Imprimir artigo - Portal de Revistas PUC-SP

Propaganda
Políticas de Segurança da União Europeia: meio
ambiente e segurança humana
Patrícia Müzel de Paiva
Estudante de Ciências Sociais na PUC-SP. Desenvolveu a pesquisa de iniciação científica “As
Políticas de Segurança da União Europeia: A Estratégia Europeia de Segurança”, vinculada
ao projeto temático FAPESP Ecopolítica, sob orientação do Prof. Dr. Edson Passetti, com
bolsa FAPESP. Contato: [email protected].
A União Europeia foi criada em
1993, surgindo como um projeto em
resposta às preocupações relacionadas
a
conflitos
entre
o
objetivo
de
Comum, e a cooperação política e
judicial em matéria penal.
Os
analistas,
de
modo
geral,
Estados,
com
consideram que a União começou a
estabelecer
paz,
se garantir efetivamente como ator
estabilidade e desenvolvimento entre
político com o fim da Guerra Fria,
os Estados-membros para além das
a dissolução do Pacto de Varsóvia, a
fronteiras da União, e reforçar seu
reunificação alemã, o desmembramento
status de agente de segurança e
da União das Repúblicas Socialistas
defesa nas políticas internacionais.
Soviéticas, e o ressurgimento das
A problemática de segurança é
tensões nacionalistas extremistas na
intrínseca ao processo de integração
Iugoslávia e Albânia, colocando e
europeia, uma vez que a preocupação
propondo equacionamentos para as
com um novo embate interestatal
questões de segurança no processo
foi um dos impulsos para o início
de integração (Xavier, 2012).
da
integração,
cooperações
disponibilizando
econômicas
para
a
redução de conflitos políticos.
A
constatação
de
que
muitos
Estados não são capazes de assegurar
garantias à população por falta de
Em um primeiro momento, a
meios e estruturas provocou também
segurança europeia segue o modelo
o deslocamento da segurança coletiva
estatal que separa segurança interna
interestatal para uma mais ampliada,
e externa, por meio de uma estrutura
a segurança humana. A segurança
de pilares: as Comunidades Europeias,
das
a Política Externa e de Segurança
dependeria apenas do fator militar,
coletividades,
portanto,
não
ecopolítica, 8: jan-abr, 2014
Políticas de segurança da União Europeia..., 80-84
80
como apontam os teóricos realistas,
Do ponto de vista das interpretações,
mas de elementos menos tangíveis
houve
um
e não limitados pelas fronteiras,
acréscimos. De acordo com Simon
como a cultura de um povo ou a
Dalby
questão ambiental (Buzan, 2007 apud
perspectiva da segurança nacional,
Rodrigues, 2012; 10).
o objeto da segurança (aquilo que
e
deslocamento
Florian
com
Hoffmann,
“na
Segundo Barry Buzan “a segurança
ameaça) são outros Estados (ameaças
das coletividades humanas é afetada
exteriores e bem definidas do ponto
por fatores em cinco grandes setores:
de
militar, político, econômico, societal e
sujeito da segurança (o que deve
ambiental” (Idem). A segurança militar
ser protegido) é o Estado (em sua
corresponde à inter-relação entre “as
sobrevivência e integridade como ente
capacidades ofensivas e defensivas dos
soberano). Após a Guerra Fria, no
Estados, e a percepção de um Estado
entanto, o objeto da segurança teria
das intenções dos outros” (Idem); a
passado a ser as ameaças internas e
segurança política estaria relacionada
transnacionais; enquanto o sujeito da
à estabilidade das instituições políticas
segurança seria a população civil”
e
(apud Rodrigues, 2012: 13-14).
sua
legitimidade;
a
segurança
vista
jurídico-político);
já
o
econômica seria a garantia de acesso
Desse modo, a análise histórico-
aos recursos naturais, industriais e
política realizada por Michel Foucault
financeiros que sustentariam níveis
sinaliza para uma transformação da
de
a
biopolítica e torna este conceito ainda
manutenção das instituições estatais
mais pertinente para o estudo das
(incluindo as forças coercitivas e
relações internacionais e a segurança.
