Tese de Doutorado - BAIP

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
BIOLOGIA DE AGENTES INFECCIOSOS E PARASITÁRIOS
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR E RELAÇÃO FILOGENÉTICA DO
GENOMA COMPLETO DOS ARBOVÍRUS BUSSUQUARA, IGUAPE, ILHÉUS
E ROCIO (FAMÍLIA FLAVIVIRIDAE, GÊNERO FLAVIVIRUS)
DANIELE BARBOSA DE ALMEIDA MEDEIROS
Belém-Pará
2009
DANIELE BARBOSA DE ALMEIDA MEDEIROS
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR E RELAÇÃO FILOGENÉTICA DO
GENOMA COMPLETO DOS ARBOVÍRUS BUSSUQUARA, IGUAPE, ILHÉUS
E ROCIO (FAMÍLIA FLAVIVIRIDAE, GÊNERO FLAVIVIRUS)
Tese
de
doutorado
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação Biologia de
Agentes Infecciosos e Parasitários, do
Instituto
de
Universidade
Ciências
Federal
Biológicas
do
Pará
da
como
requisito para a obtenção do grau de
Doutor
em
Biologia
de
Agentes
Infecciosos e Parasitários.
Orientador: Prof. Dr. Pedro Fernando da
Costa Vasconcelos
Co-Orientador: Prof. Dr. Márcio Roberto
Teixeira Nunes
BELÉM-PA
2009
1
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR E RELAÇÃO FILOGENÉTICA DO
GENOMA COMPLETO DOS ARBOVÍRUS BUSSUQUARA, IGUAPE, ILHÉUS
E ROCIO (FAMÍLIA FLAVIVIRIDAE, GÊNERO FLAVIVIRUS)
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Biologia de
Agentes Infecciosos e Parasitários, do Instituto de Ciências Biológicas da
Universidade Federal do Pará como requisito para a obtenção do grau de
Doutor em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários.
Orientador:
Prof. Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos
Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, IEC
Co-Orientador:
Prof. Dr. Márcio Roberto Teixeira Nunes
Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, IEC
Banca Examinadora:
Profª. Dra. Rita Catarina Medeiros Sousa
Núcleo de Medicina Tropical, UFPA
Prof. Dr. Eduardo José de Melo Santos
Instituto de Ciências Biológicas, UFPA
Profª. Dra. Ana Cecília Ribeiro Cruz
Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, IEC
Profª. Dra. Elizabeth Salbé Travassos da Rosa
Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, IEC
Suplente:
Prof. Dr. Paolo Marinho de Andrade Zanotto
Instituto de Ciências Biomédicas, USP
Prof. Dr. Ricardo Ishak
Instituto de Ciências Biológicas, UFPA
Belém, 27 de Novembro de 2009
2
EPIGRAFE
"A ciência humana de maneira nenhuma
nega
a
existência
de
Deus.
Quando
considero quantas e quão maravilhosas
coisas o homem compreende, pesquisa e
consegue
realizar,
então
reconheço
claramente que o espírito humano é obra de
Deus, e a mais notável."
Galileu Galilei
3
DEDICATÓRIA
Dedico essa tese de doutorado a minha amada
filha, Julia, que veio iluminar à minha vida; aos
meus pais, George e Vanda, pelas incansáveis
horas de dedicação; á minha irmã Cláudia,
pela amizade e carinho; e ao meu companheiro
Marcio Levy, por me ensinar o significado da
palavra felicidade.
4
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus pelos momentos de felicidade, que iluminam e
me dão força para seguir a minha caminhada, e pelos momentos de dificuldade
que me moldam a cada instante para ser um ser humano mais digno a exemplo
do Cristo. Agradeço pela graça da minha filha, tão amada, que cresce forte em
meu ventre e que me realiza nas menores descobertas.
Agradeço a minha família, o alicerce de minha vida: meus pais,
George Medeiros e Vanda Medeiros, pelo eterno cuidado, dedicação e amor;
pelo apoio nos momentos difíceis e de inquietantes decisões; por estarem ao
meu lado a cada passo, a cada pequena conquista e grandes realizações, pois
estes não teriam valor se vocês não estivessem comigo. Agradeço a minha
irmã, pela mulher que hoje desabrocha, pelos momentos de orgulho e pelo
companheirismo e amizade. Agradeço aos meus tios e primos pelos abraços
calorosos de saudade e pelo apoio.
Agradeço ao meu amor, Marcio Levy, pelo companheirismo em
todos os momentos, pelos sorrisos, pelo cuidado carinhoso e por mostrar que
sonhos podem ser reais. Obrigada pela família maravilhosa que tu me
proporcionaste, o nosso amodo filho(a) e a família Levy, que me recebeu de
braços abertos repletos de carinho. Agradeço em especial aos meus sogros,
Salim e Clarice Levy, e a minha cunhada, Claudia Levy, pelo apoio e amizade.
Ao Instituto Evandro Chagas, por me acolher e permitir, desde
minha iniciação científica, o desenvolvimento de meu trabalho.
Agradeço ao Dr. Pedro Vasconcelos por ser mais do que meu
chefe e orientador, por acreditar na minha capacidade e no meu crescimento
profissional e pessoal, pelo apoio em todos os momentos e, principalmente,
pela amizade.
Agradeço
ao
meu
Co-orientador
Márcio
Nunes
pelos
conhecimentos repassados e por me ensinar a fazer ciência, tendo sempre
respeito ao próximo e promovendo a união do grupo.
5
Agradeço a Dra. Elizabeth Salbé, por ser minha parceira de
trabalho, minha amiga, pelo carinho maternal, por ser um grande exemplo de
mulher, de mãe e de profissional a ser seguido.
Agradeço a minha terceira família, a Seção de Arbovirologia e
Febres Hemorrágicas (IEC), pela luta diária, pelos momentos de descontração
e pela parceria a fim de servir à saúde pública e produzir novos conhecimentos.
Em especial às equipes: do laboratório de Raiva e Hantavírus - Armando
Pereira, Lívia Casseb, Taciana Barbosa, Darlene Simith, Ivy Prazeres, pelo o
apoio, compreensão e amizade; do laboratório da biologia molecular - Adriana
Carneiro, Ana Cecília, Helena Baldez, Mayra Silva e Samir Casseb pelo auxílio
nas etapas de sequenciamento e analise filogenética; do laboratório de cultivo
celular, em especial a Eliana Pinto, pelo apoio na infecção dos cultivos
celulares utilizados neste trabalho; aos amigos da registro de amostras,
Osvaldo Vaz e Jefferson Buna, pelo companheirismo.
Agradeço a Dra Amélia Travassos da Rosa pelo apoio na
interpretação dos dados sorológicos.
Agradeço ao Dr. Goro Kuno pela parceria neste trabalho.
Agradeço aos membros do campus Bragança da UFPA, em
especial ao Dr. Marcelo Vallinoto, pelos ensinamentos na área de filogenia.
Agradeço aos meus eternos amigos, Aline Lira, Fabíola Brasil,
Flávia Biondi, Eduardo Santos, Jannifer Chiang, Leda Guimarães e Perpétua
Costa, por estarem sempre ao meu lado, mesmo quando separados pela
distância e pela correria da vida diária.
Agradeço aos meus professores da graduação e pós-graduação,
a Universidade Federal do Pará, à secretaria da pós-graduação, a todos que
contribuíram para o meu crescimento profissional e pessoal, muitíssimo
obrigada.
6
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS...................................................................................
10
LISTAS DE QUADROS E TABELAS.........................................................
14
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS................................
16
RESUMO....................................................................................................
23
ABSTRACT................................................................................................
24
1. INTRODUÇÃO........................................................................................
25
1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS: FAMÍLIA FLAVIVIRIDAE, GÊNERO
FLAVIVIRUS........................................................................................
25
1.2. CICLO BIOLÓGICO............................................................................
28
1.3. CLASSIFICAÇÃO DOS FLAVIVÍRUS.................................................
31
1.4. ESTRUTURA DOS FLAVIVÍRUS........................................................
35
1.5. REPLICAÇÃO DOS FLAVIVÍRUS.......................................................
37
1.6. GENOMA DOS FLAVIVÍRUS..............................................................
43
1.6.1.
Região não-codificante 5’............................................................
45
1.6.2.
Região não-codificante 3’............................................................
46
1.6.3.
Ciclização do RNA viral...............................................................
52
1.7. ESTRUTURAS DAS PROTEÍNAS......................................................
57
1.7.1.
Proteína do Capsídio (C).............................................................
57
1.7.2.
Glicoproteína de membrana (M).................................................
58
1.7.3.
Proteína do Envelope (E).............................................................
59
1.7.4.
Proteína não-estrutural NS1........................................................
62
1.7.5.
Proteína não-estrutural NS2A.....................................................
63
7
1.7.6.
Proteína não-estrutural NS2B.....................................................
64
1.7.7.
Proteína não-estrutural NS3.......................................................
65
1.7.8.
Proteína não-estrutural NS4A.....................................................
66
1.7.9.
Proteína não-estrutural NS4B....................................................
66
1.7.10. Proteína não-estrutural NS5........................................................
67
1.8. FILOGENIA E EVOLUÇÃO DOS FLAVIVÍRUS...................................
68
1.8.1. Evolução e Dispersão dos Flavivírus............................................
75
1.9. RECOMBINAÇÃO ENTRE FLAVIVIRUS.............................................
1.10. FLAVIVÍRUS BRASILEIROS EM ESTUDO.......................................
79
1.10.1. Vírus Bussuquara..........................................................................
79
1.10.2. Vírus Iguape...................................................................................
80
1.10.3. Vírus Ilhéus....................................................................................
80
1.10.4. Vírus Rocio.....................................................................................
82
1.11. RELEVÂNCIA.....................................................................................
84
1.12. OBJETIVOS.......................................................................................
86
1.12.1. Objetivo Geral...............................................................................
86
1.12.2. Objetivos Específicos...................................................................
86
2. MATERIAL E MÉTODOS......................................................................
88
2.1 AMOSTRAS…………………………………………………………………
88
2.2. PROPAGAÇÃO VIRAL EM CÉLULAS VERO…………………………..
89
2.3. EXTRAÇÃO DO RNA……………………………………………………...
89
2.4. TRANSCRIÇÃO REVERSA SEGUIDA DA REAÇÃO EM CADEIA
MEDIADA PELA POLIMERASE (RT-PCR)………………...........…………..
90
2.5. SEQUENCIAMENTO NUCLEOTÍDICO…………………………………
95
8
2.6. ALINHAMENTO DAS SEQUÊNCIAS NUCLEOTÍDICAS…………......
96
2.7. IDENTIFICAÇÃO DOS MOTIVOS CONSERVADOS, SÍTIOS DE
CLIVAGEM, SÍTIOS DE GLICOSILAÇÃO E RESÍDUOS DE CISTEÍNA
NA POLIPROTEÍNA....................................................................................
98
2.8. ESTRUTURA SECUNDÁRIA DAS 5’RNC/ 3’RNC E CICLIZAÇÃO
DO RNA VIRAL...........................................................................................
2.9.
DETERMINAÇÃO
E
ANÁLISE
DE
99
SIMILARIDADE
(BOOTSCANING) DA REGIÃO CODIFICANTE.........................................
100
2.11. ANÁLISE FILOGENÉTICA COMPARATIVA.....................................
101
3. RESULTADOS........................................................................................
102
3.1. ANÁLISE DO GENOMA VIRAL............................................................
102
3.2. REGIÕES NÃO CODIFICADORAS.....................................................
104
3.2.1. Sequências Conservadas...............................................................
104
3.2.2. Estruturas Secundárias das 5’ RNC e 3’RNC e Ciclização do
RNA viral....................................................................................................
107
3.3. ANÁLISE DA POLIPROTEÍNA.............................................................
111
3.3.1. Identificação dos sítios de clivagem, sítios de glicosilação e
resíduos de cisteína..................................................................................
111
3.3.2. Identificação de motivos conservados nas proteínas E, NS3 e
NS5..............................................................................................................
114
3.4. ANÁLISE DE SIMILARIDADE..............................................................
117
3.5. FILOGENIA..........................................................................................
123
3.5.1. Região codificadora .......................................................................
125
3.5.2. Região estrutural.............................................................................
127
9
3.5.3. Região não estrutural....................................................................
130
3.5.4. Filogenia concatenada E-NS5........................................................
133
4. DISCUSSÃO...........................................................................................
135
5. CONCLUSÕES.......................................................................................
162
6. REFERÊNCIAS BICLIOGRÁFICAS.......................................................
165
ANEXO I......................................................................................................
201
ANEXO II.....................................................................................................
202
ANEXO III....................................................................................................
203
ANEXO IV....................................................................................................
204
ANEXO V.....................................................................................................
205
ANEXO VI....................................................................................................
205
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 -
(A)
Crioeletromicroscopia
do
VDEN,
(B)
Mapa
eletrondenso dos flavivírus..................................................
Figura 2 -
35
Formas das partículas virais dos flavivírus (A) partícula
viral imatura; (B) partícula viral madura; (C) esquema das
formas madura e imatura.....................................................
Figura 3 -
(A)
Apresentação
esquemática
do
genoma
36
e
processamento das poliproteínas dos integrantes do
gênero Flavivirus. (B) Topologia e interação dos flavivírus
ao nível da membrana do retículo endoplasmático..............
40
Figura 4 -
Esquema da replicação viral dos flavivírus..........................
42
Figura 5 -
Estrutura secundária da 5’RNC do VNO..............................
46
Figura 6 –
Estrutura secundária preditiva da 3’SL na 3’RNC dos
flavivírus VDEN-2 e VNO.....................................................
Figura 7 –
48
Sequências nucleotídicas de alguns motivos conservados
na região 3’RNC do genoma de flavivírus transmitidos por
mosquitos.............................................................................
Figura 8 –
49
Características das 5’- e 3’RNC de flavivírus transmitidos
por mosquitos, destacando as sequências envolvidas na
ciclização do RNA - CS, CYC, CS1, CS2, RCS2, C3,
RCS3 (caixas) – e as repetições em série presentes no
genoma do VFA...................................................................
Figura 9 –
Sequências nucleotídicas dos terminais 5’- e 3’- de alguns
51
11
flavivírus
transmitido
por
mosquitos,
mostrando
alinhamento entre o genoma de RNA sentido positivo e o
RNA complementar sentido negativo.................................
52
Figura 10 –
Estrutura de ciclização do RNA dos flavivírus.....................
54
Figura 11 -
Representação da árvore filogenética dos flavivírus,
subdivididas nos quatro principais grupos...........................
Figura 12 –
Mapa mundial ilustrando a localização aproximada e
dispersão dos flavivírus........................................................
Figura 13 -
69
76
Esquema da estratégia de amplificação do genoma (RTPCR) e seqüenciamento nucleotídico..................................
90
Figura 14 -
Esquema dos protocolos 5’RACE (A) e 3’RACE.................
93
Figura 15 -
Representação esquemática das 3’RNC dos VBSQ, VIGU,
VILH e VROC em comparação a outros flavivírus
transmitidos
por
mosquitos
dos
grupos:
Encefalite
japonesa, Kokobera, Kedougou, Spondweni e Dengue....... 105
Figura 16 -
Alinhamento
entre
as
sequências
nucleotídicas
conservadas da 3’RNC dos flavivírus transmitidos por
mosquitos do gênero Culex, seguindo a disposição 5’→3,
comparando com os flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e
VROC...................................................................................
Figura 17 -
Estrutura secundária das 5’RNC e 3’RNC dos flavivírus
VBSQ, VIGU, VILH e VROC na ciclização do RNA viral....
Figura 18 -
106
108
Sequências complementares entre as 5’RNC e 3’RNC
(5’CS-3’CS) dos flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC.....
109
12
Figura 19 -
Alinhamento
correspondente
entre
as
sequências
a
5’CYC
(5’RNC)
nucleotídicas
dos
flavivírus
transmitidos por mosquitos do gênero Culex comparando
com as sequências correspondentes dos VBSQ, VIGU,
VILH e VROC.......................................................................
Figura 20 -
Análise
de
similaridade
(Bootscan)
realizada
110
pelo
programa SimPlot, utilizando as sequências dos VBSQ (A)
e VILH (B) como referência..................................................
Figura 21 -
119
Análise de similaridade (Bootscan), utilizando o VROC
como referência. Notar a maior similaridade com o VBAG
e VESL para todo a ORF.....................................................
Figura 22 -
120
Árvore filogenética pelos métodos MV das sequências da
ORF dos flavivírus. Os valores bayesianos foram plotados
dentro de parêntese.............................................................
Figura 23 -
126
Árvore filogenética pelo método MV, com valores
bayesianos inseridos em parênteses, das sequências da
região estrutural dos 32 flavivírus........................................
Figura 24 -
128
Árvore filogenética gerada pelo método de MV e
Bayesiano (valores bayesianos dentro de parênteses)
realizada com as sequências nucleotídicas do gene E de
32 flavivírus..........................................................................
Figura 25 -
129
Árvore filogenética pelos métodos MV e Bayesiano
(valores inseridos dentro dos parênteses) das sequências
da região não estrutural dos 32 flavivírus............................
131
13
Figura 26 -
Árvore filogenética pelos métodos MV das sequências do
gene NS3 (A) e NS5 (B) dos flavivírus.................................
Figura 27 -
Árvore filogenética pelo Método MV concatenada das
sequências parciais dos genes E e NS5 de 38 flavivírus.....
Figura 28 -
132
134
Número de mutações no peptídeo de fusão dos flavivírus
encontrado por Seligman (2008)..........................................
146
14
LISTAS DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 -
Espécies virais e cepas registradas no CITV.................................
Quadro 2 -
Comparação dos tamanhos nucleotídicos das 5’ e 3’RNCs no
genoma de alguns flavivírus...........................................................
Quadro 3 -
33
44
Localização das posições das sequências de ciclização no
genoma de flavivírus.......................................................................
56
Quadro 4 -
Amostras virais utilizadas neste estudo..........................................
88
Quadro 5 -
Iniciadores
utilizados
para
a
técnica
de
RT-PCR
e
sequenciamento nucleotídico.........................................................
Quadro 6 -
Iniciadores específicos para os flavivírus brasileiros utilizados no
protocolo 5’ RACE e 3’RACE.........................................................
Quadro 7 -
94
Sequências do genoma completo dos 32 flavivírus utilizados
para o alinhamento e filogenia neste estudo..................................
Quadro 8 -
91
97
Comparação do genoma dos quatro flavivírus brasileiros em
estudo: tamanho do genoma, regiões codificadoras para
proteínas estruturais e não-estruturais, RNCs...............................
Quadro 9 -
103
Sítios de clivagem dos flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC em
comparação com membros do complexo da encefalite japonesa
e três flavivírus transmitidos por mosquitos procedentes da África
Tabela 1 -
112
Sítios de glicosilação determinado para as proteínas PrM, E e
NS1 pelo programa NetNglyc para os flavivírus VBSQ, VIGU,
VILH e VROC.................................................................................
113
15
Tabela 2 -
Principais domínios das proteínas E, NS3 e NS5 determinado
pelo Pfan para os flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC..............
Tabela 3 -
Percentual de identidade aminoacídica entre os flavivírus VBSQ,
VIGU, VILH e VROC e outros flavivírus transmitidos por Culex...
Tabela 4 -
122
Modelo de substituição nucleotídica determinado pelo critério de
informação de Akaike.....................................................................
Tabela 5 -
114
124
Recíproca das relações antigênicas pelo teste de FC entre os
flavivírus do VROC e VILH com os integrantes do grupo Ntaya e
encefalite japonesa.........................................................................
160
16
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
%
Percentagem
α
Alfa
β
Beta
Δdiv
Divergência genética
μL
Microlitro
µM
Micro molar
3’CYC
Sequência de ciclização conservada na região não-codificadora 3’
3’SL
3’ haste-alça (3’ stem-loop)
5’CYC
Sequência de ciclização conservada na região não-codificadora 5’
A
Adenina
aa
Aminoácidos
AIC
Akaike Information Criterion
Ala
Alanina
AnchC
Âncora hidrofílica C-terminal (proteína do capsídio)
Ans
Asparagina
Arg
Arginina
Asp
Ácido aspártico
AV
Agrupamento de vizinhos
C
Citosina; proteína do capsídio
CDC
Centro para Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease
Control and Prevention)
cDNA
Ácido desoxirribonucléico complementar
17
Cis
Cisteína
CITV
Comitê Internacional de Taxonomia Viral
CS1
Sequência conservada 1
CS2
Sequência conservada 2
DNA
Ácido desoxirribonucléico (Deoxyribonucleic Acid)
dNTPs
Deoxinucleotídeo trifosfato
DTT
1,4-ditiotreitol
E
Proteína do envelope
ECP
Efeito citopático
EDTA
Etileno-diamino tetra acetato de sódio
FC
Fixação do complemento
Fen
Fenilalanina
FHD
Febre hemorrágica do dengue
G
Guanina
g
Grama
Gli
Glicina
Gln
Glutamina
Glu
Ácido glutâmico
His
Histidina
IEC
Instituto Evandro Chagas
IH
Inibição da hemaglutinação
IL
Interleucina
Ile
Isoleucina
Kcal
Quilocaloria
18
KDa
Quilodáltons
L
Litros
Leu
Leucina
Lis
Lisina
M
Glicoproteína de Membrana
MEM
Meio Mínimo Essencial (Minimum Essential Medium)
Met
Metionina
MgCl2
Cloreto de magnésio
Min
Minutos
mL
Mililitro
mm
Milímetro
mM
Milimolar
MP
Máxima Parcimônia
MTase
Metiltransferase
Nm
Nanômetro
NS1
Proteína Não-estrutural 1
NS2A
Proteína Não-estrutural 2A
NS2B
Proteína Não-estrutural 2B
NS3
Proteína Não-estrutural 3
NS4A
Proteína Não-estrutural 4A
NS4B
Proteína Não-estrutural 4B
NS5
Proteína Não-estrutural 5
nt
Nucleotídeos
NTPase
RNA nucleosídeo trifosfatase
19
ºC
Graus centígrados
OMS
Organização Mundial da Saúde
ORF
Matriz de leitura aberta (Open Reading Frame - ORF)
pb
Pares de bases
PBS
Solução salina tamponada (Phosfate buffer solution)
PCR
Reação em cadeia mediada pela polimerase
pH
Potencial hidrogeniônico
PrM
Precursor da glicoproteína de membrana
Pro
Prolina
RCS2
Repetição da sequência conservada 2
RdRP
RNA polimerase dependente de RNA
RE
Retículo endoplasmático
RNA
Ácido ribonucléico (Ribonucleic Acid)
RNAm
RNA mensageiro
RNC
Região não codificadora
RT
Transcrição reversa
RTPase
RNA trifosfatase
RT-PCR
Transcrição reversa seguida da reação em cadeia mediada pela
polimerase
SAM
S-adenosil-metionina
SCD
Síndrome do choque
SCy
Sequência de ciclização
SEARB
Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas
seg
Segundos
20
Ser
Serina
SNC
Sistema nervoso central
SVS
Secretaria de Vigilância em Saúde
T
Timina
Thr
Treonina
Tir
Tirosina
TN
Teste de neutralização
Trp
Triptofano
U
Uracila; Unidade Internacional
UV
Ultravioleta
VAEF
Vírus aedes flavivírus
Val
Valina
VAROA
Vírus Aroa
VBAN
Vírus Banzi
VBDQ
Vírus bussuquara
VBOU
Vírus bouboui
VCFA
Vírus cell fusion agents
VCPC
Vírus cacipacoré
VCXF
Vírus culex flavivírus
VDEN
Vírus dengue
VDEN-1
Vírus dengue sorotipo 1
VDEN-2
Vírus dengue sorotipo 2
VDEN-3
Vírus dengue sorotipo 3
VDEN-4
Vírus dengue sorotipo 4
21
VEH
Vírus Edge Hill
VEJ
Vírus da encefalite japonesa
VEMV
Vírus encefalite Murray Valley
VENT
Vírus entebbe bat
VERO
Células de rim de macaco verde africano linhagem
VESL
Vírus da encefalite São Luis
VFA
Vírus da febre amarela
VIGU
Vírus Iguape
VILH
Vírus Ilhéus
VJUG
Vírus jugra
VKFD
Vírus Kyasanur Forest disease
VKR
Vírus Kamitii River
VKUN
Vírus kunjin
VLGT
Vírus langat
VLI
Vírus louping ill
VMOD
Vírus Modoc
VNJL
Vírus Naranjal
VNO
Vírus do Nilo ocidental
VNTA
Vírus Ntaya
VOHF
Vírus da febre hemorrágica do Omsk
VPOW
Vírus Powassan
VQB
Vírus quang binh
VRB
Vírus Rio Bravo
VROC
Vírus rocio
22
VSAB
Vírus saboya
VSEP
Vírus sepik
VSOK
Vírus sokoluk
VTAB
Vírus tamana bat
VTBE
Vírus tick-borne encephalitis
VTYU
Vírus Tyuleniy
VUGS
Vírus Uganda S
VYOK
Vírus Yokose
23
RESUMO
Os flavivírus são conhecidos por seu complexo ciclo biológico e importância na
saúde pública e na economia mundial. Os aspectos ecológicos e quadros
clínicos estão estreitamente relacionados à filogenia e evolução dos flavivírus.
Este trabalho objetiva a caracterização molecular dos genomas dos flavivírus
Bussuquara (VBSQ), Iguape (VIGU), Ilhéus (VILH) e Rocio (VROC),
determinando relações filogenéticas com os demais integrantes do gênero
Flavivirus. Foi realizado o seqüenciamento completo da região codificadora
(ORF) e regiões não codificantes (RNC) 5’ e 3’; análise da estrutura secundária
do RNA viral e das sequências conservadas da 3’RNC; determinação dos sítios
de clivagem, glicosilação, resíduos Cis e motivos conservados na poliproteína;
e as análises de similaridade e filogenética. Os genomas dos VBSQ, VIGU,
VILH e VROC apresentaram a mesma organização que os demais flavivírus,
medindo 10.815 nt, 10.922 nt, 10.775 nt, 10.794 nt, respectivamente. O padrão
das sequências conservadas da 3’RNC do VBSQ foi RCS2-CS2-CS1,
enquanto que para os VIGU, VILH e VROC foram CS3-RCS2-CS2-CS1. As
características das estruturas secundárias do RNAs dos flavivírus em estudo
foram similares aos demais flavivírus. O número dos sítios de glicosilação das
proteínas PrM, E e NS1 foi distinto entre os flavivírus brasileiros, porém o
padrão 6,12,12 dos resíduos de Cis e do sítios de clivagem permaneceram
conservados. Na proteína E, alterações aminoacídicas pontuais foram
observadas no peptídeo de fusão dos VBSQ, VIGU e VROC, e a sequência do
tripepídeo RGD foi distinta para os quatro vírus em estudo. Os motivos
determinantes das atividades de MTase-SAM da NS5, bem como da helicase e
protease da NS3, permanecem conservados. Dentre os oito motivos da
polimerase viral (NS5), somente os motivos V, VI e VII possuem alguma
substituição nucleotídica para o VILH e VROC. As análises de similaridade
mostram que VBSQ apresenta maior relação com VIGU enquanto que o VILH e
VROC são mais relacionados entre si, porém sendo consideradas espécies
virais distintas. Com base nas análises filogenéticas, características
moleculares do genoma e biológicas, propõem-se a formação de três grupos
genéticos: o grupo Rocio, que agrupa VROC e VILH; o grupo Bussuquara
formado pelos VBSQ e Vírus naranjal e o grupo Aroa que inclui o Vírus Aroa e
VIGU.
24
ABSTRACT
Flaviviruses have been known due their complex biological cycle and their
relevance in public health and global economy. The ecologic aspected and
clinic pictures are related with phylogeny and evolution of flaviviruses. This work
aims the molecular characterization of Bussuquara (BSQV), Iguape (IGUV),
Ilheus (VILH) e Rocio (VROC) flaviviruses genomes, determining their
phylogenetic relationships with others members of genus Flavivirus. The study
included: the full-length sequencing of the four Brazilian flaviviruses; analyzes of
the predictive secondary structure of RNA and conserved sequences in the
3’NCR; determination of cleavage and glicosilation sites, cisteine residues and
conserved motifs in the polyprotein; and similarity and phylogenetic analyzes.
The BSQV, IGUV, VILH and VROC genomes present 10815 nt, 10922 nt,
10775 nt, and 10794 nt, respectively. The conserved standard sequences in
3’NCR of BSQV was RCS2-CS2-CS1, while to IGUV, ILHV and ROCV were
CS3-RCS2-CS2-CS1. The secondary structure of RNA obtained for the
Brazilian flaviviruses were similar to the other flaviviruses. The numbers of the
glicosilation sites to PrM, E and NS1 proteins were distinct among the studied
Brazilian flaviviruses, therefore the pattern 6,12,12 Cis residues and the
cleavage sites were conserved. In the E protein, some singles mutations were
observed in fusion peptide of BSQV, IGUV and ROCV, and the RGD motif were
distinct for the flaviviruses under study. The motif that determines the MTaseSAM activity in NS5, as well as the helicase and protease activity in NS3 were
conserved. Among the eight polimerase motifs in NS5, only the V, VI and VII
motifs were observed single mutations in ILHV and ROCV.
The similarity
analyzes showed that BSQV presents high relationship with VIGU, while ILHV
and ROV were more related among themselves, however those viruses were
considerated distincts species. Based in the phylogenetic analyzes, molecular
and biological characteristics, it was proposed the establishment of three
distinct genetic groups: the Rocio group, grouping ILHV and ROCV,
Bussuquara group formed by BSQV and Naranjal virus; and Aroa group, that
include Aroa virus and IGUV.
25
1. INTRODUÇÃO
1.1.
CONSIDERAÇÕES GERAIS: FAMÍLIA FLAVIVIRIDAE, GÊNERO
FLAVIVIRUS
A família Flaviviridae é composta por vírus cujo genoma é
composto de RNA (Ácido Ribonucléico), não segmentado, sentido positivo, cujo
protótipo é o Vírus da febre amarela (VFA). Essa família compreende três
gêneros: Flavivirus, Hepacivirus e Pestivirus (ICTV, 2005; Lindenbach et al.,
2007), além de dois grupos de vírus não classificados, GBV-C e GBV-A, que
estão aguardando uma classificação formal dentro da família (Lindenbach et al.,
2007).
Quanto ao táxon de superfamília, na qual os vírus de RNA são
classificados quanto à dependência da RNA polimerase, a família Flaviviridae é
membro da Superfamília 2 (Lindenbach et al., 2007); em que, os integrantes da
família Flaviviridae codificam a RNA helicase, que coordena cátions bivalentes
dentro do sítio de catálise (Gorbalenya & Koonin, 1993).
O gênero Flavivirus apresenta 70 integrantes registrados no
Comitê Internacional de Taxonomia Viral (CITV) (ICTV, 2005). A maioria dos
flavivírus, cerca de 53 vírus, são considerados Arbovírus (termo derivado da
expressão em inglês Artrophods-borne virus) por apresentarem um ciclo
biológico
que
envolve
vetores/transmissores
como
artrópodes
hospedeiros
os
hematófagos.
vertebrados
Outros
e
flavivírus
como
são
classificados como agentes zoonóticos e são transmitidos entre roedores ou
26
morcegos, sendo considerados vírus sem vetores ou que o possível vetor
artrópode permanece desconhecido (Karabatsos, 1985; Travassos da Rosa et
al., 1997; Kuno et al., 1998; ICTV, 2005).
Os flavivírus apresentam uma distribuição cosmopolita. A
evolução, o padrão de dispersão e as características epidemiológicas desses
vírus são determinados pela combinação de fatores impostos pelo vetor
artrópode e também pelo hospedeiro vertebrado. Outros fatores associados à
ecologia, quase sempre deletéria, e à atividade humana ao meio ambiente têm,
certamente, contribuindo à disseminação e a emergência dos flavivírus
(Vasconcelos et al., 1992; Zanotto et al., 1995; Lindenbach et al., 2007; Gubler et
al., 2007).
As infecções humanas por flavivírus permitem um espectro clínico
variado, envolvendo desde infecções inaparentes, síndromes febris até formas
severas potencialmente fatais, caracterizadas por encefalites ou por infecções
sistêmicas que culminam no desenvolvimento de síndrome icterohemorrágica
(Barrett, 2001).
Os flavivírus transmitidos por mosquitos incluem vários vírus de
grande importância epidemiológica por causarem doenças em humanos e/ou
animais de interesse econômico e por apresentarem ampla distribuição
geográfica. Cerca de 40 flavivírus já foram associados à infecção humana,
dentre os quais, além do VFA, se destacam o Vírus dengue (VDEN), o Vírus da
encefalite Saint Louis (VESL), o Vírus da encefalite japonesa (VEJ), o Vírus do
Nilo Ocidental (VNO) e o Vírus rocio (VROC), todos capazes de causar
epidemias (Travassos da Rosa et al., 1997, Vasconcelos et al., 1998). O VFA é
27
reconhecido desde o século XVII como responsável por febres hemorrágicas,
sendo que, segundo estimativa realizada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), o vírus acomete cerca de 200.000 pessoas anualmente em países
tropicais e subtropicais da África e América do Sul com a ocorrência de
letalidade de 15% (Monath, 2001).
A Dengue é considerada um dos maiores problemas de saúde
pública nas regiões tropicais e subtropicais, sendo o arbovírus de maior
incidência no mundo. O VDEN, com seus quatro sorotipos reconhecidos VDEN-1, VDEN-2, VDEN-3 e VDEN-4, é endêmico nas regiões tropicais das
Américas, Ásia, África e Oceania e pode causar desde um quadro clínico
inaparente, passando por uma síndrome febril - Dengue Clássico - até formas
mais severas: a Febre Hemorrágica do Dengue (FHD), Síndrome do Choque
do Dengue (SCD) (WHO, 2009). A estimativa da OMS de ocorrência anual de
casos de Dengue Clássico é de 50 a 100 milhões de casos registrados em
mais de 80 países. Desses, 500.000 casos são de FHD com o registro de
20.000 a 25.000 mortes, a maioria das quais em crianças (Gubler, 2006).
Em 1999, o VNO surgiu como um importante patógeno emergente
nas Américas, causando encefalite em equinos e humanos; desde então o
vírus vem se tornando endêmico nos EUA e Canadá e, pouco a pouco, vem
sendo detectado em países latino-americanos (Lanciotti et al., 1999; ElizondoQuiroga et al., 2005).
Dentre os flavivírus já identificados, onze vírus já foram isolados no
Brasil: Bussuquara (BSQV), Cacipacoré (CPCV), VDEN (sorotipos 1, 2, 3 e 4),
VFA, VROC, Iguape (VIGU), Ilhéus (VILH) e Naranjal (VNJL). Os VCPC, VIGU
28
e VNJL não foram isolados de seres humanos, nem relacionados a infecções
humanas (Travassos da Rosa et al., 1997).
1.2.
CICLO BIOLÓGICO
Os flavivírus podem ser transmitidos para humanos e outros
vertebrados por meio da picada de artrópodes hematófagos ou entre
hospedeiros artrópodes, via transovariana (Karabatsos, 1985). A transmissão
para os artrópodes frequentemente necessita que o vírus produza uma elevada
viremia no hospedeiro vertebrado e replique nos tecidos dos artrópodes
infectados. Dois grupos de artrópodes estão envolvidos na transmissão dos
flavivírus: mosquitos e carrapatos (Gubler et al., 2007).
Os artrópodes se tornam infectados durante o repasto sanguíneo.
Após a ingestão, os vírus infectam células do intestino médio, estendendo para
hemocela e então para os vários tecidos, incluindo a glândula salivar. Uma vez
infectada a glândula salivar, o artrópode é capaz de transmitir os vírus através
da saliva para os hospedeiros vertebrados, e nesses, após a replicação viral
em diversos tipos celulares, atingem a corrente sangüínea (Karabatsos, 1985;
Travassos da Rosa et al., 1997; Gubler et al., 2007). O período de tempo entre
a infecção do artrópode através do repasto sangüíneo durante a viremia no
hospedeiro vertebrado até quando as glândulas salivares do artrópode tornamse infectadas é chamado de período de incubação extrínseco. Esse período de
tempo dura de oito a 14 dias e depende da temperatura ambiente, da cepa viral
29
e do vetor. O período de incubação extrínseco não se aplica a vírus
transmitidos por carrapatos (WHO, 1985; Gubler et al., 2007).
