda desde a idealização do experimento, ...aos amigos Thiago, Andréia, Mariana, Fabiana e Caio pela grande ajuda em todas a etapas do experimento, …aos amigos do Laboratório de Imunologia da USP de Ribeirão Preto, Patrícia, Iza, Kaká, Aninha, Wendy, Rodrigo pela grande ajuda, …à Fabiana pela aquisição e ajuda na análise da citometria, ...à Geórgia e ao Márcio da Patologia por toda paciência e dedicação em me ajudar a “relembrar” a histopatologia, …ao Seu Orandi, por me ensinar a confecção dos blocos e lâminas e ser uma pessoa tão querida e competente no que faz, …ao Prof. Cláudio da UFMT pelas aulas de estatística, ...aos meus amigos Joice e Wanderson, nossa amizade será para sempre, …aos meus amigos de Castanhal, Carina, Talita, Leo, Júlio, Luciana, Milton, Amanda, Alessandra, Gustavo, Kaká, Jader, por tornarem mina vida paraense tão agradável, ...à Unesp de Jaboticabal por ter me acolhido desde 1999, ...a todos os cães, em especial a todas as cadelas que participaram do experimento e aos meus cães, a Susi, Liz, Baruc (in memorian) e Dorinha por serem o motivo de tudo isso, vii …a todos os proprietários que permitiram a participação de suas cadelas no experimento e colaboraram para a conclusão deste projeto, …a todos os colegas da pós-graduação pela boa convivência, …a todos os professores da FCAV- Jaboticabal pela grande participação em minha formação profissional, …à Fapesp, por ter me concedido a bolsa de doutorado, mesmo por pouco tempo. …a todos que não foram citados, mas de alguma maneira foram importantes para esse trabalho. “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível.” São Francisco de Assis viii SUMÁRIO RESUMO .................................................................................................................................... 1 ABSTRACT ................................................................................................................................ 2 CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS.............................................................................. 3 1- REVISÃO DE LITERATURA................................................................................................... 5 1.1- Tumores mamários caninos ............................................................................................. 5 1.2 - Sistema imunológico e as proteínas de choque térmico.................................................. 7 2- OBJETIVOS ......................................................................................................................... 14 CAPÍTULO 2 – Avaliação Clínica da Imunoterapia com DNA-HSP65+Proteína-HSP65 em Tumores Mamários Caninos ..................................................................................................... 15 RESUMO .................................................................................................................................. 15 1- Introdução ............................................................................................................................ 16 2- Material e Métodos ............................................................................................................... 18 2.1- Grupo experimental ....................................................................................................... 18 2.2- Vacinas heterólogas de DNA-HSP65+proteína-HSP65 ................................................. 19 2.3- Protocolo imunoterápico ................................................................................................ 19 2.4- Avaliação do tratamento e toxicidade............................................................................. 19 2.5- Análise dos resultados ................................................................................................... 20 3- Resultados e Discussão ....................................................................................................... 21 4- Conclusões ........................................................................................................................... 32 CAPÍTULO 3 – Avaliação Imunológica de Cadelas com Tumores Mamários Malignos Submetidas à Imunoterapia com DNA-HSP65+Proteína HSP65 .............................................. 33 RESUMO .................................................................................................................................. 33 1-Introdução ............................................................................................................................. 34 2- Material e Métodos ............................................................................................................... 37 2.1- Grupo experimental ....................................................................................................... 37 2.2- Imunoterapia .................................................................................................................. 37 2.3- Avaliação da imunidade ................................................................................................. 38 2.3.1 - Ensaio Imunoenzimático (ELISA): .............................................................................. 38 2.3.2 - Separação de células mononucleares ....................................................................... 39 2.3.3 - Citometria de fluxo ..................................................................................................... 39 2.3.4 - Teste de proliferação espontânea de células mononucleares do sangue periférico ... 40 2.4- Análises estatística ........................................................................................................ 41 3- Resultados e Discussão ....................................................................................................... 42 4- Conclusões ........................................................................................................................... 52 CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 53 REFERÊNCIAS* ....................................................................................................................... 54 ANEXOS................................................................................................................................... 63 Anexo 1- Sistema TNM modificado (Tumor/ Nódulo (Linfonodo)/ Metástase) do proposto pela OMS (OWEN, 1980). ................................................................................................................ 64 Anexo 2- Protocolo de aprovação pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal (CEBEA) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal .................... 65 Anexo 3 – Termo de consentimento dos proprietários para a participação das cadelas no experimento. ............................................................................................................................. 66 ix LISTA DE ABREVIATURAS ALT – Alanina aminotransferase BPF - Boas práticas de fabricação BPL – Boas práticas de laboratorio CFSE – “Carboxyfluorescein Succinidyl Ester” Con-A – Concanavalina A CPT - Centro de Pesquisas em Tuberculose D – direita DC – Célula dendrítica E – esquerda ELISA – “Enzyme Linked Immunosorbent Assay” FA – Fosfatase alcalina FMRP - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto HLA-DR – “Human Leukocyte Antigens” HSP – Proteínas de choque térmico IFN-γγ – Interferon gama IgG1 – Imunoglobulina G1 IgG2a – Imunoglobulina G2a IL – Interleucina M – mama MAF – fator ativador de macrófagos MHC – “Major histocompatibility complex” NK – “Natural killer” OMS – Organização Mundial de Saúde PBS – “Phosphate buffered saline” PT – Proteína total R – Reavaliação RPMI – “Roswelt Park Memorial Institute” SBF – Soro fetal bovino Th1 – Células T helper1 TNM – Tumor/ Nódulo (Linfonodo)/ Metástase TVT – Tumor venéreo transmissível Unesp – Universidade Estadual Paulista USP – Universidade de São Paulo 1 Imunoterapia com a vacina heteróloga de DNA-HSP65+proteína-HSP65 de Mycobacterium leprae em tumores mamários de cadelas RESUMO A mastectomia é o procedimento terapêutico mais frequentemente empregado para tratar tumores mamários de cadelas e o sucesso depende do estádio do tumor no momento da intervenção. Estudos em modelos animais mostram que as proteínas de choque térmico (HSP) têm a capacidade de induzir imunidade inata tumor-específica e resulta na regressão do tumor. Sendo assim, este estudo teve como objetivos avaliar a eficácia do imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65 no tratamento de cadelas com tumores mamários malignos, seu potencial imunoestimulatório e investigar o aparecimento de efeitos adversos. Fizeram parte do experimento 21 cadelas com tumores mamários malignos. Destas 13 foram tratadas com o imunoterápico e oito submetidas a mastectomia da cadeia mamaria afetada. As cadelas (n= 13) receberam até três aplicações do imunomodulador, via intratumoral, no tumor de maior volume, com intervalo médio de 15 dias. O potencial imunoestimulatório do imunomodulador foi investigado através da citometria de fluxo pela comparação do numero de células natural killer ativadas, células B e T, CD4 e CD8, monócitos, monócitos ativados, macrófagos e células dendríticas; da proliferação espontânea de células mononucleares e da produção de anticorpos anti-HSP65 pelo teste ELISA antes do tratamento e 15 dias após o termino do mesmo. Seis cadelas (46,1%) apresentaram regressão em pelo menos um dos tumores da cadeia mamária, e uma (7,7%) no tumor que recebeu a aplicação do imunoterápico. Quando se consideram todas as mamas acometidas por tumores (n= 40), nove (22,5%) apresentaram regressão tumoral, 19 (47,5%) progressão e 12 (30%) se mantiveram estáveis. Três cadelas vieram a óbito durante o experimento; uma mastectomizada e duas tratadas com o imunoterápico. O imunoterapico não promoveu estímulo imunológico sistêmico significativo. Houve aumento dos anticorpos anti-HSP65 após o tratamento e a proliferação de leucócitos, apesar de não significativa, foi maior quando estimulada pela HSP65 em cinco cadelas 15 dias após o tratamento. Nenhum efeito adverso foi associado ao imunoterapico DNA-HSP65+proteína-HSP65. Um ano e três meses após os tratamentos, 18 cadelas permanecem vivas e em bom estado geral. A imunoterapia com DNA-HSP65+proteínaHSP65 mostrou-se promissora no tratamento de neoplasia mamária de cadelas, embora não se detectou uma resposta imunológica consistente com os ensaios realizados. Esses resultados sugerem que o efeito imune da aplicação da vacina DNAHSP65+proteína HSP65 seja melhor detectado in situ do que sistemicamente. Palavras-chaves: tumor mamário, carcinoma, cadela, DNA-HSP65, vacina gênica 2 Immunotherapy with vaccine heterologous DNA-HSP65 + HSP65 of proteinMycobacterium leprae in breast tumors of bitches ABSTRACT Mastectomy is a therapeutic procedure most often used to treat breast tumors in bitches and success depends on the tumor stage at the time of intervention. Studies in animal models show that the heat shock proteins (HSP) have the ability to induce tumorspecific innate immunity and results in tumor regression. Thus, this study aimed to evaluate the efficacy of immunomodulatory DNA-HSP65 + HSP65 protein in the treatment of dogs with malignant mammary tumors, and investigate its potential immunostimulatory the appearance of adverse effects. The experiment consisted of 21 dogs with malignant mammary tumors Of these 13 were treated with immunotherapy undergo mastectomy and eight of the affected mammary chain. Female dogs (n = 13) received three applications of the immunomodulator, intratumoral, in the greater volume tumor, with a mean interval of 15 days between applications. The potential immunostimulatory was investigated by flow cytometry by comparing the number of activated natural killer cells, T and B cells, CD4 and CD8 lymphocytes, monocytes, activated monocytes, macrophages and dendritic cells, the proliferation of mononuclear cells and spontaneous production anti-HSP65 antibody by ELISA before treatment and 15 days after the end. Six dogs (46.1%) had regression at least in one tumor of the mammary chain, and one dog (7.7%) in the tumor that received intratumoral application. When you consider all breast tumors (n = 40), nine (22.5%) had tumor regression, 19 (47.5%) progression and 12 (30%) remained stable. Three dogs died during the experiment, one after mastectomy and two after immunotherapy. The immunotherapy did not cause significant systemic immune stimulation. There was an increase of antiHSP65 after treatment and the proliferation of leukocytes, although not statistically significant, was greater when stimulated by HSP65 in five dogs 15 days after treatment. No adverse