Redução da sobretaxa de IRS fica dependente da receita fiscal

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ID: 56133961
OE 2015
13-10-2014
Tiragem: 36230
Pág: 2
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,75 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 6
Redução
da sobretaxa
de IRS fica
dependente
da receita
fiscal
Acordo sobre Orçamento remete a
moderação fiscal para depois das
eleições. Portugueses só vão sentir alívio
em 2016. PS é chamado a dar contributos
Leonete Botelho
e Sofia Rodrigues
uma solução de compromisso: o
Orçamento do Estado (OE) para
2015 compromete-se a descer a
sobretaxa de IRS mas não fixa
uma percentagem para tal. Essa
medida vai ser determinada em
função do aumento das receitas fiscais,
quer pelo crescimento da economia,
quer pelo combate à evasão fiscal. Mas
os contribuintes só o sentirão no bolso
em 2016. Todos os ganhos que forem
obtidos ficam consignados à redução
da sobretaxa, apurou o PÚBLICO junto
de fonte governamental. No limite,
a sobretaxa poderá desaparecer
totalmente ao longo de 2015, mas só
no final do ano as contas serão feitas e
será determinado qual a percentagem
de redução.
Para os contribuintes, nada muda
É
em matéria de sobretaxa, ao longo de
2015. Apenas serão informados trimestralmente da evolução da receita
fiscal. A devolução da percentagem
apurada no final do ano será feita
através de uma dedução à colecta ao
rendimento anual no momento do
acerto de contas com o contribuinte, em meados de 2016. Esta solução
intermédia concretiza o pré-acordo
que já existia entre Passos Coelho e
Paulo Portas desde o Verão no sentido
de fazer depender o alívio fiscal da
eficiência orçamental. Mas acaba por
remeter a pretendida “moderação fiscal” para um momento posterior às
eleições legislativas.
Permitirá ao Governo comprometer-se com uma (previsível) redução
da sobretaxa, ao mesmo tempo que
tentará trazer o PS para um compromisso no combate à evasão fiscal e
à economia paralela. Aliás, haverá
no pacote da reforma do IRS novas
medidas para travar a fuga ao fisco e
alargar a base tributária — objectivos
que dificilmente algum partido poderá contestar. Outro argumento que
pesou decisivamente nesta opção: dificilmente Bruxelas aceitaria mexidas
na sobretaxa, ao mesmo tempo que
se negoceiam as metas do défice.
O OE para 2015 consagrará, explicitamente, o princípio do desagravamento fiscal, que não se limita à
redução da sobretaxa. Fechados estão também a descida de dois pontos
percentuais no IRC, o alargamento
da insenção do IMI para cerca de 50
mil famílias, a fiscalidade verde e um
quociente familiar em sede de IRS. Já
no Conselho de Ministros de quintafeira deverá ser debatida a proposta
do quociente familiar (que tem em
conta o número de descendentes e
ascendentes a cargo) e o diploma da
fiscalidade verde. O Governo está
disponível para acolher contributos
A devolução da
percentagem
apurada no final
do ano será feita
através de uma
dedução à colecta
em 2016
da oposição, designadamente do PS,
sobre os dois diplomas de forma a colocá-los posteriormente no OE.
Apesar de não conseguir determinar já em 2015 uma redução efectiva
da sobretaxa do IRS, o CDS considera
que a solução encontrada é bastante
razoável e até elimina o argumento
do eleitoralismo. Fonte centrista lembra que até agora os ganhos da receita
fiscal eram sempre absorvidos pela
despesa e que, no futuro, vão reverter para o contribuinte. Uma alteração estrutural a que os centristas dão
significado. E embora admitam que a
solução encontrada é menos imediata, também sabem que pode ter um
efeito mais amplo pois, no limite, a
sobretaxa pode desaparecer.
Receitas têm disparado
O Governo prevê para este ano arrecadar 36.981,8 milhões de euros com
impostos. A estimativa constava no
OE rectificativo, entregue no final de
Agosto. Serão mais 708,9 milhões de
euros do que o valor arrecadado em
2013, com o crescimento a ser suportado pelo IVA e pelo IRS.