A transmissão vertical ou transovariana é a transferência de vírus
entre gerações sem que haja nenhum outro modo de transmissão envolvido.
Ambos os flavivírus, transmitidos por mosquitos e carrapatos, apresentam
transmissão vertical. A transmissão transovariana ocorre quando os ovários
dos artrópodes fêmeas se tornam infectados e o vírus é passado para os ovos.
Quando os ovos eclodem, o vírus é mantido nos artrópodes nos diversos
estágios de vida até a fase adulta. Na transmissão vertical, os ovos em
maturação são infectados quando passam pelo ovoduto (Rosen, 1987). Uma
grande variedade de flavivírus transmitidos por mosquitos apresentam
transmissão vertical em natureza, incluindo VDEN, VFA, VEJ, VNO (Gubler et
al., 2007).
A habilidade dos artrópodes de transmitir os flavivírus depende de
fatores intrínsecos e extrínsecos (Gubler et al., 2001, Kramer & Ebel, 2003).
Um dos principais fatores intrínsecos é a variabilidade genética exibida pelos
artrópodes. Dentre os fatores extrínsecos, observa-se que tanto mosquitos
quanto carrapatos apresentam seus metabolismo e biologia altamente
influenciados pelas condições do ambiente. A temperatura afeta diretamente a
taxa de replicação viral e, consequentemente, o período de incubação
extrínseco. Dentro dos limites de cada espécie, altas temperaturas podem
aumentar a transmissão viral ou podem ocasionar um aumento da taxa de
mortalidade dos mosquitos. Ademais, umidade, períodos chuvosos e
velocidade do vento podem influenciar na taxa de mortalidade, bem como nas
30
características biológicas e comportamentais dos vetores, tais como extensão
de vôo e oviposição (Kramer & Ebel, 2003).
A extensão de hospedeiros vertebrados entre os vetores
artrópodes é bastante variável. Carrapatos geralmente são mais específicos,
mas infestam diferentes hospedeiros em diferentes estágios do seu ciclo de
vida. Sendo assim, carrapatos imaturos podem infectar hospedeiros naturais,
tais como os roedores. Nos estágios de ninfa e fase adulta, os carrapatos
podem se alimentar de outros hospedeiros, como os humanos, permitindo que
vírus zoonóticos de roedores possam infectar o homem, tal como ocorre com o
Vírus da encefalite transmitida por carrapato (do inglês Tick borne encephalitis
vírus - VTBE) (Gubler et al., 2007).
Quanto aos mosquitos, sua preferência por hospedeiros não é
específica. Alguns se alimentam exclusivamente de aves, enquanto outros se
alimentam de mamíferos, sendo, portanto, os vetores de maior importância na
transmissão e disseminação dos flavivírus. Espécies dos gêneros Culex e
Aedes estão mais relacionadas com a transmissão dos flavivírus, muito embora
outros gêneros também possam estar envolvidos na manutenção dos ciclos
biológicos desses vírus, tais como Sabethes sp. e Haemagogus sp. (Travassos
da Rosa et al., 1997; Vasconcelos et al., 1998). Há uma estreita relação entre a
transmissão de flavivírus que causam encefalites por Culex sp., tal como VNO
que é mantido em seu ciclo enzoótico por Cx. pipiens e Cx. restuans, enquanto
que os flavivírus que causam febres hemorrágicas são transmitidos por Aedes
sp., Aedes sp. e Haemagogus sp., como por exemplo VDEN e VFA,
respectivamente (Kuno et al., 1998; Gaunt et al., 2001; Gubler et al., 2007).
31
1.3.
CLASSIFICAÇÃO DOS FLAVIVÍRUS
Dentro do gênero, os flavivírus são categorizados em complexos
antigênicos e subcomplexos, baseado em critérios sorológicos clássicos, ou
dentro de grupo, clados e espécies de acordo com a filogenia (Calisher &
Gould, 2003).
O relacionamento antigênico dos flavivírus é determinado pela
reatividade de testes sorológicos de inibição da hemaglutinação (IH), fixação do
complemento (FC) e neutralização (TN). Assim, os flavivírus são distribuídos
sorologicamente em dois grupos antigênicos: o grupo B e o grupo Vírus da
febre hemorrágica de macaco (Simian hemorrhagic fever virus), existindo ainda
flavivírus não sorogrupados (Karabatsos, 1985; Travassos da Rosa et al., 1998;
ICTV, 2005). Uma classificação antigênica mais antiga determinou a existência
de oito complexos: Os quatro sorotipos do VDEN pertencem ao complexo
Dengue; os VEJ, VESL, VNO, Vírus Kunjin (VKUN), Vírus da Encefalite Murray
Valley (VEMV), entre outros, são grupados no sorocomplexo da Encefalite
Japonesa; VTBE, Vírus Louping ill (VLI), Vírus langat (VLGT), Powassan
(VPOW), Vírus da Febre hemorrágica do Omsk (VOHF) e o Vírus da doença da
floresta Kyasanur (Kyasanur Forest disease virus - VKFD) formam o complexo
das encefalites transmitidas por carrapato; o VFA é o único membro do
complexo da febre amarela; existindo ainda os complexos Tyuleny (Vírus
Tyuleny - VTYU), Ntaya (Vírus Ntaya - VNTA), Uganda S (Vírus Uganda S VUGS) e Rio Bravo (Vírus Rio Bravo - VRB) (Calisher et al, 1989; Pugachev et
al., 2003).
32
O gênero Flavivirus é composto, atualmente, por 53 espécies de
arbovírus, das quais 27 são flavivírus transmitidos por mosquitos, 12 são
transmitidos por carrapatos e 14 são agentes zoonóticos com vetor
desconhecido (Quadro 1) (ICTV, 2005), além dos vírus que estão em processo
de inclusão no gênero: Vírus Tamana Bat (VTAB), isolado de morcego (de
Lamballerie et al., 2002), e os vírus relacionados como flavivírus de insetos:
Vírus agente fusionador celular (Cell fusion agents virus - VCFA) (CammisaPark et al., 1992), Vírus Rio Kamitii (Kamitii River virus - VKR) (Crabtree et al.,
2003), Vírus Aedes flavivírus (VAEF) (Hoshino et al., 2009), Vírus Culex
flavivírus (VCXF) (Hoshino et al., 2007) e Vírus Quang Binh (VQB) (Crabtree et
al., 2009). Esta classificação é baseada nos conceitos de espécie viral e no
conjunto de informações sobre morfologia, organização do genoma, relação
das sequências nucleotídicas, associação com vetor e ecologia viral (ICTV,
2005; Gubler et al., 2007).
Considerando a mortalidade e morbidade, 22 cepas de flavivírus
transmitidos por mosquitos, 13 dos vírus transmitidos por carrapatos e cinco
dos agentes zoonóticos com vetor desconhecido são capazes de causar
doença em humanos (Gubler et al., 2007).
Os flavivírus transmitidos por mosquitos têm evoluído em dois
grupos maiores distintos pela apresentação clínica em humanos e ecologia. Os
flavivírus encefalíticos estão no grupo da encefalite japonesa, incluindo os vírus
VEJ, VNO, VEMV, VROC e VESL. Todos são arbovírus zoonóticos que
apresentam como hospedeiros vertebrados naturais aves e como vetores
mosquitos do gênero Culex (Gubler et al., 2007). O outro grupo inclui o VFA e o
33
VDEN, que são vírus viscerotrópicos e podem causar febres hemorrágicas.
Esses vírus apresentam um ciclo silvestre tendo primatas como hospedeiros
vertebrados e mosquitos do gênero Aedes como principal vetor. Os quatro
sorotipos do VDEN são adaptados aos humanos no ambiente urbano e,
geralmente, não necessitam de ciclo silvestre para a sua manutenção (Gubler
et al., 2007).
Quadro 1 - Espécies virais e cepas registradas no CITV, distribuídos por
grupos e sorogrupos (ICTV, 2005)
GRUPO VIRAL
Aroa
Dengue
Kedougou
Encefalite Japonesa
Kokobera
Ntaya
Spondweni vírus
Febre Amarela
FLAVIVÍRUS TRANSMITIDOS POR MOSQUITOS
ESPÉCIE VIRAL
CEPAS / SOROTIPOS
Vírus Aroa
Vírus Bussuquara
Vírus Aroa
Vírus Iguape
Vírus Naranjal
Vírus Dengue 1
Vírus Dengue 2
Vírus Dengue
Vírus Dengue 3
Vírus Dengue 4
Vírus Kedougou
Vírus Cacipacore
Vírus da Encefalite Japonesa
Vírus Koutango
Vírus Alfuy
Vírus Murray Valley encefalite
Vírus Murray Valley encephalitis
Vírus St. Louis encefalite
Vírus Usutu
Vírus Kunjin
Vírus Nilo do Oeste
Vírus Nilo do Oeste
Vírus Yaounde
Vírus Kokobera
Vírus Kokobera
Vírus Stratford
Vírus Bagaza
Vírus Ilheus
Vírus Ilhéus
Vírus rocio
Vírus Israel turkey
meningoencefalomyelite
Vírus Ntaya
Vírus Tembusu
Vírus Spondweni
Vírus Zika
Vírus Zika
Vírus Banzi
Vírus Banzi
Vírus Bouboui
Vírus Edge Hill
Vírus Jugra
Vírus Potiskum
Vírus Saboya
Vírus Saboya
Vírus Sepik
Vírus Uganda S
Vírus Wesselsbron
Vírus da febre amarela
SIGLA
(VAROA)
(VBSQ)
(VIGU)
(VNJL)
(VDEN- 1)
(VDEN- 2)
(VDEN- 3)
(VDEN- 4)
(VKED)
(VCPC)
(VEJ)
(VKOU)
(VALF)
(VEMV)
(VESL)
(VUSU)
(VKUN)
(VNO)
(VYAO)
(VKOK)
(VSTR)
(VBAG)
(VILH)
(VROC)
GENBANK
b
AF013362
NC009026*
NC009027*
b
AF013390
NC001477*
NC001474*
NC001475*
NC002640*
NC012533*
b
AF013367
NC001437*
b
AF013384
a
AF013360
NC000943*
NC007580*
NC006551*
a
EU074020
NC009942*
b
AF013413
NC009029*
b
AF013407
NC012534*
NC009028*
AF013397*
(VIT)
AF013377
(VNTA)
(VTMU)
(VSPO)
(VZIK)
(VBAN)
(VBOU)
(VEH)
(VJUG)
(VPOT)
(VSAB)
(VSEP)
(VUGS)
(VWESS)
(VFA)
AF013392
b
AF013408
b
AF013406
NC012532*
b
L40951
b
AF013364
b
AF013372
b
AF013378
b
AF013395
b
AF013400
NC008719*
b
EU074020
NC012735*
NC002031*
b
b
34
Quadro 1 - Espécies virais e cepas registradas no CITV, distribuídos por
grupos e sorogrupos (continuação)
FLAVIVÍRUS TRANSMITIDOS POR CARRAPATOS
GRUPO VIRAL
ESPÉCIE VIRAL
Vírus Gadgets Gully
Vírus Kyasanur Forest
disease
Vírus Langat
Vírus Louping ill
flavivírus transmitidos
por carrapatos com
hospedeiros
mamíferos
Vírus Tick-borne encefalite
Grupo do
Entebbe bat
Flavivírus de insetos
SIGLA
(VGGY)
GENBANK
b
AF013374
(VKFD)
X74111
(VLGT)
(VLI-Brit)
(VLI-1r)
(VLI)
(VLI-Span)
(VLI-Turk)
NC003690*
b
D12937
b
X86784
NC001809*
b
X77470
b
X69125
(VOHF)
NC005062*
(VPOW)
(VKSI)
(VRF)
(VTBE-Eu)
(VTBE-Eu)
(VTBE-FE)
(VTBE-Sib)
(VTBE)
(VKAD)
(VMEA)
(VSRE)
(VTYU)
NC003687*
NC006947*
b
AF013398
b
M27157
b
M33668
b
X07755
b
L40361
NC001672*
b
AF013380
b
AF013386
b
X80589
b
X80588
British subtipe
Irish subtipe
Vírus Louping ill
Spanish subtipe
Turkish subtipe
Vírus Omsk hemorrhagic
fever
Vírus Powassan
Vírus Royal Farm
flavivírus transmitidos
por carrapatos com
hospedeiros aves
marinhas
CEPAS / SOROTIPOS
Vírus Karshi
Vírus Royal Farm
European subtipe
European subtipe
Far Eastern subtipe
Siberian subtype
Vírus Tick-borne encefalite
Vírus Kadam
Vírus Meaban
Vírus Saumarez Reef
Vírus Tyuleniy
AGENTES ZOONÓTICOS COM VETORES DESCONHECIDO
Vírus Entebbe bat
Vírus Entebbe bat
Vírus Sokoluk
Vírus Yokose
Vírus Apoi
Vírus Cowbone Ridge
Vírus Jutiapa
Vírus Modoc
Vírus Sal Vieja
Vírus San Perlita
Vírus Bukalasa bat
Vírus Carey Island
Vírus Dakar bat
Vírus Montana miotis
leukoencefalite
Vírus Batu Cave
Vírus Phnom Penh bat
Vírus Phnom Penh bat
Vírus Rio Bravo
TENTATIVA DE INCLUSÃO NO GÊNERO
Vírus Cell fusing agent
Vírus Kamiti River
Vírus Tamana bat
b
(VENT)
(VSOK)
(VYOK)
(VAPOI)
(VCR)
(VJUT)
(VMOD)
(VSV)
(VSP)
(VBB)
(VCI)
(VDB)
NC008718*
b
AF013405
NC005039*
NC003676*
b
AF013370
b
AF013379
NC003635*
b
AF013401
b
AF013402
b
AF013365
b
AF013368
b
AF013371
(VMML)
NC004119*
(VBC)
(VPPB)
(VRB)
AF013369
b
AF013394
NC003675*
(VCFA)
(VKR)
(VTAB)
NC001564*
NC005064*
NC003996*
b
* número de acesso ao GenBank referente ao genoma completo; ª referente à sequência
nucleotídica da poliproteína; b referente ao gene NS5.
Fonte: ICTV, 2005
35
1.4.
ESTRUTURA DOS FLAVIVÍRUS
Os integrantes do gênero Flavivirus possuem partículas virais
esféricas, medindo cerca de 50 nm de diâmetro; são vírus com envelope
lipoprotéico, que envolve o núcleo protéico de aproximadamente 30 nm: o
nuclocapsídio, que é constituído pela proteína C e protege o genoma viral. A
superfície contém duas proteínas virais, as glicoproteínas E (envelope) e
PrM/M (membrana) (Figura 1). A glicoproteína E é o principal determinante
antigênico da partícula viral, media a ligação e a fusão durante a entrada do
vírus na célula. A proteína Pr é um pequeno fragmento proteolítico precursor da
proteína M; é produzida durante a maturação da partícula viral, sendo
encontrada no meio intracelular (Lindenbach & Rice, 2003; Lindenbach et al.,
2007).
prM/E
PrM/E
Bicamada
lipídica
B
Nucleocapsídio
Figura 1 - (A) Crioeletromicroscopia do VDEN, mostrando o envelope viral, no qual estão
inseridas as proteínas estruturais PrM/E, e o nucleocapsídio com aproximadamente 50 nm de
diâmetro; (B) Mapa eletrondenso dos flavivírus, destacando os domínios I, II e III (verde, roxo e
azul, respectivamente) e o peptídeo de fusão (vermelho) da proteína E dos flavivírus. Fonte: (A)
http://www.lightsources.org/cms/?pid=1002693, (B) Adaptado de Lindenbach & Rice, 2003.
36
O Genoma dos flavivírus consiste de um RNA de fita simples de
polaridade positiva, com média de 11.000 nucleotídeos (nt); possui um cap tipo
I (m7GppAmpN2) na extremidade 5’, e metilação do resíduo N2 (cap tipo II) e
cauda poliadenilada na extremidade 3’, que é perdida durante a replicação
quando o RNA viral funciona como RNA mensageiro (RNAm) (ICTV, 2005;
Lindenbach et al., 2007).
Durante cultivos celulares, duas formas virais podem ser
distinguidas: a forma viral madura, encontrada fora das células, possui duas
glicoproteínas associadas ao envelope viral, E e M; e a forma imatura,
exclusiva do meio intracelular, que apresenta o precursor da proteína M, PrM, o
qual é clivado durante o processo de maturação (Figura 2) (Lindenbach et al.,
2007).
A
Vírion imaturo
B
Vírion maduro
PrM
M
E
E
Nucleocapsideo (C)
C
Figura 2 – Formas das partículas virais dos flavivírus (A) partícula viral imatura; (B) partícula
viral
madura;
(C)
esquema
das
formas
madura
e
imatura.
Fonte:
(A)
http://www.purdue.edu/uns/x/2007b/071019CelHockmeyer.html; (B) Lindenbach et al., 2007;
(C) adaptado de Heinz & Allison, 2003.
37
1.5.
REPLICAÇÃO DOS FLAVIVÍRUS
Para o processo de replicação dos flavivírus, diferentes tipos
celulares e de espécies hospedeiras estão envolvidos, sendo utilizados
diversos receptores que proporcionam a adsorção e, em seguida, a entrada e
replicação viral. A infecção em células dendríticas é de particular importância,
por serem os alvos iniciais no processo de infecção (Lindenbach et al., 2007).
Estudos com o VDEN mostraram que a infecção das células dendríticas
depende do receptor DC-SIGN (CD209) - um tipo de Lectina tipo C –, que
participa somente do processo de adsorção viral (Navarro-Sanchez et al., 2003;
Tassaneetrithep et al., 2003). Outras proteínas foram identificadas como
receptores para flavivírus, incluindo as αvβ3 integrina, GRF78 (BiP), a CD14,
glicosaminoglicanas altamente sulfatadas (exemplo: heparan sulfato) (Chen et
al., 1997b; Kroschewski et al., 2003). Ademais, a opsonização das partículas
virais por imunoglobulinas aumentam a infecção de células que expressam
receptores para a porção Fc das imunoglobulinas (Barba-Spaeth et al., 2005).
A internalização das partículas virais é mediada via interação com
proteína tipo Clatrina, que são encaminhadas em direção aos compartimentos
endocíticos perilisossomal, na qual o pH ácido induz a fusão entre o envelope
viral e a membrana da célula hospedeira, liberando o nucleocapsídio para o
citoplasma. Devido à fluidez do capsídio, o RNA viral é disponibilizado para
tradução logo após a fusão entres as membranas. A tradução do RNA viral
produz proteínas que permitem a nova síntese do RNA viral e a montagem de
novas partículas virais (Lindenbach & Rice, 2003; Lindenbach et al., 2007).
38
Uma vez no citoplasma, o RNA viral desempenha três papéis
importantes para a replicação viral: (i) como RNAm para a tradução de todas as
proteínas virais; (ii) molde para a síntese de RNA; e (iii) material genômico
empacotado dentro das partículas virais recém sintetizadas (Lindenbach et al.,
2007).
A eficiência da tradução pode ser o primeiro determinante da
infectividade dos flavivírus. Portanto, esses vírus utilizam diversos mecanismos
para o processo de tradução, incluindo estruturas especializadas dentro das
regiões não codificadoras (RNC) 3’ e 5’. A tradução é dependente da estrutura
cap tipo I e inicia com o scanner ribossomal. O códon de iniciação para muitos
flavivírus transmitidos por mosquitos não apresentam o motivo Kozak, onde se
observa frequentemente a presença de múltiplas sequências AUG próximas
umas das outras (sequências in-frame). Para ajudar a seleção do sítio de
iniciação, o VDEN aparentemente utiliza uma pequena estrutura em grampo
(do inglês hairpin) no gene C para induzir a parada do ribossomo no códon de
parada AUG (Clyde & Harris, 2006)
Uma única cadeia de leitura codifica uma grande poliproteína de
aproximadamente 3.400 aminoácidos (aa), que é clivada co- e póstraducionalmente por proteínas de origem celular e viral em dez proteínas,
sendo três estruturais e sete não-estruturais (ICTV, 2005; Lindenbach et al.,
2007). A sequência da tradução da poliproteína dos flavivírus foi confirmada
com base no mapeamento da tradução de células infectadas pelo Vírus kunjin
(VKUN) (Scheader & Westaway, 1988), na qual o processamento completo se
39
dá em torno de 17 minutos estendido a 30 minutos devido aos processos de
clivagem pós-traducional (Westaway et al., 2003).
Na poliproteína, as proteínas estruturais C-prM-E localizam-se na
porção N-terminal e são seguidas das proteínas não-estruturais NS1-NS2ANS2B-NS3-NS4A-NS4B-NS5 (Chambers et al., 1990; Lindenbach & Rice,
2003). A peptidase do hospedeiro é responsável pela clivagem entre as
junções C/PrM, PrM/E, E/NS1 e 2K-NS4B. A protease serina codificada pelo
vírus é responsável pela clivagem entre as junções NS2A/NS2B, NS2B/NS3,
NS3/NS4A, NS4A/2K e NS4B/NS5. A enzima responsável pela clivagem
NS1/NS2A ainda permanece desconhecida. Uma proetase similar a furina
presente no complexo de Golgi (CG) faz a clivagem da Pr/M durante o
processo de maturação da partícula viral (Figura 3) (Lindenbach et al., 2007).
A síntese do RNA viral ocorre na membrana do retículo
endoplasmático (RE) perinuclear, e pode ser detectada três horas pós-infecção
(Lindenbach & Rice, 1997). Após a tradução do RNA genômico, a síntese do
RNA começa com a formação da fita negativa complementar que é usada
como molde para a síntese do RNA viral de polaridade positiva. Estas fitas são
sintetizadas por um mecanismo semiconservativo envolvendo intermediários
replicativos, contendo regiões de fitas duplas, bem como moléculas de fita
simples nascente e formas replicativas (moléculas de RNA duplex) (ICTV,
2005). A síntese do RNA viral é assimétrica, com o acúmulo da fita RNA
positiva em relação à fita molde (RNA negativa) (Cleaves et al., 1981; Muylaert
et al., 1996). Para a maioria dos flavivírus esse RNA viral metabólico tem sido
descrito como: RNA genômico; uma forma intermediária constituída por dupla-
40
fita; e uma população heterogênea da síntese intermediária, que comumente
apresenta regiões duplex e o RNA padrão recém-sintetizado. Essas duas
últimas formas são reconhecidas como precursores do RNA genômico (Chun &
Westaway, 1985).
(A)
Genoma dos Flavivirus
Cap
RNA viral
5’ m7G
Estrutural
3’ OH
Não estrutural
Poliproteína
?
P
ancC
prM
E
H
NS1 NS2A NS2B NS3x’
R
NS4A NS4B
? Protease desconhecida
M
P
Protease similar a
furina presente no CG
pr
NS5
Sinal para a
peptidase do
hospedeiro
Protease NS3
Topologia das proteínas virais na membrana do retículo endoplasmático
Citoplasma
(B)
NS5
E
NS1
NS
4B
M
Pr
A
B
NS2
2
NS
NS4A
NS3
C
Lumen do RE
Figura 3 – (A) Apresentação esquemática do genoma e processamento das poliproteínas dos
integrantes do gênero Flavivirus. (B) Topologia e interação dos flavivírus ao nível da membrana
do retículo endoplasmático. Fonte: (A) adaptado de ICTV, 2005; (B) Lindenbach et al., 2007.
41
Durante a montagem das partículas virais, são observadas ao
microscópio eletrônico mudanças nas membranas das células infectadas,
principalmente, na região perinuclear. Inicialmente, ocorre a proliferação da
membrana do RE, seguido da formação de estruturas de membranas densas,
que são grupamentos de vesículas de 70 a 200 nm de diâmetro, contendo
material eletrondenso dentro do lúmem do RE rugoso. Essa estrutura continua
acumulando ao longo do processo de infecção, quando elas tornam-se
adjacentes dando origem a uma nova estrutura: aglomeração de membranas,
que parece ser contínua com o RE. O RNA viral acumula em associação às
vesículas empacotadas na região perinuclear (Lindenbach et al., 2007).
As proteínas virais NS2B e NS3 localizam-se nas membranas
aglomeradas para o processo de reorganização da membrana, muito embora
estruturas subcelulares distintas estejam dedicadas ao processamento da
poliproteína versus síntese da replicação, resultando no acúmulo de partículas
virais dentro dos compartimentos do RE. Os vírions nascentes são, então,
transportados, através das vias secretórias, até a superfície celular. O estágio
tardio da maturação viral está associado ao processamento da PrM e da
proteína C, bem como à glicosilação das proteínas E e PrM num mecanismo
similar da glicosilação das proteínas celulares. Finalizando o processo, as
partículas virais maduras são liberadas por exocitose (Figura 4) (Lindenbach et
al., 2007).
42
Partícula viral
1. Adsorção
Tradução
(+) ssRNA
2. Receptor
media a
endocitose
4. Desnudamento
3. Fusão de
membrana
dependente
de pH baixo
Núcleo
5. Tradução
e síntese de
RNA
RE
+ processamento
(-) ssRNA
Formação do
complexo de
replicação
(+) ssRNA
Morfogênese
viral
CG
6. Morfogênese
7. Liberação das
partículas virais
maduras
Alteração de membrana causada
pela infecção por flavivírus
Figura 4 - Esquema da replicação viral dos flavivírus. Fonte: adaptado de Clyde et al., 2006 e www.klinikum.uniheidelberg.de/2-Replication-Cycle.104948.0.html
42
43
1.6.
GENOMA DOS FLAVIVÍRUS
1.6. GENOMA DOS FLAVIVÍRUS
O genoma dos flavivírus apresenta uma única matriz de leitura aberta
(Open Reading Frame - ORF), que é flanqueada por duas RNC, 5’RNC e
3’RNC, com aproximadamente 100 nucleotídeos (nt) e 350 a 700 nt,
respectivamente. São reconhecidos dez genes seguidos no sentido 5’-3’: CprM-E-NS1-NS2A-NS2B-NS3-NS4A-NS4B-NS5 (Figura 3) (Rice et al., 1985;
Chambers et al., 1990; Lindenbach et al., 2007).
As RNCs no RNA genômico de flavivírus podem estar envolvidas na
iniciação da síntese de RNA de sentido negativo e em muitos processos podem
estar relacionadas com a mudança na síntese do RNA de sentido negativo
para a produção de RNA viral da progênie (sentido positivo). Ademais, as
RNCs podem também desempenhar um importante papel no empacotamento
dos vírions nascentes e conter sequências nucleotídicas requeridas para iniciar
a tradução (Markoff, 2003).
Quando se compara a extensão das RNCs dos flavivírus, nota-se
que algumas 5’RNC são extremamente pequenas. De modo geral, a 5’RNC
dos flavivírus transmitidos por mosquitos são menores quando comparadas
com as 5’RNC de flavivírus transmitidos por carrapatos (Quadro 2) (Markoff,
2003).
A extensão das 3’RNCs dos flavivírus está diretamente ligada à
presença ou ausência de uma cauda poli(A). A perda dessa cauda poli(A) em
44
algumas espécies virais é causada por deleções das sequências que
flanqueiam essa estrutura (Markoff, 2003).
Quadro 2 - Comparação dos tamanhos nucleotídicos das 5’ e 3’RNCs no
genoma de alguns flavivírus (Adaptado de Markoff, 2003).
Vírus
5’RNC (nt)
3’RNC (nt)
Genoma (nt)
VDEN-1 cepa WP74
97
466
10.736
VDEN-2 cepa NGC
89
451
10.723
VDEN-3 cepa H87
93
432
10.696
VDEN-4 cepa 814669
101
384
10.649
VEJ cepa JaOAR5982
95
585
10.976
VNO CEPA NY99
96
631
11.029
VEMV
95
614
11.014
VFA cepa 17D
118
511
10.862
VTBE cepa Sofjin
131
518
10.894
VTBE cepa Neudorfl
132
764
10.469
VPOW
111
480
10.839
VCFA
113
559
10.695
1.6.1. Região não-codificante 5’
A região 5’RNC tem por característica não ser completamente
conservada entre os flavivírus, embora possam ser encontradas sequências
45
nucleotíticas com significante homologia entre subgrupos distintos, entre vírus
de um mesmo grupo sorológico e entre cepas de uma mesma espécie viral
(Brinton & Dispoto, 1988), além da formação de uma estrutura secundária com
tamanho, forma e estabilidade termodinâmica similar aos integrantes do gênero
(Markoff, 2003).
A forma secundária consiste de uma haste com uma pequena alça no
topo da estrutura e uma ramificação lateral. Essa estrutura trata-se do
pareamento de bases nucleotídicas por pontes de hidrogênio, que é
invariavelmente
interrompida
por
alças
formadas
pela
aposição
de
nucleotídicos que são incapazes de formar tais ligações intermoleculares. A
ramificação lateral é formada por sequências 3’ terminal da 5’RNC, incluindo o
códon de iniciação da ORF e por nucleotídeos da porção inicial do gene C. A
estabilidade termodinâmica dessa estrutura fica em torno de -17,3 kcal (com
base na sequência do VESL) a -27,8 kcal (para a cepa E101 do VNO). A
conservação dessa estrutura entre os flavivírus evidencia a possível
participação e relevância da 5’RNC na replicação viral (Markoff, 2003) (Figura
5). Por vez, uma segunda haste-alça pode ser observada (Mandl et al., 1993) .
Dentre os processos funcionais, a 5’RNC pode estar envolvida na
tradução do genoma e na complementaridade da cadeia negativa, que serve
de sítio de iniciação da cadeia positiva durante a síntese do RNA (Brinton &
Dispoto, 1988; Lindenbach & Rice, 2003). Ademais, estudos sugerem que
fatores hospedeiro-específicos interagem com a 5’RNC (Li et al., 2002;
Yocupicio-Monroy et al., 2003).
46
Alça
Haste
Ramificação
Figura 5 - Estrutura secundária da 5’RNC do VNO. Nucleotídeos são numerados (seta) a partir
do terminal 5’, excluindo o cap (5’-m7G) (amarelo). Nucleotídeos da ORF começam a partir do
nucleotídeo número 96 e são mostrados em verde. Fonte: Brinton & Dispoto, 1988.
1.6.2. Região não-codificante 3’
A região 3’RNC exibe uma grande variabilidade no gênero, no
entanto, apresenta sequências conservadas entre os flavivírus transmitidos por
mosquitos, sendo estas diferenciadas das sequências observadas no genoma
dos flavivírus transmitidos por carrapatos (ICTV, 2005). Essa variabilidade é
determinada por diferenças no tamanho da região 3’RNC, que é determinada
pela inserção ou deleção de sequências repetidas na porção inicial, o que
contrasta com a região altamente conservada da porção final, quando se
comparam vírus do mesmo sorocomplexo/grupo (Poindinger et al., 1996).
47
A maior estrutura de similaridade entre os flavivírus é reconhecida
como 3’ haste-alça (do inglês 3’ stem loop - 3’SL) - formada por
aproximadamente 30 pontes de hidrogênio -, que difere na sequência primária
entre os flavivírus transmitidos por mosquitos e os transmitidos por carrapatos
(Tilgner et al., 2005; Markoff, 2003; Yu & Markoff, 2005) e apresenta uma
estabilidade térmica em torno de 40 a 45,2 kcal (Khromykh et al., 2001b;
Markoff, 2003). Estudos com VNO e VDEN-2 revelaram regiões funcionais
vírus-específicas e hospedeiro-específicas dentro da 3’SL (Tilgner et al., 2005;
Yu & Markoff, 2005). Outrossim, a região 3’SL pode interagir com muitas
proteínas de relevância funcional, ativando as polimerases virais NS3 e NS5
(Chen et al., 1997a; Cui et al., 1998). Uma pequena haste-alça adjacente,
característica da 3’RNC dos flavivírus, é observada entre os nucleotídeos 90 a
100, sentido 3’→5’, a partir do terminal 3’ do genoma (Markoff, 2003) (Figura
6).
Na
porção
mais
próxima
do
terminal
3’
localiza-se
o
pentanucleotídeo 5’-CACAG, que faz parte de uma região não-pareada dentro
da estrutura 3’SL (Hahn et al., 1987). A função do pentanucleotídeo no ciclo
replicativo dos flavivírus ainda não é conhecida, mas há hipóteses que
sugerem sua participação na ligação celular ou de proteínas virais na estrutura
3’SL durante a síntese do RNA (Khromykh et al., 2001a) (Figura 6).
No sentido 5’ terminal, uma região de 25 nt, reconhecida como
CS1, é bem conservada entre os flavivírus transmitidos por mosquitos e
apresenta uma região pareada complementar (5’CYC) no início do gene do
capsídio (gene C). A complementaridade entre essas sequências para a
48
ciclização é essencial para a replicação dos flavivírus e é requerida para a
seleção do molde de RNA para a sua síntese, no entanto a ciclização do
genoma aparentemente não está envolvida no processo de tradução
(Lindenbach et al., 2007). A CS1 não está presente no genoma dos flavivírus
transmitidos por carrapatos e não é totalmente conservada entre os vírus de
um mesmo grupo (Markoff, 2003).
Figura 6 – Estrutura secundária preditiva da 3’SL na 3’RNC dos flavivírus VDEN-2 e VNO. Em
negrito, destaca-se o pentanucleotídeo 5’-CACAG-3’. Fonte: Markoff, 2003.
Uma ou duas cópias de uma segunda sequência conservada CS2 e RCS2 - também podem ser encontradas em alguns flavivírus
transmitidos por mosquitos, mas não está presente na 3’RNC de flavivírus
transmitidos por carrapatos (Hahn et al., 1987). Deleções na CS2 ou RCS2
tornam os vírus viáveis, mas altamente atenuados (Alvarez et al., 2005a; Lo et
al., 2003).
49
A CS2 localiza-se próximo ao terminal 3’, entre os nucleotídeos
12 a 22 a frente da CS1 (sentido acima, 3’→5’) referente aos genomas do
VDEN, VFA e dos vírus do grupo VEJ. A sequência de 20 nt da CS2 é
completamente conservada entre os vírus do grupo da encefalite japonesa
(VEMV, VNO e VKUN) e entre os quatro sorotipos do VDEN, exceto por uma
substituição simples (G→U) no genoma do VDEN-3 (Figura 7) (Markoff, 2003).
CS2
CS1
Consenso
AGCAUAUUGACACCUGGGAA-AGAC
Consenso
GGACUAGAGGUAGAGGAGACCC
VEMV
....................A....
VEMV
......................
VNO
...................U-....
VNO
......................
VEJ
....................U....
VEJ
......................
VDEN-1
...........G.-.....G-....
VDEN-1
......................
VDEN-2
...........G.-.....G-....
VDEN-3
............U.........
VFA
.C.........G..A.....-....
VFA
..U..................U
CS3 e RCS3 NA 3’RNS DO VEMV
CS3
CCCCAGGAGGACUGGGUUACCAAAGCUG
RCS3
.................A.A......C.
REPETIÇÕES EM SÉRIE NA 3’RNC DO VFA
1
*UAACCGGGAUACAAACCACGGGUGGAGAACCGGACUCCCCACA
2
GA..........U.........C...........G....G...U
3
GA..........A....U....A................A....
Figura 7 – Sequências nucleotídicas de alguns motivos conservados na região 3’RNC do
genoma de flavivírus transmitidos por mosquitos. Deleções na CS1 são representadas por
ponto (.). Substituições nucleotídicas encontram-se destacadas em azul e sublinhadas. Em
vermelho, destaca-se a 3’CYC na CS1. Legenda: VDEN-1 = Vírus do dengue sorotipo 1;
VDEN-2 = Vírus do dengue sorotipo 2; VEMV = Vírus da encefalite Murray Valley; VEJ = Vírus
da encefalite japonesa; VFA = Vírus da febre amarela; VNO = Vírus do Nilo Ocidental;. Fonte:
Adaptado de Markoff, 2003.
50
Não há repetições da CS2 (RCS2) no genoma do VFA. Ao invés,
existem três repetições em série próximas da extremidade 5’ da 3’RNC. A
primeira dessas repetições apresenta 40 nt no genoma do VFA cepa 17D e
inicia no sentido 5’→3’ do terceiro códon de parada encontrado no terminal 3’
de sua ORF (Figura 7).
Muito embora a segunda repetição seja quatro
nucleotídeos maior que a primeira, apenas cinco nucleotídeos diferem entre os
dois segmentos. Similarmente, o terceiro segmento difere do primeiro em
quatro nucleotídeos (Markoff, 2003).