effects were associated with immunotherapy-HSP65 DNA + protein-HSP65. A year and three months after treatment, 18 dogs are still alive and in good general condition. Immunotherapy with hsp65 DNA + protein HSP65 has shown to be promising in treating breast cancer in bitches, but not an immune response was detected consistent with the tests. These results suggest that the effect of vaccination of immuneDNA + protein HSP65-HSP65 is better detected in situ than systemically. Keywords: breast tumor, carcinoma, bitch, DNA-HSP65, gene vaccine 3 CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS O câncer de mama é a neoplasia mais comum em cadelas, sendo responsável pela maioria das neoplasias observadas nas fêmeas desta espécie. Apesar dos inúmeros progressos no tratamento do câncer, como o aprimoramento das cirurgias, protocolos quimioterápicos e radioterápicos, o sucesso do tratamento, na maior parte das neoplasias, ainda depende do diagnóstico precoce e da presença ou ausência de metástase. Assim, novas abordagens terapêuticas são estimuladas e testadas, e dentre elas a imunoterapia. O conhecimento sobre os mecanismos imunológicos desencadeados com a imunoterapia de tumores permite que estas abordagens sejam continuamente aprimoradas e se traduzam em progressos clínicos contínuos. A modulação do sistema imune é um método que pode ser usado na tentativa de minimizar as falhas da imunidade no reconhecimento e destruição de células neoplásicas. Entretanto, mesmo com este progresso, a imunoterapia de tumores ainda está longe de atingir os resultados que dela se podem, ao menos teoricamente, esperar. Isto, em síntese, estimula a continuidade das pesquisas na área. As novas estratégias em desenvolvimento, e a aplicação clínica delas demonstram, cada vez mais e com maior ênfase, que a manipulação do sistema imune no combate ao câncer é uma forma de se conseguir benefícios clínicos consideráveis, com efeitos adversos menores dos que se observam nas formas usuais de tratamento. Proteínas de choque térmico demonstraram induzir imunidade contra o câncer, e entre elas, a HSP65 já se mostrou eficaz no tratamento do câncer em modelos animais. Neste estudo, a imunomodulação com conseguente redução de tumores foi explorada através da aplicação do gene codificador da proteína HSP65 associado à proteína HSP65 pronta aplicadas no sítio tumoral. As neoplasias que acometem cães e gatos são modelos apropriados e válidos ao estudo do comportamento biológico desta doença. Além disto, os animais de estimação têm tumores com apresentação histopatológica e comportamento biológico similares 4 aos tumores que acometem o homem e o resultado da aplicação de novas estratégias terapêuticas poderia beneficiar os homens, bem como os outros animais. 5 1- REVISÃO DE LITERATURA 1.1- Tumores mamários caninos O câncer de mama é a neoplasia mais comum em cadelas (GORMAN & DOBSON, 1995; ZUCCARI, 2001), representando aproximadamente 52% de todas as neoplasias observadas em fêmeas desta espécie (GORMAN & DOBSON, 1995; PEREZ-ALENZA, 1998; ZUCCARI, 2001). Em cerca de 25% dos casos de tumores mamários malignos, as cadelas apresentam metástases no momento do diagnóstico (KITCHELL, 1995; OGILVIE & MOORE, 1995; MORRISON, 2002). Para alguns pesquisadores, a maior ocorrência desta doença é registrada entre seis a sete anos de idade (MOULTON, 1990), enquanto para outros entre 10 a 11 anos, com baixa incidência nos animais com idade inferior a quatro anos (LANA et al., 2001). A predisposição racial é variada, figurando entre as mais susceptíveis, poodle, teckel (MOULTON, 1990; LANA et al., 2001), pointer, retriever, setter inglês, boston terrier (MOULTON, 1990), pastor alemão e o cocker spaniel, além dos animais sem raça definida (ZUCCARI, 1999; LANA et al., 2001). Estudos pioneiros mostraram que cadelas castradas antes do primeiro cio têm 0,05% de chance de desenvolverem tumor de mama, aumentando para 8% depois do primeiro cio e para 26% depois do segundo cio (SCHNEIDER et al., 1969), evidenciando a importância dos hormônios sexuais no processo de tumorigênese. Somando-se a isto, tumores mamários ocorrem quase que exclusivamente em fêmeas, ocasionalmente em machos, entretanto a gestação não apresenta efeito preventivo comprovado (MOULTON, 1990). Estrógeno, progesterona e o hormônio do crescimento são incriminados como agentes carcinogênicos (FONSECA, 1999; MORRISON, 2002), e isto foi demonstrado por Mac Ewen et al. (1982) e Sartin (1992), quando identificaram receptores de estrógenos em 40 a 60% dos casos de neoplasias mamárias de cadelas. Geralmente, os tumores mamários apresentam-se como massas circunscritas, de dimensões variáveis. Em relação à mobilidade, podem ser móveis ou aderidos, com 6 extenso envolvimento cutâneo e muscular. Ao corte, podem ter aspecto sólido, cístico ou misto, em cuja superfície observa-se, frequentemente, focos de necrose (BRODEY et al., 1983; LANA et al., 2001). As mamas caudais são as mais acometidas (MOULTON, 1990). O diagnóstico é feito com base em exames citológicos (citologia aspirativa com agulha fina) e histopatológicos. Uma das classificações adotadas para os tumores mamários caninos é a estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (Tabela 1). Recentemente, estudiosos brasileiros chegaram a um consenso no diagnóstico, prognóstico e tratamento dos tumores mamários caninos (CASSALI et al., 2011). Provavelmente daqui para frente, todos os trabalhos brasileiros relacionados ao tema seguirão os princípios do consenso, padronizando os trabalhos e facilitando as comparações entre eles. A maioria dos tumores mamários malignos é classificada como carcinoma e estes podem metastatizar para linfonodos inguinais e depois para linfonodos ilíacos internos, onde podem causar compressão do cólon. Outras áreas comuns de metástases são os pulmões, fígado, rins e menos frequentemente, os ossos (LANA et al., 2001). O prognóstico é baseado em vários fatores, como no tamanho do tumor, envolvimento de linfonodos, presença de metástases à distância, tipo histológico, grau de malignidade, diferenciação nuclear, invasão de tecidos vizinhos, invasão de vasos sanguíneos ou linfáticos, entre outros (HARVEY, 1996; LANA et al., 2001). Também, o estadiamento do tumor fornece subsídios para o prognóstico e se baseia no sistema TNM (Tumor/Nodo (Linfonodo)/ Metástase) modificado do proposto pela OMS (OWEN, 1980) (Anexo 1), sendo que o T se refere a extensão do tumor primário, o N a ausência ou presença e a extensão de metástase em linfonodos regionais, e o M a ausência ou presença de metástase à distância. O estadiamento do tumor deve ser feito antes do início do tratamento para avaliar a fase de evolução tumoral, bem como as possibilidades de progressão no seu sítio de origem e a outros territórios (metástases). 7 Tabela 1 - Classificação dos tumores mamários de cadelas, segundo a Organização Mundial da Saúde, citada por Misdorp et al. (1999). Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. TUMORES MALIGNOS 1.1- Carcinoma “in situ” 1.2- Carcinoma complexo 1.3- Carcinoma simples 1.3.1- Carcinoma túbulo-papilífero 1.3.2- Carcinoma sólido 1.3.3- Carcinoma anaplásico 1.4- Tipos especiais de carcinoma 1.4.1- Carcinoma de células fusiformes 1.4.2- Carcinoma de células escamosas 1.4.3- Carcinoma mucinoso 1.4.4- Carcinoma rico em lipídeos 1.5- Sarcoma 1.5.1- Fibrossarcoma 1.5.2- Osteossarcoma 1.5.3- Outros sarcomas 1.6- Carcinossarcoma 1.7- Carcinoma ou sarcoma em tumores benignos TUMORES BENIGNOS 2.1- Adenoma 2.1.1- Adenoma simples 2.1.2- Adenoma complexo 2.1.3- Adenoma basalóide 2.2- Fibroadenoma 2.2.1- Fibroadenoma - baixa celularidade 2.2.2- Fibroadenoma - alta celularidade 2.3- Tumor misto benigno 2.4- Papiloma ductal A remoção cirúrgica completa, com amplas margens de segurança, quando não existe envolvimento metastático, ainda é o tratamento de escolha para as neoplasias mamárias, pois os protocolos de quimioterapia antineoplásica e radioterapia apresentam baixa atividade antitumoral. O tipo de cirurgia pode variar desde a simples nodulectomia até a mastectomia radical das duas cadeias mamárias, dependendo da extensão do tumor (LANA et al., 2001; HEDLUNG, 2002). 1.2 - Sistema imunológico e as proteínas de choque térmico Segundo a teoria de Burnett (1970), o organismo mantém o sistema imunológico em vigilância contínua contra o aparecimento de células anormais, que são reconhecidas e destruídas. Assim, o sistema imunológico destruiria os tumores antes que estes tivessem um significado clínico. Embora essa proteção constitua função potencialmente importante do sistema imunológico, isso representa uma tarefa difícil e, provavelmente, destinada ao fracasso na maioria dos casos (GREENBERG, 2004). 8 Apesar dos vários mecanismos imunológicos envolvidos, o tumor é considerado capaz não só de escapar, como também de desorganizar a resposta imune do hospedeiro (HOFMANN, 2002; VERGATI, 2010; BERGMAN, 2010). Vários mecanismos estão envolvidos na evasão da resposta imunológica: células tumorais podem apresentar baixa regulação da expressão do MHC classe I; 2-microglobulina ou componentes da maquinaria de processamento de antígenos, fazem que mesmo antígenos potencialmente imunogênicos não sejam apresentados ao sistema imunológico; perda da expressão de antígenos tumorais, possivelmente pela rápida taxa de mitose, instabilidade genética, mutações ou deleções em genes codificadores desses antígenos; deficiência da função coestimulatória ou MHC calsse II, necessária para dar início às respostas das células T; tolerância do hospedeiro em responder a antígenos tumorais, processo chamado mascaramento antigênico; supressão do sistema imune por produtos secretados pelo tumor, alguns tumores expressam a molécula ligante de Fas, que reconhecem o receptor de morte celular Fas nos leucócitos que tentam atacar o tumor, causando a apoptose deste, indução de células reguladoras supressivas, tais como as T CD8, células Th2, macrófagos secretores de IL-10 ou células B; efeitos associados com a cinética do crescimento tumoral, onde o tumor pode não disparar uma resposta imune até que atinja um tamanho que não pode ser controlado pelo hospedeiro; presença de anticorpos bloqueadores, que podem se ligar às células T citotóxicas, saturando seus receptores antigênicos, bloqueando sua capacidade de se ligar com as células alvo (ALGARRA et al., 1997; SEGURA et al., 1997; DAVIDSON et al., 1998; HOFBAUER et al., 1998; LEE et al., 1998; SEUNG et al., 1999; ZAKS et al., 1999; ZHENG et al., 1999; CABRERA et al., 2000; TIZARD, 2002; KHONG & RESTIFO, 2002; SHEVAC, 2004; GREENBERG, 2004; ABBAS & LICHMAN, 2005; BERGMAN, 2010, VERGATI, 2010). A imunoterapia contra tumores visa a modulação do sistema imune na tentativa de restaurar sua capacidade de reconhecimento e destruição de células neoplásicas, de maneira direta ou indireta (STEINMAN & MELLMAN, 2004; KENNEDY, 2010). As proteínas de choque térmico (HSPs), um conjunto de proteínas evolutivamente muito conservadas que exercem funções biológicas amplas, e estão agrupadas em 9 famílias, conforme seus pesos moleculares (Hsp60, Hsp70, Hsp90, Hsp110, Hsp14 e Hsp18) (RUTHERFORD & LINDQUIST, 1998). Elas exercem funções importantes na homeostasia celular, atuando como chaperonas; participando do dobramento, desdobramento e montagem de proteínas; prevenindo desnaturação e agregação protéica; exercendo atividade ATPase e transportando peptídeos, além de terem a capacidade de sensibilizar o sistema imune dos pacientes (BUKAU & HORWICH, 1998). Pelo fato das HSPs atuarem como chaperonas moleculares, mostrarem atividade adjuvante, participarem na apresentação de antígenos (SRIVASTAVA et al., 1998), assim como mediarem a maturação fenotípica e funcional de células dendríticas (BINDER et al., 2000), elas são usadas em estratégias na imunoterapia do câncer (JANETZKI et al., 2000; OKI & YOUNES, 2004, JONASCH et al., 2008, WOOD et al., 2008). Estudos sobre as funções imunológicas das proteínas de choque térmico (HSPs) surgiram na década de 80, quando foi observado que preparações homogêneas de HSPs, isoladas de células cancerígenas, eram compostas por um complexo de natureza peptídica tumoral (HSP-peptídeo). Esses complexos eram capazes de induzir imunidade contra câncer, enquanto que preparações correspondentes de tecidos normais não tinham as mesmas propriedades (PRZEPIORKA & SRIVASTAVA, 1998). Os complexos HSP-peptídeos são formados, preferencialmente, dentro das células, sendo liberados quando ocorre apoptose das mesmas e, no meio extracelular, interagem com receptores de células dendríticas (TLR2, TLR4, CD14, LOX1 ou CD40). Essa interação pode levar a maturação fenotípica e funcional dessas células, com consequente liberação de quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias (IL-12 e TNF-alfa), aumento da expressão de moléculas MHC de classe II e de moléculas coestimulatórias, como CD86 e CD40 (BINDER et al., 2002). Outra via de ativação ocorre quando os complexos HSPs-peptídeos interagem com o receptor CD91 das células dendríticas, culminando com o processamento e apresentação do peptídeo conjugado, tanto em contexto de apresentação cruzada por moléculas MHC classe I, quanto classe 10 II. Como resultado, ocorre a ativação de células T CD8 e CD4, que são específicas para os peptídeos conjugados (MATSUTAKE & SRIVASTAVA, 2000). Pesquisadores do Centro de Pesquisas em Tuberculose da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (CPT – FMRP / USP) têm investigado o uso de uma vacina gênica HSP65 para o controle da tuberculose e de outras doenças. A construção estudada contém o gene que codifica a proteína de choque térmico de 65 kDa, HSP65, de Mycobacterium leprae. A HSP65 da micobactéria demonstrou ser bastante imunogênica (KAUFMANN et al., 1991). Entretanto, a imunização com a proteína, mesmo com adição de adjuvantes, não se mostrou eficiente para a indução de resposta imune protetora (BONATO et al.,1999). Alternativamente, quando clonada em vetores plasmidiais foi capaz de induzir proteção, demonstrada pela produção de IFN-γ e diminuição significativa do número de bacilos nos pulmões de camundongos experimentalmente infectados (LOWRIE et al., 1999). As vacinas contra o câncer baseadas em HSPs compreendem três estratégias diferentes: (i) vacinas autólogas baseadas na obtenção de complexos HSPs-peptídeos isolados das próprias células tumorais do paciente; (ii) vacinas contendo complexos formados in vitro pela associação de HSPs com antígenos tumorais recombinantes para uso em terapia de tumores específicos (LI et al., 2006; XIE et al, 2010; CHOI et al., 2011); e (iii) vacinas heterólogas de DNA para transfecção de células tumorais e obtenção de expressão endógena aumentada das HSPs e formação de complexos HSPs-peptídeos-antigênicos tumorais (MANGILI et al., 2006). Nas vacinas autólogas, os complexos HSPs-peptídeos isolados de células tumorais podem representar todo o repertório antigênico tumoral da célula de origem e, quando administrados no próprio paciente, podem induzir resposta imune praticamente contra toda essa coleção antigênica. Teoricamente, esse procedimento reduz a possibilidade de escape das células tumorais frente à imunoterapia. Ensaios clínicos demonstraram que a inoculação do complexo HSP-peptídeo isolado induz a ativação de resposta imune inata e estimulação de células TCD8 específicas para os peptídeos tumorais (BLACHERE et al., 1997; HARADA et al., 1998). 11 Com o emprego de novas tecnologias, muitos avanços foram observados na caracterização de antígenos tumorais e, consequentemente, o número deles aumentou substancialmente. Nas vacinas, as proteínas HSP70 e a gp96 também são as mais utilizadas como carreadoras de peptídeos ou antígenos tumorais (LI et al., 2006; MANGILI et al., 2006). A utilização dos complexos HSPs-peptídeos isolados de células tumorais autólogas apresenta vantagens para a imunoterapia de tumores, para os quais antígenos específicos ainda não foram identificados. Na maioria dos casos, onde são purificados esses complexos, as proteínas HSP70 e gp96 estão presentes nesse tipo de vacina terapêutica. A desvantagem desse procedimento é a necessidade de quantidades significativas de massa tumoral para o isolamento dos complexos HSPpeptídeos (MAZZAFERRO et al., 2003; AALAMIAN et al., 2006). As vacinas, constituídas pela conjugação in vitro das HSPs com antígenos tumorais recombinantes são de mais fácil manuseio e aplicação, mas têm a desvantagem de se trabalhar com um único ou poucos antígenos tumorais. Essa técnica só pode ser aplicada para tumores específicos, onde se conhece o papel desses antígenos no processo de eliminação dos tumores. Vacinas de DNA preparadas para transfecção de células tumorais e obtenção de expressão endógena aumentada de HSPs e formação de complexos HSPs-peptídeos, são uma estratégia com grande potencial para imunoterapia de tumores (SRIVASTAVA, 1997). Uma preparação de HSP65 heteróloga (Mycobacterium leprae) pode proporcionar um aumento da quantidade dos complexos HSPs-peptídeos, e consequentemente melhor resposta citotóxica. Outra vantagem dessa estratégia é que os complexos podem contar com peptídeos que representam todo o repertório antigênico do tumor, e geram estimulação de células citotóxicas peptídeos-específicos mais abrangentes para um efetivo controle dos tumores. Além disto, essa estratégia imunoterapêutica pode ter ampla aplicação em qualquer tipo de tumor (DAI et al., 2003; HOOS & LEVEY, 2003). Neste projeto, uma preparação de HSP65 heteróloga (Mycobacterium leprae) foi explorada. 12 Várias construções vacinais de DNA estão sendo testadas em estudos clínicos de Fase I/II em humanos (MICHALUART et al., 2008); uma das mais promissoras é a vacina de DNA que codifica a proteína HSP65 micobacteriana (DNA-HSP65), desenvolvida pelo grupo de pesquisa do Prof. Dr. Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP. Pesquisas utilizando a HSP65 foram realizadas em modelos experimentais (camundongos) inoculados com diferentes linhagens de células tumorais. Lukacs et al. (1993) mostraram que a transfecção de linhagens celulares altamente tumorogênicas (J774) com o DNA-HSP65, as deixou incapazes de induzir a formação de tumores em camundongos imunocompetentes, quando injetadas intraperitonealmente. Esses animais também foram resistentes às células J774 não transfectadas, quando desafiados posteriormente. Essa proteção conferida mostra que a resposta imune não é exclusiva à HSP65, mas dirigida também aos antígenos tumorais, sugerindo quebra da tolerância imunológica aos antígenos tumorais. Além disso, a característica da HSP em facilitar a apresentação de antígenos aos linfócitos T, aumentando sua imunogenicidade pode ter contribuído para esse reconhecimento. O mesmo grupo de pesquisa mostrou que a aplicação de DNA-HSP65 por via intraperitoneal em camundongos imunocompetentes portadores de tumores provocou a regressão destes. O mesmo não foi observado em camundongos com imunodeficiência grave combinada, sugerindo que as células T mediariam a resposta anti-tumoral. Além disso, linfócitos T derivados de camundongos vacinados com a linhagem singênica J774-HSP65 (in vitro) eram citotóxicos para células da linhagem original J7744, confirmando a capacidade do sistema imune em reconhecer antígenos tumorais (LUKACS et al., 1997). Em camundongos, o uso da vacina de DNA-HSP65 apresentou efeito profilático e terapêutico contra a tuberculose, sendo capaz de estimular a resposta imune celular de padrão Th1, caracterizada por alta produção de IFN-γ pelas células TCD4 e TCD8 antígeno-específicas, por longo período após desafio com M. tuberculosis (SILVA & LOWRIE, 1994; SILVA et al., 1999). Apesar da semelhança da HSP65 da micobactéria 13 com a HSP60 humana, isto não foi suficiente para estimular uma resposta autoimune contra a HSP60 humana (VICTORA, 2006). Em um ensaio clínico com 21 pacientes humanos com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço, em estágio avançado, a utilização da vacina DNAHSP65 por via intratumoral apresentou resposta parcial, com a diminuição do volume tumoral em 28,6% dos pacientes e estabilização em 7,1%. Nos pacientes, nos quais não houve diminuição do volume tumoral, houve aparente melhora clínica (MICHALUART et al., 2008). Esta estratégia imunoterapica ainda não foi empregada no tratamento de tumores caninos e apoiados nos resultados obtidos em varios experimentos poderia também trazer benefícios a esta espécie animal. 14 2- OBJETIVOS O objetivo geral do presente estudo foi testar a eficácia do imunomodulador heterólogo DNA-HSP65+proteína-HSP65 na terapia de cadelas com tumores mamários malignos, buscando um método alternativo de tratamento. Especificamente, buscou-se: • Comparar a eficácia do tratamento com o imunomodulador DNA- HSP65+proteína-HSP65 com o tratamento convencional (mastectomia) em tumores mamários malignos de cadelas por meio de avaliações clínicas e da sobrevida dos animais; Comparar a resposta imune das cadelas portadoras de tumores mamários antes e 15 dias após a última dose da vacina com DNA-HSP65+proteína-HSP65; Avaliar a ocorrência de efeitos adversos em cadelas com tumores mamários tratadas com DNA-HSP65+proteína-HSP65. 15 CAPÍTULO 2 – Avaliação Clínica da Imunoterapia com DNA-HSP65+ProteínaHSP65 em Tumores Mamários Caninos RESUMO – O câncer de mama é a neoplasia mais comum em cadelas, na maioria dos casos é maligno e a remoção cirúrgica ainda é o tratamento mais utilizado. Um dos motivos de insucesso neste tipo de tratamento é o fato de 25% dos animais já apresentarem metástases no momento do diagnóstico. Muitos progressos ocorreram ao longo dos anos sobre o conhecimento da imunologia de tumores. A aplicação clínica destes conhecimentos é a base da imunoterapia contra os tumores. Neste estudo foi avaliado a eficácia e o surgimento de efeitos adversos do tratamento com o imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65 em cadelas com tumores mamários malignos. Fizeram parte do experimento 21 cadelas com tumores mamários malignos, sendo 13 tratadas com o imunoterápico e oito submetidas a mastectomia da cadeia mamaria afetada. As 13 cadelas receberam até três aplicações do imunomodulador, via intratumoral, no tumor de maior volume, com intervalo médio de 15 dias entre as aplicações. Essas cadelas tinham de uma a seis mamas comprometidas, somando-se 40 tumores mamários que foram avaliados. As cadelas foram acompanhadas por um ano e três meses após os tratamentos. Três cadelas vieram a óbito durante o experimento; uma mastectomizada e duas tratadas com o imunoterápico. Seis cadelas (46,1%) apresentaram regressão em pelo menos um dos tumores da cadeia mamária aplicada, e uma (7,7%) no tumor que recebeu a aplicação do imunoterápico. Dos 40 tumores avaliados, nove deles (22,5%) apresentaram regressão tumoral, 19 (47,5%) progressão e 12 (30%) se mantiveram estáveis. Nenhum efeito adverso grave foi associado à imunoterapia com a vacina DNA-HSP65+proteína-HSP65. Um ano e três meses após os tratamentos, 18 cadelas estão vivas e em bom estado geral. A imunoterapia com a vacina DNA-HSP65+proteína-HSP65, mostrou-se promissora no tratamento de neoplasia mamária de cadelas, necessitando se padronizar a melhor dose/resposta e duração do tratamento. Palavras-chave: cadela, HSP65, imunoterapia, neoplasia, tumor de mama, vacina gênica. 16 1- Introdução O tumor mamário canino representa aproximadamente 52% de todas as neoplasias observadas em fêmeas desta espécie (GORMAN & DOBSON, 1995; PEREZ-ALENZA, 1998; ZUCCARI, 2001), e em aproximadamente 25% destes casos, as cadelas apresentam metástases no momento do diagnóstico (KITCHELL, 1995; OGILVIE & MOORE, 1995; MORRISON, 2002). A mastectomia ainda é o tratamento mais empregado (LANA et al., 2001; HEDLUNG, 2002; NOVOSAD, 2003), mas devido ao alto índice de metástases, alta taxa de recorrência, o tempo livre da doença, associada a pobre resposta à quimioterapia a sobrevida média é de dois anos (SIMON et al., 2006). Essas limitações no tratamento e o mau prognóstico, principalmente para as cadelas que apresentam metástases (PHILIBERT et al., 2003) são estímulos para a busca de novas estratégias terapeuticas para estes animais. A imunoterapia pode ser utilizada como tratamento único, ou coadjuvante nas neoplasias. Vários mecanismos imunológicos estão envolvidos no reconhecimento e destruição de células tumorais. Apesar disso, as células tumorais apresentam a capacidade de escapar das ações do sistema imune e se desenvolverem no hospedeiro (DUNN et al., 2002; ZITVOGEL et al, 2006; SANTOS, 2008). As proteínas de choque térmico (HSPs) estão entre as proteínas mais conservadas filogeneticamente. Elas são expressas em células eucarióticas e procarióticas e produzidas pelas células, em maior quantidade, nas situações de estresse, tais como, altas temperaturas, hipóxia, isquemia, exposição a metais pesados, radiação, aumento de cálcio, hipoglicemia, câncer e infecções. A classificação dessas proteínas é feita por famílias e baseia-se na sua massa molecular (HSP10, HSP27, HSP40, HSP60, HSP70, HSP90 e HSP110). Elas desempenham funções essenciais na manutenção da homeostase celular, atuando principalmente como chaperonas moleculares, moléculas que carreiam e estabilizam outras proteínas em estágios intermediários de dobramento, montagem e translocação através de membranas. Após o estresse, as HSPs reparam as proteínas mal formadas ou promovem sua degradação (BUKAU & HORWICH, 1998). Além disso, as HSPs também podem estimular o sistema 17 imune, funcionando como “sinalizadoras de perigo” que, quando liberadas no meio extracelular por rompimento da membrana plasmática (MATZINGER, 1994; CHEN et al., 1999). A HSP65 é parte da família das Hsp60, encontradas no citoplasma de procariotos e nas mitocôndrias de eucariotos, e estão envolvidas no redobramento de polipeptídeos dobrados de forma inadequada (BUKAU & HORWICH, 1998). A vacina heteróloga de DNA-HSP65+proteína-HSP65 de Mycobacterium leprae, por sua capacidade de aumentar a formação de complexos HSPs-peptídeos e consequentemente melhorar a resposta citotóxica dos animais frente aos antígenos tumorais, foi utilizada como estimulante não específico do sistema imune (SRIVASTAVA, 2002). Uma vantagem dessa estratégia é que os complexos podem contar com peptídeos que representam todo o repertório antigênico do tumor, e geram estimulação de células citotóxicas peptídeos-específicos mais abrangentes para um efetivo controle dos tumores. Além disto, essa estratégia imunoterapêutica pode ter ampla aplicação em qualquer tipo de tumor (DAI et al., 2003; HOOS & LEVEY, 2003). Neste estudo buscou-se avaliar o efeito clínico e possíveis efeitos adversos em cadelas com tumores mamários malignos submetidas ao tratamento com o imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65, e comparar a sobrevida dessas cadelas com outras submetidas a mastectomia da cadeia mamária afetada. 