Em termos percentuais, a diferença
é de 2%, mas se desta comparação for
retirado o perdão fiscal lançado na
recta final de 2013 (uma medida pontual que valeu aos cofres do Estado
1045 milhões de euros), o crescimen-
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13-10-2014
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870 37
Passos Coelho
e Maria Luís
Albuquerque,
do lado do PSD,
e Paulo Portas,
do lado do CDS,
conseguiram
chegar a um
acordo sobre
os impostos
milhões de euros é o acréscimo
do encaixe com IRS que entrou
nos cofres do Estado nos
primeiros oito meses de 2014
mil milhões de euros é o valor
aproximado que o Governo
prevê arrecadar com receitas
fiscais este ano
ENRIC VIVES-RUBIO
No seu primeiro OE sem troika, Governo
deixa o défice nas mãos da economia
Sérgio Aníbal
Sem cortes nas pensões e
nos salários, Governo quer
colocar o défice em 2,5%.
A ajuda da economia é a
grande esperança
O
to da receita é de 5%. Ou seja, 1753,9
milhões em termos absolutos.
Dos 36.981,8 milhões de euros previstos para este ano, 12.741,9 milhões
dizem respeito a IRS, o que significa
um crescimento de 430,4 milhões em
2013. Já em termos de IVA é estimada
uma receita de 13.889,6 milhões de
euros, uma subida de 640,5 milhões.
Trata-se de uma diferença na ordem
dos mil milhões, mitigada, no entanto, pela redução da receita com o IRC
e com o Imposto do Selo.
A execução orçamental até Agosto
revelou um aumento de 1690,2 milhões de euros nas receitas fiscais face
ao mesmo período do ano passado.
Um aumento suportado, em grande
parte, pela subida do encaixe com o
IRS, através do qual entraram para os
cofres do Estado mais 869,1 milhões
de euros do que nos primeiros oito
meses de 2013. com Pedro Crisóstomo e Raquel Almeida Correia
Orçamento do Estado
(OE) para 2015 será o
p r i m e i ro qu e P a s s o s
Coelho apresenta sem a
troika e o último antes
de ir novamente a votos.
Coincidência ou não, será também o
orçamento em que o Governo menos
aposta em medidas de austeridade e
em que mais confia no crescimento
da economia para cumprir a meta do
défice. Mas subsiste a dúvida sobre
se será possível, com reduções nos
impostos e com o alívio de alguns
dos cortes nas pensões e salários
actualmente em vigor, chegar ao final
de 2015 com um défice de 2,5%.
O problema é que, entre o défice
de 4% do PIB que o executivo diz que
será atingido este ano (sem contar
com todas as medidas temporárias
e excepcionais) e o défice de 2,5%
com que o Governo se comprometeu junto da troika para 2015, existe
uma diferença substancial de 2500
milhões de euros. Como é que será
possível anulá-la?
“O objectivo de 2,5% é simultaneamente indesejável e irrealista”, afirma Paulo Trigo Pereira, professor do
ISEG e especialista em finanças públicas, que diz não ver, nem do lado
da despesa, nem do lado da receita,
“grande margem para ganhos significativos”. Defende por isso que, “pelo
menos, o Governo deveria apontar
para um défice de 2,9%, que seria um
pouco mais viável e ainda estaria dentro do que são as regras europeias”.
Quando apresentou o Documento de Estratégia Orçamental (DEO)
no passado mês de Abril, o Governo
traçou a sua estratégia para o orçamento do próximo ano. Nessa altura, calculava que o défice de 2,5%
seria atingido graças a uma combinação de dois principais factores: o
efeito positivo do crescimento económico que cortaria o défice em 0,8
pontos percentuais; e medidas de
consolidação também no valor de
0,8 pontos percentuais. As medidas
planeadas ascendiam a 1378 milhões
de euros. O problema é que se verifica que uma boa parte delas não
estão anunciadas com um grau de
detalhe que garanta para já a sua
concretização.
Por exemplo, 537 milhões são poupanças programadas pelo Governo
com os consumos intermédios, incluindo medidas descritas como “redução de despesa relativa a estudos,
pareceres, projectos e consultoria”
ou “outras medidas sectoriais”. Em
anteriores orçamentos, a redução da
despesa com consumos intermédios
acabou por gerar resultados inferiores aos esperados inicialmente.