Nos vírus do sorogrupo da encefalite japonesa existe um par
adicional de repetições no sentido 3’→5’ da CS2 e RCS2 na 3’RNC,
designadas de CS3 e RCS3. Esses segmentos apresentam 28 nt de
comprimento. O segmento RCS3 situa-se a partir do nucleotídeo 153 (referente
ao terminal 5’ da 3’RNC), após o códon de parada da ORF do VEMV. São
observados apenas dois nucleotídeos diferentes entre as CS3 e RCS3 do
VEMV (Markoff, 2003) (Figura 8). Segundo Proutski e colaboradores (1997), as
3’RNCs dos flavivírus podem formar uma estrutura secundária, descrevendo
três regiões dentro dessa estrutura caracterizada como elementos centrais: (i)
A região I consiste de sequência nucleotídica, que apresenta grande
variabilidade nucleotídica, localizada no sentido 3’→5’ da CS1, CS2 e RCS2 no
genoma dos flavivírus transmitidos por mosquitos; corresponde, em todos os
flavivírus, a um grande grampo com uma grande ramificação lateral haste-alça,
ou, em alguns casos, uma alça no lado 5’ do grampo principal; (ii) A região II
inclui a CS2 e RCS2 e apresenta uma estrutura secundária distinta entre
51
grupos de flavivírus; (iii) A região III inclui a CS1 e a 3’SL (Proutski et al., 1997;
Markoff, 2003).
ORF
5’
Proteínas estruturais
3’
Proteínas não-estruturais
3’ RNC
5’ RNC
AUG
RCS2
5’CYC
3’SL
CS2 CS1
VDEN-2
3’
CYC
VDEN-4
RCS3
CS3
VJE
VEMV
VNO
VWN
Repetição em série
VFA
Figura 8 – Características das regiões não codificantes (RNCs) dos flavivírus transmitidos por
mosquitos, destacando as sequências conservadas na 3’RNC (CS1, CS2, RCS2, C3, RCS3),
as sequências envolvidas na ciclização do RNA – 5’CYC, 3’CYC – e as repetições em série
presentes no genoma do VFA. Linhas horizontais representam as sequências nucleotídicas
alinhadas das 5’RNC (lado esquerdo) e 3’RNC (lado direito) do vírus VDEN-2, VDEN-4, VEJ),
VEMV, VNO e VFA. Traços verticais voltados para cima representam o códon de iniciação,
AUG, para a tradução da ORF, enquanto que os traços verticais voltados para baixo
representam os códons de parada. A estrutura 3’ haste-alça (3’SL) está representada no
terminal 3’. Legenda: VDEN-2 = Vírus do dengue sorotipo 2; VDEN-4 = Vírus do dengue
sorotipo 4; VEMV = Vírus da encefalite Murray Valley; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VFA
= Vírus da febre amarela; VNO = Vírus do Nilo Ocidental. Fonte: Adaptado de Markoff, 2003.
52
1.6.3. Ciclização do RNA viral
A primeira sequência genômica completa de um flavivírus foi
publicada em 1985, por Rice e colaboradores. Esses autores notaram que as
extremidades 5’- e 3’-terminal do genoma do VFA cepa 17D eram parcialmente
homólogas a uma região complementar no VNO. Em ambos os genomas foi
observado que; (i) dois nucleotídeos 5’-terminal (5’-AG) eram complementares
a dois nucleotídeos 3’-terminal (3’UC); e (ii) a presença de uma pequena região
de cinco nucleotídeos idêntica entre os segmentos proximais do 3’-terminal do
RNA sentido positivo e o 3’-terminal RNA sentido negativo de cada um dos
vírus: as sequências 3’ UGUGU na 3’RNC e a sequência 5’-ACACA na 5’RNC
(Figura 9).
VFA
(+) 5’ AGUAAAUCCUGUGUGC . . . A ACACAAAACCACU 3’
(-) 3’ UCAUUUAGGACACACG . . . UUGUGUUUUGGUGA 5 ’
VWN
(+) 5’ AGUAGUUCGCCUGUGUG . . . A ACACAGGAUCU 3’
(-) 3’ UCAUCAAGCGGACACAC . . . UUGUGUCCUAGA 5 ’
VEMV
(+) 5’ AGACGUUCAUCUGCGUGAGC . . . GAGAAGACCACAGGUCU 3 ’
(-) 3’ UCUGCAAGUAGACGCACUCG . . . CUCUUCUGGUGUCCUGA 5 ’
VDEN-3
(+) 5’ AGUUGUUAGUCUACGUG . . . AUCAACAGGUUCU 3 ’
(-) 3’ UCAACAAUCAGAUGCAC . . . UAGUUGUCCAAGA 5 ’
VKUN
(+) 5’ AGUAGUUUAUCUGUGUGAAC . . . GGUUCGAGA ACACAGGAUCU 3’
(-) 3’ UCAUCAAAUAGACACACUUG . . . CCAAGCUCUUGUGUCCUAGA 5 ’
VJE
(+) 5’ AGAAGUUUAUGUGUGUGAAC . . . GAGGAAGA ACACAGGAUCU 3’
(-) 3’ UCUUCAAAUAGACACACUUG . . . CUCCUUCUUGUGUCCUAGA 5 ’
Figura 9 – Sequências nucleotídicas dos terminais 5’- e 3’- de alguns flavivírus transmitidos por
mosquitos, mostrando alinhamento entre o genoma de RNA sentido positivo e o RNA
complementar sentido negativo. Dinucleotídeos conservados nas extremidades 5’ e 3’ são
mostrados nas caixas em vermelho. A sequência semiconservada pentanucleotídica, ACACA,
é mostrada em destaque (negrito) nas extremidades 3’-terminal dos RNA sentido positivo e
negativo. Fonte: Markoff, 2003.
53
A análise do genoma de flavivírus mostrou que os pares
dinucleotídicos complementares das extremidades do RNA viral (5’-AG/UC-3’)
são altamente conservados entre os flavivírus transmitidos por mosquitos e por
carrapatos, mas não são conservados para o flavivírus de insetos, tal como o
VCFA (5’-GU e GC-3’). Por outro lado, a sequência pentanucleotíca 5’-ACACA3’ e sua sequência complementar não é conservada em posições análogas nas
3’RNC e 5’RNC nos genomas de diversos flavivírus (Markoff, 2003). Além de
participar da formação da ciclização do RNA viral, a sequência 5’-ACACA
também pode atuar como sítio de reconhecimento para a polimerase viral que
pode ser usada durante a síntese do RNA sentido positivo ou negativo (Rice et
al., 1985).
A estrutura secundária do RNA dos flavivírus foi inicialmente
descrita por Hahn e colaboradores (1987), observando a complementaridade,
entre sequências conservadas da 5’RNC e a região conservada que precede o
3’SL, designadas de sequência de ciclização (CYC). Com isso, foi sugerido que
o pareamento entre as 5’CYC e 3’CYC pode, em teoria, permitir a formação da
ciclização do RNA, que ocorre provavelmente durante as fases de sínteses do
RNA viral (Figura 10). Essa conformação supostamente permitiria a polimerase
viral se ligar em ambas as extremidades do RNA molde simultaneamente,
gerando cópias do genoma viral (Hahn et al., 1987). No entanto, a função
dessa estrutura secundária dos RNA genômicos dos flavivírus durante a
replicação viral só foi possível ser comprovada com o estudo de Khromykh &
Westaway (1997).
54
3’RNC
5’RNC
Região Codificante
C
PrM
E
NS1 NS2ANS2B
NS3
NS4A
NS4B
NS5
5’-3’ CYC
5’-3’ CS
5’SCy
3’SCy
5’CYC
5’-3’ SCy
ORF
3’CYC
5’-3’ CYC
ORF
Figura 10 – Estrutura de ciclização do RNA dos flavivírus, mostrando as sequências
conservadas de ciclização (5’CYC, 5’SCy, 3’CYC e 3’SCy) e estrutura secundária das 5’RNC
(SLA, SLB e cHP) e 3’RNC (3’ SL). Legenda: SLA=estrutura principal da 5’RNC, SLB=segunda
haste-alça da 5’RNC; cHP=Harpain da região do capsídio. Fonte: Adaptado de Villordo &
Gamarnik, 2009.
55
A 3’CYC é comum a todos os flavivírus e apresenta localização
variável entre as posições 99 a 112 em relação ao terminal 3’ do genoma
(Quadro 3) e está incluída dentro da CS1 (Figura 8) que também é
semiconservada entre os genomas dos flavivírus transmitidos por mosquitos
(Mandl et al., 1993). Estudos utilizando programas computacionais de análise
de genoma demonstraram que o pareamento de bases ocorre entre a 5’CYC
(5’-UCAAUAUG-3’) e a 3’CYC é através de ligações covalentes e esse
pareamento é essencial para a replicação viral (Westaway et al., 2003). Para o
genoma dos flavivírus transmitidos por carrapatos, duas 5’CYC em potencial
foram identificadas, sendo designadas C1 (5’-GGAGAACAAGA-3’) e C2 (5’GGGGCGGUCCC-3’), mas essas são distintas das 5’CS dos flavivírus
transmitidos por mosquitos (Quadro 3) (Khromykh et al., 2001b; Mandl et al.,
1993).
Mathews e colaboradores (1999) analisando a sequência dos
VKUN e outros flavivírus transmitidos por mosquitos, além dos VTBE e VCFA,
pelo programa MFOLD, revelou que o genoma de todos os flavivírus contém
complementaridade, com polaridade trans, entre as 5’CYC e 3’CYC. Essa
estrutura pode ser ainda mais estabilizada pela presença de nucleotídeos
adicionais não-conservados de um segmento rico em pirimidinas, localizado no
sentido 3’→5’ da 5’CYC, que são complementares a uma região rica em
purinas, situadas próximas a 3’CYC, totalizando 11 ou 12 pareamento de bases
que possibilita a ciclização do RNA dos VFA, VEMV, VNO e VDEN-2, formada
por uma estabilidade termodinâmica de -9,1 kcal (para o VEMV) a -2,3 kcal
(para o VFA). Essa energia livre é suficiente para a formação da estrutura
56
secundária do RNA viral, tendo por base a ciclização dos flavivírus que requer
condições fisiológicas mais baixas (Hsu et al., 1973).
Quadro 3 - Localização das posições das sequências de ciclização (CS) no
genoma de flavivírus (Markoff, 2003).
Flavivirus Transmitido por mosquitos
VÍRUS
CÓDON DE
INICIAÇÃO*
VKUN
97
VEJ
96
VEMV
96
VNO
97
VDEN-1
81
VDEN-2
97
VDEN-3
94
VDEN-4
102
VFA
119
114
VCFA
Flavivírus transmitidos por
carrapatos
114
VTBE
133
VPOW
112
VLI
130
VTBE
133
VPOW
112
VLI
130
LOCALIZAÇÃO DA CS**
5’ CYC (137)
3’ CYC (-104)
5’ CYC (136)
3’ CYC (-111)
5’ CYC (136)
3’ CYC (-111)
5’ CYC (137)
3’ CYC (-105)
5’ CYC (118)
3’ CYC (-103)
5’ CYC (134)
3’ CYC (-103)
5’ CYC (132)
3’ CYC (-103)
5’ CYC (136)
3’ CYC (-99)
5’ CYC (156)
3’ CYC (-112)
5’ (169)
3’(-134)
5’ CS “D” (149)
3’ CS “C” (-471)
5’ C2 (164)
3’ C2’ (-193)
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
UCAAUAUG
AGUUAUAC
CCCCGUUCUGG
GGGGCA-GGUC
GCCAGGG
CGGUCCC
GGGGCGGUCCC
CCCCGAGGGG
5’ C2 (136)
3’ C2’ (-189)
5’ C2 (160)
3’ C2’ (-193)
5’ C1 (115)
3’ C1’ (-81)
GGGGGCGGUCC
CCCCCG-AGG
GGGGGCGGUCC
CCCCCG-AGG
GGAGAACAAGA
CCUCUUGUUCU
5’ C1 (88)
3’ C1’ (-81)
5’ C1 (112)
3’ C1’ (-81)
GGAGAACAAGA
CCUCUUGUUCU
GGAGAACAAGA
CCUCUUGUUCU
GENBANK
D00246,
L24511
M10370
NC000943
M12294
M87512
M20558
M93130
M14931
NC002031
M91671
M91671
U27495
L06436
Y07863
U27495
L06436
Y07863
* – Número da posição do primeiro nucleotídeo do códon de iniciação AUG;
** – 5’ e 3’ sequências de ciclização (CYC). Em negrito, o primeiro nucleotídeo de cada CYC.
Dentro dos parênteses está indicada a posição do primeiro nucleotídeo de cada CYC em
relação aos terminais 5’ e 3’ (sinal negativo) de cada genoma.
57
Alvarez e colaboradores (2005b) mostraram uma segunda
sequência de ciclização na 5’RNC (5’SCy) que provavelmente participa da
estrutura de secundária do RNA viral, que está localizada no sentido 3’→5’ do
códon de iniciação AUG, na segunda haste-alça. Essa 5’ SCy é complementar
a uma região presente dentre da 3’SL, a 3’SCy (Figura 10).
Baseado
na
localização
conservada
das
sequências
de
ciclização, foi proposto que a estrutura secundária do RNA viral apresenta duas
funções importantes no mecanismo de síntese do RNA: (i) promotor do
complexo da polimerase próximo do sítio iniciação 3’; (ii) e promover a
conformação correta do 3’RNC durante o processo de iniciação (Villordo &
Gamarnik, 2009)
1.7. ESTRUTURAS DAS PROTEÍNAS
1.7.1. Proteína do Capsídio (C)
A proteína do capsídio é altamente básica, com massa molecular
de aproximadamente 11 KDa, sendo responsável pela formação do
nucleocapsídio junto com o RNA viral. Resíduos carregados positivamente
estão inseridos nas terminações -N e -C, separados por uma região hidrofóbica
que media a associação da membrana (Lo et al., 2003). A proteína C recém
sintetizada apresenta uma âncora hidrofílica C-terminal (AnchC) que serve
como peptídeo-sinal para a translocação da PrM. Esse domínio hidrofílico é
58
clivado para a maturação da proteína C pela protease serina viral (Lobigs,
1993). A proteína C dobra-se dentro de um dímero compacto com cada
monômero contendo quatro α-hélices. No entanto, não está claro como o
dímero da proteína C é organizado dentro do nucleocapsídio, mas a interação
com o RNA pode induzir dímeros de proteínas C isolados à montagem junto a
partículas ainda não formadas (Kiermayr et al., 2004).
1.7.2. Glicoproteína de membrana (M)
A proteína precursora da glicoproteína M (PrM) com 26 KDa é
translocada para dentro do RE pelo domínio AnchC. A clivagem desse
peptídeo sinal ocorre tardiamente até que a proteína serina viral seja clivada.
Este processo da coordenação da clivagem da AnchC/Pr serve para atrasar o
processamento das proteínas estruturais e a produção viral até que os níveis
da protease serina viral estejam suficientemente elevados (Chambers et al.,
1990; Nowak & Wengler, 1987). A região N-terminal da PrM contém um dos
três sítios de glicosilação e seis resíduos de cisteína conservados (Chiu et al.,
2005), nos quais há a ligação dissulfeto (Nowak et al., 1989).
A principal função da PrM é prevenir que a proteína E sofra rearranjo
por catálise ácida durante o trânsito através da via secretória. A conversão da
partícula viral imatura para o vírus maduro ocorre na via secretória e coincide
com a clivagem da PrM nos fragmentos Pr e M pela protease furina encontrada
no CG ou por enzimas relacionadas (Stadler et al., 1997; Elshuber et al., 2003).
59
A resposta imune humoral contra a PrM/M inclui anticorpos
neutralizantes e conferem proteção em camundongos. Este fato sugere que a
clivagem entre Pr/M pode ser incompleta em uma subpopulação de vírus
maduros e/ou que epítopos protetores podem estar localizados no ectodomínio
da proteína M nas partículas virais maduras (Bray & Lai, 1991)
1.7.3. Proteína do Envelope (E)
A proteína E (53 KDa) é a maior proteína de superfície dos
flavivírus e media a ligação com o receptor celular e a fusão intermembrana. É
sintetizada como uma proteína de membrana tipo II, contendo 12 resíduos
conservados de Cis, que formam as ligações dissulfetos. Para alguns flavivírus,
a proteína E é N-glicosilada (Heinz & Allison, 2003; Lindenbach et al., 2007).
Vem sido proposto que a proteína E dos flavivírus está envolvida
em inúmeras atividades biológicas, incluindo adsorção do vírus ao receptor
celular, fusão de membrana (Heinz & Allison, 2003; Heinz et al., 2004) e
montagem da partícula viral (Li et al., 2006; Limjindaporn et al., 2009).
A proteína E é composta de duas subunidades, cada uma
constituída por três domínios: domínios I, II e III. O contato entre os monômeros
que formam o dímero não é contínuo ao longo de todo o comprimento da
molécula, resultando em um sulco ao longo do eixo do dímero. O contato no
centro envolve sítios hidrofóbicos pertencentes apenas ao domínio II, enquanto
que o contato distal é monopolar e composto por resíduos dos domínios I e III
60
de uma subunidade e a ponta do domínio II da outra subunidade (Heinz &
Allison, 2003)
Com exceção de duas pequenas cadeias α-hélices no domínio II,
as estruturas β-pregueadas constituem a estrutura secundária predominante
em toda a molécula. O domínio I é formado por uma estrutura β-pregueada
com o seu eixo orientado paralelamente à membrana viral. Esse domínio Nterminal contém duas ligações dissulfetos e exibe na superfície uma única
cadeia de carboidrato (Heinz & Allison, 2003).
O domínio II é projetado ao longo da superfície viral por entre as
regiões transmembranas da subunidade homodímero (Lindenbach et al., 2007).
O domínio II é constituído por duas alças descontínuas estendidas a partir do
domínio I. Uma dessas alças é estabilizada por três ligações dissulfetos e
constitui uma estrutura que interage com o sulco hidrofóbico constituído por
resíduos adjacentes da junção dos domínios I e III da segunda subunidade.
Essa alça funciona como peptídeo de fusão (Heinz & Allison, 2003).
O peptídeo de fusão, que media a inserção dentro da membrana
da célula-alvo é localizado na ponta distal do domínio II com relação à região
transmembrana (Lindenbach et al., 2007), correspondendo aos aminoácidos 98
a 110 referente à proteína E do VTBE. Essa sequência é altamente conservada
entre os flavivírus com exceção da posição 104, que é uma Histidina (His) nos
flavivírus transmitidos por carrapatos e uma Glicina (Gli) para os vírus
transmitidos por mosquitos. Ademais, outras variações afetam o aminoácido
107, que é uma Leucina (Leu) para a maioria dos flavivírus, mas que pode ser
61
a Fenilalanina (Fen) no VPOW (Kuno et al., 2001; Ebel et al., 2001), ou uma
Cis em cepas do VEJ (Nitayaphan et al., 1990) e VDEN-2 (Blok et al., 1989).
O domínio III contém a porção C-terminal da proteína e uma
estrutura em prega similar à observada nas imunoglobulinas. Uma única
ligação dissulfeto a conecta ao domínio I através de 15 aa (Heinz & Allison,
2003). Entre os ectodomínios da proteína E e a membrana existe uma pequena
região composta por duas α-hélices que atravessa a membrana e que atua
como âncora para a síntese da proteína E (Lindenbach et al., 2007). No
domínio III da proteína E do VEMV (Hurrelbrink & McMinn, 2001) e VEJ (Lee &
Lobigs, 2000), bem como de outros integrantes do complexo da Encefalite
Japonesa (Gubler et al., 2007), é reconhecido à sequência tripeptídica RGD
(Arg-Gly-Asp) remanescente de um motivo integrina-ligante. Esse motivo
parece estar envolvido na ligação ao receptor celular e é o maior alvo de
anticorpos neutralizantes (Heinz & Allison, 2003; Crill & Roehrig, 2001).
Sequências similares ao motivo RGD também ocorrem no genoma dos vírus
VFA (Van der Most et al., 1999), VDEN (Chen et al., 1997b) e VTBE (Bhardwaj
et al., 2001).
A proteína E contém antígenos conservados grupos-específicos,
que podem ser identificados pelos testes de IH e TN (Vasconcelos, 2003),
determinada, principalmente pela propriedade de hemaglutinina (Casals &
Brown, 1954). O teste de neutralização de redução em placa (PRNT), bem
como o TN é mais específico e utilizado para identificar espécies virais
(Calisher et al., 1989). Quanto à indução da resposta imune, 19 epítopos já
foram caracterizados, 16 dos quais estão contidos no domínio II. A exposição
62
da maioria dos epítopos é dependente da conformação da proteína (Roehrig,
2003). Seis regiões de neutralização foram mapeadas, utilizando anticorpos
monoclonais, em todos os três domínios da proteína E do VTBE, muito embora
as regiões presentes no domínio III sejam fortemente bloqueadores da
adsorção celular (Crill & Roehrig, 2001).
1.7.4. Proteína não-estrutural NS1
A glicoproteína NS1 (46 KDa) é translocada para dentro do RE
durante a síntese e clivagem da proteína E por uma peptidase do hospedeiro
(Falgout et al., 1989; Falgout & Markoff, 1995). A NS1 é formada por
homodímeros e possui um ou dois sítios de glicosilação e 12 resíduos de Cis
conservados que formam as pontes dissulfetos. Não se sabe ao certo como a
NS1 desempenha o seu papel na síntese do RNA, entretanto, é nesta proteína
que estão localizados os sítios da síntese do mesmo (Mackenzie et al., 1996).
Ademais, mutações nos sítios N-ligantes da glicosilação ocasionam efeitos
drásticos na síntese do RNA (Muylaert et al., 1996).
A NS1 pode ser facilmente encontrada dentro das células
infectadas, bem como na superfície celular e é lentamente secretada pelas
células de mamíferos. Uma vez que a NS1 é altamente hidrofílica e perde o
domínio transmembrana, a natureza de sua associação com a membrana
ainda não é compreendida. A função da forma extracelular ainda não foi
esclarecida, no entanto uma forte resposta humoral é ativada contra essa
proteína e os anticorpos contra a forma da superfície celular pode induzir a lise
63
mediada por complemento, sendo por isso designada como antígeno fixador do
complemento solúvel (Lindenbach & Rice, 2003), sendo detectada pelo teste
de FC (Vasconcelos, 2003). Ademais, a forma extracelular foi caracterizada
como o antígeno fixador de complemento presente no soro e tecidos de
animais infectados, tendo o ápice de produção durante a fase aguda da
infecção (Alcon et al., 2002). Anticorpos anti-NS1 específicos podem produzir a
fosforilação da tirosina em proteína de células infectadas pelo VDEN, o que
sugere que a NS1 pode mimetizar importantes moléculas humanas (Chang et
al., 2002).
A NS1 vem sendo alvo de ensaios sorológicos (ELISA)
desenvolvidos para sorotipagem a nível de espécie específica, subcomplexo
específica, bem como complexo-específico (Hall et al., 1995; Shu et al., 2004).
1.7.5. Proteína não-estrutural NS2A
A
NS2A
é
uma
proteína
pequena
hidrofóbica
com
aproximadamente 22 KDa. A extremidade N-terminal é gerada pela clivagem
NS1/NS2A por uma enzima do RE não identificada (Falgout & Markoff, 1995).
A clivagem citosólica da junção NS2A/NS2B pela protease serina viral, indica
uma topologia transmembrana dessa proteína. Estudos sugerem que a NS2A
esteja envolvida no processo de montagem da partícula viral (Liu et al., 2003).
Sítios subcelulares da NS2A interagem com a polimerase das proteínas NS3 e
NS5, bem como com a 3’RNC do genoma (Mackenzie et al., 1998). Portanto, a
NS2A está possivelmente associada com a coordenação da mudança do RNA
64
empacotado para o RNA a ser replicado (Khromykh et al., 2001a). Ademais, a
NS2A pode agir como antagonista de interferon pela inibição de sua
sinalização (Muñoz-Jordán et al., 2003).
1.7.6. Proteína não-estrutural NS2B
A NS2B é uma proteína associada à membrana (12 KDa), que
forma um complexo estável com a NS3, agindo como um cofator NS2B-NS3
protease serina (Falgout et al., 1991). A atividade de cofator encontra-se numa
região hidrofílica central conservada com 40 resíduos (Chambers et al., 1993;
Falgout et al., 1993; Leung et al., 2001), flanqueada por regiões hidrofóbicas
que mediam a associação com membranas (Clum et al., 1997).
Em estudos com o VKUN, um sítio de clivagem inesperado foi
descoberto. Um peptídeo sinal precede o sítio de clivagem da NS2B, mas não
da NS2A, entretanto ambos são clivados depois da sequência conservada ValX-Ala, onde X pode ser qualquer aminoácido, e que revela uma sequência
octapeptídica relativamente conservada. Essa clivagem não-usual pode ser
mediada por uma peptidase celular com uma especificidade bem definida
(Speight et al., 1988). Ademais, durante a expressão da proteína do vírus
amarílico 17D (VFA vacinal), a clivagem do peptídeo sinal precedente de NS4B
é dependente da NS2B-NS3 protease no sítio NS2A/2K (Lin et al., 1993).
65
1.7.7. Proteína não-estrutural NS3
A NS3 é uma proteína multifuncional (70 KDa), exercendo várias
atividades durante o processamento da poliproteína e da síntese do RNA. O
terço N-terminal dessa proteína é o domínio catalítico do complexo NS2A-NS3
protease serina, que está localizada dentro dos primeiros 180 aa, relacionado à
tríade His-Asp-Ser nas posições aminoacídicas 51, 75 e 137, respectivamente
(com base na sequência da NS3 do VKUN), como sítios catalíticos (Li et al.,
1999). As clivagens das junções NS2A/NS2B, NS2B/NS3, NS3/NS4A,
NS4B/NS5, C/AnchC e NS4A/2k ocorre num sítio interno do complexo NS2BNS3, no qual a protease serina cliva preferencialmente após resíduos básicos
adjacentes (Lindenbach et al., 2007).
A região C-terminal da NS3 apresenta significante homologia com
a RNA helicase do supergrupo 2. Apesar da atividade helicase ter sido
demonstrada ou sugerida para muitos vírus de RNA sentido positivo, seu papel
preciso na síntese do RNA ainda permanece desconhecido. Possíveis funções
incluem ligações com regiões da estrutura secundária do RNA envolvidas no
modelo de reconhecimento; aumento da atividade da polimerase pela
eliminação da estrutura secundária, resultando em formas duplex durante o
processo de síntese; e ativação com translocação para a remoção ou
mudanças de ligações de proteínas para o RNA viral. Produtos clivados
contidos nessa região acreditam-se formar componentes enzimáticos da RNA
polimerase (Lindenbach et al., 2007).
66
A estrutura da RNA helicase apresenta três subdomínios, dois
dos quais são conservados em todos os membros da família helicase e está
envolvido na hidrólise de nucleosídios trifosfato e um subdomínio C-terminal,
que pode estar envolvido no reconhecimento de proteínas e RNA vírus
específicos (Lindenbach et al., 2007).
A atividade RNA nucleosídeo trifosfatase (NTPase) e a atividade
de extensão do RNA têm sido demonstradas para muitos flavivírus (Warrener
et al., 1993), do mesmo modo que a atividade RNA trifosfatase (RTPase),
envolvida na desfosforilação da terminação 5’ do RNA genômico antes da
adição do cap tipo II. Ademais, a NS3 se liga a 3’SL em associação a NS5,
tendo sua atividade RTPase aumentada na presença da NS5 (Chen et al.,
1997a; Cui et al., 1998).
1.7.8. Proteína não-estrutural NS4A
A NS4A é uma proteína hidrofóbica (16 KDa). Seu papel na
síntese do RNA é sustentado pela co-localização dessa proteína com
complexos de síntese. Ademais, esta proteína esta envolvida no rearranjo da
membrana (Roosendaal et al., 2006).
1.7.9. Proteína não-estrutural NS4B
A NS4B (27 KDa) é uma proteína hidrofóbica, resultante da
clivagem mediada pela NS2A-NS3 protease serina entre as junções 2K/NS4B e
67
NS4B/NS5. A associação da membrana com a NS4B pode ser independente
do peptídeo sinal 2K, indicando que esta proteína seja uma proteína de
membrana politópica (Miller et al., 2006). A NS4B co-localiza-se juntamente
com a NS3 e com a fita dupla de RNA na estrutura de membrana derivada do
RE, que é presumidamente o sítio de síntese do RNA. De modo similar, a
NS4A, a NS4B pode bloquear a sinalização do tipo I de interferon (MuñozJordán et al., 2005).
1.7.10.
Proteína não-estrutural NS5
A NS5 é uma proteína multifuncional (103 KDa) altamente
conservada tanto em tamanho como na sequência nucleotídica entre os
flavivírus; apresenta atividades metiltransferase (MTase) e de RNA polimerase
dependente de RNA (RdRP). A região C-terminal da NS5 exibe homologia com
a MTase dependente de S-adenosil-metionina (SAM), sugerindo que essa
proteína esteja envolvida na modificação do cap 5’ (Koonin, 1993). A atividade
de polimerase da NS5 tem sido confirmada com NS5 recombinante
(Ackermann & Padmanabhan, 2001; Guyatt et al., 2001). O complexo NS3-NS5
pode estimular as atividades NTPase e RTPase da NS3 (Cui et al., 1998) e se
liga ao 3’SL do RNA genômico (Chen et al., 1997a). A NS5, especialmente a
forma fosforilada, é encontrada no núcleo das células infectadas, podendo
estar envolvida na ativação e secreção da interleucina-8 (IL-8), citocina
envolvida com o recrutamento de células inflamatórias para o sítio de infecção,
o que agrava a infecção viral (Lindenbach et al., 2005).
68
1.8.
FILOGENIA E EVOLUÇÃO DOS FLAVIVÍRUS
Diversos estudos filogenéticos têm possibilitado uma melhor
compreensão sobre a natureza evolutiva dos flavivírus, bem como colaborado
para o entendimento da epidemiologia molecular e dispersão global desses
vírus (Kuno et al., 1998; Gubler et al., 2007).
A comparação de sequências do gene NS5 de 71 flavivírus
permitiu avaliar a relação filogenética entre esses vírus com base na
divergência genética (Δdiv). Um grupo é designado com base num valor de
bootstrap acima de 95% e associação comum entre hospedeiro vertebrado e
vetor. Um clado é definido como um grupo de flavivírus que apresenta um valor
de bootstrap a partir de 69% ou uma elevada identidade nucleotídica (Calisher
et al., 1989; Zanotto et al., 1996). A espécie viral é definida como uma classe
de vírus com identidade nucleotídica maior que 84%, baseada nas diferenças
entre duas cepas de uma mesma espécie viral (Kuno et al., 1998; Gaunt et al.,
2001). Árvores filogenéticas baseadas na sequência aminoacídica da proteína
NS5 apresentaram resultados similares da análise nucleotídica com relação a
subdivisões em grupos, clados e espécies virais (Kuno et al., 1998; Gubler et
al., 2007).
As análises filogenéticas do gene NS5 e ORF demonstraram a
associação de quatro grandes grupos de associação entre os flavivírus: os
flavivírus transmitidos por mosquito, por carrapatos, os agentes zoonóticos com
vetores ainda desconhecidos e o flavivírus de insetos (Figura 11) (Kuno et al.,
2009).
DD
V
EE
NN
V-4
VD
D
EE
NN
V- 2
DD
V
EE
NN
DD
V
V-1
EE
NN
V3
SP
V
KK
P
VYF S
V
VA
KV
KO
VKOK
IGUV
VIGU
KEED
VK
DV
ZIK
V
ZIK
V
V
SUU
VUSEEVJ V
U
J A
V
FLF
AL U
V
V
N
UN
KK
V
L
SV
LE
SE
V
V
ZG
BA
B
VG
V
HH
ILIL
V
69
ME
V
VM
EV
KK
V
AR
VPPO A
R
V
OW
WV
Flavivírus Transmitidos
Flavivírus
por Mosquitos
>84%
>84%
>84%
>69%
>95%
>84%
V
K
LKL D
V
D
VA
A
FF G
T
V
KK
V
LT K
LG
V
KV
SS
MM
OO
V
LI
LIV
V
EV
TBBE
VT
Flavivírus
Flavivírus transmitidos
transmitidos
por
por carrapato
carrapato
>69%
L
LV
MM
VM
M
V
BB
RR
V
MODV
VMOD
IV
APOOI
VAP
>69%
>69%
Agentes Zoonó
Agentes
Agentes Zoonóticos
Zoonóticos
V
CFAA
VCF
VKR
KRV
Tentativa
Tentativa de
de
Flavivírus
Flavivírus
de
de insetos
insetos
Figura 11 - Representação da árvore filogenética dos flavivírus, subdivididas nos quatro
principais grupos: flavivírus transmitidos por mosquitos (verde), flavivírus transmitidos por
carrapato (azul), agentes zoonóticos com vetor desconhecido (amarelo) – e os flavivírus de
insetos (vermelho) Fonte: Adaptado de Kuno et al., 1998; Kuno et al., 2009.
O grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos inclui nove
clados: (i) grupo da encefalite japonesa: VKUN, VNO, VEJ, VEMV, Cacipacoré
- VCPC; (ii) o grupo representado pelos vírus Kokobera (VKOK) e Strateor; (iii)
o grupo constituído pelos flavivírus VBSQ, VIGU, VNJL e Aroa (VAROA); (iv)
grupo Ntaya, no qual estão incluídos os flavivírus brasileiros VROC e VILH; (v)
grupo do vírus Zika (VZIK); (vi) grupo do VDEN; (vii) o grupo do VFA
representada pelas cepas do VFA e o vírus Sepik (VSEP); (viii) o clado que
inclui três vírus de vetor desconhecido, que perderam a capacidade de serem
transmitidos por mosquitos ou que não foram completamente estudados:
Entebbe bat (VENT), Sokoluk (VSOK) e Yokose (VYOK); (ix) e o clado que
contém os vírus Banzi (VBAN), Bouboui (VBOU), Edge Hill (VEH), Jugra
70
(VJUG), Saboya (VSAB), Wesselsbron (VWESS) e Uganda S (VUGS) (Gubler
et al., 2007).
Gaunt e colaboradores (2001) realizaram uma análise conjunta da
sequência parcial do gene NS5 e do gene E, sugerindo a subdivisão dos
flavivírus transmitidos por mosquitos, correlacionando os gêneros dos vetores
Culex sp. e Aedes sp., os principais hospedeiros vertebrados (aves, roedores e
primatas) e o tropismo viral nas infecções humanas (neurotrópicos e
viscerotrópicos). Os flavivírus pertencentes ao grupo Aedes estão associados a
doenças hemorrágicas e a hospedeiros mamíferos, enquanto que a maioria
dos integrantes do grupo Culex (20 dentre os 21 vírus) é responsável por
encefalites e estão associados às aves, como principal hospedeiro, e equinos.
Os flavivírus transmitidos por carrapatos encontram-se divididos
em dois clados (Kuno et al., 1998; Gubler et al., 2007). Estudos mostram
associação dos clados dos flavivírus transmitidos por carrapatos com possíveis
hospedeiros vertebrados: roedores e aves marinhas, respectivamente, no qual
o VTBE encontra-se no clado associado aos roedores (Gaunt et al., 2001).
Os flavivírus com vetor artrópode desconhecido apresentam
relação filogenética estreita com seus hospedeiros. Portanto, o grupo dos
flavivírus de vetor desconhecido foi subdividido em três clados, nos quais os
dois primeiros agrupam os vírus associados a roedores e o terceiro clado
agrupa vírus que estão associados a morcegos (Kuno et al., 1998; Kuno &
Chang, 2005; Gaunt et al., 2001).
A característica antigênica também pôde ser correlacionada à
filogenia baseada nas sequências dos genes E e NS5, sendo demonstrado o
71
mesmo tipo de agrupamento observado anteriormente para a classificação dos
sorocomplexos (Kuno et al., 1998; Billoir et al, 2000; Gaunt et al., 2001; Gould
et al., 2001). Esses estudos enfatizam a ligação existente entre métodos
filogenéticos e antigênicos (Calisher & Gould, 2003).