18 2- Material e Métodos 2.1- Grupo experimental Participaram do estudo 21 fêmeas caninas que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: (I) diagnóstico de tumor mamário maligno primário localizado e/ou metastático; (II) ausência de doença concomitante, ou de outras neoplasias não mamárias; (III) último tratamento quimioterápico ou cirúrgico há mais de 30 dias, quando realizado. O critério de exclusão foi a presença de tumores mamários ulcerados ou necrosados. Os tumores foram estadiados antes e após o tratamento com a vacina, de acordo com o TNM modificado (OWEN, 1980) (Anexo 1). Antes do início do experimento, tas cadelas foram anestesiadas e tiveram o tumor de maior volume biopsiado para um diagnóstico histopatológico. Todas as cadelas eram adultas, 13 delas (sete carcinossarcomas, três carcinomas simples e três carcinomas complexos) receberam a vacina contendo o gene heterólogo DNA-HSP65+proteínaHSP65 (Grupo tratado) e oito (dois carcinossarcomas, quatro carcinomas simples, dois carcinoma complexo) foram submetidas à mastectomia radical de uma ou das duas cadeias mamárias (Grupo controle), dependendo do estadiamento do tumor. Todas as cadelas passaram por avaliação clínica previamente, durante e após o tratamento. Os tumores de maior volume foram submetidos à biopsia, após anestesia dos animais, para se obter o diagnóstico histopatológico. O processamento histopatológico obedeceu às normas do Departamento de Patologia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal. O projeto foi aprovado (protocolo 0020418-08) pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal (CEBEA) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal (Anexo 2), e os proprietários de todos os animais assinaram um termo de livre consentimento da entrada de suas cadelas no experimento (Anexo 3). 19 2.2- Vacina heteróloga de DNA-HSP65+proteína-HSP65 A vacina DNA-HSP65+proteína-HSP65 foi produzida pela Farmacore Biotecnologia Ltda, empresa sediada no campus da USP, em Ribeirão Preto, obedecendo às normas regulatórias de Boas Práticas de Laboratório (BPL) e de Boas Práticas de Fabricação (BPF). As vacinas permaneceram conservadas a temperatura de -20°C até o momento do uso. 2.3- Protocolo imunoterápico Cada cadela recebeu DNA (2mg por dose) + proteína-HSP65 (200µg por dose) em um volume fixo de 1,0mL por meio de injeção intratumoral, totalizando três aplicações com intervalo médio de 15 dias entre elas. A dose empregada foi a recomendada pelo fabricante. As cadelas, no momento da aplicação da vacina, foram contidas manualmente em decúbito lateral, de forma que o tumor a ser tratado ficasse voltado para cima. Todos os tumores foram medidos com auxílio de um paquímetro digital, antes de cada uma das etapas do tratamento e aproximadamente 15 dias após o mesmo. Foram tomadas três medidas em milímetros: largura (L), comprimento (C) e altura (A) dos tumores. O volume tumoral foi calculado multiplicando-se as medidas obtidas: LxCxA (mm3). A seguir, as cadelas recebiam a aplicação da vacina no tumor de maior volume, com auxílio de seringa e agulha hipodérmica (13 x 4,5”). 2.4- Avaliação do tratamento e toxicidade A avaliação do tratamento foi realizada levando-se em consideração a variação de volume de todos os tumores, sendo classificados em: redução parcial (redução de 30% ou mais do volume inicial do tumor), estável (redução de menos de 30% ou aumento de até 20% do volume inicial do tumor), ou em progressão (aumento de mais de 20% do volume inicial do tumor) (MICHALUART, 2008). As cadelas do grupo controle foram avaliadas quanto à recorrência e presença de metástases a distância. Todas as cadelas foram acompanhadas por um ano e três meses após os tratamentos. 20 Os critérios para avaliação de toxicidade basearam-se em avaliações clínicas, que observaram os parâmetros semiológicos, o estado geral do paciente, resultados de hemograma, dosagem sérica de alanina aminotransferase, fosfatase alcalina, proteína total, albumina, creatinina, uréia e exame de urina, além dos resultados de eletrocardiografia, ecocardiografia e exames radiográficos e ultrassonográficos. Também foi avaliado o local de aplicação das vacinas, quanto a indícios de presença de dor, inflamação, necrose, ou qualquer outra alteração. 2.5- Análise dos resultados Os resultados dos tratamentos foram avaliados descritivamente comparando-se a variação de volume dos tumores, as avaliações clínicas das cadelas e os resultados dos exames laboratoriais antes e após o tratamento. O tempo de sobrevida foi avaliado comparando-se com o grupo controle e a literatura pertinente. 21 3- Resultados e Discussão Todas as cadelas estudadas, embora apresentassem tumor mamário, encontravam-se em bom estado geral. O estadiamento tumoral do grupo tratado, segundo o TNM, antes da imunoterapia mostrou quatro tumores em estádio I, oito estádio II e um em estádio V, este último por apresentar metástase pulmonar. O número de tumores por cadeia mamária variou entre as cadelas. No grupo tratado, uma delas apresentava tumor único, outra dois tumores, quatro cadelas três tumores cada, cinco cadelas apresentavam quatro tumores cada, uma apresentava cinco e outra seis tumores. Dez cadelas tinham tumores nas duas cadeias mamárias; uma apenas na cadeia direita e duas cadelas apenas na cadeia esquerda. O estadiamento dos tumores das cadelas do grupo controle, segundo o TNM, mostrou cinco em estádio I e três em II. As cadeias mamárias comprometidas foram retiradas durante a mastectomia. Das 13 cadelas que iniciaram o tratamento imunoterápico, uma morreu logo após a primeira dose da vacina, sendo então consideradas 12 cadelas nas análises. Seis (46,1%) cadelas apresentaram regressão em pelo menos um dos tumores das cadeias mamárias, não necessariamente naquele que recebeu a aplicação. Considerando-se apenas o tumor que recebeu a aplicação, um (7,7%) apresentou regressão do tumor, quatro (30,7%) se mantiveram dentro do limite classificado como estável e sete (53,8%) apresentaram progressão tumoral. Se considerarmos que as 12 cadelas juntas apresentavam 40 tumores mamários, a aplicação do imunoterápico produziu regressão tumoral em nove deles (22,5%), estabilidade em 12 (30%) e progressão em 19 (47,5%). Dos tumores classificados como estáveis, no intervalo adotado, 10 (25%) apresentaram redução de volume (reduções de 28%, 25,6%, 16,6%, 27,9%, 18,5%, 25,9%, 11,3%, 22,7%, 9,5% e 15,9%), um (2,5%) não alterou seu volume e outro (2,5%) apresentou aumento de volume (aumento de 12%). Gráficos mostrando a variação individual dos volumes tumorais das cadelas estão apresentados na Figura 1. A localização dos tumores, a variação em seus volumes antes e ao final do tratamento, como também a classificação final podem ser observados na Tabela 1. 22 Tabela 1 – Localização da mama com tumor, diagnóstico histopatológico, variação percentual entre volume tumoral inicial e final e a classificação do volume tumoral ao final do tratamento das cadelas tratadas com o imunoterápico DNA-HSP65+proteína-HSP65. Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. CADELA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 LOCAL DOS TUMORES M2E* M1D M4D M3D M3D M4D M2E M1D M1E M2D M3E M4D M2D M5D M4E M1D M2E M2E M1E M4E M5E M3D M4D M3E M4E M5E M2D M4E M3E M5D M5E M3E M3E M4E M2E M5E M4E M3E M4E M5D DIAGNÓSTICO HISTOPATOLÓGICO carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinoma complexo carcinoma complexo carcinoma complexo carcinoma simples carcinoma simples carcinoma simples VARIAÇÃO DO VOLUME -28% +26,2% +21,5% +103,6% +60,1% -25,6% -16,6% -27,9% +30,5% -83,7% +113,8% +141,5% -30% -45,1% +47% -55% -48% +30,3% +12% -18,5% -65,5% +180,6% +109,1% -25,9% -65% -31,8% 0% -75,1% +52,4% -11,3% +44,7% +98,8% -22,7% +145,3% +44% +59,7% -9,5% +24,5% -15,9% +174,3% *as linhas em negrito mostram as mamas que receberam a vacina M = mama; E = esquerda, D = direita. Algarismo arábico = número da mama na cadeia CLASSIFICAÇÃO estável progressão progressão progressão progressão estável estável estável progressão regressão progressão progressão regressão regressão progressão regressão regressão progressão estável estável regressão progressão progressão estável regressão regressão estável regressão progressão estável progressão progressão estável progressão progressão progressão estável progressão estável progressão 23 Figura 1 – Variação individual dos volumes tumorais das cadelas na 1ª, 2ª e 3ª aplicações do imunoterápico DNA-HSP65+proteína-HSP65 e aproximadamente 15 dias após o final do tratamento (R). As linhas azuis em todos os gráficos correspondem ao tumor que recebeu a aplicação do imunoterápico. O grafico da cadela 11 mostra o volume do tumor na 1ª, 2ª e 3ª aplicações. Entre a 3ª aplicação e a reavaliação, houve ulceração da mama aplicada, seguida de mastectomia unilateral. O grafico da cadela 12 representa um animal que não compareceu à terceira avaliação. 24 Das doze cadelas que terminaram o tratamento com o imunoterápico (uma veio a óbito), três que receberam o diagnóstico de carcinoma complexo exibiram comportamentos tumorais distintos; um tumor foi classificado em regressão, um em progressão e um estável. Outras três cadelas com carcinoma simples, da mesma forma, dois apresentaram progressão e um estabilidade. As outras seis cadelas tinham o diagnóstico histopatológico de carcinossarcoma, um tipo de tumor mamário misto, composto por células neoplásicas de origem mesenquimal e epitelial. A parte mesenquimal do tumor pode conter formação de tecido ósseo (MISDORP et al., 1999), o que dificulta sua completa regressão. Destes, quatro tumores vacinados apresentaram progressão e dois permaneceram estáveis. Tumores mamários que apresentam tecidos de diferentes origens, não são incomuns em cadelas. Em alguns casos, cadelas podem apresentar tumores na mesma cadeia mamária de diferentes diagnósticos histopatológicos (SORENMO, 2009; SLEECKX, 2011). Este fato poderia justificar, ao menos em parte, porque os tumores de uma mesma cadela apresentaram comportamentos diferentes, diante do tratamento. Como apenas o tumor vacinado recebeu o laudo histopatológico e isto pode representar uma limitação de nosso estudo. Outro fator diz respeito ao pequeno número de cadelas apresentando um mesmo tipo histopatológico de tumor, o que não nos permitiu estabelecer uma relação entre a resposta ao tratamento e o diagnóstico histopatológico. Embora a casuística de tumor de mama seja elevada no serviço de oncologia do Hospital Veterinário da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal, muitos proprietários não concordaram, por motivos variados, em incluir seus animais no experimento. Vacinas de DNA geralmente são utilizadas em associação com a técnica de eletroporação para facilitar a transfecção do DNA heterólogo nas células tumorais, devido a abertura dos poros na membrana das células (SANTOS, 2008; YU, 2011). Neste estudo, optou-se pela não utilização da eletroporação, já que houve a associação do DNA-HSP65 com a proteína-HSP65 para estimular uma resposta mais rápida, até que o DNA fosse transfectado para a célula tumoral e esta passasse a produzir a proteína HSP65. 