E depois, várias outras medidas
deixaram de estar actuais tendo em
conta o impacto das várias decisões
do Tribunal Constitucional. Por exemplo, o Governo esperava tomar medidas que conduzissem a um corte das
despesas com pessoal de 187 milhões
de euros, compensando a devolução
de 20% do valor do corte salarial. Mas
essas contas foram feitas antes de o
executivo ser forçado já na segunda
metade deste ano a suavizar de forma significativa os cortes impostos
aos funcionários públicos. As contas
se forem agora reformuladas podem
apagar os ganhos programados.
O mesmo acontece com as pensões. No DEO, o Governo calculava
que perderia 660 milhões com a extinção da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, mas que tal seria
compensado com mais 372 milhões
da contribuição de sustentabilidade,
mais 150 milhões do aumento do IVA
em 0,25 pontos percentuais e mais
100 milhões de aumento das contribuições sociais dos trabalhadores. No
entanto, todas estas medidas de compensação foram anuladas na sequência do chumbo do Constitucional.
Com todas estas alterações, os 0,8
pontos percentuais que o Governo
contava reduzir no défice através da
aplicação de medidas de consolidação orçamental parecem estar agora
em causa. “O que está no DEO relativamente aos cortes de despesa com
pessoal é completamente inverosímil”, diz Paulo Trigo Pereira.
Subir Lall era o chefe de missão
da troika em Portugal
Se não forem apresentadas outras
medidas, o que resta ao Governo se
quiser continuar a inscrever uma meta de défice de 2,5% é esperar que
a economia ajude com mais do que
os 0,8 pontos percentuais que eram
previstos no DEO.
Nesse documento, a previsão de
crescimento da economia para 2015
era de 1,5%. Essa projecção ainda
não foi revista pelo Governo e o FMI
voltou a reafirmá-la nas previsões
divulgadas na semana passada. Não
existem motivos para esperar que na
proposta de OE surja uma revisão em
alta das estimativas de crescimento.
Pelo contrário, a conjuntura económica europeia aconselha mesmo a ter
mais prudência em relação ao andamento da economia em 2015.
Ainda assim, há um factor que pode ajudar o Governo a estar mais optimista em relação ao contributo da
economia para a redução do défice.
É o facto de o padrão de crescimento
da economia portuguesa estar nos últimos meses cada vez mais centrado
na procura interna. Em 2014, a variação do PIB manteve-se próximo da
estimativa inicial de 1,2% porque uma
aceleração do consumo compensou
o abrandamento do contributo da
procura externa líquida.
Este tipo de crescimento é visto
como menos saudável por muitos
economistas, mas também é ver-
dade que mais consumo (em vez
de mais exportações) representam
uma ajuda para as receitas fiscais.
Por exemplo, a venda de um automóvel produzido no estrangeiro,
apesar de pouco contribuir para o
crescimento da economia, porque
quase todo o acréscimo no consumo
é anulado pelo valor da importação,
acaba por representar uma receita
fiscal importante para o Estado.
Foi assim que em 2014 o Governo
conseguiu controlar o valor do défice.
No OE rectificativo, o Executivo assumiu que a subida da despesa para
um valor acima do planeado foi compensada por um acréscimo da receita fiscal resultante da aceleração do
consumo. Sem vontade para tomar
medidas muito agressivas de corte de
despesa, o Governo pode sentir-se
tentado a contar com o mesmo tipo
de efeito positivo trazido pela economia no decorrer de 2015.
Trigo Pereira avisa que essa é uma
estratégia com riscos. “Pode vir alguma ajuda da economia, mas pareceme que não será suficiente para chegar aos 2,5%. Além disso, a execução
orçamental fica dependente daquilo
que forem os objectivos para o défice
dos principais parceiros comerciais e
do que acontecer na economia desses
países, que é algo que nos ultrapassa
completamente”, afirma.
Os incentivos que o Governo tem
por optar por um orçamento que corta o défice em 1,5 pontos com base
fundamentalmente na economia são
contudo bastante fortes. A realização
de eleições não aconselha à adopção
de mais medidas de austeridade e o
executivo tem como objectivo apresentar um último orçamento que tenha fortes possibilidades de escapar
ileso a mais uma análise do Tribunal
Constitucional. É por isso que, tanto
ao nível das pensões como dos salários no Estado, a proposta orçamental parece seguir aquilo que resulta
dos últimos acórdãos do tribunal.