Resultados similares quanto à subdivisão filogenética dos
flavivírus baseado na análise da NS5 (Kuno et al.,1998; ICTV, 2005) foram
obtidos através da análise das sequências do gene NS3, proteína E e genoma
completo viral, demonstrando uma considerável conservação genética entre os
flavivírus (Billoir et al., 2000; Charrel et al., 2001; Gaunt et al., 2001; Marin et
al., 1995; Zanotto et al., 1995). Com relação a 3’RNC, foi demonstrada a
mesma disposição organizacional para o complexo da febre amarela e o
complexo dos flavivírus transmitidos por carrapatos. Entretanto, foi evidenciada
uma maior proximidade genética dos diferentes genótipos do VFA com o vírus
Sepik (VSEP), sugerindo uma provável origem ancestral comum desses com o
grupo do VUGS (Mutebi et al., 2003).
Ao se sugerir teorias evolutivas dos flavivírus devem ser levadas
em consideração as relações genéticas observáveis, a ecologia individual das
espécies virais em natureza e a distribuição geográfica (Gubler et al., 2007). As
análises da base da relação genética entre os flavivírus sugerem que o
processo evolutivo, no que tange a segregação de grupos virais, está
provavelmente associada ao acúmulo de mutações ao longo do tempo,
relacionadas à adaptação viral a um dado hospedeiro, culminando a uma
divisão evolutiva primária (Blok et al., 1992; Monath et al., 1996; Zanotto et al.,
1996; Kuno et al., 1998; Billoir et al., 2000; Cook & Holmes, 2006). O principal
72
fator que age sobre o direcionamento na evolução dos flavivírus é,
provavelmente, o mecanismo de escape da resposta imune. Entretanto, deve
ser ressaltado que muitos flavivírus são constantemente transferidos entre
vertebrados e artrópodes e podem se readaptar em cada passagem durante as
alternâncias de hospedeiros (Lin et al., 2004).
Estudos mostram que a taxa de mutação ao nível de aminoácido
dos vírus transmitidos por mosquitos e carrapatos é baseada no conceito de
uma taxa evolutiva lenta nos vírus transmitidos por carrapatos. De fato, a
estimativa da taxa de divergência aminoacídica entre os flavivírus transmitidos
por mosquitos é estimado ser de 2 a 2,5 vezes mais rápida do que no grupo
dos vírus transmitidos por carrapatos (Zanotto et al., 1995; Torny et al., 2005).
Os primeiros trabalhos sobre filogenia e evolução dos flavivírus
basearam-se na sequências dos genes E, NS3 e NS5, e evidenciaram a
subdivisão desses agentes virais em dois grandes grupos: os flavivírus
transmitidos por mosquitos e os transmitidos por carrapatos (Blok & Gibbs,
1995; Lewis et al., 1993; Gibbs & Blok, 1989). Posteriormente, as análises
filogenéticas incluíram sequências nucleotídicas de diferentes flavivírus
isolados de vertebrados com vetores artrópodes desconhecidos, e revelam a
presença de um terceiro grupo filogenético: o grupo dos flavivírus zoonóticos
com vetores desconhecidos (Kuno et al., 1998)
De acordo com a análise do gene NS5, Kuno e colaboradores
(1998) demonstraram que, primeiramente, um ancestral comum do gênero
Flavivirus, não identificado, deu origem a dois grupos de vírus: os transmitidos
por vetores e os flavivírus de vetor desconhecido. Posteriormente, os flavivírus
73
transmitidos por vetores foram subdivididos em flavivírus transmitidos por
mosquitos e flavivírus transmitidos por carrapatos. Gould e colaboradores
(2003a) complementaram essa teoria, sugerindo que os flavivírus transmitidos
por vetores originaram-se a partir dos agentes zoonóticos, que se adaptaram
aos artrópodes.
Alguns dados suportam a hipótese de que os vírus transmitidos
por carrapatos são mais primitivos do que os flavivírus transmitidos por
mosquitos (Kuno & Chang, 2005), tais como os repetidos isolamentos dos
flavivírus transmitidos por mosquitos, os vírus Koutango, Saboya, VNO e VFA,
em carrapatos (Monath et al., 1996; Billoir et al., 2000), além do fato observado
de que alguns vírus transmitidos por carrapatos podem se replicar em
mosquitos (Lawrie et al., 2004a; 2004b).
Zanotto e colaboradores (1996), analisando o gene E, revelaram
importantes diferenças no modo de evolução dos dois grupos de flavivírus
transmitidos por vetores. Árvores filogenéticas que comparam flavivírus
transmitidos por mosquitos e por carrapatos mostram uma topologia
assimétrica entre os dois grupos. Os flavivírus transmitidos por carrapatos
segregam-se continuamente através do tempo, contrastando com a estrutura
de ramificação mais balanceada dos flavivírus transmitidos por mosquitos, em
que, num período relativamente longo de tempo, observou-se a intensa
ramificação, seguido pela extinção de linhagens e conseqüente formação de
subclados que passaram a evoluir separadamente, suportando o modelo
evolutivo de “Boom and Bust”.
74
Por outro lado, o estudo evolutivo realizado por Cook & Holmes
(2006),
utilizando
diversos
métodos
de
alinhamento
de
sequências
aminoacídicas (Clustal W, T-Coffee e Muscle) e análise filogenética pelo
método de máxima verossimilhança (MV), demonstraram que as sequências do
gene da proteína NS3 e da ORF completas indicam uma segregação precoce
dos flavivírus transmitidos por mosquitos, e em separado dos vírus transmitidos
por carrapatos e de vetores desconhecidos, que, por sua vez, evoluíram em
associação. Anteriormente, mas seguindo a mesma linha de raciocínio, Billor e
colaboradores (2000), com base nas análises filogenéticas da NS3, NS5 e ORF
completas, propuseram que a posição dos clados dos agentes zoonóticos com
vetores desconhecidos, flavivírus transmitidos por mosquitos e por carrapatos
pode diferir de acordo com o gene que é usado na filogenia.
Numa análise evolutiva envolvendo os três gêneros da família
Flaviviridae, observou-se que apenas o gênero Flavivirus contém arbovírus e
que alguns dos vírus mais divergentes desse gênero não são transmitidos por
vetores. Este fato sugere que a condição ancestral dentro da família
Flaviviridae é de que a transmissão independe de vetor e que a transmissão
por vetores é uma recente adaptação evolutiva, o que suporta a teoria de que
os agentes zoonótico com vetores desconhecidos foram os primeiros a
divergirem dentro do gênero Flavivirus (Gould et al., 2003b). Tem sido também
sugerido que esse processo evolutivo tenha ocorrido no início da Era do Gelo e
que vem acompanhando o desenvolvimento da civilização humana há
aproximadamente 10.000 anos (Zanotto et al., 1996; Gould et al., 2003b)
75
Quanto à evolução dentro do clado dos flavivírus transmitidos por
mosquitos, análises filogenéticas mostraram que a segregação dos flavivírus
associados a mosquitos do gênero Aedes é parafilética enquanto que dos
flavivírus associados a mosquitos do gênero Culex é monofilética (Billor et al.,
2000; Jenkins et al., 2001). Finalmente, Gaunt e colaboradores (2001)
propuseram que os vírus transmitidos por Culex surgiram no Velho Mundo a
partir dos flavivírus transmitidos por Aedes.
1.8.1. Filogenia, Evolução e Dispersão dos Flavivírus
É sabido que os flavivírus ocorrem em todos os continentes, com
exceção da Antártida. Nos continentes afetados, eles podem ter sido
introduzidos muitas vezes e permanecido circulantes e estáveis em condições
ambientais adversas. Entretanto, as espécies virais apresentam uma
distribuição geográfica distinta (Figura 12) e sua dispersão está estritamente
relacionada a: (i) infecção de diferentes hospedeiros vertebrados e/ou
invertebrados; (ii) ecologia do habitat natural em que cada vírus é encontrado;
(iii) condições climáticas; e (iv) impacto da urbanização e do sistema de
transporte. Os dados filogenéticos ilustram claramente como a adaptação de
cada vírus em hospedeiros vertebrados e invertebrados específicos influenciam
na evolução viral, dispersão, epidemiologia e, possivelmente, na patogênese
dos flavivírus (Gould et al., 2003b).
76
POWV
MMLV
VWN
VMOD
VFETBE
VFETBE
VPOW
VPOW
VTYU
VTYU
VOHF
Siberian
VTBE
VLI
VAPOI
VAPOI
VTBE
VTBE
VWN
VYOK
VYOK VEJ
VEJ
VKSI
VTSE
VTSE
VKSI
VFETBE
VFETBE
VIT VWN
VRF
VWN VRF
VEJ
VEJ VWN
VWN
VWN
VDEN
VDEN
VFA
VFA VZIK
VZIK
VALK
VALK
VKFD
VKFD
VEJ
VEJ
VSAB
VSAB VUSU
VUSU
VWN VDEN
VEJ VWN
VWN
VWN VSPO
VSPO
VEB
VEB VKOU
VKOU
VLGT
VLGT VJUQ
VJUQ
VEJ
VEJ
VBAG
VBAG VBB
VBB
VPPB
VPPB VCI
VCI
VUGS
VUGS VYAO
VYAO
VSPK
VSPK
VDEN
VDEN VNTA
VNTA
VALF
VALF VEH
VEH
VDB
VDB VTMU
VTMU
VEJ
VEJ VWN
VWN
VKED
VKED VBOU
VBOU
VKUN
VKUN VDEN
VDEN
VKAD
VKAD VBAN
VBAN
VEMV
VEMV
VPOT
VPOT
VKOK
VKOK VSTR
VSTR
VMEA
VMEA
VSSE
VSSE
VWN VESL
VCR VSP
VSV
VFA
VFA
VJUT
VFA
VFA VESL
VESL
VILH
VILH VCPC
VCPC
VARO
VARO VROC
VROC
VNJL
VNJL VDEN
VDEN
VBSQ
VBSQ RBV
VIGU
VIGU
VSRE
VGGY
VGGY
Flaviv írus
írus transmitidos por mosquitos
Flavivírus
Flaviv írus transmitidos
transmitidos por
por carrapato
carrapato
Agentes zoóticos
zoóticos com vetor desconhecido
desconhecido
Figura 12 – Mapa mundial ilustrando a distribuição dos flavivírus. Alguns vírus são mostrados
mais de uma vez, enfatizando a ampla distribuição geográfica dos mesmos. Fonte: Adaptado
de Gould et al., 2003b
A filogenia dos flavivírus sugere a ocorrência de pequenas
peculiaridades para a compreensão do padrão de dispersão desses vírus no
mundo. A partir da hipótese de que os flavivírus transmitidos por mosquitos se
originaram dos vírus transmitidos por carrapatos, foi proposto que os flavivírus
surgiram na África, e ainda, que todos os flavivírus transmitidos por carrapatos
e por mosquitos divergiram a partir de um ancestral comum proveniente do
Velho Mundo (Gubler et al., 2007).
Os
flavivírus
transmitidos
por
carrapatos
parecem
estar
distribuídos no norte e oeste da Ásia e da Europa, e possivelmente também na
América do Norte (Figura 12), com uma linhagem ancestral na porção oriental e
77
mais espécies recentes no noroeste da Eurásia (Gubler et al., 2007). Tem sido
sugerido que esse complexo do VTBE tenha dado origem aos flavivírus
transmitidos por carrapatos que causam encefalomielite em ovelhas e cabras e
que são propagados, principalmente, via transporte de animais domésticos
(Charrel et al., 2001). A ausência de vírus transmitidos por carrapatos no Novo
Mundo, com uma única exceção (VPOW), se acredita ser devido à recente
introdução dos flavivírus nas Américas (Gould et al., 2003b).
Apesar dos flavivírus transmitidos por carrapatos apresentarem o
mesmo ancestral, observa-se que esses vírus recentemente segregaram
dando origem a dois clados estreitamente associadas à manutenção desses
vírus entre carrapatos e roedores, bem como entre carrapatos e aves
marinhas. Muitos desses flavivírus são transmitidos por diversas e diferentes
espécies de carrapatos, muito embora eles possam estar mais comumente
associados a uma determinada espécie. Isso explica, pelo menos em parte,
como esses vírus são capazes de apresentar, simultaneamente, ampla
distribuição geográfica no hemisfério norte (Gould et al., 2003b).
Em contrapartida, a filogenia dos flavivírus transmitidos por
mosquitos mostra uma descontinuidade no padrão evolutivo, com muito menos
confinamento geográfico e freqüente extinção de linhagens (Cook & Holmes,
2006; Gould et al., 2003b; Zanotto et al., 1996). Como consequência, os
humanos foram expostos a uma crescente diversidade de cepas de flavivírus
transmitidos por mosquitos. Esse padrão da dispersão viral pode ser derivado
de um período de vida relativamente curto dos mosquitos (mensurado em dias
ou semanas), bem como de outros fatores que diferenciam os mosquitos dos
78
carrapatos, tais como: (i) o número de repasto sanguíneo durante o período de
vida e o volume de sangue ingerido; (ii) o número de hospedeiros vertebrados
envolvidos; (iii) a mobilidade desses vetores, que é maior para os mosquitos
em relação aos carrapatos; e (iv) a freqüência da transmissão vertical (Zanotto
et al., 1996; Gould et al., 2003b; Lin et al., 2004). Ademais, as atividades
humanas têm demonstrado um importante papel para a dispersão dos flavivírus
transmitidos por mosquitos, tal como foi visto para o vírus amarílico e a sua
dispersão do Velho Mundo para o Novo Mundo, através do tráfico de escravos
(Bryant et al., 2007), além da disseminação global do VDEN (Twiddy et al.,
2003).
No grupo dos agentes zoonóticos com vetores artrópodes
desconhecidos, tanto os flavivírus associados a roedores quanto os associados
a morcegos são equivalentemente encontrados no Velho e no Novo Mundo,
(Karabatsos, 1985). A presença desses flavivírus tanto no Novo Mundo quanto
no Velho Mundo implica que esses vírus foram amplamente dispersos logo
após a emergência dos mesmos (Gubler et al., 2007).
A emergência e a dispersão dos agentes zoonóticos têm sido
claramente ditadas pelos roedores e morcegos, que estão associados a esses
vírus e o sucesso de sua permanência em natureza, vem do fato que tanto os
roedores quanto os morcegos se agrupam em grande número de indivíduos,
promovendo excelentes condições para a transmissão entre os hospedeiros.
Apesar do número limitado de isolamentos desses vírus, evidências sugerem
que muitos desses vírus ocupam áreas geográficas distintas, provavelmente,
devido à estreita dependência das espécies de roedores ou de morcegos.
79
Ademais, roedores e morcegos infectados pelos agentes zoonóticos são
capturados aparentemente saudáveis, sugerindo que esses vírus infectam o
hospedeiro persistentemente, com baixos níveis de replicação viral e,
consequentemente, que o movimento global dos vírus resulta ser relativamente
baixo (Gould et al., 2003b).
1.9. RECOMBINAÇÃO ENTRE FLAVIVIRUS
A suspeita da ocorrência de recombinação entre os flavivírus
surgiu a partir de análises individuais de diferentes genes, onde se observa
frequentes mudanças na topologia da árvore filogenética para alguns vírus
(Billor et al., 2000; Gaunt et al., 2001; Gould et al., 2003b). Uma segunda
evidência da recombinação é a cerca da possibilidade de que fenótipos virais
podem ser alterados como resultado de recombinações, o que pode ter
permitido o aumento da virulência para hospedeiros mamíferos ou mesmo
resultar na alteração da especificidade do vetor artrópode (Gould et al., 2003b).
Ao se avaliar a possibilidade da ocorrência de recombinação, os
flavivírus exibem alguns fatores que propiciam esse processo: (i) a dispersão
global dos flavivírus e a sobreposição geográfica e ecológica de diversos
desses vírus em diferentes regiões do mundo; (ii) carrapatos e mosquitos
permanecem infectados por flavivírus durante todo o ciclo de vida, realizando o
repasto sanguíneo, e isso possibilita a exposição a um segundo vírus; e (iii)
ocorrência de epidemias e infecções crônicas dos hospedeiros vertebrados -
80
por exemplo, infecção crônica de humanos pelo VTBE (Gritsun et al., 2003) e
infecção de aves pelo VNO ou VESL (Gubler et al., 2007).
Alguns estudos de filogenia em que genótipos são identificados e
às vezes correlacionados com doenças severas sugerem que a evolução dos
flavivírus seja clonal e que a divergência é gerada pelo acúmulo de mutações
(Chen et al., 1990; Leitmeyer et al., 1999; Rico-Hesse, 1990). Por outro lado, as
análises das árvores filogenéticas individuais utilizando genes de qualquer
parte do genoma ou mesmo o genoma completo são relativamente
congruentes, o que implica em sugerir que a recombinação entre os flavivírus
ocorre entre vírus relativamente próximos (Gould et al., 2003b). De fato,
recombinações homólogas foram demonstradas para os quatro sorotipos do
VDEN (Holmes et al., 1999; Worobey et al., 1999; Tolou et al., 2001; Uzcategui
et al., 2001), bem como para cepas de VNO, VFA, VEJ, VESL e complexo
VTBE (Twiddy & Holmes, 2003), mostrando o importante papel da
recombinação no processo evolutivo dos flavivírus.
1.10. FLAVIVÍRUS BRASILEIROS EM ESTUDO
1.10.1. Vírus Bussuquara
O VBSQ foi isolado em 1956, na floresta do antigo Instituto
Agronômico do Norte (IAN), hoje EMBRAPA, município de Belém, Estado do
Pará, a partir do sangue de um macaco sentinela da espécie Alouatta belzebul,
81
tendo sido caracterizado antigenicamente como integrante do Grupo B dos
flavivírus, com base nos resultados obtidos por testes sorológicos de FC e IH
(Gomes & Causey, 1959; Karabatsos, 1985).
O VBSQ tem sido freqüentemente isolado na Amazônia brasileira
em roedor silvestre Proechimys guyannensis, bem como em mosquitos
culicídeos no Panamá e na Colômbia (Galindo et al., 1966; Vasconcelos et al.,
1998). Apenas um relato de infecção humana foi descrita por Srihongse &
Johnson (1971), no qual o paciente apresentou um quadro febril agudo,
acompanhado por anorexia, cefaléia e artralgia. Até o presente não houve
registro de surtos (Figueiredo, 2000).
1.10.2. Vírus Iguape
O Vírus Iguape (VIGU) foi isolado a partir de camundongo
sentinela exposto à picada de artrópodes na mata Atlântica do município de
Iguape, Estado de São Paulo, sudeste brasileiro, em 1979 (Coimbra et al.,
1999). Antigenicamente, foi classificado como integrante do Grupo B, sendo
portanto um flavivírus. Nenhum caso de infecção humana foi associado ao
vírus até o momento (Figueiredo, 2000).
1.10.3. Vírus Ilhéus
O VILH foi originalmente isolado a partir do lote misto de Aedes
sp. e Psorophora sp. capturados no município de Ilhéus, estado da Bahia, em
82
1944 (Laemmert & Hughes, 1947; Karabatsos, 1985). Em 1957, o primeiro
isolamento do VILH em humanos foi obtido a partir de uma paciente que
apresentava quadro febril (Causey et al., 1961). Subsequentemente, esse vírus
foi isolado de humanos e de vertebrados silvestres (morcegos e aves) em
diferentes países da América do Sul e Central, no entanto nenhum surto
atribuído ao VILH foi registrado (Vasconcelos et al., 1998), embora haja uma
considerável soroprevalência para o VILH em muitos países tropicais, o que
sugere que a maioria das infecções pelo VILH é inaparente ou subclínicas
(Pinheiro et al., 1986; Pinheiro, 1994; Figueiredo, 2000).
Nos ciclos biológicos de manutenção onde atuam diversas
espécies de artrópodes, têm papel como vetor a espécie Psorophora ferox,
identificada como vetor primário na Amazônia brasileira, Colômbia, Panamá e
Trinidad. Outras espécies do gênero Psorophora e o Aedes serratus parecem
atuar como vetores secundários. Vários grupos de animais, tais como
morcegos, aves silvestres, macacos e eqüinos parecem atuar como
hospedeiros vertebrados. A infecção de humanos parece ser fortuita e
decorrente da exposição em áreas silvestres (Travassos da Rosa et al., 1997;
Vasconcelos et al., 1998).
VILH e VROC são antigenicamente relacionados, observando-se
frequentemente reação sorológica cruzada entre estes vírus nos testes de IH. A
infecção por um deles só pode ser determinada com precisão utilizando o TN
(Vasconcelos et al., 1998). Sendo relacionado ao VROC, o VILH apresenta
potencial
encefalitogênico.
O
espectro
clínico
varia
desde
infecções
assintomáticas até quadro de encefalite. No entanto, a maioria absoluta dos
83
casos de VILH registrados caracterizou-se por quadros febris, com evolução
média de três dias (Vasconcelos et al., 1992; 1998). A doença apresenta início
súbito, com febre moderada ou elevada, por vezes acompanhada de cefaléia,
calafrios, fotofobias, artralgia, mialgias e astenia, sendo a recuperação
completa sem sequelas (Vasconcelos et al., 1992; Travassos da Rosa et al.,
1997; Figueiredo, 2000).
Depois dos vírus VDEN e VFA, o VILH é o flavivírus com maior
soroprevalência pelo teste de IH na Amazônia brasileira. Ressalta-se, no
entanto, que o isolamento viral em amostras humanas é muito difícil em virtude
da
maioria
dos
casos
ocorrerem
como
infecção
assintomática
ou
oligoassintomática e apresentar curto período de viremia (Pinheiro et al., 1986;
Vasconcelos et al., 1998). A distribuição geográfica do vírus é ampla no Brasil e
anticorpos específicos para o VILH têm sido detectados na população do Vale
do Ribeira, estado de São Paulo (Iversson et al., 1982)
1.10.4. Vírus Rocio
O VROC foi isolado pela primeira vez em 1975 no litoral sul do
estado de São Paulo, na região do Vale do Ribeira, a partir de tecidos de
cerebelo e medula espinhal de caso fatal de encefalite (Lopes et al., 1978a;
1978b; Karabatsos, 1985). Sorologicamente, o VROC está relacionado aos
vírus VILH, VESL, VEJ, e VEMV (Lopes et al., 1978a; 1978b; Iversson et al.,
1988; Vasconcelos et al., 1998).
84
O VROC foi amplamente distribuído no Vale do Ribeira, tendo
sido endêmico na região no período de 1973 a 1980. Desde a epidemia
ocorrida entre 1975-1976 (Tiriba et al., 1976; Lopes et al., 1978a; 1978b),
vários casos fatais adicionais foram registrados em 1985, caracterizados por
encefalite severa e associados à baixa resposta imune (Iversson, 1988;
Iversson et al., 1989; Figueiredo, 2000). Fora da área epidêmica, cinco casos
de infecção pelo VROC foram diagnosticados no estado do Paraná, numa
região próxima ao Vale do Ribeira (Iversson, 1988) e oito casos como sorologia
positiva para o VROC foram diagnosticados em quatro municípios do estado da
Bahia (Straatmann et al., 1997).
Os principais sintomas gerais associados à infecção pelo VROC
são febre elevada de início súbito, cefaléia, anorexia, náuseas, vômito e
mialgia. O quadro encefalítico aparece tardiamente, acompanhado por
convulsões, distúrbios dos reflexos superficiais, flacidez motora, irritação
meníngea e síndrome cerebelar. Alguns pacientes apresentam distensão
abdominal e retenção urinária. A infecção pode causar sérias seqüelas
neurológicas tais como distúrbios visuais, olfatórios e auditivos, falta de
coordenação motora, distúrbio do equilíbrio e da marcha, inconsciência e
graves apresentaram seqüelas severas (Figueiredo, 2000).
O ciclo de manutenção viral com base em raros isolamentos
parece incluir aves silvestres (Zonothrichia capensis), roedores e o mosquito
Psorophora ferox, no entanto, devido à falta de consistência de isolamentos e
dados sorológicos, necessita ser melhor esclarecido (Lopes et al., 1978a;
1978b; Vasconcelos et al., 1998). Por outro lado, a susceptibilidade do
85
mosquito Aedes scapularis à infecção oral com o VROC, sua habilidade de
transmitir o vírus experimentalmente, e a sua abundância e estrita associação
com o homem na zona epidêmica, torna essa espécie suspeita de ter também
atuado como vetor durante as epidemias ocorridas entre 1975-1976, embora
nenhum isolamento do VROC tenha sido obtido em natureza dessa espécie de
mosquito (Forattini et al., 1985).
1.11. RELEVÂNCIA
Muitos flavivírus são agentes virais, que em um contexto mundial,
são considerados importantes patógenos humanos e com grande impacto em
termos de saúde pública. De fato, vários flavivírus são responsáveis por
considerável morbidade e mortalidade em humanos, bem como uma
diversidade clínica que compreende desde quadros febris agudos, encefalites e
síndromes hemorrágicas (Vasconcelos et al, 1998; Barrett, 2001).
A grande variedade de vetores hematófagos e hospedeiros
vertebrados silvestres naturais, aliado às intensas atividades antrópicas com
alterações importantes no ambiente natural, tem proporcionado o aparecimento
de casos isolados, surtos, epidemias, bem como a emergência e reemergência
de flavivírus patogênicos para seres humanos (Srihongse & Johnson, 1971;
Travassos da Rosa et al, 1997; Vasconcelos et al, 1998; Lanciotti et al., 1999;
Monath, 2001; Gubler, 1997).
86
A complexidade das interações dos flavivírus com os diferentes
ecossistemas existentes, bem como o amplo espectro clínico impulsionaram
vários estudos voltados para o entendimento da epidemiologia molecular
desses agentes virais. Os resultados até então obtidos vêm permitindo
determinar a origem evolutiva, a correlação entre os dados epidemiológicos e
sorológicos com as características genéticas (Kuno et al., 1998; Gaunt et al.,
2001), bem como diferenciar genotipicamente as espécies virais e, também,
associar as divergências genéticas à gravidade das doenças (Gubler, 1997),
Entretanto, esses estudos têm sido realizados pontualmente e com poucos
flavivírus.
De fato, a identificação de pelo menos sete genótipos do vírus
amarílico circulantes na África (cinco) e nas Américas (dois) e as diferenças
genéticas observadas entre esses genótipos têm gerado informações, que
podem explicar, por exemplo, a maior ou menor patogenicidade para o homem
(Mutebi et al., 2002; Vasconcelos et al., 2004). A existência de diferentes
populações genotípicas do VDEN, exibindo diferenças filogenéticas, também já
foi associada à maior ou menor gravidade das manifestações clínicas durante
epidemias de FHD (Gubler, 1997; King et al., 2008).
Portanto, a exemplo dos intensos estudos genéticos sobre os
VDEN, VFA e VNO, desenvolver um estudo molecular amplo com os flavivírus
brasileiros VBSQ, VIGU VILH e VROC, envolvendo o sequênciamento
completo do genoma, a análise das sequências nucleotídicas e aminoacídicas,
bem como análise evolutiva, provavelmente, proporcionará um melhor
entendimento da estrutura genômica desses vírus e, ao mesmo tempo, gerar
87
informações sobre possíveis sítios antigênicos presentes, patogênese e
aspectos evolutivos. Finalmente, os dados obtidos poderão ser utilizados em
estudos sistemáticos, bem como para o desenho de iniciadores específicos que
poderão ser empregados no desenvolvimento de técnicas moleculares para o
diagnóstico rápido dos mesmos, contribuindo para futuros programas de
monitoramento desses flavivírus.
1.12. OBJETIVOS
1.12.1. Objetivo Geral
Realizar a caracterização molecular do genoma completo dos
flavivírus brasileiros Bussuquara, Iguape, Ilhéus e Rocio.
1.12.2. Objetivos Específicos
• Sequenciar a região codificadora, bem como as regiões não
codificantes 5´ e 3´ do genoma dos flavivírus Bussuquara, Iguape, Ilhéus e
Rocio, identificando as semelhanças e diferenças genéticas entre os vírus em
estudo;
• Demonstrar
a
estrutura
secundária
do
RNA
dos
vírus
Bussuquara, Iguape, Ilhéus e Rocio e comparar suas estruturas e sequências
conservadas com as de outros flavivírus;
88
• Identificar os sítios de clivagem, resíduos de cisteína e sítio de
glicosilação nas sequências de aminoácidos das poliproteínas dos flavivírus
Bussuquara, Iguape, Ilhéus e Rocio;
• Identificar os domínios e os motivos conservados das proteínas
E, NS3 e NS5 dos flavivírus Bussuquara, Iguape, Ilhéus e Rocio
• Realizar a análise filogenética com base nos genes estruturais e
não-estruturais, promovendo a comparação da região codificante, bem como
gene por gene desses vírus com outros flavivírus;
89
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 AMOSTRAS
Para este estudo foram utilizadas as amostras dos VBSQ, VIGU,
VILH e VROC (Quadro 4) provenientes do acervo da Seção de Arbovirologia e
Febres Hemorrágicas (SEARB) do Instituto Evandro Chagas (IEC), conforme o
termo de consentimento em anexo (ANEXO I), em parceria com a equipe do
Dr. Goro Kuno, da Divisão de Doenças Infecciosas Transmitidas por Vetores do
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Fort Collins, Colorado,
EUA.
Quadro 4 – Amostras virais utilizadas neste estudo, mostrando o número de
registro da cepa, amostra biológica de origem e número de passagens.
Vírus
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
Cepa
BE AN 4073
SP AN 71686
BE H 7445
SP H 34675
Amostra de origem
Sangue de Alouatta
belzebul
Vísceras de
camundongo sentinela
Sangue de caso
humano febril**
Encéfalo de caso de
encefalite humana
Ano de
isolamento
1956
1979
1957
1975
Estoque inicial*
Passagem*
Liofilizado de cérebro
de camundongo
Cérebro de
camundongo
Liofilizado de cérebro
de camundongo
Cérebro de
camundongo
* amostras utilizadas no estudo;
** paciente procedente de uma colônia japonsesa do bairro do Guamá em Belém, Pará.
9ª
5ª
4ª
5ª
90
2.2. PROPAGAÇÃO VIRAL EM CÉLULAS VERO
As amostras virais liofilizadas ou de suspensão de cérebro de
camundongos infectados foram propagadas em cultivos celulares mediante a
inoculação das suspensões virais em garrafas de 175 cm2 contendo
monocamadas confluentes de células VERO (células de rim de macaco verde
africano) mantidas em meio de manutenção Minimum Essential Medium
(MEM,Sigma) enriquecido com soro bovino fetal a 2%. As culturas infectadas
foram examinadas diariamente até a observação de efeito citopático (ECP) em
70 a 75% da área da monocamada celular, quando então o sobrenadante das
culturas infectadas foram colhidos e usados para a obtenção do RNA viral.
2.3. EXTRAÇÃO DO RNA VIRAL
A obtenção do RNA viral a partir das culturas infectadas foi feita
mediante a aplicação do método do reagente TRIZOL LS (Invitrogen) e,
alternativamente, empregando o kit comercial QIamp Viral RNA Mini kit
(Qiagen), seguindo estritamente as instruções dos fabricantes. O RNA obtido
foi então usado imediatamente para a obtenção do cDNA ou mantido em
estoque à –70ºC até o uso.
91
2.4. TRANSCRIÇÃO REVERSA SEGUIDA DA REAÇÃO EM CADEIA
MEDIADA PELA POLIMERASE (RT-PCR)
A técnica de RT-PCR foi feita em duas etapas, primeiro a
Transcrição reversa (RT) seguida da reação em cadeia mediada pela
polimerase (PCR), com base nos protocolos descritos por Chang (1997) e
Kuno & Chang (2005), utilizando os iniciadores descritos no Quadro 5. O cDNA
referente à região entre o término 5’ do genoma e a região conservada CS2 da
3’RNC dos flavivírus foi obtido pela técnica de RT, utilizando o iniciador VD8
(Pierre et al. , 1994) (Figura 13). Iniciadores adicionais específicos para os
quatro vírus em estudo foram desenhados, com base nas sequências geradas
pelo protocolo de Chang (1997) e Kuno & Chang (2005), para complementar as
sequências genômicos dos flavivírus, bem como para confirmar as sequências
obtidas.
Estrutural
Não-estrutural
5’RNC
C PrM
E
NS1
2A 2B
NS3
4A 4B
NS5
3’RNC
Figura 13 – Esquema da estratégia de amplificação do genoma (RT-PCR) e seqüenciamento
nucleotídico estabelecida por Chang (1997) e Kuno & Chang (2005). Em azul, destacam-se os
iniciadores utilizado pelo protocolo 5’RACE e 3’RACE, a seta “←” indica o iniciador VD8
descrito por Pierre e colaboradores (1994).
92
Quadro 5 - Iniciadores utilizados para a técnica de RT-PCR e sequenciamento
nucleotídico (Chang, 1997; Kuno & Chang, 2005).
Localização
genômica
Motivos
(sequência de
aminoácido)
Capsídio
Envelope
Direção do
Iniciador
Senso
ATGWCTAARAAACCAGGA
Senso
TCAATATGCTRAAACGCGG
DRGWGNGC
Senso
GAYMGWGGVTGGGGHAAYGGVTG
GLFGKGS
Reverso
GGMYTKTTYGGDAARGGRAGC
GHLKCRV
Senso
GGMCAYSTBWMYTGTMGVSTG
PFGDSYIV
Senso
CCSTTYGGWGAYTCNTACATHGT
Reverso
NS1
NS3
NS5
Sequência dos Iniciadores (5’Æ3’)
TCCYCTKCCHACYACDATGTA
DTAWDFGS
Senso
GAYACDGCBTGGGAYTTTGGMTC
GCWYGMEI
Senso
GGHTGTTGGTAYGGMATGGA
YGMEIRP
Senso
TAYGGMATGGARAYHMGRCC
GTSGSPI
Senso
GGMACDTCNGGHTCNCCHAT
GLYGNG
Senso
GGNCTNTAYGGNAAYGG
LAPTRVV
Senso
YTRGCDCCNACNMGRGTNGT
DVMCHATF
Senso
GAYGTSATGTGYCAYGCHAC
MDEAHF
Senso
ATGGAYGARGCHCAYTT
SIAARGY
Senso
AGYATMGCNGCHMGAGG
MTATPPG
Senso
ATGACNGCVACNCCNCCNGG
ISEMGAN
Senso
ATHTCNGARATGGGDGCVAA
SAAQRRGR
Senso
WSYGCWGCBCARAGRMGRGGVMG
DLGCGRG
Senso
GAYCTNGGNTGYGGNMGNGG
SRNSTHEMY
Senso
TCAAGGAACTCCACACATGAGATGTACT
NMMGKREKK
Senso
TACAACATGATGGGAAAGAGAGAGAA
ADDTAGWDT
Senso
GCTGATGACACCGCCGGCTGGGACAC
Reverso
GTGTCCCAGCCGGCGGTGTCATCAGC
Reverso
AGCATGTCTTCCGTGGTCATCCA
Reverso
GGGTCTCCTCTAACCTCTAG
WMTTEDML
3RNC/ CS2*
Legenda : * iniciador VD8 descrito por Pierre et al., 1994 ; bases degeneradas D,B, H, K, M,N,
W, Y,R,T ver Anexo III
93
A desnaturação do RNA viral a 94ºC por 2 minutos, foi seguida da
realização da etapa de RT, cuja mix conteve 5 µL do tampão de RT (5X), 1 µL
de mix de deoxinucleotídeo (dNTPs - 10mM), 1 µL (6 U) da enzima
transcriptase reversa (Superscript II, Invitrogen), 1 µL do iniciadores reversos
(100 µM), 5 µL do RNA viral desnaturado, completando a reação para 20 µL
com água deionizada livre de RNase e DNase (Invitrogen). A RT ocorreu em
um único ciclo a 42ºC por 1 hora.
A PCR foi realizada empregando o kit Expand Long Template
PCR System (Roche), no qual uma alíquota de 10 µL do cDNA obtido da etapa
de RT foi processada em uma reação contendo: 10 µL do Tampão de PCR
(10X), 2 µL de dNTP mix, 1 µL de cada iniciador, senso e reverso (50 µM), 2 µL
da DNA polimerase (Platinum Taq polimerase, Invitrogen), para uma reação
final para 100 µL. O termociclador foi programado para um ciclo de 94°C-1
min/50°C-1 min/68°C-5 min; três ciclos de 94°C-20 sec/50°C-1 min/68°C-4 min;
dez ciclos de 94°C-20 sec/50°C-30 sec/68°C-4 min e um ciclo de extensão final
a 68°C por 7 min.