de
A biopolítica é uma prática das
bem-estar
defesa);
à
a
população
segurança
e
societal,
mais abstrata, seria a preservação de
relações
condições para o desenvolvimento
homem-espécie,
dos elementos identitários nacionais
população em seu território com
(língua, costumes, religião); por fim,
amplas
a
implicaria
Porém, entre a segunda metade do
a “manutenção da biosfera local e
século XX e início do XXI, surge
planetária como o suporte essencial
um maior ativismo e a convocação à
do qual todas as outras iniciativas
participação de pessoas, organizações
humanas dependem” (Ibidem).
e Estados em relação com o meio,
segurança
ambiental
de
governo
técnicas
dirigida
ao
governando-se
a
de
segurança.
ecopolítica, 8: jan-abr, 2014
Políticas de segurança da União Europeia..., 80-84
81
evidenciando um dos indícios da
defendia
o
transformação da biopolítica e o
econômico e social sustentável como
momento em que o meio ambiente,
a única forma de assegurar que os
em escala planetária, tornou-se um
direitos humanos fossem respeitados.
dispositivo (Carneiro, 2012: 7-8). Os
Foi com o documento de 2003,
dispositivos diplomático-militares já
intitulado
não são suficientes para o controle
em um Mundo Melhor: Estratégia
da população e o meio em escala
Europeia de Segurança”, elaborado
planetária.
pelo então Alto Representante para
Foi
a
partir
do
relatório
do
“Uma
desenvolvimento
Europa
Segura
a Política Externa e de Segurança
Programa das Nações Unidas para o
Comum,
Desenvolvimento (PNUD), de 1994,
principais ameaças à União Europeia
que se passou a adotar a noção de
foram apontadas. Entre elas estão
segurança humana pelos Estados, onde
as mudanças climáticas como fonte
haveria maior ênfase na segurança
de futuros conflitos provocados por
da população do que na segurança
pressões migratórias e as possíveis
territorial, ocorrendo um deslocamento
rivalidades entre Estados por conta
da segurança exclusivamente militar
do acesso a recursos naturais e
para uma segurança agenciada pelo
energéticos que rareiam. Segundo
desenvolvimento humano sustentável.
Barbosa e Souza (2010), essa foi,
O conceito de segurança humana,
também uma das primeiras tentativas
dessa maneira, proposto pelo relatório
de securitização do clima, por se
do PNUD e interiorizado no de
tratar de uma preocupação contínua
desenvolvimento sustentável articula
relacionada com o terrorismo e a
sete dimensões de segurança: pessoal,
imigração ilegal.
política,
econômica,
comunitária,
sanitária, alimentar e ambiental.
Javier
Solana,
que
as
As mudanças climáticas só seriam
definitivamente integradas à política
A partir do relatório do PNUD,
de segurança europeia em 2008, com
a ONU deveria reconhecer e validar
o “Relatório sobre a Execução da
as funções tradicionais de segurança
Estratégia Europeia de Segurança”,
e, também, assegurar as condições
cuja proposta é incorporar ameaças
de
o
mais complexas, como o aquecimento
desenvolvimento necessário. Segundo
global e a degradação ambiental, que
Rodrigues
estariam mudando a face do planeta
segurança
necessárias
(2012),
o
para
documento
ecopolítica, 8: jan-abr, 2014
Políticas de segurança da União Europeia..., 80-84
82
e ameaçando a pretensa estabilidade
sustentável na gestão não só do meio
da UE. Foi também neste relatório
ambiente como dos mais variados
que a União Europeia passou a
ambientes.
adotar, explicitamente, o conceito
O documento “Estratégia Europeia
de segurança humana. Javier Solana
de Segurança”, de 2003, já colocava
(2008) afirma que a União Europeia
a competição por recursos naturais –
tem
da
em especial a água – como fonte de
da
maiores conturbações e iniciadora de
redução da pobreza e desigualdade,
movimentos de migração em várias
promovendo a boa governança e os
regiões nas próximas décadas. O
Direitos Humanos, e aponta para a
Relatório de 2008, além de enfatizar
necessidade de uma ação cada vez
a competição por recursos, salienta
mais coerente com o conceito de
que a União Europeia considera os
segurança humana.