25 Em relação à regressão tumoral obtida, nosso estudo apresentou resultados mais promissores, se compararmos com o ensaio clínico com 14 pacientes humanos com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço em estágio avançado, também tratados com a vacina DNA-HSP65 por via intratumoral. Nesse estudo, 28,6% dos pacientes tiveram redução do volume tumoral, 7,1% estabilização e 64,3% progressão (MICHALUART et al., 2008). Além dos pacientes humanos se encontrarem em estágio mais avançado da doença, outra possibilidade poderia recair nas diferentes quantidades de DNA-HSP65 utilizadas e, no nosso estudo da associação com a proteína (DNA-HSP65+proteína-HSP65). Um estudo com as proteínas de choque térmico em cães avaliou a HSP70 derivada de galinhas, como agente profilático ou imunomodulador no tratamento de cães com tumor venéreo transmissível (TVT). Cães receberam duas doses da vacina com 100µg de HSP70 antes da inoculação das células de TVT e uma terceira dose, seguida de eletroporação, após a inoculação. O outro grupo recebeu três doses da vacina (100µg), após a inoculação das células tumorais. Foi observado que o grupo que recebeu a vacinação de forma profilática apresentou regressão parcial ou completa do tumor, enquanto no outro grupo o tumor não regrediu apesar de o crescimento tumoral ter sido menor, quando comparado ao grupo sem nenhum tipo de tratamento (YU, 2011). Em relação à dose do DNA utilizada, enquanto Michaluart et al. (2008) utilizaram 400µg, em nosso estudo foram 2000µg. Os autores ressaltam que 400µg foi a quantidade máxima tolerada pelos pacientes humanos, pois quando empregaram 600µg, esta quantidade de DNA produziu efeitos adversos intoleráveis, como edema e dor mais pronunciados do que quando empregaram 400µg, de modo a gerar uma contra-indicação para a dosagem mais elevada. Apesar de mais brandas e aceitáveis, Michaluart et al. (2008) também observou dor, edema e infecção no local da aplicação em pacientes humanos com a dose de 400µg. Outros estudos em pacientes com carcinoma renal e linfoma não-Hodgkin que utilizaram Vitespen®, HSP-96 autóloga complexada a um peptídeo tumoral (HSPPC-96), aplicada via intradérmica, apresentaram eritema e endurecimento da região aplicada 26 (WOOD et al., 2008), e eritema e prurido (OKI et al., 2006), respectivamente. Neste último caso, os sinais desapareceram em até 24 horas depois, sem tratamento. Em nosso estudo, a aplicação intra-tumoral também resultou em dor e inflamação no local, que se resolveu em menos de 24 horas sem intervenção, como descrito por Oki et al., (2006). Apesar de a dose empregada ser cinco vezes maior no presente estudo do que em outro (MICHALUART et al., 2008), esta dose não gerou efeitos adversos que comprometessem sua utilização. Um ponto a ser considerado diz respeito à subjetividade em se mensurar a dor. Respostas individuais entre e interespécies animais, além do possível maior limiar de dor dos animais podem dificultar ainda mais essa comparação. A quantidade maior de DNA e ainda associada à proteína recombinante HSP65, foi utilizada somente em nosso estudo, e esta formulação também pode ter influenciado nos resultados. Todavia, não existem outros estudos com essa formulação feitos por esse grupo de pesquisa, o que dificulta comparação de efeitos e eficácia. O edema e a dor no local da aplicação podem ser devidos à inflamação causada pela própria inoculação da vacina no sítio tumoral. Estes sinais foram considerados como efeitos adversos mínimos do tratamento, que podem ter sido desencadeados pela aplicação do DNA associado à proteína, ambos heterológos. A aplicação per se pode quebrar o estado de equilíbrio entre o tumor e o hospedeiro, provocar o recrutamento de células inflamatórias, que se ativam no sitio tumoral, produzindo uma resposta antitumoral. A infiltração do tumor por células inflamatórias em decorrência da aplicação do HSP65 intratumoral já foi demonstrada nos estudos de Santos (2008) em camundongos com melanoma. Uma cadela do grupo tratado, a única cadela que apresentava metástase pulmonar antes do início do tratamento, três dias após a primeira aplicação intratumoral da vacina DNA-HSP65+proteína-HSP65 desenvolveu, localmente, severa edemaciação, com hiperemia e sensibilidade dolorosa da mama vacinada, em parte da cadeia mamária e na face interna da coxa ipsilateral, acompanhada por prostração, hiporexia e febre (40ºC). Cinco dias após a manifestação desses sintomas, mesmo sendo tratada com antibióticos, antiinflamatório, antitérmico e analgésico, veio a óbito. A 27 cadela foi submetida à necropsia, que revelou como causa da morte, hemorragia no rim esquerdo, além de apresentar abscesso na mama que recebeu a vacina. A causa da hemorragia não foi elucidada. Diante disso, não foi possível relacionar a morte do animal com a aplicação da vacina, ou mesmo como consequência da progressão neoplásica, ou ainda a somatória dos dois fatores. Entretanto, Michaluart et al. (2008) também observaram infecção no local da aplicação, seguida de morte por hemorragia, devido a progressão tumoral em pacientes humanos com carcinoma de cabeça e pescoço. Apesar desse acontecimento, nenhum efeito adverso sistêmico pode ser comprovado por meio de exames laboratoriais e clínicos, pois estes sempre se mantiveram dentro dos limites de normalidade para a espécie, antes e após o tratamento. Não houve comprovação de que o imunoterápico tivesse implicação direta com o quadro clínico do animal que morreu após a aplicação. Em relação ao estadiamento dos tumores, apenas uma cadela do grupo tratado apresentou alteração do TNM após o tratamento, passando de II para V. Isto se deveu ao aparecimento de metástase pulmonar na última avaliação. Além da metástase, esta mesma cadela apresentou ulceração do tumor da mama cinco (M5) direita, detectada entre a 3ª aplicação e a reavaliação. Ressalta-se aqui que o imunoterápico foi aplicado na M5 esquerda. A progressão da neoplasia fez com que esta cadela fosse submetida à mastectomia da cadeia mamária correspondente. Um mês após o tratamento, o quadro do animal se agravou, com aumento das metástases pulmonares, que evoluiu para insuficiência respiratória e óbito. Das onze cadelas que permaneceram vivas, oito delas foram submetidas à mastectomia da cadeia mamária afetada em torno de seis meses após da última avaliação, devido a não regressão completa dos tumores (observar momento R na Figura 1). As outras três cadelas, por opção dos proprietários, não foram submetidas ao procedimento cirúrgico, embora ainda apresentassem tumores (Tabela 1). Um ano e três meses após o final do tratamento, as oito cadelas submetidas ao tratamento imunoterápico e subsequente mastectomia se mantém saudáveis, sem recidivas ou sinais de metástases a distância. As três cadelas que não fizeram a cirurgia estão em 28 bom estado geral e as neoplasias mamárias se mantêm estáveis, e não há sinais de metástases a distância detectados por exame radiográfico ou ultrassonográfico. Sete das oito cadelas do grupo controle (submetidas apenas ao procedimento cirúrgico), também após um ano e três meses estão em boas condições de saúde e sem evidências de metástases pelos estudos radiográficos e ultrassonográficos. Uma das cadelas, após a mastectomia unilateral, apresentou evolução rápida dos tumores da cadeia remanescente, com infiltração para região inguinal e membro pélvico correspondente, passando do TNM II para III. Este animal foi encaminhado para quimioterapia, recebendo doxorrubicina e ciclofosfamida, mas não respondeu ao tratamento sendo submetido à eutanásia. O tumor de mama, apesar de ser a neoplasia mais comum nas fêmeas caninas (GORMAN & DOBSON, 1995; ZUCCARI, 2001) ainda é uma doença de difícil controle e cura, tendo em vista que 58% das cadelas que são submetidas à mastectomia regional apresentam recidiva tumoral na cadeia ipsilateral (STRATMANN, 2008). Uma das causas pode ser a presença de micrometástases na cadeia linfática da mama e em linfonodos de drenagem e a imunomarcação por anticorpos anti-citoqueratina pode ser requerida para identificação das micrometástases, não reveladas com a coloração de rotina (BUSCH & RUDOLPH, 1995). A sobrevida de cadelas submetidas a mastectomia regional ou radical varia de acordo com as experiências de pesquisadores. Bostock (1975) acompanhou, por dois anos, 323 cadelas com neoplasias mamárias após a mastectomia regional ou radical e observou que o tempo médio de vida daquelas com neoplasias mamárias malignas foi de 70 semanas (aproximadamente um ano e quatro meses). Por sua vez, MacEwen et al. (1985) não observaram diferença significativa entre a sobrevida e o tempo livre da doença de cadelas submetidas à mastectomia radical ou parcial. Os resultados de Sarli et al. (2002) mostraram que 23,3% de 60 cadelas com neoplasias mamárias malignas, morreram em até dois anos após a mastectomia. Outro estudo mostrou a sobrevida média para cadelas com adenocarcinoma e carcinoma sólido de mama foi de um ano e nove meses e de um ano e quatro meses, respectivamente (PHILIBERT et al., 2003). Outros pesquisadores observaram sobrevida média de 390 dias (um ano e um mês) em 29 cadelas após mastectomia e mostraram não haver variação significativa entre o grupo que foi submetido apenas à mastectomia e outro grupo que recebeu no pós operatório quimioterapia com doxorrubicina ou docetaxel (SIMON et al., 2006). Já Lavalle et al. (2009) observaram sobrevida de 907 dias (aproximadamente 2,5 anos) em 46 cadelas que fizeram parte dos estudos. Em nosso estudo, as cadelas foram acompanhadas por um ano e três meses. Duas das cadelas do grupo tratado, uma pela progressão do tumor e outra por hemorragia renal, e uma do grupo controle, por progressão do tumor, vieram a óbito. Todos esses resultados expõem muitos outros fatores que podem estar envolvidos na patogênese dos tumores mamários das cadelas, não a simples adoção de um procedimento em detrimento ao outro tenha, isoladamente, o potencial de mudar o curso da doença. Vários são os estudos que abordam a sobrevida de cadelas com tumores de mama após o diagnóstico e tratamento e os resultados são variáveis. Muitos aspectos devem ser considerados para se projetar a sobrevida de uma cadela com tumor mamário. Um deles diz respeito ao tempo de doença, agressividade do tumor, idade da cadela e presença de metástases. Outro ponto a ser considerado refere-se a sensibilidade das técnicas diagnósticas frequentemente empregadas. Exames radiográficos e ultrassonograficos apresentam baixa sensibilidade e muitos tumores podem ter micrometastases não detectáveis por esses métodos. Para Philibert et al. (2003), animais que apresentam metástases no momento do diagnóstico têm sobrevida média de cinco meses, o que também foi acompanhado em duas cadelas do nosso estudo; uma que já apresentava metástase pulmonar no momento do diagnóstico e veio a óbito dias depois do início do tratamento, e outra que apresentou metástase após o tratamento. Tratamentos imunoterápicos em diversos tipos de neoplasias de cães apresentam resultados semelhantes ao nosso. BCG intratumoral em um fibrossarcoma nasal provocou redução do volume tumoral (PLIEGO et al., 2007), por via intravenosa em cadelas após mastectomia, propiciou sobrevida de 100 semanas (1 ano e 11 meses), em contraste ao grupo controle, submetido apenas à mastectomia, no qual a sobrevida foi de 24 semanas (5 meses e meio) (BOSTOCK & GORMAN, 1978). 30 Diferentemente do observado por Bostock e Gorman (1978), o grupo controle em nosso estudo não mostrou comprometimento de saúde um ano e três meses após a mastectomia radical. Estas discordâncias podem estar relacionadas às técnicas cirúrgicas e diagnósticas empregadas pelos outros autores. Houve uma acentuada evolução nas técnicas operatórias e nos meios e métodos de diagnóstico na Medicina Veterinária. É possível que se o experimento de BOSTOCK e GORMAN (1978) fosse repetido nos dias de hoje, a sobrevida dessas cadelas seria maior. O uso da imunoterapia vem ganhando importância devido aos resultados promissores que produz, se mostrando atrativa por sua potencial eficiência contra o câncer. A estratégia utilizada neste estudo foi baseada na capacidade da HSP65 formar complexos com os antígenos tumorais do tumor que recebeu a aplicação e assim, quebrar a tolerância imunológica e facilitar a apresentação de antígenos tumorais para o sistema imune, gerando uma resposta imunológica eficaz contra as células tumorais (LIU et al., 2002; MICHALUART et al., 2008). O conceito de vigilância imunológica, onde o sistema imune seria capaz de reconhecer e destruir células que sofreram mutação, antes de se transformarem em neoplasias, é apoiado pelo fato de indivíduos imunodeprimidos apresentarem uma maior incidência de tumores. Apesar disso, as células tumorais são capazes de driblar essa vigilância e se instalarem no organismo (DUNN et al., 2002; BERGMAN, 2009; BERGMAN, 2010), pois uma das formas do tumor não ser atacado pelo sistema imune é o não reconhecimento dos seus antígenos tumorais (ABBAS & LICHMAN, 2005; BERGMAN, 2010). As vacinas contra o câncer representam um dos meios mais desafiadores e multidisciplinares para o tratamento dos pacientes. Teoricamente, pacientes que recebem este tipo de vacina adquirem a capacidade de montar uma resposta imune contra o câncer, mantendo-o sob controle, retardando sua recorrência e prolongando a sobrevivência. Vacinas compostas por proteínas são capazes de gerar respostas por células CD4 (restritas ao MHC-II), com menor indução de células citotóxicas (KALINSKI el al., 2009). Diante da necessidade da formação de complexos com os antígenos tumorais para atingir o sucesso do estímulo imunológico, podemos sugerir que alguns animais apresentaram uma melhor transfecção do DNA, melhor complexação com antígenos 31 tumorais e consequentemente melhor estímulo imunológico, o que poderia explicar as diferentes respostas individuais do tratamento. A dose e volume utilizados e a forma de aplicação merecem estudos posteriores e, possivelmente, se individualizadas, podem gerar respostas mais eficazes. 