As 5’RNC e 3’RNC foram amplificadas com auxílios do kits
5’RACE e 3’RACE (Invitrogen, Life Technologies), respectivamente, segundo o
protocolo do fabricante (Figura 14), para os quais foram desenhados
iniciadores específicos para os flavivírus em estudo (Quadro 6).
Os amplicons obtidos foram observados em gel de agarose 1,5%
corado com brometo de etídio (10 mg/mL), utilizando transiluminador com luz
UV (Vilber Lourmat).
93
(B)
5’ RACE
(A)
3’RACE
RNAm
5’
RNAm
5’
(A)n
Anelamento do primeiro iniciador
específico do vírus ao RNAm
(A)n
Produção do cDNA ao RNAm
utilizando a SuperscriptTM II RT
GSP1
5’
3’
3’
Anelamento “Adapter Primer (AP)
Para o RNAm
AP
5’
3’
AAA...AAAn
TTT...TTT
5’
Extensão do AP usando a
SuperscritTM II RT
3’
TTT...TTT
5’
Degradação do RNA molde
usando a RNase H
TTT...TTT
5’
Purificação do cDNA com a
coluna GlassMax Sinp
5’
AAP
GI...IG
3’ CC...CC
5’
Degradação do RNAm pela
RNase mix
5’
3’ CC...CC
Calda poli(A)
AAA...AAAn
TTT...TTT
5’
GSP2
UAP
Amplificação por PCR da calda C
utilizando o iniciador ancora
abrangente (AAP) e o segundo
iniciador específico do vírus
(GSP2)
GSP1
3’
Amplificação do cDNA por PCR
usando o iniciador específico
para o vírus (GSP1) e o iniciador
universal (UAP) ou o iniciador
universal abrangente (AUAP)
UAP
AUAP
AUAP
5’
3’
3’
5’
GI...IG
CC...CC
GSP3
Nested-PCR utilizando o terceiro
iniciador específico do vírus
(GSP3)
GSP2
5’
3’
3’
5’
UAP
Nested-PCR usandos iniciadores
UAP ou AUAP e o segundo
iniciador específico para o vírus
(GSP2)
AUAP
Figura 14 – Esquema do protocolos 5’RACE (A) e 3’RACE. Fonte: adaptado do protocolo do fabricante (Invitrogen). Os
iniciadores em azul são iniciadores disponíveis nos kits, enquanto os iniciadores em azul estão demonstrado no Quadro 6.
94
95
Quadro 6 – Iniciadores específicos para os flavivírus brasileiros utilizados no
protocolo 5’ RACE e 3’RACE
5’RACE
Vírus
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
iniciador
Sequência
Tm (oC)
GP1
CAGACAAGCGGTCAACAGCA
63,59
GP2
TGCTCTCAACGGAGCGTTTT
63,29
GP3
CCAGCATGCTTCCAATCTCC
63,01
GP1
TTCCGGTTTGGAAACACAATG
62,9
GP2
AGTCCGTGCAGTCCACGTTT
63,5
GP3
TGGATCATCGAGCCAAGTTGT
62,91
GP1
CGACCGCTGTGATCATGGTA
63,06
GP2
TCCTTGCGCTTGTTGACTGA
63,07
GP3
TTGTTGACAGAACGCCATCG
63,19
GP1
GATTGACATCAAAACTTTGCCTTG
62,01
GP2
AAGCGCGATCCAAAGTAGCA
63,18
GP3
TGGCCTTCCGTCTATTGATGA
62,78
3’RACE
Vírus
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
iniciador
Sequência
Tm(oC)
GP1
GTCTGGAACAGAGTGTGGAT
54,89
GP2
ATATTTGGGAAAAAGGGAAG
54,64
GP1
TGAGAGACTGGAAGGAAGTG
55,42
GP2
GAAGCCTTATTGGTTACCG
54,92
GP1
GTCTGGATTGAGGACAATGA
55,92
GP2
GGACTGACATCCCCTACAT
54,57
GP1
GTGGAACAGAGTGTGGATCT
54,89
GP2
GACTGACGTCCCCTACATT
54,85
Tm = temperatura de melt
96
2.5. SEQUENCIAMENTO NUCLEOTÍDICO
Os cDNAs obtidos foram purificados usando o kit comercial
GFXTM PCR DNA and Gel Band Purification kit (GE healthcare). As sequências
dos flavivírus estudados foram obtidas em sequenciador automático modelo
ABI 377 (Applied Biosystems) empregando o método de terminação de cadeia
descrito por Sanger e colaboradores (1977). A estratégia de sequenciamento
foi a mesma descrita por Kuno & Chang (2005).
Na reação de sequenciamento foram utilizados 4 μL de
Terminator ready reaction mix, 2 μL (80 ng) do produto de PCR purificado e 3,2
pmoles de oligonucleotídeos, ajustados com água livre de RNase e DNase
para um volume final de 10 μL. A amplificação foi realizada em termociclador
(GeneAmp PCR Systems 9600, Applied Biosystems), usando um programa
específico que consiste de 25 ciclos, cada um composto por etapas de
desnaturação a 96ºC por 10 segundos, anelamento dos iniciadores a 50 ºC por
5 segundos e extensão a 60 ºC por 4 minutos.
O produto final foi precipitado com a adição de 80 µL de
isopropanol 75% (álcool isopropílico, Merck). A mistura foi agitada, incubada
por 20 minutos a temperatura ambiente e centrifugada a 14.000 rpm por 25
minutos. Ao final, o sobrenadante foi retirado e desprezado, e em seguida o
precipitado foi lavado com 250 μL de etanol a 70% e centrifugado a 12.000 rpm
por 5 minutos. O sobrenadante foi descartado e o precipitado foi incubado a
90ºC por 2 minutos para a completa evaporação do etanol. O precipitado foi
então reconstituído em 5 μL de solução de formamida (Amresco) deionizada,
97
na proporção de 5:1 com azul dextran/EDTA (Applied Biosystem), aquecido a
95 ºC por 3 minutos e submetido à eletroforese no sequenciador automático.
2.6. ALINHAMENTO DAS SEQUÊNCIAS NUCLEOTÍDICAS
As sequências nucleotídicas foram montadas pelo programa
SeqMan™ II, versão 5.03
(DNASTAR ® Lasergene, EUA). Este software
também foi utilizado para indicar a ORF relacionada à poliproteína dos vírus em
estudo, bem como determinar as regiões 5’RNC e 3’RNC. O alinhamento das
sequências obtidas juntamente com sequências de outros flavivírus (Quadro 7)
foi feito pelo programa Clustal W (Thompson et al., 1997), implementado pelo
programa BioEdit versão 5.0 (Hall, 2001), e ajustadas manualmente.
98
Quadro 7- Sequências do genoma completo dos 32 flavivírus utilizados para o
alinhamento e filogenia neste estudo.
ISOLAMENTO
VÍRUS
SIGLA
ANO
HOSPEDEIRO
LOCAL
Austrália
Vírus Alfuy
VALFUY
1966
Vírus Apoi
VAPOI
1954
Centropus plasinius
Apodimus sp
Clethrionomys sp
Vírus Bagaza
VBAG
1966
Mixed cullex
Vírus Bussuquara
Vírus cell fusion agent
Vírus da encefalite
japonesa
Vírus encefalite Murray
Valley
Vírus da encefalite Saint
Louis
Vírus da febre amarela
Vírus dengue sorotipo 1
Vírus dengue sorotipo 2
VBSQ
VCFA
1956
1999
Alouuatta belzebul
mosquitos
Bagaza
República
Central
Brasil
Kenya
VEJ
1935
Humano
VEMV
1951
VESL
ApMAR
NC003676
DakAr B209
NC012534
BeAn 4073
?
NC009026
NC001564
Tokyio, Japão
?
NC001437
Humano
Victoria/AS
?
NC000943
1933
Humano
Missouri/EUA
Kern217
NC007580
VFA
VDEN1
VDEN2
1927
1944
1944
Humano
Humano
Humano
?
?
16681
NC002031
NC001477
NC001474
Vírus dengue sorotipo 3
VDEN3
1956
Humano
?
NC001475
Vírus dengue sorotipo 4
VDEN4
1956
Humano
?
NC002640
VIGU
1979
Camundongo sentinela
África
Hawai
Nova guiné
Tanda
Filipinas
Quezon
Filipinas
São Paulo
SP AN 71686
NC009027
BE H 7445
NC009028
NC005064
NC012533
Vírus Iguape
Vírus Ilhéus
Vírus Kamiti river
Vírus kedougou
VILH
VKR
VKED
1944
?
?
Ae. psorophora
Ae. macintoshi
?
Vírus kokobera
VKOK
1960
Culex annulirostris
Vírus Langat
VLGT
1956
Ixodes granulatus
Vírus Louping ill
VLI
1929
Ovis ovis (ovelha)
Peromyscus
mampulatus
Japão
GENBANK
NUMERO
CEPA
DE ACESSO
MRM-3929
AF013360
Ilhéus/BA
Kenya
Senegal
Norte
Queensland/AS
Malásia
Escócia
NC009029
TP21
NC003690
369/T2
NC001809
M544
Vírus Modoc
VMOD
1958
Vírus Montana miotis
leukoencefalite
Vírus do Nilo Ocidental
Vírus omsk hemorrhagic
fever
VMML
1958
Myotis lucifugus
Montana
?
NC004119
VNO
1937
Humano
Original
EU074020
VOHF
1947
Humano
Bogoluvovska
NC005062
Vírus powassan
VPOW
1958
Humano
Uganda
OMSK oblast
Rússia
Ontário
Canadá
LB
NC003687
Vírus Rio Bravo
VRB
1954
Califórnia
RiMAR
NC003675
Vírus rocio
VROC
1975
Tadarida brasiliensis
mexicana
Humano
SP H 34675
AF013397
Vírus sepike
VSEP
?
mosquitos
São Paulo
Papua Nova
Guiné
MK7148
NC008719
Vírus tick-borne
encefalite
Vírus Usutu
VTBE
1975
?
?
?
NC001672
VUSU
2001
Pássaro negro
Áustria
Vienna 2001
NC006551
Vírus Wesselsbron
VWES
?
?
África do Sul
SAH177
NC012735
VZIK
?
Macaco sentinela
Uganda
MR 766
NC012532
Vírus zika
California
SR-82
DakAar D1470
AusMRM 32
NC003635
99
2.7.
IDENTIFICAÇÃO
DOS
MOTIVOS
CONSERVADOS,
SÍTIOS
DE
CLIVAGEM, SÍTIOS DE GLICOSILAÇÃO E RESÍDUOS DE CISTEÍNA NA
POLIPROTEÍNA,
Os sítios de clivagem da poliproteína dos flavivírus em estudo
foram identificados seguindo o esquema de processamento proteolítico em
cascata para ORF dos flavivírus previamente descrito por Rice e Strauss
(1990). As junções do capsídio intracelular e pre-membrana (Ci/prM), prM e
envelope (prM/E), proteína E e a proteína não estrutural NS1 (E/NS1) foram
determinadas com base no escore de maior potencial de clivagem para
signalase
da
célula
hospedeira,
utilizando
o
programa
Signal
PNN
(http://www.cbs.dtu.dk/services/) (Chang et al., 2000). Os sítios de glicosilação
e resíduos de Cisteína foram determinados pelos programas NetNglyc (versão
1.0) (http://www.cbs.dtu.dk/services/) e Protean (versão 5.03) (Lasergene,
DNASTAR ®), respectivamente.
Para a identificação dos principais domínios das proteínas E, NS3
e NS5 foram realizadas análises de similaridade em bancos de dados
biológicos secundários (também conhecidos como bancos de dados de
padrões ou de assinaturas) que determinam as funções específicas de
proteínas. Tais análises de domínios protéicos foram realizadas no banco de
dados INTERPRO através da ferramenta Interproscan (http://www.ebi.ac.uk/
Tools/InterProscan). O INTERPRO alberga vários bancos de dados de
domínios, motivos e famílias protéicas, tais como: ProDom, SMART,
TIGRFAMS, Pfam, SUPERFAMILY, PANTHER e SignalPHMM,
diminuindo
assim a redundância de dados e aumentando a acurácia da predição. Os
100
resultados dessas análises corroboram a identificação de proteínas nãoredundantes como também direcionam na inferência de função de proteínas
espécie-específicas.
Os motivos conservados das proteínas E, NS3 e NS5 foram
verificados no alinhamento as sequências aminoacídicas entre os vírus em
estudo e os demais flavivírus, com base nos achados da literatura (Kamer &
Argos, 1984; Koonin, 1991; Chang, 1997; Gorbalenya et al., 1989; Matusan et
al., 2001; Zhou et al., 2007; Seligman, 2008).
2.8. ESTRUTURA SECUNDÁRIA DAS 5’RNC/ 3’RNC E CICLIZAÇÃO DO RNA
VIRAL
A estrutura secundária ao nível da 3’RNC e formação de alças
entre os términos 3´RNC e 5´RNC foram determinadas pelo programa MFOLD
3.0 (Zuker et al., 1999) (http://mfold.burnet.edu.au/). Os primeiros 200 nt no
terminal 5’ e toda a sequência nucleotídica do terminal 3’RNC após o códon de
parada do gene NS5 foram utilizados na análise, bem como os dois terminais 3’
RNC e 5’ RNC para a construção da estrutura secundária de ciclização do RNA
viral, similar ao estudo proposto por Khromykh e colaboradores (2001b).
101
2.9. DETERMINAÇÃO E ANÁLISE DE SIMILARIDADE (BOOTSCANING) DA
REGIÃO CODIFICANTE
Inicialmente, as regiões codificantes dos flavivírus VBSQ, VIGU,
VILH e VROC foram identificadas utilizando o programa ORF finder disponível
no
portal
NCBI
(National
Center
for
Biological
Information;
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/projects/gorf/).
Posteriormente, o programa Bootscan (SimPlot versão 3.5.1. http://sray.med.som.jhmi.edu/SCRoftware/simplot/)
foi
empregado
para
examinar as sequências nucleotídicas dos flavivírus em estudo ao longo de
toda a região codificante (Felsenstein, 2009; Ray, 1999) e comparadas com
sequências
de
outros
flavivírus
previamente
selecionados.
Árvores
filogenéticas pelo método de Agrupamento de Vizinhos (AV) foram obtidas para
valores de bootstrap fixados em 1.000 réplicas, usando os programas
SEQBOOT e DNAPARS (PHYLIP software versão 3.69) (Felsenstein, 2009),
utilizando o modelo de substituição nucleotídica* Kimura 2 parâmetros e
alternativamente F84. A análise foi repetida de 20 em 20 nt ao longo de todo o
genoma. Os valores obtidos para bootstrap indicaram o grau de relação
filogenética entre os vírus em estudo e outros flavivírus, sendo tabulados e
plotados a cada passo.
* O modelo de substituição nucleotídica escolhido para a análise de bootscan foi
determinado pela disponibilidade do programa.
102
2.10. ANÁLISE FILOGENÉTICA COMPARATIVA
Para a análise filogenética foram adotados os métodos de MV
utilizando o programa PHYML (Guindon & Gascuel, 2003) e Bayesiano,
implementado pelo programa MrBayes versão 3 (Ronquist & Huelsenbeck,
2003). O programa Moldtest versão 3.7 (Posada & Crandall, 1998) foi utilizado
para determinar o melhor modelo de substituição nucleotídica a ser usado
baseado no critério de informação Akaike (Akaike Information Criterion, AIC),
com o auxílio do programa PAUP, versão 4 (Swofford, 2002).
Para o método MV, a análise de bootstrap foi realizada usando
1.000 pseudoréplicas (valor de confiabilidade de 95%) obtidas a partir do
alinhamento original entre as sequências para a obtenção de resultados mais
confiáveis (Felsenstein et al., 1985).
A análise Bayesiana foi realizada empregando o modelo de Markov
Monte Carlo (Markov Chain Monte Carlo, MCMC). A análise foi feita para dois
milhões de réplicas, sendo a amostragem fixada a cada 1.000 árvores geradas.
Os valores Bayesianos foram estimados em 50% das árvores consenso
geradas
(Huelsenbeck
&
Ronquist,
2003).
O
programa
TRACER
(www.evolve.zoo.ox.ac.uk) foi utilizado para verificar se a análise realizada pelo
programa MrBayes alcançou a convergência apropriada.
103
3. RESULTADOS
3.1. ANÁLISE DO GENOMA VIRAL
O tamanho dos genomas completos obtidos para os flavivírus
brasileiros em estudo ficaram em torno de 10.800 nt, sendo determinado
10.815 nt para o VBSQ, 10.922 nt para o VIGU, 10.775 nt para o VILH e 10.794
nt para o VROC. Para cada vírus foi reconhecida uma única ORF, flanqueada
pelas 5’ RNC e 3’RNC. Em cada ORF foram reconhecidos os três genes que
codificam as proteínas estruturais, C-prM-E, e os setes genes das proteínas
não-estruturais, NS1-NS2A-NS2B-NS3-NS4A-NS4B-NS5. A 5’RNC dos vírus
VBSQ e VIGU apresentaram 92 nt, enquanto que para VILH e VROC foi de 104
nt. Maior variação em tamanho foi observada ao nível da 3’RNC, sendo que
para o VILH determinou-se a de menor tamanho com 383 nt, seguido do VBSQ
(418 nt), VROC (424 nt) e VIGU (564 nt). As características dos genomas dos
quatro flavivírus em estudo encontram-se sumarizadas no Quadro 8.
Os tamanhos dos genes Pr/M, NS2A, NS2B e NS4A/2K foram
similares para os quatros vírus: 92/75 aa, 227 aa, 131 aa e 126/23 aa,
respectivamente. Para a proteína C, o VBSQ apresentou o maior comprimento,
125 aa, seguido do VIGU (119 aa) e dos VILH e VROC (118 aa); a posição de
clivagem da AnchC variou em um anti-códon para os VIGU e VROC,
determinando um tamanho de 17 aa. Quanto a NS3, com exceção do VILH
(618 aa), os demais vírus apresentaram 619 aa. A variabilidade no tamanho do
genoma também foi observado quanto a NS4B (variação de 253 a 256 aa) e
NS5 (904 aa para VIGU e VROC; 905 aa para VBSQ e VILH) (Quadro 8).
104
Quadro 8 – Comparação do genoma dos quatro flavivírus brasileiros em estudo: tamanho do genoma, regiões codificadoras para
proteínas estruturais e não-estruturais, RNCs.
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
nt
posição
aa
NT
posição
aa
nt
posição
aa
nt
posição
aa
5’RNC
104
1 a 104
-
104
1 a 104
-
92
1 a 92
-
92
1 a 92
-
VirC
321
105 a 425
107
306
105 a 410
102
300
93 a 392
100
303
93 a 395
101
AnchC
54
426 a 479
18
51
411 a 461
17
54
393 a 446
18
51
396 a 446
17
480 a 755
92
276
462 a 737
92
276
447 a 722
92
276
723 a 947
92
estruturais
do genoma
Proteínas não-estruturais
Proteínas
Componentes
Pr
M
225
756 a 980
75
225
738 a 962
75
225
723 a 947
75
225
948 a 2.450
75
E
1.503
981 a 2.483
501
1.482
963 a 2.444
494
1.503
948 a 2.450
501
1.503
948 a 2.450
501
NS1
1.059
2.484 a 3.542
352
1.059
2.445 a 3.503
353
1.059
2.451 a 3.509
353
1.059
2.451 a 3.509
353
NS2A
681
3.543 a 4.223
227
681
3.504 a 4.184
227
681
3.509 a 4.190
227
681
3.510 a 4.190
227
NS2B
393
4.224 a 4.616
131
393
4.185 a 4.577
131
396
4.191 a 4.586
131
393
4.191 a 4.583
131
NS3
1.857
4.617 a 6.473
619
1.857
4.578 a 6.434
619
1.854
4.587 a 6.440
618
1.857
4.584 a 6.440
619
NS4A
378
6.474 a 6.851
126
378
6.435 a 6.812
126
378
6.441 a 6.818
126
378
6.441 a 6.818
126
2K
69
6.852 a 6.920
23
69
6.813 a 6.881
23
69
6.819 a 6.887
23
69
6.819 a 6.887
23
NS4B
759
6.921 a 7.679
253
762
6.882 a 7.643
254
765
6.887 a 7.652
255
768
6.888 a 7.655
256
NS5
2.718
7.680 a 10.397
905
2.715
7.644 a 10.358
904
2.718
7.653 a 10.370
905
2.715
7.656 a 10.370
904
3’NCR
418
10.398 a 10.815
-
564
10.359 a 10.922
-
385
10.371 a 10.755
-
424
10.371 a 10.794
-
ORF
10.290
-
3.429
10251
-
3416
10.272
-
3424
10.275
-
3.425
Genoma Total
10.815
-
-
10922
-
-
10.775
-
-
10.794
-
-
Legenda: VBSQ: vírus Bussuquara; VIGU: vírus Iguape; VILH: vírus Ilhéus; nt: nucleotídeos; aa: aminoácido; NCR: Região não-codificadora; ORF: Open
Reading Frames
104
105
3.2. REGIÕES NÃO CODIFICADORAS
3.2.1. Sequências Conservadas
Dentre as sequências conservadas da 3’RNC dos flavivírus
transmitidos por mosquitos (CS1[3’CYC], CS2, RCS2, CS3, RCS3), as
sequências localizadas dentro do 3’SL e o pentanucleotídeo 5’-CACAG-3’,
mostraram a presença das CS1[3’CYC], CS2, RCS2 e 5’-CACAG-3’ nos
genomas dos quatro vírus em estudo (Figura 15), muito embora a CS1 do
VIGU seja considerada imperfeita por apresentar três alterações, sendo uma
delas uma inserção de “A” (Figura 16). Quanto às sequências CS3 e RCS3,
comumente observadas nos representantes do grupo da encefalite japonesa,
as mesmas encontram-se ausentes no genoma do VBSQ, enquanto que a CS3
foi encontrada na 3’RNC dos VIGU, VILH e VROC. Comparando-se com a
RNC dos demais flavivírus, o VBSQ apresentou disposição das sequências
conservadas similar aos vírus causadores de doença icterohemorrágica do
grupo dengue, enquanto que os VIGU, VILH e VROC apresentaram padrão
similar aos vírus encefalitogênicos do grupo da encefalite japonesa (VEJ,
VEMV, VNO), excetuando a RCS3 (Figura 15)
Em relação à sequência consenso gerada pelo alinhamento dos
quatro flavivírus em estudo com os flavivírus transmitidos por Culex, na região
análoga da CS3 do VBSQ foram observadas oito substituições nucleotídicas,
que descaracterizaram a CS3. Algumas alterações pontuais foram observadas:
CS3 do VIGU, posição 10.614 (A→T); CS2 do VIGU, posição 10.771(A→T);
CS2 do VILH, posição 10.616 (A→T); CS1 do VIGU, substituição nucleotídica
106
nas posições 10.817(G→A) e 10.823(T→C) – esta dentro da 3’CYC e uma
inserção de “A” na posição 10.818; CS1 do VILH, posição 10.660 (A→G);
pentanucleotídeo da 3’SL do VIGU, posição 10.880(A→C) (Figura 16).
RCS3 CS3
RCS2
CS2
CS1
3’LH
3’CYC
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
VEJ
VMVE
VNO
VBAG
VKOK
VKED
VZIK
VDEN-1
VDEN-4
Figura 15 – Representação esquemática das 3’RNC dos Vírus bussuquara (VBSQ), Vírus
Iguape (VIGU), Vírus Ilhéus (VILH) e Vírus rocio (VROC) em comparação a outros flavivírus
transmitidos por mosquitos dos grupos: Encefalite japonesa [Vírus da encefalite japonesa
(VEJ), Vírus da encefalite Murray Valley (VEMV) e Vírus Nilo Ocidental (VNO)], Ntaya [Vírus
Bagaza (VBGA)], Kokobera [Vírus kokobera (VKOK], Kedougou [Vírus kedougou (VKED)],
Spondweni [Vírus zika (VZIK)] e Dengue [Vírus dengue sorotipo 1 (VDEN1) e Vírus dengue
sorotipo 4 (VDEN4). Observar que a CS3 e RCS3 está ausente no VBSQ, bem como a RCS3
está ausente no VIGU, VILH e VROC.
107
Consenso
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
VALFUY
VEJ
VUSU
VEMV
VNO
VKUN
VESL
VBAG
VKOK
VKED
VZIK
CS3
GCCCCAGGTGGACTGG
Consenso
T.T..G.AA...A.AA
........T.......
................
................
........T.......
................
................
................
................
................
................
........T.......
CT..............
C...TG...CT.T...
CG..AT.....G...G
CS2
GACTAG-AGGTTAGAGGAGACCC
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
VALFUY
VEJ
VUSU
VEMV
VNO
VKUN
VESL
VBAG
VKOK
VKED
VZIK
.......................
............T..........
..............T........
.......................
.......................
.......................
.......................
.......................
.......................
.......................
.......................
.......................
.......................
......G................
.......................
posição
10477-10492
10606-10621
10451-10466
10289-10304
10644-10659
10667-10682
10750-10765
10703-10718
10718-10733
10711-10726
10640-10655
10710-10725
10567-10582
10457-10471
10481-10496
RCS2
GACTAGAGGTTAGAGGAGACCC
posição
......................
......................
......................
......................
......................
......................
......................
......................
......................
......................
......................
---------------------......................
GG..G.T.CG..A.AT-...A.
......................
CS1
CAG-CATATTGACACCTGGGA
10656-10677
10760-10781
10603-10624
10441-10462
10801-10822
10826-10847
10908-10929
10857-10878
10875-10896
10794-10815
10791-10812
10787-10808
10723-10744
10567-10589
10646-10668
.....................
..AA....C............
.............G.......
.....................
........C............
.....................
.....................
.....................
.....................
.....................
.....................
.....................
.....................
.....................
...-..........--.....
posição
10579-10600
10681-10702
10529-10550
10364-10385
10724-10745
10748-10769
10832-10853
10783-10804
10801-10822
10794-10815
10716-10737
10646-10667
10508-10528
10564-10585
3’SL
CACAG
posição
10709-10728
10815-10835
10648-10667
10488-10507
10850-10869
10863-10882
10952-10971
10901-10920
10922-10941
10915-10934
10833-10852
10834-10835
10771-10790
10614-10633
10685-10702
CACAG
CACCG
CACAG
CACAG
CACCG
CACAG
CACAG
CACCG
CACAG
CACAG
CACAG
CACAG
CACAG
CACAG
CACAG
10770-10774
10877-10881
10709-10713
10549-10553
10914-10918
10928-10931
11018-11022
10966-10970
10983-10987
10976-10980
10893-10897
10896-10900
10831-10835
10677-10681
10746-10750
Figura 16 - Alinhamento entre as sequências nucleotídicas conservadas da 3’RNC dos flavivírus transmitidos por mosquitos do gênero Culex, seguindo a
disposição 5’→3, comparando com os flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC. A sequência de ciclização, 3’CYC está representada em negrito dentro da CS1.
Em amarelo, destacam-se as sequências que apresentam mais de cinco alterações, o que descaracteriza as sequências conservadas. Legenda: VALFUY =
Vírus alfuy; VBAG = Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus bussuquara; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VEMV = Vírus encefalite Murray Valley; VESL = Vírus
encefalite Saint Louis; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VKUN = Víurs kunji; VNO = Vírus Nilo
ocidental; VROC = Vírus rocio; VUSU = Vírus usutu; VZIK = vírus zika.
107
108
3.2.2. Estruturas Secundárias das 5’ RNC e 3’RNC e Ciclização do RNA
viral
As estruturas secundárias preditivas para a ciclização entre as
regiões 5’ e 3’RNC dos flavivírus brasileiros, gerada pelo programa MFOLD,
apresentaram similar organização para a 5’RNC e diferentes padrões para a
3’RNC. A Figura 17 representa os modelos da estrutura secundária de
ciclização para os respectivos flavivírus brasileiros, que apresentaram baixos
níveis de energia e distintos entre os flavivírus em estudo (VBSQ: -106,4 Kcal;
VIGU: -261,7 Kcal; VILH: -101,1 Kcal; VROC: -97,0 Kcal).
Nas estruturas de ciclização, os nucleotídeos terminais das 5’
RNC e 3’RNC estão localizados próximos, no entanto não estão ligados. Foram
encontradas duas sequências complementares entre 5’ RNC e 3’RNC: (i) as
sequências complementares, 5’SCy e 3’SCy; e (ii) as sequências conservadas
entre os flavivírus transmitidos por mosquito 5’CYC e 3’CYC (Figura 17).
As
estruturas
secundárias
peculiares
das
regiões
não
codificantes também puderam ser identificadas na estrutura de ciclização dos
flavivírus brasileiros, tais como: na 5’RNC a estrutura secundária da 5’ (5’ES),
próximo ao terminal 5’, e o grampo na região do gene C (5’CapHS), localizada
entre o códon de iniciação e a 5’CYC; e na 3’RNC, o 3’SL, observando na alça
distal a presença do pentanucleotídeo 5’-CACAG-3’. Ademais, as sequências
conservadas da 3’RNC – CS2, RCS2 e CS3 – foram representadas nas
estruturas secundárias, observando a formação de grampos, com exceção da
RCS2 do VIGU (Figura 17).
109
Nível de Energia = -261,7
VROC
Nível de Energia = -97,0
Nível de Energia = -101,1
3’HS4
CS3
3’HS2
3’HS5
3’HS3
3’HS3
3’HS5
3’HS2
3’HS4
3’HS2
RCS2
3’HS3
3’H
S3
3’HS1
3’HS2
3 ’H
S1
3’HS4
CS3
3’HS6
3’HS1
RCS2
CS3
RCS2
5’SCy
3’SCy
3’ LSH
CS1
5’ES
5’ ES
3’NCR
5’ NCR
3’SL
5’ ES
5’ NCR
3’ NCR
5’
3’ NCR
5’ NCR
3’SCy
5’SCy
3’SL
LSH
3’
5’ ES
3’SL
PA
s
3’SCy
3’SCy
PA
5’ CYC
5’CapHS
NC
R
5’SCy
CS1
5’CapHS
3’
5’SCy
3’ CYC
5’ CYC
3’ CYC
3’ CYC
5’ CY
C
5’CapHS
5’CapHS
3’ CYC
CS2
ImCS1
CS1
CS2
CS2
RCS2
CS2
3’HS5
NC
R
3’HS1
5’ CYC
Estrutura secundária 3’ RNC
Nível de Energia =-106,4
Estrutura secundária 5’ RNC
VILH
VIGU
VBSQ
Figura 17 – Estrutura secundária das 5’RNC e 3’RNC dos flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC na ciclização do RNA viral. Em destaque região do gene C
(vermelho), as sequências conservadas da 3’RNC (azul), o códon de iniciação (verde) as 5’CYC e 3’CYC pareadas, e o penta nucleotídeo CACAG (amarelo)
109
110
Na região que antecede o códon de iniciação da ORF dos
flavivírus, encontram-se, em posições análogas do genoma dos flavivírus
VBSQ, VIGU, VILH e VROC, as sequências complementares, 5’CS e 3’CS,
com tamanhos variando entre 15 a 17 nt, sendo, porém não conservadas. A
complementaridade entre as 5’SCy-3’SCy nos VBSQ e VROC não são
completas, observando a formação de pequenas alças (PA). No VBSQ, esse
fato é determinado pela inserção de duas bases, C e G, na 3’CS que é
complementar à adenina na posição 91 da 5’CS; enquanto que no VROC
observa-se a não complementaridade entre duas bases consecutivas, nas
posições 86 e 87 (referente à região 5’CS) (Figura 18).
87
VBSQ
102
5’CS CGAGAAGCGAATTCTCGAATG
................
3’CS GCTC.TCGTTTAAGAG
330
GC
88
VILH
352
521
86
VIGU
103
5’CS GGAGTAGAAACTTTCCGAATG
.................
3’CS CCTCGTCTTTGAGAGGC
703
687
78
VROC
102
5’CS AGCAAGGGATTTCCCATG
...............
3’CS TCGTCCCCTAGAGGG
507
92
5’CS AGCAGAGGTACTACCATG
...............
3’CS TCGTCTCCCAGAGGG
558
544
Figura 18 – Sequências complementares entre as 5’RNC e 3’RNC (5’CS-3’CS) dos flavivírus
Bussuquara (VBSQ), Iguape (VIGU), Ilhéus (VILH) e Rocio (VROC). Legenda: verde = códon
de iniciação; amarelo = bases não pareadas; azul = bases que formam pequenas alças.
Na porção 5’, a sequência conservada 5’CYC, localizada dentro
do gene C e complementar à região 3’CYC (5’-CATATTGA-3’), apresenta-se
conservada nos VBSQ e VILH, porém no VIGU observa-se uma substituição no
nucleotídeo 148(A→G), cujo nucleotídeo correspondente na 3’CYC (5’CATACTGA-3’ Figura 16) também foi alterado de T→C, permanecendo a
complementaridade completa entre essas sequências. No VROC, percebe-se
duas substituições em duas posições: uma na posição análoga ao nucleotídeo
111
148 do VIGU, 134(A→C), e outra no nucleotídeo 137(T→C) (Figura 29), muito
embora a 3’CYC tenha se mantido conservada (Figura 16).
Aparentemente, uma terceira sequência de complementaridade
entre a região do capsídio e a 3’RNC foi observada na estrutura de ciclização
do VBSQ (seta vermelha, Figura 17), sendo visualizada em todos os modelos
gerados pelo programa MFOLD. Essa região corresponde a uma sequência de
sete nucleotídeos: 5’-GGCGGCC-3’ (gene C, posição 167 a 170) complementar
a 5’-GGCCGCC-3’ (3’RNC, posição 10.536 a 10.542).
Consenso
5’CYC
TCAATATG
Posição
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
VALFUY
VEJ
VUSU
VEMV
VNO
VKUN
VESL
VZIK
VBGA
VKOK
VKED
........
...G....
........
...C..C.
...G....
........
........
........
........
........
........
........
........
........
........
145-152
145-152
133-140
131-138
136-143
136-143
137-144
136-143
137-144
137-144
139-146
147-154
138-145
124-131
141-148
Figura 19 - Alinhamento entre as sequências nucleotídicas correspondente a 5’CYC (5’RNC)
dos flavivírus transmitidos por mosquitos do gênero Culex comparando com as sequências
correspondentes dos VBSQ, VIGU, VILH e VROC. Em destaque as posições de substituição
nucleotídica observadas nos vírus VIGU e VROC. Legenda: VALFUY = Vírus alfuy; VBAG =
Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus Bussuquara; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VEMV = Vírus
encefalite Murray Valley; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VIGU = Vírus Iguape; VILH =
Vírus Ilhéus; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VKUN = Vírus kunji; VNO =
Vírus Nilo ocidental; VROC = Vírus Rocio; VUSU = Vírus usutu; VZIK = vírus zika.
112
3.3.. ANÁLISE DA POLIPROTEÍNA
3.3.1. Identificação dos sítios de clivagem, sítios de glicosilação e
resíduos de cisteína
As sequências dos cinco aminoácidos correspondentes aos sítios de
clivagens dos flavivírus brasileiros foram comparadas aos respectivos sítios
dos flavivírus VESL e VNO, do complexo do da Encefalite Japonesa e três
flavivírus transmitidos por mosquitos procedentes da África, os vírus Bagaza
(VBAG), Kedougou (VKED) e Zika (VZIK) (Quadro 9). Uma ou duas alterações
de aminoácidos foram observadas, em comparação à sequência consenso,
sendo mais evidente entre as junções VirC/AnchC, enquanto que os sítios de
clivagem entre M/E, NS2A/NS2B, NS2B/NS3 e NS4A/2K foram mais
conservados.
O número de sítios em potencial para glicosilação N-ligantes (NLGlyS) ao nível das proteínas prM, E e NS1 foram diferentes para os quatros
flavivírus brasileiros, correspondendo, respectivamente:
2,0,2 para VBSQ;
0,1,3 para VIGU; 1,1,2 para VILH e 1,1,2 para VROC. Todos os sítios foram
encontrados nos domínios hidrofóbicos das referidas proteínas (Tabela 1).
Seis resíduos de Cys foram encontrados no domínio N-terminal do
precursor (Pr) da proteína de membrana e 12 no ectodomínio das proteínas E e
NS1.
No ANEXO IV encontra-se o quadro identificando os aminoácios, as abreviaturas e
propriedades moleculares.
113
Quadro 9 – Sítios de clivagem dos flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC em comparação com membros do complexo da
encefalite japonesa (VSLE e VNO) e três flavivírus transmitidos por mosquitos procedentes da África (VBAG, VKED e VZIK).