desastres naturais e a degradação
contribuído
segurança
para
humana
criação
através
Dalby ressalta haver uma relação
ambiental como possíveis geradores de
explícita e evidente entre direitos
conflitos, que trariam consequências
humanos e segurança humana, mas
humanitárias,
que a produção desse conceito, na
segurança, migração e disputas por
década de 1990, não seria possível
rotas comerciais e zonas marítimas.
sem a definição de um problema
dimensionado
política,
As novas ameaças impulsionam
a implantação de novas medidas de
segurança: a degradação ambiental
intervenção em nome da segurança,
como potencial geradora de conflitos.
e
A
todas as esferas sociais. Com as
dos
questão
saúde,
de
segurança
como
de
Estados
seria
esse
discurso
amplia
estratégias
relacionados às mudanças climáticas,
descentralizadas,
como “convulsões sociais, guerras
multiplicadas, a segurança deixa de
civis,
crises
ser, exclusivamente, o controle das
humanitárias e, possivelmente, guerras
forças armadas pelo Estado, e as
entre
políticas de segurança se ampliam
Estados”
migratórias,
(apud
Rodrigues,
2012: 21). Deste modo, segurança
coerentemente
climática
humana.
e
segurança
humana
segurança
em
continuamente impactada por conflitos
pressões
de
se
delimitadas
com
a
sendo
e
segurança
estariam diretamente conectadas para
Essa tentativa de securitizar tudo
as garantias de um desenvolvimento
o que é uma possível ameaça aponta
ecopolítica, 8: jan-abr, 2014
Políticas de segurança da União Europeia..., 80-84
83
para a emergência da ecopolítica.
A biopolítica, com suas normas e
disciplinas voltadas para o corpoespécie, não desaparece, mas vai se
transformando na ecopolítica, uma
governamentalidade
do
ambiente,
onde todos devem cooperar pelas
melhorias e tudo deve ser assegurado.
As
securitizações
são
produzidas
visando à continuidade das economias
de um capitalismo, agora sustentável,
que se diz em busca de um mundo
melhor.
Bibliografia
BARBOSA,
Luciana
Mendes;
SOUZA, Matilde de. Securitização
das mudanças climáticas: o papel
da
União
Europeia.
Contexto
Internacional, Rio de Janeiro, vol.
32, n 1, jan. – jun. 2010.
CARNEIRO, Beatriz Scigliano. A
construção do dispositivo meio-
ambiente. Revista Ecopolítica, São
Paulo, n. 4, p. 5-18, set – dez 2012.
Disponível em: < http://revistas.
pucsp.br/index.php/ecopolitica/article/
view/13057/9560>.
SOLANA, Javier. “A Secure Europe
in a Better World: European Security
Strategy”. Brussel: 2003.
SOLANA, Javier. Report on the
Implementation of the European
Security Strategy – Providing Security
in a Changing World. Brussel:
2008. Disponível em: <http://www.
pucsp.br/ecopolitica/downloads/
implementations_european_security_
strat egy_2008.pdf>.
RODRIGUES, Thiago. Segurança
Planetária: entre o climático e o
humano. Revista Ecopolítica, São
Paulo, n. 3, p. 5-41, mai. – ago.
2012. Disponível em: < http://revistas.
pucsp.br/index.php/ecopolitica/article/
view/11385/8298>.
XAVIER, Ana Isabel. De Maastricht a
Lisboa: a União Europeia actor global
de segurança e defesa. Periódico do
CIEDA e do CEIS20, nº6. 2012.
Disponível em: < Disponível em:
<http://www.europe-direct-aveiro.
aeva.eu/debatereuropa/>. Acesso em:
11 de junho de 2013.
ecopolítica, 8: jan-abr, 2014
Políticas de segurança da União Europeia..., 80-84
84
Download