32 4- Conclusões Os resultados obtidos nesta pesquisa, de acordo com o protocolo experimental empregado permitem concluir: 1. O imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65 não foi capaz de provocar regressão total dos tumores mamários que receberam a aplicação, nem tampouco de outros que as cadelas apresentavam; 2. O imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65 produziu efeitos sistêmicos uma vez que provocou regressão parcial de tumores não aplicados; 3. O imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65 produz mínimos efeitos adversos, os quais não comprometem a saúde do animal tratado; 4. O prognóstico das cadelas portadoras de tumores mamários malignos tratados com o imunomodulador DNA-HSP65+proteína-HSP65 se assemelhou ao obtido com a mastectomia radical, até onde pode ser acompanhado. 33 CAPÍTULO 3 – Avaliação Imunológica de Cadelas com Tumores Mamários Malignos Submetidas à Imunoterapia com DNA-HSP65+Proteína HSP65 RESUMO – A procura de novas estratégias de tratamento para o câncer de mama em cadelas, associado ao crescente avanço da imunoterapia motivaram o desenvolvimento deste estudo, tendo em vista que a quimioterapia nestes tumores não apresenta os efeitos desejados. A HSP-65 é uma proteína de choque térmico com grande potencial imunoestimulante, tanto da resposta imune inata quanto da adaptativa. Baseado nesta característica, o objetivo deste trabalho foi avaliar a eficácia e o potencial imunoestimulatório do imunoterápico DNA-HSP65+proteína-HSP65 em cadelas 12 portadoras de tumores mamários malignos. As cadelas receberam um total de três doses do imunoterápico via intratumoral, com intervalo médio de 15 dias entre as aplicações. O potencial imunoestimulante foi avaliado antes do início do tratamento e aproximadamente 15 dias após a última aplicação do imunoterápico DNAHSP65+proteína-HSP65. A citometria de fluxo foi utilizada para identificação de células natural killers (NK) ativadas, células B e T, CD4 e CD8, monócitos, monócitos ativados, macrófagos e células dendríticas, além da avaliação da proliferação espontânea de células mononucleares. A produção de anticorpos anti-HSP65 foi conduzida pelo teste ELISA. A imunoterapia não promoveu estímulo imunológico sistêmico significativo detectado, apesar de ter provocado regressão parcial em nove (22,5%) dos 40 tumores presentes nas cadeias mamárias das cadelas. Todas as cadelas apresentaram anticorpos anti-HSP65 antes do tratamento e aumento dessa resposta após. A proliferação leucocitária, apesar de não significativa, foi maior quando estimulada pela HSP65 após o tratamento em cinco cadelas. Apesar dos indícios clínicos do efeito sistêmico do tratamento, as cadelas não foram capazes de apresentar uma reposta imunológica sistêmica efetiva que pudesse ser comprovada pelos testes realizados. É possível que o efeito imune da aplicação da vacina DNA-HSP65+proteína HSP65 seja melhor detectado in situ do que sistemicamente. Palavras-chave: cadela, HSP65, imunoterapia, neoplasia, tumor de mama, vacina gênica, sistema imune. 34 1-Introdução O câncer de mama é a neoplasia mais comum em cadelas (GORMAN & DOBSON, 1995; ZUCCARI, 2001), representando aproximadamente 52% de todas as neoplasias observadas em fêmeas desta espécie (GORMAN & DOBSON, 1995; PEREZ-ALENZA, 1998; ZUCCARI, 2001). Aproximadamente em 25% dos casos de tumores mamários malignos, as cadelas apresentam metástases no momento do diagnóstico (KITCHELL, 1995; OGILVIE & MOORE, 1995; MORRISON, 2002). A grande incidência dessa doença e a preocupação cada vez maior com os animais de estimação estimulam a investigação de novos e mais efetivos protocolos de tratamento. Teoricamente, o sistema imune teria a capacidade de tão logo um agente agressor penetrasse no organismo, ou antígenos “nonself” fossem detectados, estes seriam reconhecidos por macrófagos, células NK e linfócitos e eliminados por meio da ação de uma bateria de substâncias líticas ou por apoptose. Embora o sistema imune seja constituído por um arsenal de células, citocinas, interleucinas e quimiocinas, liberadas durante um processo imune, nem sempre a resposta imune é desencadeada em sua totalidade, ou mesmo se torna efetiva (GREENBERG, 2004, ABBAS & LICHMAN, 2005; BERGMAN, 2010, VERGATI, 2010). A imunidade inata e imunidade adquirida são responsáveis pelas respostas antitumorais. A imunidade inata reconhece rapidamente antígenos “nonself”, desencadeando uma resposta protetora mediada por células e fatores humorais direcionados. As principais células envolvidas neste tipo de imunidade são os neutrófilos, macrófagos, monócitos, células dendríticas, células NK, basófilos, eosinófilos e o sistema complemento. As células dendríticas apresentam antígenos tumorais aos linfócitos T, além de serem grandes produtoras de IFN-γ. Por sua vez, as células NK, além de produzirem citocinas, podem lisar células tumorais quando se ligam a receptores e a moléculas de MHC (complexo de histocompatibilidade) de outras células apresentadoras de antígenos. A imunidade adquirida é responsável pela resposta adaptativa, específica contra a célula transformada. As células responsáveis por este tipo de resposta são os linfócitos B e T, produzindo anticorpos antígenoespecíficos que se ligam a célula do tumor e desempenham atividade tumoricida, ou 35 ativando células citotóxicas (CD8) e helper (CD4), respectivamente. A ativação das células citotóxicas e helper desencadeiam uma serie de eventos, com produção de citocinas que visam destruir a célula transformada (DUNN et al., 2002; ZITVOGEL et al, 2006; SANTOS, 2008; BERGMAN, 2010, VERGATI, 2010). A indução de células CD8+ ativadas depende de sua interação com outras células, particularmente as CD4+ e as células apresentadoras de antígenos. Todavia, a maioria das imunoterapias buscar estimular a resposta imume mediada por células contra antígenos tumorais (ROSENBERG et al., 2004). As HSPs atuam como chaperonas moleculares e mostram atividade adjuvante, participam na apresentação de antígenos (SRIVASTAVA et al., 1998), assim como medeiam a maturação fenotípica e funcional de células dendríticas (BINDER et al., 2000). Por todas essas potencialidades, elas são usadas em várias estratégias na imunoterapia do câncer (JANETZKI et al., 2000; OKI & YOUNES, 2004). Os complexos HSP-peptídeos são formados, preferencialmente, dentro das células, sendo liberados quando ocorre apoptose das mesmas e, no meio extracelular, interagem com receptores de células dendríticas, como TLR2, TLR4, CD14, LOX1 ou CD40. Essa interação pode levar a maturação fenotípica e funcional dessas células, com consequente liberação de quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias (IL-12 e TNFalfa), aumento da expressão de moléculas MHC de classe II e moléculas coestimulatórias como CD86 e CD40 (BINDER et al., 2002). Outra via de ativação ocorre quando os complexos HSPs-peptídeos interagem com o receptor CD91 das células dendríticas, culminando com o processamento e apresentação do peptídeo conjugado, tanto em contexto de apresentação cruzada por moléculas MHC classe I, quanto classe II. Como resultado, ocorre ativação de células CD8 e CD4, que são específicas para os peptídeos conjugados (MATSUTAKE & SRIVASTAVA, 2000). Associado às características da HSP65 em estimular o sistema imune com a vantagem desta molécula em poder se associar ao repertório de antígenos do tumor tratado, mesmo que estes não estejam bem caracterizados, a imunoterapia com a HSP65 se torna promissora para o tratamento de diversos tipos de câncer. 36 O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito e a estimulação da resposta imune em cadelas com tumores mamários malignos tratados com a vacina DNA-HSP65+proteína HSP65. 37 2- Material e Métodos 2.1- Grupo experimental Participaram do estudo fêmeas caninas que obedecessem os seguintes critérios de inclusão: (I) diagnóstico de tumor mamário maligno localizado ou metastático; (II) ausência de doença concomitante, ou de outras neoplasias não mamárias; (III) último tratamento quimioterápico ou cirúrgico há mais de 30 dias, quando realizado. O critério de exclusão foi a presença de tumores mamários ulcerados ou necrosados. Os tumores de maior volume foram submetidos à biopsia, após anestesia das cadelas, para se obter o diagnóstico histopatológico. O processamento histopatológico obedeceu as normas de fixação, inclusão e coloração do Departamento de Patologia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal. Participaram do estudo 12 cadelas adultas portadoras de tumores mamários (seis carcinossarcomas, três carcinomas simples e três carcinomas complexos) que receberam tratamento com a vacina contendo o gene heterólogo DNA- HSP65+proteína-HSP65. Todas as cadelas passaram por avaliação clínica previa, durante e após o tratamento. Os tumores foram estadiados antes e após o tratamento, de acordo com o TNM modificado (OWEN, 1980) (Anexo 1). O projeto foi aprovado (protocolo 0020418-08) pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal (Anexo 2), e os proprietários de todos as cadelas assinaram um termo de livre consentimento autorizando a entrada das mesmas no experimento. 2.2- Imunoterapia Cada cadela recebeu DNA (2mg por dose) + proteína-HSP65 (200µg por dose) em um volume fixo de 1,0mL por meio de aplicações intratumorais, totalizando três aplicações com intervalo médio de 15 dias entre elas. As cadelas foram acompanhadas clinicamente por um ano e três meses após o tratamento. As cadelas, no momento da aplicação da vacina, foram contidas manualmente em decúbito lateral, de forma que o tumor a ser tratado ficasse voltado para cima. Após 38 posicionamento adequado, todos os tumores foram medidos com auxílio de um paquímetro digital, antes de cada uma das etapas do tratamento e aproximadamente 15 dias após o mesmo. Foram tomadas três medidas em milímetros da largura (L), comprimento (C) e altura (A) dos tumores. O volume tumoral foi calculado multiplicandose as medidas obtidas: LxCxA (mm3). A seguir, as cadelas recebiam a aplicação da vacina com auxilio de seringa hipodérmica no tumor de maior tamanho, selecionado no início do tratamento. A avaliação clínica do tratamento foi realizada levando-se em consideração o volume inicial e final de todos os tumores, sendo classificados em: redução (redução de 30% ou mais do volume inicial do tumor), estável (redução de menos de 30% ou aumento de até 20% do volume inicial do tumor), e progressão (aumento de mais de 20% do volume inicial do tumor). 2.3- Avaliação da imunidade Todas as técnicas laboratoriais utilizadas nos experimento foram conduzidas no laboratório de pesquisa do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto, sob responsabilidade do Prof. Dr. Célio Lopes Silva. 