Sítios de clivagem da poliproteína
Vírus
VirC/Anch C
NKGKR / SVESS
VBSQ
NRKKK / RGLHG
VIGU
RKEKK / KSFST
VILH
RKAKR / GNGSV
VROC
KQKKR / GGKTG
VNO
PSKKR / GGTRS
VESL
GKKKR / GGTTV
VBAG
NKRKR / SPVNW
VKED
ERKRR / GADTS
VZIK
Consenso NKKKR / GGXTS
Vírus
VBSQ
VIGU
VILH
VROC
VNO
VESL
VBAG
VKED
VZIK
Consenso
NS2A/NS2B
KHGKR / SWPPS
NLKKR / SWPAS
SLGKR / GWPAS
CATKR / GWPAS
PNRKR / GWPAT
PNGKR / SWPAS
PSNRR / GWPVS
GEKRR / SWPPT
RSGKR / SWPPS
PXKKR / SWPAS
Anch C/PR
CLALG / FKVVT
PITLC / FQTGN
TAVAG / LKISS
TGSMA / LRLGT
ASVGA / VTLSN
GLASS / LQLST
GVAQA / IKIGS
GVLTA / VKIGD
TTAMA / AEITR
XXAXA / XXIXS
Pr/M
KRSRR / NAVFP
RRSKR / ETHLP
RRGRR / AINIP
RRGRR / SVNIP
RRSRR / SLTVQ
RRSRR / SISVQ
RRSRR / SITVH
RRSRR / SVSLP
RRSRR / AVTLP
RRSRR / SXXXP
M/E
APAYN / MRCIG
APAYS / LRCIG
APAYS / LNCLG
APAYS / INCLG
APAYS / FNCLG
APAYS / FNCLG
APAYS / FNCLG
APAYS / IRCIG
APAYS / IRCIG
APAYS / XNCLG
E/NS1
INVSA / DTGCV
LGVGA / DSGCG
VNVHA / DTGCA
MNVHA / DTGCA
VNVHA / DTGCA
TSVQA / DSGCA
TNVHA / DTGCA
TSVNG / DQGCA
TAVSA / DVGCS
TXVHA / DTGCA
NS1/NS2A
SKVSA / GDGNE
SKVSA / GKGSP
SKVSA / GNGQT
SKVTA / GTGND
SQVNA / YNADM
SRVTA / GVAGG
SRVTA / YDGAG
ARVSA / GSGSG
SMVTA / GSTDH
SKVXA / GXGXG
NS2B/ NS3
KSGRR / AGALW
KSGRR / AGALW
KIHKR / GGVMW
KIHKR / GGVLW
QYTKR / GGVLW
KHSKR / GGALW
HSPKR / SGAIW
KKAKR / SGALW
KTGKR / SGALW
KSGKR / GGALW
NS3/NS4A
GGRRS / VTTGL
SGRRS / GVPSI
AAGKR / SAGVS
AAGKR / SAGSM
ASGKR / SQIGL
AAGKR / SALGM
ACGKR / SAIGV
AAGRR / GATAG
AAGKR / GAALG
AAGKR / SAXGX
NS4A/2K
PEKQR / SIQDN
PEKQR / TIQDN
PEKQR / SQTDN
PEKQR / SQTDN
PEKQR / SQTDN
PEKQR / SQTDN
PERQR / SQTDS
PERQR / SVQDN
PEKQR / SPQDN
PEKQR / SQTDN
2K/NS4B
GGIAA / NEMGM
LAVAA / NEMGY
GAVSA / NEMGW
SAVSA / NEMGW
SAVAA / NEMGW
GVVAA / NEMGL
GTVAS / NEMGW
GLVAA / NEAGL
GLITA / NELGW
GAVAA / NELGW
NS4B/NS5
NTGKR / GGADG
PNKRG / GGADG
PKLKR / GGGSA
PKVKR / GGIAA
PGLKR / GGAKG
PKGKR / GGGKG
GSMRR / GGGKG
SSTKR / SNRGL
LVKRR / GGGTG
PXXKR / GGGKG
Legenda: Em destaque estão marcados os aminoácidos que diferem da sequência consenso; VirC =Capsídio; AnchC = peptídeo-sinal no domínio
hidrofóbico terminal; prM=precursos da Proteína M; E = proteína de envelope; NS=proteínas não-estrutural; x=qualquer aminoácido. VBAG = Vírus Bagaza;
VBSQ = Vírus Bussuquara; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus
kokobera; VNO = Vírus Nilo ocidental; VROC = Vírus rocio; VZIK = vírus zika.
113
114
Tabela 1 – Sítios de glicosilação determinado para as proteínas PrM, E e NS1
pelo programa NetNglyc para os flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC O valor
limítrofe considerado é de 0,5.
Vírus
Proteína
NNTC
0,6650
148
NRSQ
0,5066
-
-
-
130
NATF
0,5148
207
NLTW
0,6152
PrM
-
-
-
E
154
NDTS
0,7330
85
NLSV
0,5899
130
NNTF
0,5187
147
NRTW
0,6178
PrM
15
NKTD
0,8014
E
154
NYTA
0,7407
130
NSTF
0,6133
316
NCTL
0,5131
PrM
15
NKTD
0,7059
E
154
NYTT
0,7133
106
NTSD
0,6348
130
NSTF
0,6186
E
NS1
VIGU
NS1
VILH
NS1
VROC
e-valor
31
PrM
VBSQ
Posição*
NS1
Legenda: * em relação ao primeiro aminoácido da proteína; em negrito o
aminoácido Asparagina (N) que é glicosilado.
115
3.3.1. Identificação de motivos conservados nas proteínas E, NS3 e NS5
Dentre do banco de dados do Interproscan, foi escolhido os
parâmetros Pfam para determinação dos domínios nas sequências das
proteínas E, NS3 e NS5, muito embora os demais bancos tenham apresentado
resultados similares. Nas referidas sequências aminoacídicas dos flavivírus
VBSQ, VIGU, VILH e VROC foram encontrados: na proteína E os domínios
central e dimerização (ectodomínio), que representa o domínio II; e o domínio
III, que apresenta estrutura similar à imunoglobulina; na proteína NS3, os
domínios da protease serina e helicase (DEAD); e na proteína NS5, os
domínios MTase e RdRP. As localizações de cada domínio estão descritos na
Tabela 2.
Tabela 2 - Principais domínios das proteínas E, NS3 e NS5 determinado pelo
Pfan para os flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC.
Vírus
Proteína
Domínio
Central e dimerização
Domínio III
Protease Serina
VBSQ
NS3
DEAD (Helicase)
MTase
NS5
RdRP
Central e dimerização
E
Domínio III
Protease Serina
VIGU
NS3
DEAD (Helicase)
MTase
NS5
RdRP
Central e dimerização
E
Domínio III
Protease Serina
VILH
NS3
DEAD (Helicase)
MTase
NS5
RdRP
Central e dimerização
E
Domínio III
Protease Serina
VROC
NS3
DEAD (Helicase)
MTase
NS5
RdRP
* Em relação ao primeiro códon da proteína NS5.
E
Posição*
Tamanho
1-301
303-399
7-177
184-331
54-277
251-900
1-294
296-392
6-173
183-330
54-228
252-899
1-299
301-399
7-179
184-331
54-227
252-900
1-299
301-399
7-178
184-331
54-227
252-900
300 aa
96 aa
170 aa
147 aa
223 aa
649 aa
293 aa
96 aa
167 aa
147 aa
174 aa
647 aa
298 aa
98 aa
172 aa
147 aa
173 aa
648 aa
298 aa
98 aa
171 aa
147 aa
172 aa
648 aa
Sítios ativos
Resíduo/posição
H51, D75, S135
H50, D74, S134
H51, D75, S135
H51, D75, S135
-
e-value
6,1e-197
6,5e-54
1,5e-104
4,5e-102
2,7e-05
0
4,3e-202
1e-46
1,7e-90
4,6e-101
8,6e-05
0
7,4e-216
2,1e-53
9,4e-101
1,1e-103
1,9e-05
0
4,1e-196
9,7e-53
2,4e-99
1,4e-106
1,1e-05
0
116
A região do ectodomínio da proteína E (domínio II), constituída
pelos domínios central e de dimerização, apresentaram tamanhos de 300 aa,
293 aa, 298 aa e 298 aa para os flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC,
incluindo
a
sequência
conservada
relativa
ao
peptídeo
de
fusão,
DRGWGNGCGLFGKGSI (posições 99 a 114), para os flavivírus transmitidos
por Culex sp. (Seligman, 2008). Nos VBSQ e VIGU foram observadas três e
duas alterações, respectivamente, em relação à sequência consenso, como
segue: VBSQ: NRGWNNGCGLFGKGDI (D99N; C103N; S113D); VIGU:
DRGWNNGCGLFGKGSL (C103N; I114L). Dentre os seis resíduos de Gli
existentes, os VBSQ e VIGU apresentaram somente cinco em virtude da
mutação na posição 103, reconhecida por C103N. O VILH apresentou a
sequência do peptídeo de fusão similar a sequência consenso, enquanto que
para o VROC foi observada uma única substituição nucleotídica referente a
I114L.
O domínio III apresenta 96 resíduos para VBSQ e VIGU e 98 para
VILH e VROC. O motivo RGD reconhecido na proteína E dos VALFUY (387389), VEJ (387-389), VEMV (388-390) e VUSU (387-389), correspondem aos
VBSQ, VIGU, VILH e VROC, ao tripeptídeo VGD (388-390), SYD (381-383),
QEN (388-390) e TGP (388-390), respectivamente.
Na proteína NS3, os sítios catalíticos da tríade H-D-S (His-AspSer) do domínio catalítico da protease serina estão preservados nos quatro
flavivírus em estudo, relacionados às posições 51, 75 e 135, respectivamente,
para VBSQ, VILH e VROC e posições 50, 74, 134 para o VIGU (Tabela 2).
Ainda no domínio da protease serina, o motivo conservado XXGLYGNG que
está relacionado ao sulco de ligação do substrato (Chang, 1997), é
117
representado pela sequência VIGLYGNG para o VROC (posições 145 a 152) e
VBSQ (posições 145 a 152) bem como para os VKUN, VZIK, VUSU e VNO,
mas apresentam duas substituições nucleotídicas nas duas primeiras posições
do motivo para o VIGU (TIGLYGNG) e VILH (ITGLYGNG).
Os motivos conservados entre os flavivírus associados à família
DEAD da RNA helicase [GAGKTRK (motivo I), MDEAH (motivo II) e
SAAQRRGR(V/I)GR (motivo VI) (Gorbalenya et al., 1989; Matusan et al.,
2001)], se mantiveram conservados nos quatro flavivírus em estudo.
Na proteína NS5, dentre os oito motivos determinantes da
atividade RdPd no genoma dos flavivírus: motivo I (MGKREKKLG), motivo II
(KAKGSRAIWLGARFLEF),
motivo
III*
[(G/A/S)GVEGXGI(Q/H)XLGY
(V/I)LX(E/D)X], motivo IV (XGGXIYADD), motivo V* [XDQRGSGQV(V/G)TY
(A/G)LNTFTNX(V/A)QL(V/I)RX(M/A)],
motivo
VI
[R(M/L)(A/L)ISGDDCVV],
motivo VII (VPFCS(H/N)HFX), motivo VIII (RX(L/I)VVPCRXQDEL) (Koonin,
1991), somente os motivos I, II, III, IV e VIII apresentam-se conservados para
os quatro flavivírus em estudo, bem como os sítios da MTase: K61, D146, K182 e
E218 (posições referentes ao VNO) (Zhou et al., 2007).
No motivo V, o VROC apresenta uma mudança de aminoácido na
posição 614, Y→F (NDQRGSGQVVTYALNTY614TNLAVQLIRCM). Ainda no
motivo V, o VILH apresenta uma mudança de aminoácido na posição 619,
V→A, (EDQRGSGQVVTYALNTFTNLAA619QLVRCM). No motivo VI uma única
mudança aminoacídica R→P, na posição 661 (P661MAVSGDDCVV). No motivo
VII,
o
VILH
apresenta
uma
mudança
de
C→G
na
posição
713
(VPFG713SHHFN). Para os demais flavivírus em estudo os motivos V, VI e VII
apresentam-se conservados.
* Sequência consenso baseada apenas nos flavivírus transmitidos por mosquitos; X =
locus com variação de aminoácido.
118
O motivo V(V/I)DLGCGRGGW associado à atividade MTase-SAM
(Koonin, 1993), permanece conservado.
3.4. ANÁLISE DE SIMILARIDADE
O grau de relação filogenética das sequências nucleotídicas entre
os quarto flavivírus brasileiros foi demonstrado pelo método de plotagem de
similaridade utilizando o valor de permutação de 50% como valor limiar com
relação ao eixo Y, que corresponde ao percentual de permutação filogenética
(ppt) baseado nos valores de Bootstrap, e o eixo X representa a posição no
genoma dos flavivírus. As análises tiveram VBSQ e VILH como parâmetro de
referência em relação VBAG, VIGU, VESL, VKED, VKOK, VROC VNO e VZIK
os quais mostram maior similaridade filogenética entre si (Kuno et al., 1998;
Gubler et al., 2007; Kuno et al., 2009).
Para a ORF do VBSQ observou-se uma maior similaridade com o
VIGU, mostrando um forte sinal para os genes C, PrM, porção inicial e N
terminal da proteína E, NS4A e NSAB; e de moderada a forte para as regiões
MTase e RdRp no gene NS5. Próximo a região C-terminal da proteína E, há
uma maior similaridade com o VKOK (ppt>85%). Para o gene NS1, a porção
central é similar com o VKOK (intensidade modera; ppt=80%) e a porção Nterminal com o VKED (intensidade forte; ppt>85%). A região da protease no
gene NS3 apresenta forte similaridade com o VZIK (ppt>85%) e a região Nterminal com o VKOK (Figura 20 A).
Para o VILH, de modo geral, um forte sinal de similaridade com o
VROC foi observado para os genes C-PrM-E, NS2A-2B, NS3 e NS4, muito
119
embora as regiões C-terminal da NS1 e N-terminal da PrM apresentam
similaridade forte (ppt>90%) e moderada (ppt>70%) com os VNO e VESL,
respectivamente (Figura 20 B).
Para verificar a relação do VROC com os demais flavivírus,
excetuando o VILH, foi realizada a análise de similaridade genética pelo
método de Bootscan, tendo o VROC como referência e em comparação com
os vírus do grupo da encefalite japonesa e com o representante do grupo
Ntaya, o VBAG. No decorrer da ORF, o VROC obteve maior similaridade com
os VBAG e VESL. Para os genes C e NS2A, o VROC apresenta similaridade
moderada a intensa com o VESL, enquanto que para os genes NS2B, NS4B
(moderada a intensa) e PrM (baixa) apresentam maior similaridade com o
VBAG. Os genes E, NS1, NS3, NS4A e NS5, a similaridade do VROC em
relação ao VESL e VBAG foi mais balanceada, mas tendendo a maior
similaridade, quanto à intensidade, com o VBAG (Figura 21)
120
(A)
Sequência do VBSQ como referência
Intensidade de Sinal
Moderado
Baixo
Sem Sinal
Percentual de permutação (%)
Forte
VIGU
VNO
VESL
VILH
VROC
VBAG
VKED
VZIK
VKOK
Posição do genoma (nt)
C rM
P
MTase RdRp
Prot Hel
II III
E
1
A B
N S N S2 NS2
NS
3
4A 4B
N S NS
NS
5
(B)
Sequência do VILH como referência
Intensidade de Sinal
Moderado
Baixo
Sem Sinal
Percentual de permutação (%)
Forte
VBSQ
VIGU
VNO
VESL
VROC
VBAG
VKED
VZIK
VKOK
Posição no genoma (nt)
C rM
P
MTase RdRp
Prot Hel
II III
E
1
A B
N S NS2 NS2
NS
3
4 A 4B
N S NS
NS
5
Figura 20 – Análise de similaridade (Bootscan) realizada pelo programa SimPlot, utilizando as
sequências dos VBSQ (A) e VILH (B) como referência, O eixo Y representa percentual de
permutação filogenética (ppt); o eixo X corresponde às diferentes regiões da ORF, O parâmetro
vertical expressa às intensidades da relação filogenética (Forte, Moderado, Baixo e sem sinal
de relação filogenética), tendo o valor de bootstrap igual a 50% corresponde ao valor limiar,
Legenda:
Prot=
região
da
protease;
Hel=região
da
Helicase;
MTase=região
da
metiltransferase; RdRp = região da Polimerase. VBAG = Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus
Bussuquara; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus;
VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VNO = vírus do Nilo Ocidental; VROC =
Vírus rocio; VZIK = vírus zika
121
Sequência do VROC como referência
Intensidade de Sinal
C
PrM
E
NS1
NS
2A
NS
2B
NS3
4A
NS
NS
4B
NS5
Forte
Moderado
Baixo
Sem Sinal
Posição no genoma (nt)
Figura 21 – Análise de similaridade (Bootscan), utilizando o VROC como referência. Notar a
maior similaridade com o VBAG e VESL para todo a ORF. Legenda: VBAG = Vírus Bagaza;
VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VNO = Vírus Nilo
Ocidental; VROC = Vírus rocio.
O percentual de identidade aminoacídica entre os flavivírus
brasileiros VBSQ, VIGU, VILH e VROC, e os flavivírus encefalitogênicos dos
grupos da Encefalite Japonesa (VJE, VWN e VESL), Ntaya (VBAG), Kedougou
(VKED), Kokobera (VKOK) e Spondweni (VZIK) foi realizado pelo programa
MegAlign (DNAstar) comparando-se tanto a ORF quanto a identidade de cada
gene. Nota-se que os maiores percentuais de identidade entre os vírus
transmitidos por Culex foram para as proteínas NS5 e NS3, enquanto que os
menores percentuais foi com relação à proteína C.
Entre VBSQ e VIGU a maior identidade aminoacídica foi
observada para os genes NS2A, NS2B, NS4B e NS5, e para a ORF. Quanto
aos genes C, PrM, NS1, NS3 e NS4A, o VBSQ apresentou maior similaridade
com VKOK e VKED, e em maior percentual com o VZIK. O VIGU, para os
122
genes C, PrM, E, NS1 e NS4A, apresenta maior similaridade com VKOK,
VESL, VKOK, e VROC, respectivamente (Tabela 3).
Observou-se que entre VILH e VROC tanto a ORF quanto os
genes estruturais (C-PrM-E) e os não estruturais (NS1-NS2A-NS2B-NS3NS4A-NS4B-NS5) apresentaram maior percentual de identidade entre si do
que com qualquer outro flavivírus. Para a ORF, a identidade aminoacídica entre
VILH e VROC foi de 77,5% (71% para nucleotídeo). Dentre as proteínas, os
maiores percentuais de identidade entre os VILH e VROC foram para as
proteínas E (78,6%), NS2B (85,6%), NS3 (85,4%) e NS5 (78,5%). A proteína C
foi a que apresentou o menor percentual de identidade (55,1%), seguido da
PrM (67,1%) e NS2A (70%).
Quanto aos demais grupos, o VILH mostrou maior similaridade
com o grupo da encefalite japonesa para os genes C, E, NS1, NS2A e NS5, e
para a ORF, e grupo Ntaya para os genes PrM, NS2B, NS3, NS4A e NS4B.
Para o VROC maior similaridade deu-se para o grupo da encefalite japonesa
quanto aos genes C, PrM, NS2A, NS3, NS4A, NS4B e NS5, e para a ORF, e
quanto aos genes E, NS1 e NS2B para o grupo Ntaya (Tabela 3).
123
Tabela 3 – Percentual de identidade aminoacídica entre os flavivírus VBSQ,
VIGU, VILH e VROC e outros flavivírus transmitidos por Culex.
VIGU
VILH
VROC
VEJ
VNO
VESL
VBAG
VKED
VKOK
VZIK
C
35,2
38,4
46,4
38,4
44,0
36,8
40,0
33,6
46,4
39,2
PrM
48,5
41,3
47,9
47,3
48,5
50,3
46,1
50,3
46,7
45,5
E
57,5
52,9
52,1
54,9
53,9
54,9
50,7
53,9
55,1
53,5
VBSQ
VILH
VROC
VEJ
VNO
VESL
VBAG
VKED
VKOK
VZIK
C
35,2
42,9
41,2
42,9
47,9
42,0
46,2
35,3
52,1
37,8
PrM
48,5
40,1
47,3
42,5
50,9
45,5
47,9
45,5
41,9
41,3
E
57,5
54,7
51,2
55,9
56,5
55,3
54,3
51,6
60,1
51,2
VBSQ
VIGU
VROC
VEJ
VNO
VESL
VBAG
VKED
VKOK
VZIK
C
38,4
42,9
55,1
48,3
49,2
45,8
39,8
39,8
44,1
41,5
PrM
41,3
40,1
67,1
50,9
53,3
41,9
54,5
41,9
44,3
40,7
E
57,5
54,7
78,6
64,5
64,3
66,1
64,7
52,1
60,1
54,3
C
46,4
41,2
55,1
(61,4)
48,3
52,5
50,0
46,6
39,8
44,1
42,4
PrM
47,9
47,3
67,1
(65,7)
59,3
58,7
47,9
57,5
47,9
51,5
48,5
E
52,1
51,2
78,6
(70)
64,3
62,5
65,3
64,7
50,5
59,1
54,3
VBSQ
VIGU
VILH
VEJ
VNO
VESL
VBAG
VKED
VKOK
VZIK
VÍRUS BUSSUQUARA
NS1 NS2A NS2B NS3
56,8
46,7
62,6 65,4
56,5
34,4
39,7 64,9
56,8
37,4
38,2 64,7
54,5
38,3
38,2 63,9
53,7
38,3
37,4 65,5
53,4
36,6
36,6 63,3
54,0
33,9
36,6 64,1
56,5
32,2
46,6 62,8
56,8
38,3
45,0 61,7
57,7
39,2
55,0 67,6
VÍRUS IGUAPE
NS1
NS2A NS2B NS3
56,8
46,7
62,6 65,4
56,9
35,2
42,4 61,8
56,9
37,9
41,7 63,2
56,4
41,9
37,9 62,6
57,2
35,2
37,1 62,9
58,4
34,4
37,9 62,9
53,8
33,5
33,3 61,8
56,7
31,7
41,7 64,0
57,8
35,7
47,7 60,8
56,4
38,3
54,5 65,3
VÍRUS ILHÉUS
NS1
NS2A NS2B NS3
56,5
34,4
39,7 64,9
56,9
35,2
42,4 61,8
73,4
70,0
85,6 85,4
62,0
45,4
51,5 71,4
64,9
49,3
50,0 70,9
62,0
47,6
44,7 71,4
53,3
42,7
53,0 72,0
61,2
27,8
35,6 63,8
55,5
30,0
34,1 60,5
55,8
34,4
46,2 68,6
VÍRUS ROCIO
NS1
NS2A NS2B NS3
56,8
37,4
38,2 64,7
56,9
37,9
41,7 63,2
73,4
70,0
85,6 85,4
(68,6) (66,5)
(74)
(75)
62,9
48,5
49,6 71,4
63,7
47,6
49,6 72,1
62,9
50,7
46,6 70,0
64,9
48,9
50,4 70,6
54,7
30,0
31,3 65,8
57,2
31,3
33,6 60,4
56,1
33,9
46,6 68,8
NS4A
40,7
37,3
42,7
46,0
45,3
45,3
42,7
36,7
37,3
44,0
NS4B
56,5
43,9
44,7
45,5
44,3
50,2
45,5
53,0
52,2
56,5
NS5
72,7
70,9
69,0
68,1
69,6
70,3
67,6
64,8
68,0
68,0
ORF
60,7
56,2
56,8
56,5
57,1
56,9
55,6
55,5
57,3
58,7
NS4A
37,3
41,6
52,4
47,6
47,6
50,8
50,8
51,6
45,2
42,1
NS4B
56,5
44,5
42,5
45,3
49,6
51,2
43,3
51,2
50,8
52,0
NS5
72,7
66,0
65,8
68,6
68,5
68,3
66,0
64,9
67,0
67,0
ORF
60,7
55,3
55,8
56,9
57,2
57,4
55,5
55,0
57,4
56,9
NS4A
37,3
41,6
77,9
57,7
55,7
59,1
60,4
34,2
30,9
40,9
NS4B
43,9
44,5
72,9
51,4
51,4
56,1
56,5
43,5
45,5
45,1
NS5
70,9
66,0
78,5
72,8
74,0
76,2
73,6
65,7
67,2
69,7
ORF
56,2
55,3
77,5
63,8
65,7
64,5
64,4
53,5
55,2
57,3
NS4A
42,7
52,4
77,9
(68,2)
59,1
62,4
61,1
59,7
38,3
34,2
38,9
NS4B
44,7
42,5
72,9
(70,5)
51,2
54,7
58,2
53,5
44,1
46,9
44,9
NS5
69,0
65,8
78,5
(70,3)
71,2
71,8
75,0
73,9
64,2
65,4
67,8
ORF
56,8
55,8
77,5
(72,5)
64,6
65,0
66,1
65,4
54,1
55,8
57,4
Legenda: cinza escuro: maior percentual de identidade; Dentro de parêntese são mostrados as
identidades nucleotídicas de cada gene e da ORF entre VILH e VROC. VBSQ = Vírus Bussuquara; VIGU
= Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VROC = Vírus Rocio; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VNO =
Vírus Nilo ocidental; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VBAG = Vírus Bagaza; VKOK = Vírus kokobera;
VKED = Vírus kedougou; VZIK = vírus zika
124
3.5. FILOGENIA
O alinhamento entre as sequências nucleotídicas dos 32
flavivírus, incluindo os quatro flavivírus brasileiros em estudo, foi realizado de
modo a coincidir os sítios de clivagem de cada gene, o que possibilitou a
mesma organização ao se fazer a análise filogenética da ORF, bem como dos
genes individuais.
As análises filogenéticas pelos métodos MV e Bayesiano foram
realizadas utilizando os quatro flavivírus em estudo (VBSQ, VIGU, VILH e
VROC) juntamente com representantes dos quatros grupos principais de
flavivírus: flavivírus transmitidos por mosquitos, flavivírus transmitidos por
carrapatos, agentes zoonóticos com vetores desconhecidos e flavivírus de
insetos, tendo o grupo dos flavivírus de insetos (VCFA e VKR) como grupo
externo (Quadro 7, página 98). Primeiramente, foi analisada a ORF e depois
foram avaliadas as regiões estrutural e não estrutural, separadamente, e os
genes individuais.
A topologia das árvores geradas pelos métodos de MV e
Bayesiano foi similar, sendo mostradas as árvores da MV e plotados os valores
bayesianos dentro de parênteses.
Os modelos de substituição nucleotídica determinados pelo AIC
para cada região do genoma analisada estão mostrados na Tabela 4.
125
Tabela 4 – Modelo de substituição nucleotídica determinado pelo critério de informação de Akaike (AIC), mostrando os dados para
frequência das bases, taxa de matriz, parâmetros de distribuição gamma e proporção de sítios invariáveis.
REGIÃO
DO
MODELO DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOTÍDICA (AIC)
Modelo
AIC
ORF
GTR+I+G
Estrutural
Frequências de base
Taxa de Matriz
Gamma
pinvar
1
0,8556
0,0889
5,2646
1
1,0139
0,1472
1,0046
3,8151
1
1,2036
0,0174
1,2088
1,0215
4,7975
1
0,9292
0,0405
3,2755
1,5763
1,3814
5,6451
1
0,7038
0,0375
2,1940
2,9326
1,3912
1,3233
5,1501
1
0,8574
0,1047
0,2029
0,3119
3,9679
2,0758
1,8510
7,2012
1
0,7801
0,0826
0,2923
0,2376
1,9575
2,3360
0,8375
1,1144
3,3479
1
1,2679
0,0079
0,2192
0,2974
0,2307
2,7358
2,3802
1,6002
1,3769
4,1828
1
1,1961
0,0203
0,3058
0,2292
0,2598
0,2052
2,9864
4,3029
1,7208
1,5777
7,2007
1
0,7251
0,1104
22.832,62
0,2474
0,2256
0,3010
0,2260
2,1262
2,4339
1,0148
1,2554
4,4887
1
0,7176
0
GTR+I+G
49.464,71
0,2600
0,2411
0,2729
0,2260
1,6425
2,5814
1,1524
1,1426
4,0935
1
0,7537
0,0207
NS5
GTR+I+G
132.819,01
0,3164
0,2354
0,2692
0,1790
2,1258
2,9775
1,6953
1,3421
6,2232
1
0,8760
0,1812
3’RNC
GTR+G
189.46,02
0,2577
0,2756
0,2707
0,1959
0,9646
2,6194
2,2307
0,5773
3,2512
1
1,8053
0
GENOMA
A
C
G
T
A-C
A-G
A-T
C-G
C-T
G-T
567.200,06
0,2890
0,2310
0,2710
0,2090
2,1834
2,9118
1,3606
1,3010
5,0231
GTR+I+G
396.648,84
0,2982
0,2265
0,2742
0,2011
2,1450
2,8328
1,4038
1,3553
C
GTR+I+G
22.575,54
0,2865
0,2268
0,2873
0,1994
2,0575
2,4500
0,7382
PrM
GTR+I+G
29.593,50
0,2752
0,2298
0,2766
0,2184
2,6715
2,8679
E
GTR+I+G
82.980,60
0,2868
0,2338
0,2584
0,2209
2,1395
GTR+I+G
430.515,03
0,2904
0,2306
0,2724
0,2066
NS1
GTR+I+G
59.114,26
0,3119
0,2251
0,2601
NS2A
GTR+I+G
45.840,84
0,2446
0,2254
NS2B
GTR+I+G
24.615,41
0,2527
NS3
GTR+I+G
94.532,51
NS4A
GTR+G
NS4B
Não
Estrutural
125
126
3.5.1. Região Codificante
A análise filogenética da região codificante (ORF) de 32 flavivírus,
mostrou a formação de quatro grupos, os quais apresentam relação ecoepidemiológica: flavivírus transmitidos por mosquitos, suportado por um valor
de bootstrap de 100% (VEJ, VUSU, VALFUY, VEMV, VNO, VESL, VROC,
VILH, VBAG, VIGU, VBSQ, VKOK, VZIK, VKED, VDEN1, VDEN2, VDEN3,
VDEN4, VSEP, VWES, VFA), flavivírus transmitidos por carrapatos, com
bootstrap de 100% (VLI, VTBE, VOHF, VLGT e VPOW), os agentes zoonóticos
com vetores desconhecidos, suportado pelo bootstrap de 100% (VMML, VVRB,
VMOD e VAPOI) e os flavivírus de insetos, representados pelos VCFA e VKR
(bootstrap = 100%).
O grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos foi subdivido
em nove clados: o clado I dos flavivírus do grupo da encefalite japonesa (VEJ,
VUSU, VALFUY, VEMV, VNO, VESL); o clado II que agrupa VILH e VROC; o
clado III representado pelo VBAG; clado IV que inclui os VBSQ e VIGU; o clado
V, VI e VII representados pelos VKOK, VZIK e VKED, respectivamente; o clado
VIII que inclui o grupo do dengue (VDEN1, VDEN2, VDEN3 e VDEN4); o clado
IX que inclui os VFA, VSEP e VWES (Figura 22).
Analisando o tropismo viral e vetores, associam-se os clados I, II,
III, IV e V, como vírus neurotrópicos transmitidos por Culex sp. e os clados VI,
VII, VIII e IX com vírus viscerotrópicos transmitidos por Aedes sp.
127
ORF
CLADO
(0,81)
100% (1)
(0,88)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
65,8% (1)
89,6% (0,98)
87,4% (0,93)
100% (1)
72,3% (0,90)
97,2% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
95,8% (1)
99,7% (1)
100% (1)
100% (1)
100% (1)
VDEN2
VDEN4
VSEP
VWES
VFA
VLI
VTBE
VOHF
VLGT
VPOW
VMML
VRB
VMOD
VAPOI
VKR
VCFA
I
II
III
Flavivírus
transmitidos
por mosquitos
IV
V
VI
VII
VIII
Aedes
viscerotrópicos
100% (1)
99,7% (1)
VNO
VESL
VROC
VILH
VBAG
VIGU
VBSQ
VKOK
VZIK
VKED
VDEN3
VDEN1
GRUPO
Culex
neurotrópicos
79,3% (0,83)
VEMV
VALFUY
VEJ
VUSU
IX
Flavivírus
transmitidos por
carrapatos
Agentes Zoonóticos
com vetores
desconhecido
Flavivírus
de insetos
Figura 22 - Árvore filogenética pelos métodos MV das sequências nucleotídica da ORF dos
flavivírus. Os valores bayesianos foram plotados dentro de parêntese. Os grupos dos flavivírus
transmitidos por mosquitos, flavivírus transmitidos por carrapatos, agentes zoonóticos com
vetores desconhecidos e flavivírus de insetos, estão representados pela cores azul, verde,
amarelo e vermelho, respectivamente. O grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos foi
subdividido em nove clados. Legenda: VALFUY = Vírus Alfuy; VAPOI = Vírus apoi; VBAG =
Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus Bussuquara; VCFA = Vírus Cell fusion agent; VEJ = Vírus da
encefalite japonesa; VEMV = Vírus encefalite Murray Valley; VESL = Vírus encefalite Saint
Louis; VFA = Vírus da febre amarela; VDEN1 = Vírus dengue sorotipo 1; VDEN2 = Vírus
dengue sorotipo 2; VDEN3 = Vírus dengue sorotipo 3; VDEN4 = Vírus dengue sorotipo 4; VIGU
= Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKR = Vírus Kamitti river; VKED = Vírus kedougou; VKOK
= Vírus kokobera; VLGT = Vírus Langat; VLI = Vírus louping ill; VMOD = Vírus modoc; VMML =
Vírus Montana miotis leukoencephalitis; VNO = Vírus do Nilo ocidental; VOHF = Vírus Omsk
hemorrhagic fever; VPOW = Vírus powassan; VRB = Vírus Rio Bravo; VROC = Vírus Rocio;
VSEP = Vírus Sepike; VTBE = Vírus Tick-borne encephalitis; VUSU = Vírus Usutu; VWES =
Vírus Wesselsbron; VZIK = vírus Zika.
128
3.5.2. Região estrutural
A análise da região estrutural, compreendendo os genes C-PrME, mostrou topologia similar para a formação dos quatro grupos principais dos
flavivírus, assim como observado na análise da ORF. No grupo dos flavivírus
transmitidos por mosquitos, nove clados foram reconhecidos: o clado I, o qual
inclui os vírus da encefalite japonesa (bootstrap de 76,6%); o clado II formado
pelos VILH e VROC (bootstrap de 100%), que aparenta ser mais relacionado
ao grupo da encefalite japonesa (bootstrap de 91,3%); o clado III representado
pelo VBAG, do grupo Ntaya (bootstrap de 100%); o clado V formado pelos
flavivírus brasileiros VBSQ e VIGU (bootstrap de 91,3%); o clado VI formado
pelos quatro sorotipos do VDEN (bootstrap de 100%); e associados a este os
clados VII e VIII, representado pelo VZIK e VKED, respectivamente; e o clado
IX formado pelo grupo da febre amarela (bootstrap de 100%) (Figura 23).
A análise individual dos genes estruturais mostrou a conservação
da topologia dos quatro principais grupos dos flavivírus, no entanto a
organização dos clados do grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos para
os genes C e PrM apresentou topologia distinta da apresentada para a região
estrutural e por vezes apresentando valores de bootstrap baixos para suportar
a inclusão dos vírus em uma clado, porém com topologia similar ao observado
na análise da região estrutural (Figura 23). Por sua vez, o gene E, apresentou
valores de bootstraps mais elevados para a formação dos grupos e clados,
porém discordando da análise da região estrutural apenas com relação aos
VBAG, VILH e VROC, que neste caso, foram agrupados no mesmo clado,
porém suportados por valores de boostrap inferiores a 70% (Figura 24).
129
Região Estrutural
84,9% (0,97)
VEMV
VUSU
87,9% (0,82)
VEJ
100% (1)
I
VALFUY
76,6% (0,96)
VNO
91,3% (1)
VESL
100%
100% (1)
VROC
VILH
95,5% (1)
91,3%
VBAG
III
VKOK
IV
VBSQ
VIGU
100% (1)
99,8% (1)
92,8% (0,83)
100% (0,94)
85% (0,80)
II
V
VDEN1
VDEN3
VDEN2
Flavivírus
transmitidos
por mosquitos
VI
VDEN4
79,4% (0,81)
100% (1)
100% (1)
VZIK
VII
VKED
VIII
VSEP
VWES
IX
VFA
100% (1)
100% (1)
98,6% (0,99)
100% (0,95)
VTBE
VLI
VOHF
VLGT
Flavivírus
transmitidos por
carrapatos
VPOW
77,6%
88% (0,90)
91,6% (0,98)
100% (1)
VRB
VMML
VMOD
Agentes Zoonóticos
com vetores
desconhecido
VAPOI
100% (1)
VCFA
VKR
Flavivírus
de insetos
Figura 23 - Árvore filogenética pelo método MV, com valores bayesianos inseridos em
parênteses, das sequências nucleotídicas da região estrutural dos 32 flavivírus. Observar que
VILH e VROC encontram-se associados ao grupo da encefalite japonesa. Legenda: VALFUY =
Vírus Alfuy; VAPOI = Vírus apoi; VBAG = Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus Bussuquara; VCFA =
Vírus Cell fusion agent; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VEMV = Vírus encefalite Murray
Valley; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VFA = Vírus da febre amarela; VDEN1 = Vírus
dengue sorotipo 1; VDEN2 = Vírus dengue sorotipo 2; VDEN3 = Vírus dengue sorotipo 3;
VDEN4 = Vírus dengue sorotipo 4; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKR = Vírus
Kamitti river; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VLGT = Vírus Langat; VLI =
Vírus louping ill; VMOD = Vírus modoc; VMML = Vírus Montana miotis leukoencephalitis; VNO
= Vírus do Nilo ocidental; VOHF = Vírus Omsk hemorrhagic fever; VPOW = Vírus powassan;
VRB = Vírus Rio Bravo; VROC = Vírus Rocio; VSEP = Vírus sepike; VTBE = Vírus Tick-borne
encephalitis; VUSU = Vírus Usutu; VWES = Vírus Wesselsbron; VZIK = vírus Zika.
130
Gene E
76,6%
(0,89)
VUSU
VEMV
VALFUY
99,6%
I
VEJ
VNO
VESL
99,6% (1)
100% (1)
42,3% (0,57)
88,6% (1)
VROC
VILH
II
VBAG
98,1% (1)
90,7% (1)
VIGU
VBSQ
VKOK
99% (1)
99,8% (1)
74,8% (1)
100% (1)
87,6% (1)
63,5% (1)
III
IV
Flavivírus
transmissão por
mosquitos
VDEN3
VDEN1
VDEN2
V
VDEN4
89,9% (1)
VZIK
VKED
100%
99,1%
VI
VII
VSEP
VWES
VIII
VFA
97,4% (1)
99,5% (1)
91,6% (1)
100% (1)
VLI
VTBE
VOHF
VLGT
Flavivírus
transmissão por
carrapatos
VPOW
70,9% (1)
95,2% (1)
90,1% (0,67)
100% (1)
VRB
VMML
VMOD
Agente
zoonóticos
VAPOI
100% (1)
VKR
VCFA
Flavivírus
de Insetos
Figura 24 – Árvore filogenética gerada pelo método de MV e Bayesiano (valores bayesianos
dentro de parênteses) realizada com as sequências nucleotídicas do gene E de 32 flavivírus.
Notar a organização com a formação da topologia conservada para os grupos e a inclusão dos
VBAG, VILH e VROC no mesmo clado, porém com baixo suporte de bootstrap. Legenda:
VALFUY = Vírus Alfuy; VAPOI = Vírus apoi; VBAG = Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus Bussuquara;
VCFA = Vírus Cell fusion agent; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VEMV = Vírus encefalite
Murray Valley; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VFA = Vírus da febre amarela; VDEN1 =
Vírus dengue sorotipo 1; VDEN2 = Vírus dengue sorotipo 2; VDEN3 = Vírus dengue sorotipo 3;
VDEN4 = Vírus dengue sorotipo 4; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKR = Vírus
Kamitti river; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VLGT = Vírus Langat; VLI =
Vírus louping ill; VMOD = Vírus modoc; VMML = Vírus Montana miotis leukoencephalitis; VNO
= Vírus do Nilo ocidental; VOHF = Vírus Omsk hemorrhagic fever; VPOW = Vírus powassan;
VRB = Vírus Rio Bravo; VROC = Vírus Rocio; VSEP = Vírus Sepike; VTBE = Vírus Tick-borne
encephalitis; VUSU = Vírus Usutu; VWES = Vírus Wesselsbron; VZIK = vírus Zika.
131
3.5.3. Região não estrutural
A diferença na topologia dos flavivírus entre as regiões estrutural
e não estrutural (NS1-NS2A-NS2B-NS3-NS4A-NS4B-NS5) também ficou a
critério da formação dos clados do grupo dos flavivírus transmitidos por
mosquitos. Neste caso, para a região não estrutural, oito clados foram
identificados: o clado I representado pelo grupo da encefalite japonesa
(bootstrap de 100%); considerando que os flavivírus VILH e VROC como
espécies virais distintas, estes formam um clado (clado II, bootstrap de 100%),
que está associado ao VBAG (clado III; bootstrap de 96,5%); clado IV que
agrupa os flavivírus VBSQ e VIGU; os clados interrelacionados V, VI e VII,
representados pelos VZIK, VKED e VKOK, respectivamente; o clado VIII
representado pelo grupo Dengue (bootstrap de 100%); e o clado IX
representado pelo vírus do grupo da febre amarela (bootstrap de 100%) (Figura
25).
A exemplo do que foi observado anteriormente, para a região não
estrutural a subdivisão em grupos foi mantida para todos os genes, porém a
subdivisão em clados dos flavivírus transmitidos por mosquito apresentou
algumas diferenças. As árvores geradas para os genes NS3 e NS5 foram as
que apresentaram melhor topologia, similar à árvore gerada para o conjunto da
região não-estrutural, com os valores de bootstraps mais elevados (Figura 26).
Os demais genes apresentaram topologia similar a arvore filogenética para
toda a região não estrutural, com exceção da NS1, no qual o VILH e VROC
estão associados com o grupo da encefalite japonesa, tal como observado para
a região estrutural.
132
Para o gene NS3, os VBAG, VILH e VROC agrupam-se no clado II.
Os VIGU e VBSQ estão mais relacionados aos VZIK e VKED (Figura 26 A).
Quanto ao gene NS5, a topologia foi similar a observado na análise da ORF
dos flavivírus (Figura 26 B).
Região Não estrutural
93% (0,99)
VEJ
100% (1)
I
VUSU
100% (1)
VNO
VESL
100%
(0,95)
100% (0,95)
96,5%
(1)
82,5%
(0,85)
100%
(1)
82,6%
(0,92)
85% (0,75)
100%
(1)
100% (1)
99,3% (0,92)
100%
VEMV
VALFUY
100% (1)
100% (0,89)
VROC
VILH
VBAG
VBSQ
VIGU
VZIK
IV
V
VKED
VI
VKOK
VII
Flavivírus
transmitidos
por mosquitos
VDEN1
VDEN3
VDEN2
(1)
II
III
VIII
VDEN4
100%
100% (1)
(1)
100% (1)
100% (0,98)
100% (0,87)
100%
(1)
VSEP
VWES
IX
VFA
VLI
VTBE
VOHF
VLGT
Flavivírus
transmitidos por
carrapatos
VPOW
94,3%
(1)
98,3% (0,95)
100% (0,89)
100% (1)
VRB
VMML
VMOD
Agentes Zoonóticos
com vetores
desconhecido
VAPOI
100% (1)
VCFA
VKR
Figura 25 - Árvore filogenética pelos métodos MV e Bayesiano (valores inseridos dentro dos
parênteses) das sequências nucleotídicas da região não estrutural dos 32 flavivírus. Legenda:
VALFUY = Vírus Alfuy; VAPOI = Vírus apoi; VBAG = Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus Bussuquara;
VCFA = Vírus Cell fusion agent; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VEMV = Vírus encefalite
Murray Valley; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VFA = Vírus da febre amarela; VDEN1 =
Vírus dengue sorotipo 1; VDEN2 = Vírus dengue sorotipo 2; VDEN3 = Vírus dengue sorotipo 3;
VDEN4 = Vírus dengue sorotipo 4; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKR = Vírus
Kamitti river; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VLGT = Vírus Langat; VLI =
Vírus louping ill; VMOD = Vírus modoc; VMML = Vírus Montana miotis leukoencephalitis; VNO
= Vírus do Nilo ocidental; VOHF = Vírus Omsk hemorrhagic fever; VPOW = Vírus Powassan;
VRB = Vírus Rio Bravo; VROC = Vírus Rocio; VSEP = Vírus Sepike; VTBE = Vírus Tick-borne
encephalitis; VUSU = Vírus Usutu; VWES = Vírus Wesselsbron; VZIK = vírus Zika.
133
77% (1)
(A)
56,5% (0,68)
95,7% (1)
VEMV
VUSU
98,7% (1)
53,6% (0,59)
(B)
VALFUY
38,6% (0,57)
79% (0,73)
I
100% (1)
VEJ
66,2% (0,71)
VESL
100% (1)
100% (1)
79% (0,90)
48,1% (0,67)
VBAG
44,0%
VKED
VZIK
33,7%
III
73,8% (0,79)
88,1% (1)
40,2%
96,3%
100% (1)
65%
Flavivírus
transmissão por
mosquitos
98,2% (1)
61,9% (0,71)
100%
87,4% (1)
IV
99,8% (1)
90,9% (1)
100% (1)
VDEN4
97% (1)
VKOK
100%
100%
92,8% (1)
1000% (1)
99,9% (1)
VI
100% (1)
99,4% (1)
100% (1)
VOHF
VLGT
100% (1)
Flavivírus
transmissão por
carrapatos
100% (1)
92% (1)
100% (1)
75,1% (0,82)
VMML
99,9% (1)
VRB
99,7% (0,98)
VMOD
VCFA
VKR
IV
VDEN3
VDEN2
V
VI
VWES
VSEP
VII
VTBE
VLI
VOHF
Flavivírus
transmissão por
carrapatos
VPOW
71,8% (0,73)
Agente
zoonóticos
VRB
59,3% (0,66)
VMML
99,9% (1)
VMOD
VAPOI
100% (1)
Flavivírus
transmissão por
mosquitos
VDEN1
VLGT
VPOW
97,3% (1)
III
VFA
60,5% (0,80)
VTBE
VLI
VKOK
VKED
100% (1)
VFA
(1)
II
VDEN4
V
VSEP
VWES
VIGU
VZIK
73,9% (0,81)
VDEN1
VDEN2
VROC
VBSQ
77,9% (1)
VBSQ
VDEN3
VILH
VBAG
VIGU
71,6% (0,88)
I
VESL
99,7% (1)
II
VEMV
VNO
99,5% (1)
VROC
VILH
VUSU
VALFUY
65,2% (0,66)
VNO
VEJ
Agente
zoonóticos
VAPOI
Flavivírus
de Insetos
100% (1)
VCFA
VKR
Flavivírus
de Insetos
Figura 26 – Árvore filogenética pelos métodos MV das sequências nucleotídicas do gene NS3 (A) e NS5 (B) dos flavivírus. Os valores bayesianos foram plotados dentro de
parêntese. Perceber as mudanças de topológica dos flavivírus transmitidos por mosquitos. Legenda: VALFUY = Vírus Alfuy; VAPOI = Vírus apoi; VBAG = Vírus Bagaza;
VBSQ = Vírus Bussuquara; VCFA = Vírus Cell fusion agent; VEJ = Vírus da encefalite japonesa; VEMV = Vírus encefalite Murray Valley; VESL = Vírus encefalite Saint Louis;
VFA = Vírus da febre amarela; VDEN1 = Vírus dengue sorotipo 1; VDEN2 = Vírus dengue sorotipo 2; VDEN3 = Vírus dengue sorotipo 3; VDEN4 = Vírus dengue sorotipo 4;
VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKR = Vírus Kamitti river; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VLGT = Vírus Langat; VLI = Vírus louping ill; VMOD =
Vírus modoc; VMML = Vírus Montana miotis leukoencephalitis; VNO = Vírus do Nilo ocidental; VOHF = Vírus Omsk hemorrhagic fever; VPOW = Vírus powassan; VRB = Vírus
Rio Bravo; VROC = Vírus Rocio; VSEP = Vírus Sepike; VTBE = Vírus Tick-borne encephalitis; VUSU = Vírus Usutu; VWES = Vírus Wesselsbron; VZIK = vírus Zika.
133
134
3.5.5. Filogenia concatenada E-NS5
Com intuito de observar a topologia dos flavivírus, utilizando sítios
informativos, simultaneamente das regiões estrutural e não estrutural, foi
realizada a análise filogenética concatenada das sequências parciais dos
genes E e NS5 para que se pudessem acrescentar outros flavivírus do grupo
Ntaya: o Vírus Israel turkey meningoencefalomyelite (VIT; E = AF372415; NS5
=AF013377), Vírus Ntaya (VNTA; E =AF372416; NS5 =AF013392) e Vírus
Tembusu (VTMU; E =AB110494; NS5 =AB110489), bem com o VAROA (E =
AF372413; NS5 = AF013362) e VNJL (E = AF372411; NS5 = AF013390).
Também
foram
acrescentados
nesta
análise
outros
flavivírus:
VAEF
(AB488408), VCXF (EU879060) e VQB (NC012671).
O modelo de substituição nucleotídica determinado pelo AIC foi o
GTR+I+G [Base=(A=0,2965; C=0,2462; G=0,2533) Nst=6 Rmat=(A-C=1,9077;
A-G=3,0328; A-T=1,5385; C-G=1,2199; C-T=5,5299)
gamma =0,8723
Pinvar=0,1350].
A subdivisão nos quatro grupos principais dos flavivírus se manteve,
observando a inserção dos VAEF, VCXF e VQB juntamente com o VCFA e o
VKR, no grupo dos flavivírus de insetos, tendo sido este grupo utilizado com
grupo externo para o enraizamento da árvore. O grupo dos flavivírus
transmitidos por mosquitos foi subdividido em dez clados: clado I, que inclui os
vírus do grupo da encefalite japonesa (bootstrap = 100%); o clado II (bootstrap
= 100%) representados pelos integrantes do grupo Ntaya (VBAG, VNTA, VIT e
VTMU); associado ao clado II, porém distinto deste (suportado por valor de
bootstrap = 70%), o clado III, que agrupa os flavivírus VILH e VROC (bootstrap
= 99,9%); o clado IV representado pelos VBSQ e VNJL; o clado V que inclui o
VAROA e o VIGU; o clado VI representado pelo VKOK; o clado VII que agrupa
135
os quatro sorotipos do VDEN; e associado ao VII os clados VIII e IX,
representado pelos VZIK e VKED, respectivamente; e o clado X representado
pelo vírus associados ao VFA (Figura 27).
VEMV
71,2% (0,90)
VALFUY
VUSU
99,2% (1)
I
VEJ
100% (0,98)
100%
89,3% (0,80)
100% (0,90)
VNO
VITM
VBAG
II
VNTA
70% (0,85)
VTMU
99,9% (1)
100% (1)
VILH
VROC
VBSQ
III
IV
VNRJ
100%
(1)
100%
(0,95)
98%
(0,90)
VIGU
VAROA
VKOK
76,1% (0,80)
85,5% (0,92)
100% (1)
71,5% (0,80)
V
Flavivírus
transmitidos
por mosquitos
VI
VDEN1
VDEN3
VDEN2
VII
VDEN4
91% (1)
VZIK
VKED
100% (1)
100% (1)
VIII
IX
VWES
VSEP
X
VFA
100%
98,9%
100% (1)
VTBE
78,9%
90,1%
100% (1)
VRB
VOHF
VLGT
VPOW
VMML
VMOD
VAPOI
100%
88,4% (0,90)
100% (0,85)
Agentes Zoonóticos
com vetores
desconhecido
VCXF
VQB
VCFA
99,7%
(0,85)
Flavivírus
transmitidos por
carrapatos
VAEF
Flavivírus
de insetos
VKR
Figura 27 – Árvore filogenética pelo Método MV concatenada das sequências nucleotídicas parciais dos
genes E e NS5 de 38 flavivírus. Os valores Bayesianos estão representados dentro de parênteses. Os
grupos dos flavivírus transmitidos por mosquitos, flavivírus transmitidos por carrapatos, agentes
zoonóticos com vetores desconhecidos e flavivírus de insetos, estão representados pela cores azul,
verde, amarelo e vermelho, respectivamente. No grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos, notar a
distinção entre os clados II (grupo Ntaya) e clado III (VILH e VROC), bem com a associação entre os
VBSQ e VNJL distinta dos VAROA e VIGU. Legenda: VALFUY = Vírus Alfuy; VAPOI = Vírus apoi; VBAG
= Vírus Bagaza; VBSQ = Vírus Bussuquara; VCFA = Vírus Cell fusion agent; VEJ = Vírus da encefalite
japonesa; VEMV = Vírus encefalite Murray Valley; VESL = Vírus encefalite Saint Louis; VFA = Vírus da
febre amarela; VDEN1 = Vírus dengue sorotipo 1; VDEN2 = Vírus dengue sorotipo 2; VDEN3 = Vírus
dengue sorotipo 3; VDEN4 = Vírus dengue sorotipo 4; VIGU = Vírus Iguape; VILH = Vírus Ilhéus; VKR =
Vírus Kamitti river; VKED = Vírus kedougou; VKOK = Vírus kokobera; VLGT = Vírus Langat; VLI = Vírus
louping ill; VMOD = Vírus modoc; VMML = Vírus Montana miotis leukoencephalitis; VNO = Vírus do Nilo
ocidental; VOHF = Vírus Omsk hemorrhagic fever; VPOW = Vírus Powassan; VRB = Vírus Rio Bravo;
VROC = Vírus Rocio; VSEP = Vírus Sepike; VTBE = Vírus Tick-borne encephalitis; VUSU = Vírus Usutu;
VWES = Vírus Wesselsbron; VZIK = vírus Zika.
136
4. DISCUSSÃO
Os membros do gênero Flavivirus apresentam incontestável
importância em saúde pública, bem como para a economia, isto devido às
inúmeras epidemias ocorridas em comunidades humanas, com expressiva
morbidade e mortalidade, bem como o comprometimento da produtividade de
rebanhos, que são fundamentais para manutenção da economia e subsistência
global (Gritsun et al., 2003; Halstead & Jacobson, 2003; Staples & Monath,
2008; Ulloa et al., 2009). Tendo em vista essa importância, valiosos esforços
da comunidade científica brasileira vêm gerando importantes informações para
o melhor entendimento dos aspectos clínicos, ecológicos e de distribuição
geográfica dos flavivírus no país (Travassos da Rosa et al., 1997; Vasconcelos
et al., 1998; Figueiredo, 2000).
Os estudos de caracterização genética vieram complementar as
lacunas do conhecimento deixadas pelos estudos sorológicos, infecções
experimentais e epidemiologia dos flavivírus, contribuindo com informações no
âmbito molecular, o que estreitou as relações entre as característcias
biológicas e genéticas, além de contribuir com a taxonomia viral e constituir a
base para o desenvolvimento de ferramentas diagnósticas mais precisas e
rápidas (Kuno et al., 1998; Scaramozzino et al., 2001), bem como para a
produção de vacinas (Schlesinger et al., 1992; Chang et al., 2004) e drogas
antivirais (Ray & Shi, 2006; Sampath & Padmanabhan, 2009) .
Um dos maiores obstáculos para o estudo dos flavivírus é o
número limitado de sequências completas do genoma, uma vez que as
características únicas para os subgrupos é frequentemente revelada apenas
137
quando se analisa vários membros de um dado grupo. Tal dificuldade pode ser
vista nas análises envolvendo os grupos dos flavivírus transmitidos por
mosquitos: Ntaya (VBAG - Kuno & Chang, 2007) – grupo Kokobera (VKOK) e
Spondweni (VZIK - Kuno et al., 2005), onde apenas um membro foi
completamente seqüenciado ou do grupo Aroa, cujas primeiras sequências
completas são apresentadas neste trabalho.
Por outro lado, nos últimos anos com o avanço dos métodos de
sequenciamento e de filogenia, o número de sequências completas dos
flavivírus vem aumentando consideravelmente, bem como, novos vírus têm
sido geneticamente caracterizados (Crabtree et al., 2003; Kuno et al., 2005;
Kuno & Chang, 2007; Hoshino et al., 2007; Crabtree et al., 2009; Hoshino et al.,
2009), proporcionando: (i) um melhor entendimento das relações filogenéticas
e evolutivas entre os integrantes do gênero Flavivirus (Zanotto et al., 1996;
Kuno et al., 1998; Billoir et al., 2000; Gould et al., 2003b; Cook & Holmes,
2006); (ii) permitir a análise da organização genômica (Kuno et al. 2009); (iii)
identificar motivos conservados nas sequências aminoacídica associados com
a função da proteína (Gorbalenya et al., 1989; Chang, 1997; Koonin, 1991;
1993; Matusan et al., 2001; Stiasny et al., 2006; Seligman, 2008); (iv) descrever
a estrutura secundária do RNA e sua relação com a síntese do RNA (Alvarez et
al., 2005a; 2005b; Villordo & Gamarnik, 2009). Assim, este trabalho vem
contribuir com a descrição e análises das sequências completas de quatro
flavivírus brasileiros classificados segundo o ICTV como segue: os VBSQ e
VIGU ditos como pertencentes ao grupo Aroa e os VILH e VROC, ditos como
integrantes do grupo Ntaya (ICTV, 2005).
138
A caracterização genética dos genomas dos flavivírus VBSQ,
VIGU, VILH e VROC mostraram uma organização genômica similar aos demais
integrantes do gênero: uma única região codificante (ORF) flanqueada por
duas RNC (5’RNC e 3’RNC). Na ORF, as dez proteínas virais, C-PrM-E-NS1NS2A-NS2B-NS3-NS4A-NS4B-NS5,
também
foram
observadas,
como
anteriormente descritas (Rice et al., 1985; Chambers et al., 1990).
As diferenças no tamanho do genoma, e consequentemente, no
tamanho dos genes, observados entre os flavivírus brasileiros é também
similare ao padrão apresentado ao se comparar aos demais flavivírus (ANEXO
II). Os tamanhos dos genes Pr/M, NS2A, NS2B, NS4A/2K dos flavivírus
brasileiros em estudo são iguais aos de outros flavivírus transmitidos por
mosquitos do gênero Culex e associados à encefalite, observando-se
pequenas variações quanto aos tamanhos dos genes NS1, NS3, NS4 e NS5.
Em relação ao gene E, no entanto, o VIGU, com 1.482 nt/ 494aa, apresenta
tamanho compatível com os vírus do grupo dengue e febre amarela (493 a 495
aa) que são associados com febres hemorrágicas e transmissão por Aedes e
distinto dos flavivírus encefalitogênicos (500 a 501 aa), incluíndo os VBSQ,
VILH e VROC (Quadro 8). Nota-se que o tamanho da poliproteína dos VILH e
VROC difere em apenas um aminoácido, que provavelmente é determinado por
uma deleção na NS3 do VILH (Quadro 8). Entre os flavivírus, a maior variação
em tamanho (ANEXO II), bem como em variabilidade genética (Tabela 3) é
observada para o gene C.
Essa variação no tamanho da ORF e de genes individuais entre
os
grupos
dos
flavivírus
transmitidos
por
mosquito
foi
observada,
139
estatisticamente pelos testes não paramétricos por Kuno e colaboradores
(2009). Nessa análise, os autores comprovaram uma variação significativa
crescente entre os grupos: flavivírus de insetos, agentes zoonóticos com
vetores desconhecidos e flavivírus transmitidos por vetores (mosquitos e
carrapatos), bem como que entre os flavivírus transmitidos por mosquitos, os
vírus relacionados com encefalites apresentam a ORF maior; os VKOK, VIGU,
VKED e VZIK apresentam tamanho intermediário; e grupo do VDEN apresenta
ORF com menor tamanho.
Quanto à variação no tamanho das RNCs, as 5’RNCs dos
flavivírus brasileiros em estudo apresentaram tamanho compatível com a
média dos flavivírus transmitidos por mosquitos (Markoff, 2003), notando-se
que os VBSQ e VIGU apresentaram tamanhos equivalentes, o que também é
observado entre os VILH e VROC (Quadro 8). A maior variação no
comprimento foi observada para a 3’RNC, fato este também descrito para
outros flavivírus (Hahn et al., 1987; Markoff, 2003).
As sequências conservadas da 3’RNC dos flavivírus transmitidos
por mosquitos RCS3-CS3-RCS2-CS2-CS1[3’CYC] (sentido genômico 5’→3’),
também foram analisadas nos genomas dos flavivírus brasileiros, que
apresentaram tamanho compatível com o descrito na literatura (Hahn et al.,
1987; Markoff, 2003). O padrão das sequências conservadas da 3’RNC do
VBSQ foi similar ao apresentado pelos sorotipos do VDEN e pelo VKOK, ao
passo que para os VIGU, VILH e VROC o padrão foi mais relacionado ao grupo
da encefalite japonesa, observando-se, no entanto, a ausência da RCS3
140
(Figura 15), o que reforça a similaridade desses vírus com o grupo da
encefalite japonesa, a exemplo do que ocorre na filogenia (Kuno et al., 1998).
Sabe-se que o padrão das sequências conservadas da 3’RNC
está
estritamente
relacionado
à
subdivisão
dos
flavivírus
em
grupos/sorocomplexos: todos os integrantes do grupo da encefalite japonesa
apresentam o padrão RCS3-CS3-RCS2-CS2-CS1, enquanto que os membros
do complexo dengue possuem um padrão RCS2-CS2-CS1 (Hahn et al., 1987;
Poindinger et al., 1996; Markoff, 2003). A presença de diferentes padrões entre
os flavivírus transmitidos por mosquitos e flavivírus transmitidos por carrapatos
(Markoff, 2003), sugere a importância dessas regiões para a classificação
taxonômica desses agentes virais (Hahn et al., 1987; Charlier et al., 2002;
Leyssen et al., 2002; Markoff, 2003; Kuno & Chang, 2006; Kuno & Chang,
2007; Hoshino et al., 2009).
Apesar dos VILH e VROC serem incluídos no grupo Ntaya (ICTV,
2005), a análise mostrou que estes vírus apresentam um padrão CS3-RCS2CS2-CS1 (Figuras 15 e 16) e que é distinto do VBAG (RCS3-CS3-CS2-CS1)
(Kuno & Chang, 2007). Da mesma forma, O VBSQ não apresenta a CS3, que
por sua vez está presente no genoma do VIGU e ambos os vírus são ditos com
membros do grupo Aroa, de acordo com o CITV (ICTV, 2005).
É interessante notar que ao se comparar o padrão das
sequências conservadas da 3’RNC com os diferentes quadro clínicos
associados aos flavivírus, observa-se a presença das CS3 e/ou RCS3 no
genoma dos vírus encefalitogênicos, tal como aqueles pertencentes ao grupo
da encefalite japonesa (Gubler et al., 2006), como por exemplo o VBAG
141
(Bondre et al., 2009) e o VROC (Lopes et al., 1978a; 1978b). Por outro lado, o
padrão RCS2-CS2-CS1 está associado aos vírus que causam manifestações
exantemáticas e/ou icterohemorrágicas aqui representados pelos sorotipos do
VDEN (Travassos da Rosa et al., 1997), VKOK (Nisbet et al., 2005) e VZIK
(Hayes, 2009). Ressalta-se que o VFA apresenta um padrão das sequências
conservadas que é distinto dos demais flavivírus transmitidos por mosquitos,
possuindo três repetições em série de uma sequência conservada, ao invés da
RCS2-CS2 (Markoff, 2003; Bryant et al., 2005). No entanto, para verificar essa
hipótese seria necessário realizar estudos infecção experimental com cepas
mutantes (sem as CS3 e/ou RCS3) para avaliar o papel dessa região em
relação ao tropismo viral e ao tipo de alterações patológicas.
Quanto à conservação das CS1[3’CYC], CS2, RCS2, CS3, RCS3,
autores como Kuno e Chang (2007) consideram como sequências conservadas
imperfeitas (ImCS) aquelas que apresentam entre duas a cinco alterações
nucleotídicas, quando comparadas com a sequência consenso. Sendo assim, a
análise do alinhamento nucleotídico das 3’RNC dos flavivírus transmitidos por
mosquitos mostrou que a CS1 do VIGU é imperfeita (ImCS1), por apresentar
três alterações nucleotídicas (duas substituições do tipo transições e uma
inserção). Quanto a CS2 ser completamente conservada entre os integrantes
dos grupos da encefalite japonesa e do dengue (exceto o VDEN3), VBAG,
VKOK e VZIK (Markoff, 2003; Figura 16), para VIGU e VILH foi observado uma
substituição em posições distintas. Ademais, na CS3 do VIGU observou-se
uma substituição do tipo transversão (A→T) na posição 10.485, que também é
observada na CS3 dos VALFUY e VBAG (Figura 16).
142
Estudos anteriores mostraram que mudanças pontuais nas
sequências conservadas da 3’RNC estão relacionadas a importantes funções
biológicas dos flavivírus, tais como sobrevivência e/ou patogenicidade (Bryant
et al., 2005; Khromykh et al., 2001) e que deleções das CS2, RCS2 e CS1
estão associadas à redução considerável na competência da replicação viral
(Men et al., 1996). Entretanto, estudos adicionais são necessários para
correlacionar a não ocorrência de infecção humana pelos VIGU e VBSQ, bem
como as infecções subclínicas pelo VILH, com as alterações observadas nas
sequências conservadas da 3’RNC.
O papel da estrutura secundária de ciclização do RNA dos
flavivírus tem sido associada com os processos de síntese do RNA e tradução
das proteínas virais, evidenciando a importância da conservação das
sequências de ciclização 5’CYC e 3’CYC (Proutski et al., 1997; Khromykh &
Westaway, 1997; Villordo & Gamarnik, 2009). A pesar da CS1 do VIGU ter sido
considerada imperfeita (ImCS1) onde uma única alteração foi observada na
região 3’CYC, a estrutura secundária do RNA foi conservada observando-se o
pareamento com a região 5’CYC.
As estruturas secundárias preditivas para flavivírus brasileiros
foram similares às observadas nos estudos realizados por Proutski e
colaboradores (1997) e Kuno & Chang (2006; 2007). As estruturas secundárias
peculiares da 5’RNC - 5’ES e grampo do capsídio (5’CapHS) –, bem como da
3’RNC (3’SL) foram mantidas na estrutura de ciclização dos flavivírus
brasileiros (Figura 18), corroborando a análise de Villordo & Gamarnik (2009).
Como esperado, o pentanucleotídeo 5’-CACAG-3’, que é extremamente
143
importante para a replicação dos flavivírus (Hahn et al., 1987), foi encontrado
ao nível da 3’SL dos quatro flavivírus em estudo (Figura 17).
Comparando a energia livre necessária para manter a ciclização
do RNA viral dos VBSQ, VIGU, VILH e VROC, observa-se que a energia
necessária para a formação da estrutura secundária do VIGU foi menor quando
comparada com os demais flavivírus em estudo. Isso possivelmente se deve ao
reduzido número de grampos observados na conformação secundária do RNA
do VIGU (Figura 17).
As sequências responsáveis pela ciclização do RNA, também
estão presentes na estrutura preditiva dos flavivírus brasileiros: pareamento
entre as sequências conservadas 5’CYC e 3’CYC (Hahn et al., 1987) e das
sequências de ciclização, 5’SCy e 3’SCy (Alvarez et al., 2005b). Apesar do
pareamento 5’SCy-3’SCy dos VBSQ e VROC não serem perfeitas (Figuras 18
e 19), observa-se a presença de pequenas alças (PA). Da mesma forma, a
5’CyC do VROC não é completamente pareada em virtude da presença de
substituições nucleotídicas (Figura 19). Estes fatos parecem não interferir na
formação da estrutura de ciclização desses vírus, tão pouco na infectividade
viral, uma vez que o VROC foi capaz de causar lesões intensas no SNC de
hamsters dourados (Henriques, 2009). Uma terceira sequência complementar
entre a 5’RNC e a 3’RNC (com sete nucleotídeos) foi observada no VBSQ
(Figura 17), que até o presente momento ainda não foi descrita para outros
flavivírus.
Muito embora as mutações não-silenciosas estejam ligadas
diretamente à mudança conformacional das proteínas, o que pode resultar em
144
alterações bioquímicas e biológicas das proteínas e, consequetemente,
podendo modificar a virulência, bem como a patogênese viral (atenuar um vírus
ou mesmo modificar o seu tropismo tecidual/celular, etc.), as mutações
silenciosas podem alterar a conformação da estrutura secundária dos vírus e
com isso, interferir em suas características biológicas (Markoff, 2003; Villordo &
Gamarnik, 2009). Sendo assim, as alterações genéticas (sinônimas e/ou não
sinônimas) que distanciam o VILH do VROC, podem estar relacionadas com a
distinta estrutura secundária do RNA do VILH de modo que tal vírus tornou-se
menos virulento que o VROC, tal como mostrou o estudo de Henriques (2009).
Com relação à poliproteína, os flavivírus brasileiros basicamente
seguiram o mesmo padrão de clivagem de proteína estabelecido para os
demais flavivírus isolados de mosquitos (Rice & Strauss, 1990; Billoir et al.,
2000; Kuno & Chang, 2007). Como esperado, o padrão da distribuição dos
resíduos de Cis nas proteínas PrM, E e NS1 (6,12,12) foi o mesmo para os
demais flavivírus (Mackenzie et al., 1996; Heinz & Allison, 2003; Chiu et al.,
2005), provavelmente devido à grande importância desses resíduos na
formação das ligações dissulfeto responsáveis pela estabilização da estrutura
secundária das proteínas (Nowak et al., 1989).
O papel dos carboidratos não é completamente compreendido em
relação à função biológica, imunogenicidade e estabilidade das glicoproteínas
virais. Anticorpos monoclonais contra a proteína E de diferentes cepas do
VESL mostraram que a glicosilação não é essencial para conformação dos
epítopos ou atividade biológica, uma vez que cepas não glicosiladas mantêm a
mesma antigenicidade (Vorndam et al., 1993). Ademais, a completa
145
deglicosilação da proteína E do VTBE, pela endoglicosidase F, não impede a
infectividade viral nem a atividade hemaglutinante da proteína E, mostrando
que a glicosilação não exerce um papel fundamental na estrutura antigênica do
VTBE desde que a reatividade das partículas deglicosiladas é idêntica quando
analisada por anticorpos policlonais e monoclonais (Winkler et al., 1987). Por
outro lado, a importância dos sítios de glicosilação da proteína E nos processos
de replicação e maturação viral (Goto et al., 2005; Li et al., 2006), bem como no
aumento da eficiência replicativa é evidente (Scherret et al., 2001; Shirato et
al., 2004). Ademais, os sítios de glicosilação também estão associados à
neurovirulência (Halevy et al., 1994; Chambers et al., 1998; Shirato et al., 2004;
Beasley et al., 2005).
A presença de potenciais sítios de glicosilação ao longo das
proteínas PrM, E e NS1 dos flavivírus brasileiros, objeto deste trabalho,
mostrou que o número de tais sítios difere entre esses vírus, assim como para
os demais flavivírus transmitidos por mosquitos (Kuno & Chang, 2006). É
interessante notar que os sítios de glicosilação descritos nas posições 154 da
proteína E (exceto VBSQ) e 130 da NS1, permanecem conservados entre os
quatro flavivírus. A glicosilação na posição 154 da proteína E também foi
reconhecida no VKUN (Adams et al., 1995), VDEN (Johnson et al., 1994) e
VTBE (Heinz & Allison, 2003); enquanto que a glicosilação na posição 130 da
proteína NS1, bem como na posição 207 (vista na NS1 do VBSQ), foi
detectada no VDEN-2, mostrando a participação desses sítios na estabilidade
da partícula viral e no processamento/transporte da NS1 (Crabtree et al., 2005).
Ademais, a deglicosilação de um ou ambos os sítios de glicosilação da NS1
146
reduz a replicação do VDEN-2 em células de mosquitos clone C6/36, bem
como a neurovirulência em camundongos para o VDEN-2 (Crabtree et al.,
2005) e VFA (Muylaert et al., 1996). Entretanto, estudos adicionais de infecção
experimental fazem-se necessários para tentar correlacionar a função dos
sítios de glicosilação das proteínas virais com as características biológicas e
antigênicas dos flavivírus.