2.3.1 - Ensaio Imunoenzimático (ELISA): A resposta de anticorpos específicos antiHSP65 foi avaliada pelo teste ELISA, pela detecção de anticorpos das classes IgG1 (cat. E40-120, ELISA Quantitation Set, Bethyl Laboratories) e IgG2a (cat. E40-121, ELISA Quantitation Set, Bethyl Laboratories) nas amostras de soro das cadelas préimunes (dia zero) e depois, ao final dos tratamentos (em média 17 dias da última imunização). A cobertura da placa foi feita com 100µL/poço de proteína HSP65 diluída em tampão de ligação na concentração 5µL/mL. As reações inespecíficas foram bloqueadas com 200µL/poço de tampão de bloqueio com incubação de uma hora a 37ºC. As placas foram protegidas da luz e incubadas por duas horas a 37ºC com 100µL das amostras de soro nas diluições pretendidas. A placa foi incubada com o anticorpo biotinilado diluído a 1:1000 (100µL/poço) em tampão de bloqueio por 1 hora a 37ºC. Após a lavagem com PBS, a reação foi marcada com Strep AB HRP (DAKO®) e revelada com 100µL/poço de solução de OPD (Sigma®), protegida da luz, por 39 aproximadamente 15 minutos. A reação foi interrompida com 50µL/poço de H2SO4 a 16% e lida em leitor de ELISA a 490nm. 2.3.2 - Separação de células mononucleares: as células mononucleares foram isoladas a partir de 20-40mL de sangue periférico, coletados em tubos heparinizados, por meio de punção venosa. Amostras de sangue foram diluídas (1:1) em solução salina isotônica e separadas em gradiente de Ficoll-Hypaque, com densidade 1.077g/L (FicollPaque PLUS, Amersham Biosciences, Suécia). Após centrifugação a 720xg por 30 minutos, o anel de células mononucleares foi coletado e ressuspenso em salina e centrifugado a 720xg por 10 minutos. As células foram lavadas em salina e centrifugadas a 180xg duas vezes para a remoção de plaquetas. 2.3.3 - Citometria de fluxo: A citometria de fluxo foi utilizada para identificação de células NK ativadas, células B e T, CD4 e CD8, monócitos ativados, monócitos expressando MHC II, macrófagos e células dendríticas, de acordo com a Tabela 1. Tabela 1- Relação dos anticorpos produzidos pela Becton Dickinson e utilizados na citometria de fluxo, com número de catálogo e volume empregado, Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. TUBO tubo 1 tubo 2 tubo 3 tubo 4 tubo 5 tubo 6 tubo 7 ANTICORPO CD94 APC CD58 PE CD81 APC CD80 PE CD14 PECy7 HLA-DR PE CD14 PE Cy7 CD95 PE Cy5 CD14 PECy7 CD11c PE CD95 PE Cy5 CD14 PE Cy7 CD11b PE COCKTAIL A (APC, FITC, PE) COCKTAIL B (APC, PE, FITC) MARCAÇÃO células NK monócitos coestimulados monócitos expressando MHCII células dendríticas macrófagos Pan T CD4 CD8 Pan T Célula B T ativada CATALOGO e VOLUME 559876 10µL 555921 10µL 551112 10µL 553769 10µL 557742 2µL 555812 10µL 557742 2µL 559773 10µL 557742 2µL 555392 10µL 559773 10µL 557742 2µL 555388 10µL 558699 10µL 558704 10µL 40 As amostras de sangue foram distribuídas em tubos FACS em um volume de 100mL por tubo (1 x 106 células), e incubadas durante 30 minutos, a 4ºC, com anticorpo anti-CD16/CD32 (Fc BlockTM- PharMingen), na concentração de 0,5 µg/106 células. Posteriormente, essas células foram incubadas por 30min a 4ºC, protegida da luz, com os anticorpos monoclonais de interesse. Após esse período de incubação, as células foram centrifugadas e ressuspensas em 200µL de PBS contendo 1% formol para a fixação das células. As preparações celulares foram adquiridas em FACSortTM (Becton & Dickinson, San Diego, CA, USA). As células diferenciadas e estimuladas in vitro foram selecionadas inicialmente considerando os parâmetros de tamanho e granularidade. Em seguida, as células foram analisadas quanto à expressão dos receptores de interesse. Os estudos citofluorométricos foram realizados num prazo máximo de 24 horas após a coleta do sangue. 2.3.4 - Teste de proliferação espontânea de células mononucleares do sangue periférico: as células foram transferidas para um tubo cônico de 15mL (BD Bioscience, Franklin Lakes, NJ, USA), contendo 10mL de PBS estéril (livre de endotoxinas). A suspensão foi centrifugada a 453xg por 10 minutos. Em seguida, as células foram ressuspensas em 1mL de PBS, contadas em câmara de Neubauer, novamente centrifugadas e ressuspensas de forma a terem concentração de 5-10 x 106/mL. Na sequência, um volume igual de solução 5mM de CFSE (carboxyfluorescein succinidyl ester) diluída 1:2000 foi adicionada ao tubo. A incubação foi feita em temperatura ambiente por cinco minutos com agitação periódica. Decorrido o tempo de incubação, foi adicionado SBF (soro fetal bovino, Invitrogen, Carlsbad, CA, USA) em cada tubo (5% do volume total) para interromper o processo de marcação. Novamente, foram adicionados 10mL de PBS estéril (livre de endotoxinas) e a solução foi centrifugada duas vezes a 453xg por 10 minutos. As células foram ressuspensas em RPMI contendo 10% de SBF, contadas e sua concentração acertada para realização do ensaio de proliferação. As células foram então plaqueadas em três poços, respeitando-se que um contivesse apenas o meio de cultura, um segundo acrescido de Con-A e um terceiro HSP65. As células, depois de plaqueadas, foram mantidas em cultivo por três dias e 41 após este período, foram coletadas e lavadas. A proliferação celular foi avaliada por citometria de fluxo, tendo em vista que as células que se proliferam perdem a marcação para CFSE. 2.4- Análises estatística Foi realizada uma análise não paramétrica, o teste de Wilcoxon para comparação dos valores pré e pós-tratamento de células NK ativadas, células B e T, CD4 e CD8, monócitos, monócitos ativados, macrófagos e células dendríticas, produção de IgG1 e IgG2 e proliferação leucocitária, através do programa GraphPad Prism 5. Um valor de p<0,05 foi considerado significativo para todos os parâmetros. 42 3- Resultados e Discussão Foram incluídas no estudo 12 cadelas portadoras de tumores mamários malignos, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão descritos previamente. Os diagnósticos histopatológicos dos tumores que receberam a aplicação do imunoterápico, o TNM e o número de tumores na cadeia mamária de cada cadela estão apresentados na Tabela 2. Se considerarmos somente o tumor que recebeu a aplicação, um animal (8,3%) apresentou regressão parcial do tumor, quatro animais (33,3%) apresentaram estabilidade e sete (58,3%) progressão tumoral (Tabela 2). Considerando a avaliação de todos os tumores da cadeia mamária, seis cadelas (50%) apresentaram regressão parcial de pelo menos um dos tumores. Somando-se todos os tumores de todas as cadelas, encontramos 40 tumores mamários. Quando avaliados os 40 tumores, a aplicação do imunoterápico produziu regressão tumoral em nove deles (22,5%), estabilidade em 12 (30%) e progressão em 19 (47,5%). Apesar de resposta clínica parcial ao tratamento ter sido identificada em 50% das cadelas, os parâmetros imunológicos estudados (células NK ativadas, células B e T, CD4 e CD8, monócitos, monócitos ativados, macrófagos e células dendríticas, produção de IgG1 e IgG2 e proliferação leucocitária) não apresentaram diferenças significativas pelo teste de Wilcoxon nos momentos antes e após os tratamentos (p<0,05). Resultado de outro estudo com a aplicação de DNA de proteína de choque térmico (HSP70) de galinhas em cães mostrou que o tratamento apresentou apenas efeito profilático e não terapêutico após a instalação do tumor, e o efeito profilático efetivo somente após um reforço da vacina aplicado com eletroporação. Os animais recebiam duas aplicações intradérmicas da vacina de DNA-HSP70 e depois eram desafiados com células de TVT e 15 dias mais tarde recebiam um reforço da mesma vacina com eletroporação. Este tratamento garantia a inibição do crescimento tumoral. Quando era seguido o mesmo protocolo descrito, mas recebiam o reforço sem eletroporação, ou quando os animais recebiam três doses da vacina depois da 43 inoculação das células tumorais, o tratamento não era eficaz na inibição do crescimento tumoral (YU, 2011). Tabela 2- Relação das cadelas participantes do experimento com respectivos diagnósticos, TNM, evolução e variação do volume do tumor aplicado, em porcentagem, após tratamento com DNA-HSP65+proteína HSP65, Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. Cadelas Diagnóstico TNM 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinossarcoma carcinoma complexo carcinoma complexo carcinoma complexo carcinoma simples carcinoma simples carcinoma simples II I I I I II II II II II II II evolução do tumor aplicado estável progressão estável progressão progressão progressão estável redução progressão estável progressão progressão % de alteração do volume tumoral - 28% + 60,1% - 27,9% + 141,5% + 47% + 30,3% - 25,9% - 75,1% + 98,8% - 22,7% + 59,7% + 24,5% Embora não se tenha conseguido detectar por meio dos testes empregados a ativação imune pela vacinação, a maioria das cadelas responderam à aplicação do imunoterápico, e isso pode ser observado pelo aumento da produção de anticorpos das classes IgG1 e IgG2 após o tratamento imunoterápico (Figura 1). Figura 1 – Representação gráfica de IgG1 e IgG2 pelo ensaio ELISA, na diluição de 1:100, DO 490nm, antes e 15 dias após o tratamento imunoterápico com DNAHSP65+proteína-HSP65. Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. 44 Todos as cadelas do estudo tinham anticorpos anti-HSP65 antes do tratamento, isso possivelmente se deve ao contato desses animais com Mycobacterium sp. no ambiente, levando a reação cruzada e a produção de anticorpos (FINE, 1995). Apesar de não haver diferença significativa na produção de anticorpos antes e depois do tratamento, observamos que a produção tendeu ao aumento após o tratamento. As cadelas tiveram respostas individuais muito variadas, o que pode ter interferido na significância do teste estatístico. Este aumento na produção de anticorpos mostra que, apesar da vacina ser aplicada por via intratumoral, houve absorção e efeito sistêmico do produto. Todavia, não podemos afirmar se houve a transfecção do DNA para as células do tumor e consequente produção da proteína, responsável pelo estímulo antigênico necessário para a produção de anticorpos (investigação em curso). Este estímulo poderia ter sido desencadeado pela resposta a aplicação da proteína pronta de HSP65, que faz parte da formulação da vacina. No estudo de Santos (2008), após a aplicação de DNA-HSP65 via intratumoral, a proteína recombinante HSP65 de melanoma de camundongos foi recuperada. Contrariamente, Smith (2006) não pode comprovar a transcrição do DNA injetado via intratumoral em pacientes humanos com carcinoma de cabeça e pescoço, empregando Rt-PCR, devido a ocorrência de um resultado falso positivo. Embora as respostas imunológicas sistêmicas das cadelas não terem sofrido alterações significativas após as vacinações, os tumores responderam diferentemente frente ao tratamento. Num mesmo animal houve tumores que progrediram, outros que ficaram estáveis e ainda outros que regrediram, mostrando a complexidade da interação do tumor com seu hospedeiro. As Figuras 2 e 3 mostram os gráficos dos parâmetros imunológicos antes e após o tratamento. 45 Figura 2 – Representação gráfica dos linfócitos T, T ativados, CD4 e CD8, obtidos por citometria de fluxo nos tempos pré e 15 dias após o tratamento com o imunoterápico DNA-HSP65+proteínaHSP65 de cadelas com tumores mamários malignos. Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. 46 Figura 3 – Representação gráfica dos monócitos, células dendríticas, macrófagos, células NK e linfócitos B nos tempos pré e 15 dias após o tratamento com o imunoterápico DNA-HSP65+proteínaHSP65 de cadelas com tumores mamários malignos, obtidos por citometria de fluxo. Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. 47 Não foi possível estabelecer uma relação entre as células imunes (linfócitos T e B, células T ativadas, linfócitos CD4 e CD8, células dendríticas, macrófagos, monócitos, monócitos ativados e células NK) e a resposta clínica em nenhum dos animais. As pequenas variações registradas nos momentos pré e pós-tratamento não foram consistentes, não apresentando nenhum padrão de resposta. A aplicação do imunoterápico intratumoral pode não ter ativado efetivamente as células apresentadoras de antígenos para uma resposta imune sistêmica efetiva. Houve uma resposta imune humoral detectada, contudo estudos apontam que a redução de um tumor estabelecido é conduzida, com sucesso, quando se consegue uma adequada resposta imune celular (KLIMP et al., 2002; BANCHEREAU & PALUCKA, 2005). Para se ter sucesso no reconhecimento e destruição das células tumorais, uma cascata de eventos deve ser iniciada. As células NK podem destruir muitos tipos de células tumorais, especialmente as que expressam moléculas MHC de classe I reduzida e conseguem evadir-se da destruição por célula T. A capacidade tumoricida das células NK é aumentada por algumas citocinas, incluindo interferons e interleucinas (IL-2 e IL12), e os efeitos antitumorais dessas citocinas são parcialmente atribuídos à estimulação da atividade das células NK. As células dendríticas (DCs) são potentes células apresentadoras de antígenos e podem iniciar uma resposta imune através da fagocitose ou pelo processamento de antígenos derivados do tumor (ABBAS & LICHMAN, 2005; BERGMAN, 2010). Para a ativação de células T, as DCs enviam um “sinal de perigo”, como as proteínas de choque térmico ou o interferon- , que são hábeis em reconhecer células transformadas. Isto leva a expressão de moléculas co-estimulatórias, como CD80 e CD40 na superfície das DCs, que migram para o linfonodo drenante do tumor e apresentam o antígeno, ativando os linfócitos T. Os macrófagos são células importantes na ativação da resposta imune humoral e como células efetoras, mediando a lise tumoral. Para isso, precisam ser ativados, por meio do fator ativador de macrófagos (MAF). Os MAF são secretados pelas células T após estimulação antigênica específica. As linfocinas das células T com atividade de MAF são o interferon-γ, o TNF, e o fator de estimulação de colônias de granulócitos-macrófagos. 