As análises dos domínios e dos motivos conservados foram
realizadas para as proteínas E, NS3 e NS5 devido à relevância dessas
proteínas no processo replicativo e na patogenicidade dos flavivírus (Gubler et
al., 2007; Lindenbach et al., 2007), além de serem constantemente alvos de
análises filogenéticas (Kuno et al., 1998; Gaunt et al., 2001; Kuno et al., 2009).
O tamanho da proteína E varia entre 493 a 501 aa entre os
flavivírus transmitidos por vetores (mosquitos e carrapatos) e os agentes
zoonóticos. Dois, dos três domínios da proteína E foram identificados pelos
bancos de dados do Interproscan: o domínio II (ectodomínio) e III (similar à
imunoglobulina). As posições e o tamanho desses domínios dentre as
proteínas E dos flavivírus em estudo foram mais ou menos equivalentes
(Tabela 1). No domínio II, foi verificada a conservação do peptídeo de fusão e
no domínio III, a do tripepídeo RGD.
Sabe-se que apenas 18% da proteína E é conservada entre os
flavivírus patogênicos (Seligman & Bucher, 2003). Apesar do peptídeo de fusão
corresponder a 3,2% dos aminoácidos conservados, esse motivo contém cerca
de 13% dos aminoácidos conservados da proteína E. A necessidade requerida
para as mudanças conformacionais durante o processo da fusão da proteína E
147
com a membrana celular faz com que o peptídeo de fusão apresente alto grau
de conservação entre os flavivírus, sugerindo que a ocorrência de mutações
sejam raras, muito embora cinco sítios (N104, L108, F109, S113 e I114) sejam
considerados mais variáveis quando se compara diferentes integrantes do
gênero Flavivirus (Seligman, 2008) (Figura 28, Anexo V).
Os peptídeos de fusão dos VBSQ, VIGU, VILH e VROC estão em
posição análoga aos peptídeos de fusão dos demais flavivírus. Ademais, a
sequência
aminoacídica
para
os
flavivírus
transmitidos
por
Culex
(DRGWGNGCGLFGKGSI) apresenta-se completamente conservada para o
VILH (Seligman, 2008). Notou-se que os seis resíduos de Gli necessários para
que ocorra a rotação em torno das pontes C-C e C-N, facilitando as mudanças
conformacionais da proteína E necessárias para a fusão com a membrana do
hospedeiro (Seligman, 2008), permanecem conservada para VILH e VROC,
havendo uma substituição de G103N nos VBSQ e VIGU. Dentre os resíduos de
Gli, destaca-se o resíduo G105, que influencia diretamente a fusão de
membrana e a replicação viral e é altamente conservado entre os flavivírus
transmitidos por mosquitos (Seligman, 2008), assim como foi observada para
os flavivírus brasileiros.
Quanto aos VBSQ, VIGU e VROC, três, duas e uma alterações
aminoacídicas
foram
detectadas
ao
nível
dos
peptídeos
de
fusão,
respectivamente. Comparando-se o número de mutações por sítio (Figura 28),
observa-se que mutações no sítio G103, não são muito frequentes entre os
flavivírus, muito embora tenham sido observadas tanto no VBSQ quanto no
VIGU. O mesmo foi observado para a posição D99, que no VBSQ é N99. Por
148
outro lado, as alterações nas posições S113 e I114, observada no VBSQ, VIGU
e VROC, apresentam as maiores divergências entre os flavivírus (Seligman,
2008).
A perda de uma das seis Gli do peptídeo de fusão do VBSQ e
VIGU pela substituição de G→N, precisa ser melhor estudada. Nessa
mudança, apesar da polaridade do aminoácido ter se mantido (G e N são
ambos polares – ANEXO III), não se sabe o quanto tal mudança pode
influenciar a infectividade dos VBSQ e VILH, sendo necessário realizar estudos
de proteômica e infecção experimental com cepas geneticamente alteradas,
objetivando elucidar essa questão.
O tripeptídeo RGD (resíduos 388 a 390) encontrado no domínio III
da proteína E dos VEJ (Lee & Lobigs, 2000), VALFUY (May et al., 2006), VUSU
(Bakonyi et al., 2004) e VEMV (Hurrelbrink & McMinn, 2001) aparentemente
envolvido no processo de adsorção viral à célula hospedeira, corresponde à
RGE no VNO (Castle et al., 1985) e RPG no VESL (Ciota et al., 2007). O
tripeptídeo TPG, visto na proteína E do VROC, é também encontrado no
VKED, e difere no VBAG no último aminoácido (TGE), enquanto que o
tripeptídeo VGD do VBSQ é encontrado no VZIK (Kuno & Chang, 2007). Em
nenhum outro flavivírus foi encontrado a sequência QEN, observada no VILH.
A função na interação vírus-célula hospedeira em relação aos diferentes
tripeptídeos dos flavivírus brasileiros análogos RGD do grupo da encefalite
japonesa, precisa ser melhor estudada.
A atividade de protease da NS3 está localizada dentro dos
primeiros 180 aa (Li et al., 1999) tal como foi encontrada para os VBSQ, VIGU,
149
VILH e VROC (Tabela 1).
Os sítios catalíticos His-Asp-Ser nas posições
aminoacídicas 51, 75 e 137, respectivamente (com base na sequência da NS3
do VKUN), também permanecem conservados entre os vírus em estudo, muito
embora a localização tenha situado um aminoácido antes no VIGU (Tabela 1).
O motivo VIGLYGNG, entre as posições 145 a 152 da NS3 do VKUN
corresponde ao sulco de ligação do substrato (Chang, 1997) e está conservado
para VROC e VBSQ. Ampliando a análise para os demais flavivírus, observase a variação nos dois primeiros aminoácidos, o que é compartilhado para o
VIGU e VILH. Como esperado, os motivos são relacionados à atividade de
protease serina da NS3 (Gorbalenya et al., 1989; Matusan et al., 2001).
Os domínios MTase-SAM e RdRP da NS5 dos flavivírus (Koonin,
1993), apresentam posições análogas no genoma dos flavivírus brasileiros.
Dentre os oito motivos determinantes para a atividade de polimerase (RdRP)
da NS5 dos flavivírus, observam-se mutações nos motivos V, VI e VII dos
flavivírus em estudo. A mesma alteração observada no motivo V do VROC
(Y614F) foi também observada para os integrantes do grupo da febre amarela,
enquanto que a alteração para o VILH (V619A) foi descrita para os sorotipos do
VDEN. A única alteração do motivo VI foi observada exclusivamente para o
VILH, assim como a mutação C713G no motivo VII. Ademais, o sítio DDC
(também denominado de motivo B), que faz parte do sítio NTP-ligante para
inúmeras enzimas ATP- e GTP-ligantes (Kramer & Argos, 1984; Koonin, 1993),
também permanece conservado para os quatro flavivírus em estudo.
Sabe-se que alterações nas proteínas que fazem parte do
complexo de síntese do RNA viral (NS1-NS2A-NS3-NS4B-NS5) podem
150
interferir a infectividade viral e promover a uma melhor eficiência da replicação
em células do SNC (Gubler et al., 2007), o que chama a atenção para as
alterações nos motivos VI e VII do VILH, sugerindo a necessidade de
realização de estudos adicionais para estudar essas características desses
vírus.
A análise gene por gene utilizando o Bootscan, proporcionou
informações valiosas para a melhor compreensão das relações filogenéticas
entre os quatro flavivírus em estudo com outros flavivírus transmitidos por
Culex. Essa análise corroborou os achados da literatura (Kuno et al, 1998;
Kuno & Chang, 2005; Kuno et al., 2009) que mostra a estreita relação genética
entre VBSQ e VIGU (Figura 20 A) e uma proximidade desses vírus com os
VKOK (E, NS1 e NS3), VZIK (NS3), VKED (NS1). O VILH e VROC são
estreitamente relacionados entre si e próximos dos VNO (NS1) e VBAG (PrM)
(Figura 20 B), corroborando as análises filogenéticas com base em estudos
prévios com NS5 (Kuno et al., 1998; Gaunt et al., 2001), E (Gaunt et al., 2001)
e ORF (Kuno et al., 2009), que mostram que os flavivírus brasileiros
apresentam topologia posicionada entre os membros do grupo da encefalite
japonesa e o VBAG do grupo Ntaya. Essa relação fica melhor evidenciada
quando o VILH foi retirado da análise do Bootscan (Figura 21), em que se
observa que ao longo da ORF, o VROC apresenta maior similaridade com os
VBAG e VESL, corroborando com a filogenia de diferentes genes.
Ademais,
o programa Bootscan também já servir como
ferramenta para avaliar recombinação entre cepas virais, tal como observado
para Vírus da imunodeficiência humana (Lole et al., 1999). Apesar dos
151
flavivírus exibirem alguns fatores ecológicos bem como a ocorrência de
epidemias e de infecções crônicas dos hospedeiros que propiciam a
recombinação (Gritsun et al., 2003; Gubler et al., 2007), as análises das
árvores filogenéticas individuais utilizando genes de qualquer parte do genoma
ou mesmo o genoma inteiro sugerem recombinação entre os flavivírus de uma
mesma espécie (Gould et al., 2003b). Portanto, a análise do Bootscan
utilizando espécies distintas apenas mostra que um dado flavivírus pode
apresentar maior similaridade com diferentes vírus, dependendo da região da
ORF que está sendo analisada, afastando a possibilidade de recombinação
entre esses agentes virais.
A exemplo da similaridade nucleotídica entre os flavivírus vista na
análise do Bootscan, o cálculo de identidade aminoacídica reflete a mesma
proximidade genética: VBSQ com VIGU e VILH com VROC. É valido ressaltar
que as identidades aminoacídica entre VILH e VROC (77,5%) e nucleotídica
(72,5%) para a ORF, assim como para o gene NS5 (78,5% aa / 70,3% nt)
demonstradas neste estudo são inferiores ao valor limítrofe de 84% para
identidade nucleotídica utilizado como critério de inclusão de espécie viral
dentro do gênero Flavivirus, como previamente descrito (Kuno et al., 1998;
Gaunt et al., 2001). Portanto, esse dado suporta a hipótese de que os VILH e
VROC correspondem a espécies distintas. Este raciocínio também se aplica
para a situação dos VBSQ e VIGU (Tabela 2).
Com base no critério de inclusão de grupo, que suporta valores >
71% para a identidade aminoacídica (Kuno et al., 1998; Gaunt et al., 2001), os
VILH e VROC não apresentaram valores suficientes para a inclusão no grupo
152
Ntaya (média da identidade aminoacídica da ORF do VILH e VROC em relação
ao VBAG: 64,9%) nem com o grupo da encefalite japonesa (média de 64,9%).
Ademais, o gene C apresenta os menores valores de identidade
aminoacídica entre os flavivírus (Tabela 2), o que explica a dificuldade de
estabelecer relações filogenéticas utilizando tal gene. Ao se analisar o
alinhamento das sequências nucleotídicas e aminoacídicas do gene C,
percebe-se a grande variabilidade genética existente, com um número de gaps
representativos capazes de gerar valores de bootstraps de baixa confiabilidade
para dar suporte à relação filogenética. Por outro lado, a análise de 62 cepas
virais do VDEN1, mostrou que o gene C é extremamente conservado dentro de
uma dada espécie (Carneiro, 2009). Sendo assim, sugere-se que gene C seja
melhor analisado e que este possa ser um bom alvo para diferenciar espécies
virais do gênero Flavivirus para fins de diagnóstico.
A avaliação de sequências genômicas completas e parciais para
um crescente número de flavivírus tem se mostrado importante para estimar a
relação filogenética e a base para hipóteses evolutivas. Análises filogenéticas
tem sido feitas com base nas seqüências genômicas completas, sequências
nucleotídicas parciais ou em sequências aminoacídicas das proteínas virais,
principalmente dos genes E e/ou NS5 (Zanotto et al., 1996; Billoir et al., 2000;
Gaunt et al., 2001; Gould et al., 2003a; Kuno & Chang, 2005; Cook & Holmes,
2006; Kuno et al., 2009).
As subdivisões nos quatro grupos relacionados às características
ecológicas/filogenéticas:
flavivírus
transmitidos
por
mosquitos,
flavivírus
transmitidos por carrapatos, agentes zoonóticos com vetor desconhecido e
153
flavivírus de insetos (Kuno et al., 1998; Billoir et al., 2000; Gaunt et al., 2001;
Gould et al., 2003a; Kuno et al., 2009), foram mantidas em todas as análises
filogenéticas apresentadas neste trabalho. Essa subdivisão reflete largamente
a seleção adaptativa natural imposta ao vírus pelos hospedeiros vertebrados,
vetores invertebrados e pelas associações ecológicas (Gould et al., 2003a).
No que se refere à cladogênese dos flavivírus transmitidos por
artrópodes, nota-se que a organização genômica do grupo dos flavivírus
transmitidos por carrapatos é monofilética, ao passo que para flavivírus
transmitidos por mosquitos é parafilética. De fato, essa peculiaridade também
foi observada por Zanotto e colaboradores (1996), que relata intensa
ramificação, seguido por extinção de linhagens e consequente formação de
subclados para o grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos que se
encontra associado com a teoria de “Boom and Bust”, enquanto que os
flavivírus transmitidos por carrapatos segregam-se continuamente através do
tempo.
Percebe-se que a análise individual de cada gene, bem como das
regiões estrutural e não estrutural, o subgrupo dos flavivírus transmitidos por
Culex apresenta uma maior variação da topologia, contrastando com o padrão
estável dos grupos do VDEN e VFA (flavivírus transmitidos por Aedes). Esse
aspecto dá subsídios para a análise evolutiva de Gaunt e colaboradores (2001)
que sugere que os eventos evolutivos dos flavivírus transmitidos por Culex
sejam mais recentes, e por isso apresentam relações filogenéticas mais
instáveis quando comparadas aos flavivírus transmitidos por Aedes. Foi
Observado que o grupo da febre amarela constitui uma linhagem distinta dentre
154
os flavivírus transmitidos por mosquitos, que, provavelmente está associado às
próprias características genéticas desses grupo que o separa dos sorotipos do
VDEN.
Dependendo da região gênica a ser analisada, o grupo
constituído pelos VILH e VROC pode estar mais associado com o grupo da
encefalite japonesa do que com o grupo Ntaya, que é o caso da análise da
região estrutural, que, por sua vez, corrobora os dados sorológicos. Por outro
lado, os VILH e VROC podem estar mais associados ao grupo Ntaya, como é
observado na árvore construída pela região não estrutural. Sabendo que cerca
de 80% da ORF é composta da região não estrutural, é evidente que a árvore
filogenética da ORF seja similar a da região não estrutural.
A associação filogenética entre VILH e VROC com o grupo da
encefalite japonesa, e distinto do grupo Ntaya (tal como mostra a topologia da
Figura 24) também foi observada na análise filogenética realizada por Bronde e
colaboradores (2009), utilizando o método de AV. Sendo assim, variando-se o
método filogenético, a associação entre VILH e VROC com os referidos grupos
também pode ser observada.
A relação peculiar entre os flavivírus transmitidos por Aedes
(VDEN e VFA) e o viscerotropismo, bem como os flavivírus transmitidos por
Culex com o neurotropismo (grupo da encefalite japonesa) foi primeiramente
associado por Sabin (1959). Posteriormente, Gaunt e colaboradores (2001)
confirmaram essa relação com base nas análises filogenéticas do gene NS5,
muito embora algumas exceções a essa teoria tenha sido mostrada para
alguns flavivírus transmitidos por mosquitos (Mutebi et al., 2004).
155
Com tudo, as análises filogenéticas da ORF, região estrutural e
região não estrutural mostraram uma subdivisão com relação ao tropismo viral
um pouco distinta da apresentada por Gaunt e colaboradores (2001).
Atualmente, já se sabe que o VZIK é transmitido por Aedes sp. e está
associado com síndromes exantemáticas (Kuno e Chang, 2005), tal como os
VDEN e o VFA (Travassos da Rosa et al., 1997). O VKED está associado
filogeneticamente ao VZIK e também é transmitido por Aedes sp., muito
embora as manifestações clínicas do VKED sejam desconhecidas (Kuno e
Chang, 2005). Na análise da região estrutural, que está diretamente associada
às
características
biológicas
dos
flavivírus,
observa-se
claramente
a
associação do VZIK, VKED, com o grupo do VDEN (Figura 24).
O grupo dos flavivírus transmitidos por Culex é formado pelos
membros do grupo da encefalite japonesa, os VILH, VROC, VBAG, VBSQ e
VKOK. Apesar do VILH e VROC terem sido isolados de Psorophora sp.
(Vasconcelos et al., 1992; 1998), o VROC pode se replicar em mosquitos do
gênero Culex sp., pelo menos em condições laboratoriais (Mitchell et al., 1981).
A maioria desses flavivírus está associada à encefalite, com exceção dos vírus:
VBSQ, cuja clínica foi associada há apenas um caso febril (Srihongse &
Johnson, 1971); VIGU, para o qual não há registro de casos humanos
(Figueiredo, 2000); e o VKOK, que causa doença febril exatemática (Nisbet et
al., 2005).
Essas lacunas da associação entre as características ecológica e
tropismo viral com a filogenia vista no grupo dos flavivírus transmitidos por
mosquitos é reflexo da própria organização parafilética desse grupo.
156
Provavelmente, essa questão só poderá ser elucidada com a descoberta de
novos flavivírus. Sendo assim, quanto mais conhecimento se produz a respeito
da
filogenia
dos
flavivírus,
mais
sequências
estarão
disponíveis
e,
consequentemente, se novos isolados são identificados, eles podem ser
inseridos em um grupo já existente ou mudar a posição de alguns vírus dentro
da classificação atual determinada pelo CITV (ICTV, 2005).
Esta plasticidade da organização filogenética dos flavivírus pode
ser observada na análise do vírus Kadam (KADV) por Gaunt e colaboradores
(2001), no qual este flavivírus transmitido por carrapatos era classificado,
primeiramente, no grupo dos hospedeiros mamíferos, sendo sugerido a sua
maior aproximação genética com o grupo dos hospedeiros de aves marinhas,
formando um forte grupo filogenético juntamente com os vírus Tyuleniy (TYUV),
Saumarez Reef (SREV) e Meanban (MEAV). A posição filogenética dos vírus
VESL,
VZIK,
VEJ,
VKED,
Spondweni
(VSPON)
são
constantemente
contestadas e devem ser revistas (Gould et al., 2003b), a exemplo desta
revisão quanto à classificação e posições filogenéticas dos VBSQ, VIGU, VILH
e VROC.
A análise filogenética concatenada das sequências parciais dos
genes E-NS5 agrupou informações contidas tanto das regiões estrutural quanto
não estrutural. Nessa análise ficou evidente a distinção entre VBSQ e VIGU, e
que estes vírus pertencem a grupos genéticos distintos: sendo o VBSQ
associado ao VNJL e o VIGU associado ao VAROA. Ademias, os VILH e
VROC estão separados do grupo Ntaya, constituído pelos VBAG, VNTA, VITM
e VTMU, mostrando serem dois grupos distintos, porém ambos associados ao
157
grupo da encefalite japonesa. Esses dados corroboram as análises
filogenéticas das sequêncais parciais do gene NS5 realizada por Gould e
colaboradores (2003a; 2003b) e Cook & Holmes (2006).
Comprando todas as análises realizadas neste trabalho, acreditase que a filogenia da ORF ainda apresente dados mais fidedignos com relação
à verdadeira associação entre os flavivírus do que utilizar análises de genes
individuais, muito embora as análises dos genes E, NS3 e, principalmente NS5,
possam resolver a topologia de alguns flavivírus.
O VROC é classificado como subtipo do VILH e ambos incluídos
no grupo grupo Ntaya. De maneira similar, o VIGU e VBSQ são classificados
como subtipos VAROA. Com base nos próprios critérios do CITV para a
classificação de espécie viral, analisaram-se as diferenças desses vírus quanto
a: organização do genoma, identificação das proteínas, propriedades
antigênicas, relações filogenéticas e características biológicas (ICTV, 2005).
Os critérios de morfologia e propriedades físico-químicas que são
frequentemente utilizados para a inclusão dentro da família viral, que no caso
dos vírus em estudo não há dúvidas que pertençam à família Flaviviridae. Os
critérios de organização do genoma, bem como, características das proteínas
(número, tamanho e atividade funcional de proteínas estruturais; número,
tamanho e atividade funcional de proteínas não-estruturais; sequências de
aminoácidos; glicosilação), que relacionam uma dada espécie viral a um
gênero, já foi discutida anteriormente, confirmando que os VBSQ, VIGU, VILH
e VROC pertencem ao gênero Flavivirus.
158
As
relações
filogenéticas,
como
discutidas
anteriormente,
mostram que VILH e VROC são vírus distintos, relacionados entre si e
formando num grupo filogenético a parte do grupo Ntaya: o grupo Rocio. Já o
VBSQ e o VIGU não são subtipos do VAROA, tratando-se de espécies viaris
distintas, sendo então, proposta a formação de dois grupos genéticos: o grupo
Bussuquara, que agrupa VBSQ e VNJL e o grupo Aroa, constituído por VAROA
e VIGU.
Quanto às propriedades antigênicas os quatro flavivírus em
estudo foram relacionados ao grupo B segundo a classificação sorológica de
Casals (Karabatsos, 1985). Entretanto, algumas peculiaridades sobre a relação
antigênica desses vírus devem ser relevadas.
Como relatado anteriormente, VILH e VROC são antigenicamente
relacionados entre si com os membros do grupo da encefalite japonesa (Lopes
et al., 1978a; 1978b; Iversson et al., 1988; Vasconcelos et al., 1998), sendo
diferenciados apenas pelo TN (Vasconcelos et al., 1998). De fato, as relações
dos títulos dos anticorpos homólogos versus heterólogos obtidos quando o
VROC é utilizado com antígeno ou com seu anticorpo específico é de >640/<10
e 1280/<10, respectivamente (Karabatsos, 1985).
A reação cruzada existente entre os flavivírus, sobretudo
observada por IH, já foi relacionada à existência de diversos epítopos da
proteína E que são compartilhados por diferentes flavivírus (Gould et al., 1985;
Heinz, 1986), e este fato deve estar diretamente relacionado à emergência
recente dos flavivírus transmitidos por Culex (Gould et al., 2003b). Ademais,
tendo em vista que a proteína E é de suma importância para a adsorção viral à
159
célula hospedeira, tropismo viral e patogênese, uma vez que mutações nessa
proteína possam resultar em neurotropismo de vírus viscerotrópicos (Gubler et
al., 2007), a existência de epítopos compartilhados entre os flavivírus deve ser
reflexo de regiões conservadas importantes para a funcionalidade da proteína
E.
Quanto à relação antigênica não existem dados na literatura que
comprovem a relação desses vírus com o grupo Ntaya. Baseado no teste de
FC realizado na University of Texas Medical Branch (UTMB) (Travassos da
Rosa, A.P.A., dados não publicados), não há reatividade entre o VROC com o
VNTA enquanto que o VILH apresenta baixa reatividade (Tabela 5, Anexo V).
O VNTA está mais relacionado antigenicamente com o grupo da encefalite
japonesa (Tabela 5, Anexo V), assim como discrito para o VBAG (Kuno &
Chang, 2007; Bondre et al., 2009). O que se deduz que a inclusão de VILH e
VROC deve ter sido feita com base das análises filogenéticas do que NS5 e da
ORF.
As relações antigênicas por teste de FC e IH entre VAROA e
VIGU são mais evidentes entre si do que com os VBSQ e VNJL, que por sua
vez são mais correlacionados (Travassos da Rosa, A.P.A., comunicação
pessoal; Karabatsos, 1985).
Do ponto de vista ecoepidemiológico, VILH e VROC apresentam
possivelmente o mesmo vetor (Psorophora sp.); a distribuição geográfica dos
desses flavivírus é distinta, sendo o VILH detectado em regiões diferentes do
Brasil e o Rocio mais restrito ao sudeste do país.
160
Com relação às características biológicas, muito embora o VILH e
VROC apresentem potencial encefalitogênico, o VILH está mais associado a
casos febris esporádicos com menor comprometimento neurológico, ao passo
que para o VROC foram registrados casos de encefalites graves e por vezes
fatais, o que claramente indica uma diferença na neurovirulência e no modo de
transmissão desses dois vírus. De fato essas diferenças de patogenicidade
foram observadas por Henriques (2009) ao analisar o padrão de resposta
imune e características das lesões teciduais e persistência da infecção
experimental em hamsters dourados inoculados via intraperitoneal. No referido
estudo, VILH apresentou-se mais imunogênico ao passo que o VROC
apresentou maior capacidade de neurovirulência; e o tempo de persistência da
infecção para o VROC (três meses) foi maior do que para o VILH (30 dias).
Estudos de infecção experimental com os VAROA, VBSQ, VIGU e VNJL são
necessários e possivelmente elucidativas para a compreensão das diferenças e
semelhanças das características biológicas desses vírus.
Portanto, baseados nas características genéticas apresentadas
neste trabalho, aliados às propriedades antigênicas e biológicas dos VILH e
VROC, sugere-se que esses vírus sejam considerados espécies virais distintas
e pertencentes a um grupo genético a parte do grupo Ntaya, designado de
grupo Rocio, devido ao fato desse vírus ter maior importância médica que o
VILH.
Por outro lado, saber se os VBSQ e VNRJ, bem como VAROA e
VIGU tratam-se de um mesmo vírus ou espécies diferentes, é uma questão que
só poderá ser completamente respondida pelo sequenciamento completo do
161
genoma do VAROA e VNJL e consequente análise genética, aliada aos
estudos de infecção experimental, a exemplo dos estudos conduzidos para
VILH e VROC.
Para finalizar, este trabalho estimula a comunidade científica a
desenvolver estudos de caracterização genética e análise da patogenicidade
dos VAROA, VNJL, além do VCPC e outros membros do grupo Ntaya, e
ressalta a importância de concatenar informações genéticas, relações
antigênicas, características biológicas e epidemiológicas para elucidar
questões controversas.
162
5. CONCLUSÕES
•
Os Flavivírus VBSQ, VIGU, VILH e VROC apresentaram organização
gênomica e tamanho da ORF, 5’RNC e 3’RNC similar aos demais
integrantes do gênero Flavivirus, sendo mais estritamente relacionados
ao grupo dos flavivírus transmitidos por mosquitos.
•
O padrão das sequências conservadas da 3’RNC do VBSQ assemelhouse com o padrão VDEN e VKOK, ao passo que os VIGU, VILH e VROC
apresentaram um padrão similar aos vírus do grupo da encefalite
japonesa, com exceção da ausência da RCS3;
•
As estruturas secundárias dos flavivírus brasileiros VBSQ, VIGU, VILH e
VROC são similares à estrutura dos demais flavivírus, apresentando a
conservação das estruturas secundárias da 5’RNC e 3’RNC e a
presença das sequências de ciclização 5’SCy-3’SCy e 5’CYC-3’CYC;
•
Foi observado para o VBSQ um terceiro par de sequências pareadas
entre a porção 5’ e a 3’RNC inexistente para os demais flavivírus;
•
Os flavivírus brasileiros basicamente seguiram o mesmo padrão de
clivagem de proteína estabelecido para os demais flavivírus transmitidos
por mosquitos;
163
•
O padrão da distribuição dos resíduos de Cis nas proteínas PrM, E e
NS1 para os flavivírus em estudo é similar aos dos demais membros do
gênero Flavivirus;
•
O número de sítios de glicosilação para as proteínas PrM, E e NS1 é
distinto entre os flavivírus brasileiros em relação aos demais flavivírus,
muito embora tenha sido observada a conservação nos sítios de
glicosilação na posição 154 da proteína E e 130 na proteína NS1;
•
A sequência do peptídeo de fusão (proteína E) para o VILH é similar a
sequência consenso para os flavivírus transmitidos por mosquitos ao
passo que para os VBSQ, VIGU e VROC, observam-se pequenas
alterações aminoácidicas pontuais.
•
O tripeptídeo RGD, visto entre os membros do grupo da encefalite
japonesa, apresenta diferentes sequências para os VBSQ, VIGU, VILH e
VROC;
•
Os motivos conservados que determinam a atividade de helicase da
NS3 apresentam-se conservados para os flavivírus transmitidos por
mosquitos, enquanto que para os motivos relacionados à atividade RdPd
da NS5, o VROC apresentou mutações pontuais no motivo V, e o VILH
nos motivos V, VI e VII;
164
•
As análises filogenéticas, associadas ao padrão das sequências
conservadas da 3’RNC, a divergência aminoacídica e as características
sorológicas e biológicas sugerem que o VILH e VROC são espécies
virais distintas e que formam um grupo relacionado mas separado dos
grupos Ntaya e da encefalite japonesa;
•
É proposta a formação de três grupos adicionais aos existentes para o
gênero Flavivirus: o grupo Rocio, que agrupa o VILH e VROC; o grupo
Bussuquara, composto por VBSQ e VNRJ; e o grupo Aroa, que inclui os
VAROA e VIGU.
165
6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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201
ANEXOS
202
ANEXO I
Documento de Autorização para a utilização das amostras dos vírus
Bussuquara, Iguape, Ilhéus e Rocio fornecida pela direção do Instituto Evandro
Chagas.
202
ANEXO II
Distribuição dos tamanhos da sequências aminoacídicas entre os genes individuais e ORF dos quatro principais grupos dos flavivírus.
genes e tamanho das proteínas
Grupos
Vírus
JEV*
DENV*
Não-estruturais
ORF
C
PrM
E
NS1
NS2A
NS2B
NS3
NS4A/2K
NS4B
NS5
125
119
118
118
167
167
167
167
501
494
501
501
352
353
353
353
227
227
227
227
131
131
131
131
619
619
618
619
149
149
149
149
253
254
255
256
905
904
905
904
3.429
3.417
3.424
3.425
SLEV
121
167
501
352
227
131
618
149
258
906
3.430
WNV
123
167
501
352
231
131
619
149
255
905
3.433
JEV
127
167
500
352
227
131
619
149
255
905
3.432
DENV-1
113
166
495
352
218
130
619
150
249
899
3.391
DENV-2
114
166
495
352
218
130
615
150
248
900
3.388
DENV-3
114
166
493
352
218
130
619
150
248
901
3.391
BSQV
IGUV
ILHV
ROCV
Flavivírus
Transmitidos por
mosquitos
Estrutural
DENV-4
113
166
495
352
218
130
618
150
245
900
3.387
YFV
121
164
493
352
224
130
623
149
250
905
3.411
Flavivírus
Transmitidos por
Carrapatos
TBEV
112
168
496
352
230
131
621
149
252
903
3.414
POWV
110
168
497
353
230
131
622
149
252
904
3.416
Agentes
Zoonóticos
MODV
RBV
110
102
162
165
482
484
353
353
221
229
132
130
618
617
144
144
254
258
898
897
3.374
3.379
Flavivírus
KRV
143
143
de insetos
* subgrupos; em cinza os vírus em estudo.
432
390
232
124
577
168
261
887
3.357
203
ANEXO III
Código Genético
2ª BASE
U
C
A
G
Fen
Leu
Leu
Ile
Met
Val
A
Ser
Pro
Tre
Ala
UAU
UAC
UAA
UAG
CAU
CAC
CAA
CAG
AAU
AAC
AAA
AAG
GAU
GAC
GAA
GAG
G
Tir
Códon
de
Finalização
His
Gln
Asn
Lis
Asp
Glu
UGU
UGC
UGA
UGG
CGU
CGC
CGA
CGG
AGU
AGC
AGA
AGG
GGU
GGC
GGA
GGG
Legenda: Vermelho – códon de iniciação; azul – códon de finalização
Simbologia para substituição nucleotídica
B
C ou G ou T
D
A ou G ou T
H
A ou C ou T
V
A ou C ou G
R
A ou G
(puRine)
Y
C ou T
(pYrimidine)
K
G ou T
Keto
M
A ou C
aMino
S
G ou C
Strong – 3 pontes de H
W
A ou T
Weak – 2 pontes de H
N
qualquer base
Cis
Códon de
Finalização
Trp
Arg
Ser
Arg
Gli
U
C
A
G
U
C
A
G
U
C
A
G
U
C
A
G
3ª BASE
1ª BASE
U
UUU
UUC
UUA
UUG
CUU
CUC
CUA
CUG
AUU
AUC
AUA
AUG
GUU
GUC
GUA
GUG
C
UCU
UCC
UCA
UCG
CCU
CCC
CCA
CCG
ACU
ACC
ACA
ACG
GCU
GCC
GCA
GCG
204
ANEXO IV
Nomes e Abreviaturas dos Aminoácidos comuns
Aminoácido
Abreviatura
Carga
Hidropacidade
Estrutura
Alanina
Ala
A
Neutro
Apolar
Acíclica
Arginina
Arg
R
Básico
Polar
Acíclica
Asparagina
Ans
N
Neutro
Polar
Acíclica
Ácido aspártico
Asp
D
Ácida
Polar
Acíclica
Cisteina
Cis / Cys
C
Neutro
Polar
Acíclica
Fenilalanina
Fen /Phe
F
Neutro
Apolar
Cíclica
Glicina
Gli / Gly
E
Neutro
Polar
Acíclica
Glutamina
Gln
G
Neutro
Polar
Acíclica
Ácido glutâmico
Glu
Q
Ácida
Polar
Acíclica
Histidina
His
H
Básico
Polar
Cíclica
Isoleucina
Ile
I
Neutro
Apolar
Acíclica
Leu
L
Neutro
Apolar
Acíclica
Lis / Lys
K
Básico
Polar
Acíclica
Metionina
Met
M
Neutro
Apolar
Acíclica
Prolina
Pro
P
Neutro
Apolar
Cíclica
Serina
Ser
S
Neutro
Polar
Acíclica
Treonina
Ter / Thr
T
Neutro
Polar
Acíclica
Tirosina
Tir / Tyr
Y
Neutro
Polar
Cíclica
Tritofano
Trp
W
Neutro
Apolar
Cíclica
Valina
Val
V
Neutro
Apolar
Acíclica
Leucina
Lisina
* No caso de aminoácidos indeterminados ou não padrão usa-se a letra “X”.
205
ANEXO V
Mutações no peptídeo de fusão
Número de Mutações
VFA
Outros flavivírus
G
Sequência aminoacídica
Figura 28 – Número de mutações no peptídeo de fusão dos flavivírus segundo Seligman
(2008). Nota-se que as posições N104, L108, F109, S113 e I114 apresentam maior variação
entre os flavivírus. Em vermelho, destaca-se o sétimo aminoácido, representado por G105 nos
flavivírus transmitidos por mosquitos e que corresponde a H105 nos flavivírus transmitidos por
carrapatos, e que são altamente conservados entre esses dois grupos.
Tabela 5 – Recíproca das relações antigênicas pelo teste de FC entre os
flavivírus do VROC e VILH com os integrantes do grupo Ntaya (VNTA) e
encefalite japonesa (VEJ, VNO e VESL).
Antígeno
VROC
Teste de fixação do complemento
Anticorpo
VROC
VILH
VNTA
VEJ
VESL
256+
>512
64
128
32
8
32
8
128
32
64
>512
256
>512
32
32
32
32
128
32
VNO
Controle
(veronal)
16
128
512
64
>512
>512
VILH
8
32
128
512
32
128
128
>512
VNTA
512
16
256
512
128
8
128
128
512
256
>1024
VEJ
0
128
128
128
8
>1024
128
>1024
VESL
8
128
>512
>512
VNO
8
32
>1024
0
0
0
8
32
128
Legenda: Em vermelho, destacam-se os títulos recíprocos entre antígenos
0
0
0
0
0
0
0
e anticorpos
homólogos. Os quadrantes marcados mostram: a relação antigênica do VILH e VROC entre si
(verde); destes com o grupo encefalite japonesa (em amarelos); e destes com o VNTA (cinza).
Fonte: Travassos da Rosa, A.P.A., UTMB.
206
ANEXO VI
MEDEIROS, D.B.; NUNES, M.R.; VASCONCELOS, P.F.; CHANG, G-J.;
KUNO, G. Complete genome characterization of Rocio virus (Flavivirus:
Flaviviridae), a Brazilian flavivirus isolated from a fatal case of encephalitis
during an epidemic in Sao Paulo state. Journal of General Virology,
88(8):2237-46, 2007.
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
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