48 Os macrófagos ativados produzem fatores citotóxicos que medeiam a destruição celular, como o fator de necrose tumoral, que induz trombose nos vasos sanguíneos tumorais, bem como sua ligação às células transformadas e sua lise. Vários mecanismos líticos distintos podem ser ativados, dependendo do MAF responsável pela ativação do macrófago, como a liberação de enzimas lisossomais, de intermediários reativos a oxigênio, óxido nítrico, liberação de proteinases neutras e secreção do TNF (LANA et al., 2001; GREENBERG, 2004; ABBAS & LICHMAN, 2005; BERGMAN, 2010). Uma das hipóteses para explicar a resposta clínica parcial obtida, com alteração do volume tumoral seria a alteração do “status” imunitário dentro do ambiente tumoral (NEESON & PATERSON, 2005), que poderia ser mais significativa do que a resposta imune sistêmica, a qual foi avaliada neste estudo. A resposta imune “in situ” no estudo em tela não foi investigada para se conjecturar apropriadamente sobre esse possível mecanismo de ação da vacina DNA-HSP65+proteína-HSP65. Esta mudança do ambiente tumoral já foi comprovada por Santos (2008), que observou aumento de células CD8 ativadas no estroma tumoral, uma tendência ao aumento de CD4 e aumento de células dendríticas que expressam CD86. Além disso, mostrou que as células CD8 provocavam lise específica de células tumorais. Este mesmo pesquisador também observou aumento da expressão de caspase 3, um marcador de apoptose, nos tumores que foram inoculados com a HSP65. Outra hipótese seria a presença de células T regulatórias prejudicando a eficiência do imunoterápico. Aumento de células T regulatórias e da expressão de IL-10 em cães com câncer já foi observado por Biller et al. (2007). Recentemente, Kim et al. (2011) observaram a presença de célula T regulatórias em carcinomas mamários de cadelas, relacionando seu aumento com pior prognóstico. A presença de células T regulatórias no ambiente tumoral e no sangue periférico dos pacientes poderia ter prejudicado a eficácia da vacina, visto que a presença destas células interfere com a resposta imune de pacientes oncológicos por produzir citocinas como a IL-10 e outros fatores imunes reguladores, além de inibirem a ativação de células T, prejudicando a resposta imune (BAECHER-ALLAN & ANDERSON, 2006; PIERSMA et al., 2008). Achados 49 semelhantes em tumores de mama de mulheres foram descritos (LIYANAGE et al., 2002; BATES et al., 2006). No presente estudo, não avaliamos as mudanças que possam ter ocorrido no ambiente tumoral, nem a presença de células T regulatórias no sangue. A resposta imunológica sistêmica frente ao uso da HSP65 já foi demonstrada em diversos experimentos. Células esplênicas CD4 e CD8 de camundongos imunocompetentes com tumor induzido, tratados intraperitonealmente com células tumorais transfectadas com o DNA-HSP65, mostraram citotoxidade contra as células tumorais in vitro (LUKACS, 1993). Wells et al. (1997) num estudo com camundongos que receberam aplicação de células de melanoma demonstraram in vitro aumento de MHC II em células tumorais transfectadas com HSP65 de Mycobacterium tuberculosis, sendo que estas células foram eficientemente lisadas por linfócitos T citotóxicos. Outro estudo de Li et al. (2006) utilizando camundongos com melanoma tratados com HSP65, mostrou inibição do crescimento tumoral. Victora et al. (2009) em um estudo da imunidade sistêmica, não observou a produção de IFN-γ por células mononucleares de sangue periférico, em resposta a aplicação do HSP65 em pacientes humanos com carcinoma de cabeça e pescoço. Mas, estes autores observaram aumento de interleucina-10 em quatro de 13 pacientes analisados. Frente a estes resultados, outra possibilidade para os pacientes caninos deste estudo, assim como os pacientes humanos estudados por Victora et al. (2009), que não responderem completamente ao tratamento e não apresentarem respostas imunológicas sistêmicas significativas, poderia ser a imunocompetência, já que ambos os estudos foram realizados com pacientes portadores de tumores de ocorrência natural. Diferente de animais laboratoriais singênicos e com tumores induzidos, a presença de tumores espontâneos pode significar uma prévia imuno incompetência do hospedeiro, com falhas na imunovigilância e prevenção de tumores, além de fatores produzidos pelo tumor após sua instalação no hospedeiro, provocando tolerância. Os estudos de TAN (2001) ilustram este debate, pois o autor relata falha no crescimento tumoral e resposta ao desafio com células tumorais, em camundongos utilizando 50 células tumorais 3LL (Lewis lung carcinoma) transfectadas com o HSP de Mycobacterium bovis. Contudo, camundongos com imunodeficiência severa combinada não foram capazes de impedir a progressão tumoral. A proliferação leucocitária, conduzida com leucócitos extraídos de sete cadelas tratadas, não diferiu entre os momentos pré e pós tratamentos com nenhum dos estímulos utilizados (Figura 4). Interessante ressaltar que nos ensaios de proliferação conduzidos somente com meio e com HSP65, houve uma tendência acentuada de proliferação após o tratamento, exibindo inclusive curvas muito semelhantes. Surpreendentemente, no caso do estímulo com a concanavalina-A (Con-A), um potente estimulante de proliferação leucocitária, em três animais houve resposta proliferativa após o tratamento, enquanto quatro apresentaram uma menor taxa de proliferação. Figura 4 – Representação gráfica da proliferação leucocitária apenas com meio, com concanavalina-A (Con-A), HSP65, nos tempos pré e 15 dias após o tratamento com o imunoterápico DNA-HSP65+proteína-HSP65 de cadelas com tumores mamários malignos, marcados com CFSE e lidos por citometria de fluxo. Jaboticabal, SP, Brasil, 2011. Das quatro cadelas que apresentaram aumento na proliferação leucocitária quando estimulados pela HSP65, três delas tiveram seus tumores aplicados classificados como estáveis, muito embora tenha havido diminuição do volume tumoral (diminuições de 28%, 27,9% e 22,7%, dentro da faixa considerada estável). O outro animal que respondeu ao estímulo apresentou progressão tumoral, com aumento de 47% do volume tumoral. Apesar da progressão do tumor aplicado, esta cadela tinha mais dois tumores na cadeia mamária, que sofreram regressão de 55% e 48%. As três cadelas que não responderam ao estímulo da HSP65, com redução na proliferação 51 leucocitária após o tratamento, apresentaram progressão tumoral (aumento de 141,5%, 98,8% e 59,7%). Diferente dos nossos resultados, dos pacientes com carcinoma de cabeça e pescoço avaliadas por Victora et al. (2009), apenas um apresentou proliferação leucocitária em resposta ao estímulo com HSP65. Este paciente também tinha quadro de estabilidade tumoral, com redução de 2% do volume. A resposta de linfoproliferação frente ao estímulo com a HSP65 e mesmo sem estímulo (meio) demonstra que as cadelas não se encontravam em estado de anergia, pois mantiveram a capacidade de resposta leucocitária quando estimuladas. Isto sugere que mediadores químicos liberados pelo tumor ou células T regulatórias possam estar atuando no sitio tumoral impedindo o reconhecimento dos antígenos tumorais pelo sistema imune, e impedindo uma ação efetiva da HSP65, como já descrito em muitos tumores (LIYANAGE et al., 2002; GREENBERG, 2004; ABBAS & LICHMAN, 2005, BATES et al., 2006). Além disto, esse resultado pode indicar que a vacinação com o HSP65 pode potencialmente romper este estado de anergia imposto pelo ambiente tumoral. A vacinação com DNA-HSP65+proteína-HSP65 em posologia mais longa, ou até em outra concentração deve ser encorajada. De todos os parâmetros imunológicos sistêmicos avaliados nenhum deles se mostrou significativo entre os tempos pré e pós tratamentos, apesar disso, observamos respostas que merecem ser avaliadas individualmente. Avaliar as mudanças ocorridas no ambiente tumoral e a presença de células T regulatórias, tanto sistêmicas como no estroma tumoral e relacioná-los com a resposta clínica das cadelas pode auxiliar a compreender os efeitos da vacinação a proporcionar alternativas de tratamento mais adequadas e eficazes. 52 4- Conclusões Os resultados obtidos nesta pesquisa, de acordo com o protocolo experimental empregado permitem concluir: 1. A vacinação intratumoral com DNA-HSP65+proteína-HSP65 em cadelas com tumores mamários malignos não foi capaz de causar regressão completa dos tumores; 2. O tratamento com DNA-HSP65+proteína-HSP65 em cadelas com tumores mamários malignos não foi eficaz em causar estimulação imunológica sistêmica; 3. A regressão, mesmo que parcial, de tumores não aplicados sugere que o imunoterapico DNA-HSP65+proteína-HSP65 tenha provocado efeito sistêmico; 4. As cadelas com neoplasias de mama malignas deste estudo foram capazes de responder, mesmo que fracamente, a estímulos imunológicos, não se mostrando anérgicas. 53 CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS Este é um trabalho pioneiro com o uso de uma vacina gênica codificadora da proteína de choque térmico HSP65 no tratamento do tumor de mama de cadelas. Como em todo trabalho pioneiro, existem várias questões que ainda devem ser pesquisadas e respondidas, o que motiva a continuidade dos estudos sobre o tema, buscando elucidar perguntas não respondidas. Para tanto, algumas perspectivas serão listadas: • Classificar histologicamente o tumor, levando em consideração o grau histológico antes e após o tratamento, na tentativa de relacionar com o comportamento tumoral observado; • Estudar o microambiente tumoral antes e após o tratamento, avaliando a presença de células inflamatórias, da expressão de MHC I, MHC II, determinação da população de células CD4, CD8, linfócitos B, monócitos, células dendríticas e células NK, Foxp3 no ambiente tumoral. Após essa determinação, buscar comparar a resposta in situ com a resposta sistêmica individual de cada cadela; • Determinar citocinas envolvidas no ambiente tumoral, através de RT-PCR antes e após o tratamento, juntamente com a identificação das células presentes, para melhor entender o ambiente tumoral; • Comprovar se a vacina gênica foi eficaz na transfecção do DNA aplicado no DNA da célula tumoral, através de RT-PCR do tecido tumoral antes e após o tratamento; Relacionar os dados clínicos individuais associando aos resultados de todas essas propostas buscando-se subsídios para melhor alicerçarem o tratamento de cada animal. 54 REFERÊNCIAS* AALAMIAN, M. et al. Autologous renal cell cancer vaccines using heat shock proteinpeptide complexes. Urol. Oncol., v.24, p.425-33, 2006. ABBAS, A.K.; LICHMAN, A.H. Imunidade contra tumores. In: Imunologia Celular e Molecular. 5. ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ltda, 2005, p. 401-21. 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T - tumor primário < 3 cm de diâmetro máximo T1 3-5 cm de diâmetro máximo T2 > 5 cm de diâmetro máximo T3 N – linfonodos regionais histologia ou citologia – sem metástases N0 histologia ou citologia – presença de metástases N1 M – metástases distantes metástases distantes não detectadas M0 metástases distantes detectadas M1 I II III IV V CLASSIFICAÇÃO TNM T1 N0 T2 N0 T3 N0 qualquer T N1 qualquer T qualquer N MO M0 M0 M0 M1 65 Anexo 2- Protocolo de aprovação pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal (CEBEA) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, campus de Jaboticabal 66 Anexo 3 – Termo de consentimento dos proprietários para a participação das cadelas no experimento. TERMO DE CONSENTIMENTO Eu, __________________________________________________, portador do RG _________________, autorizo que minha cadela _________________, raça ________________, idade __________, cor______ participe do projeto de pesquisa “IMUNOTERAPIA COM A VACINA HETERÓLOGA DE DNA-HSP65+PROTEÍNAHSP65 DE Mycobacterium leprae EM TUMORES MAMÁRIOS DE CADELAS”, desenvolvido na UNESP de Jaboticabal em conjunto com a Faculdade de Medicina de USP de Ribeirão Preto, sob responsabilidade de Carolina Franchi João e Mirela Tinucci Costa. Me comprometo a comparecer nos horários marcados e permitir que meu animal faça todos os exames necessários para o andamento do projeto e não submeter meu animal a cirurgia sem o conhecimento dos responsáveis pelo projeto. Estou ciente que se trata de um projeto experimental e recebi um folheto explicativo sobre o projeto. Jaboticabal, ___________________. _________________________________________