Se os riscos negativos na economia
se concretizarem e a ajuda esperada
pelo Governo não chegar, a solução,
se a Europa voltar a forçar o cumprimento das metas, poderá ser aplicar
novas medidas. Mas essa tarefa pode
ter já de ficar para o Governo que sair
das eleições.
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RUI GAUDÊNCIO
NUNO FERREIRA SANTOS
Fotolegenda Os três orçamentos do Governo de Passos Coelho
euros e quem ganhasse entre
485 e 1000 sofria um corte
progressivo. Foram também
decididos novos limites para
as deduções no IRS para
despesas de saúde, educação
e habitação. Os escalões mais
elevados deixaram de ter
direito a estas deduções. No
plano laboral, o pagamento das
horas extras caiu para metade.
Numa medida muito contestada
pelo sector, o Governo decidiu
também subir para 23% o IVA da
restauração, dos refrigerantes e
dos produtos congelados.
NUNO FERREIRA SANTOS
OE 2012 O primeiro Orçamento
do Estado apresentado por
Pedro Passos Coelho trouxe os
cortes de subsídios de férias e
de Natal para os funcionários
públicos. O corte era total
para os trabalhadores com
salários brutos acima dos 1000
OE 2013 Em Outubro de 2012,
Vítor Gaspar anunciou o
famoso “enorme aumento de
impostos”. O Orçamento do
Estado reduziu o número de
escalões de IRS de oito para
cinco. As taxas passaram a
oscilar entre 14,5%, para os
rendimentos anuais até sete
mil euros, e 48%, no caso dos
rendimentos superiores a 80 mil
euros. Todos os contribuintes
passariam ainda a pagar uma
taxa extraordinária de 4%, que
acabou por ser reduzida no
Parlamento para 3,5%.
OE 2014 No primeiro
Orçamento de Maria Luís
Albuquerque enquanto ministra
das Finanças, os funcionários
públicos voltaram a sofrer
um corte salarial, mas ainda
mais agravado. As reduções
passaram a ir de 2,5% a 12% para
os salários brutos entre os 600
e os 2000 euros e de 12% para
os salários a partir deste valor.
O Tribunal Constitucional viria
a chumbar esta medida e os
cortes regressaram ao regime
que tinha sido decidido pelo
Governo de José Sócrates. Aos
pensionistas que acumulavam
pensões num valor superior a
2000 euros, foram aplicados
cortes nas pensões de
sobrevivência, que são pagas
a familiares de uma pessoa
falecida.
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OE 2015
Três orçamentos muito duros
que deixam poucas saudades (2)
Dez pessoas de diversas áreas profissionais e com diferentes situações laborais contaram ao PÚBLICO
como (sobre)viveram nos três últimos anos de austeridade. Estes são os últimos quatro testemunhos
NUNO FERREIRA SANTOS
U
m reformado, uma
funcionária pública, uma
trabalhadora do sector
privado que ganha o salário
mínimo e um artista, no
caso músico. Contam o
que mudou com os últimos três
orçamentos.
”É fácil atacar os
reformados. Se fizerem
greve, não há problema”
António Correia, 69 anos
Cascais
Considera que teve uma vida profissional “estimulante” e “intensa” e só
se reformou em 2008, aos 63 anos,
por uma razão: “Fiz simulações e
constatei, face à fórmula de cálculo que estava em vigor, que quanto
mais tempo ficasse a trabalhar piores
seriam as condições para me reformar.” António Correia, hoje com 69,
é economista, ex-funcionário numa
empresa privada do sector da construção. Quando se lhe pede um testemunho sobre como viu a sua vida
afectada pela austeridade dos últimos Orçamentos de Estado, apresenta gráficos de barras e cálculos.
Vício profissional, provavelmente.
Contas, então: do último salário que recebeu, em Dezembro de
2008, para o primeiro mês de reforma, em Janeiro de 2009, viu o seu
rendimento baixar 33%. É mau, mas
com isso contava; o que não podia
prever era o resto — cresceu e envelheceu a pensar que a pensão, para
a qual contribuiria com 44 anos de
descontos, era uma coisa garantida,
“como um depósito no banco, uma
propriedade”.
O valor líquido da sua pensão baixou todos os anos — primeiro pouquinho (menos 2% num ano, menos
3% noutro), mas em 2013 já recebia
António Correia perdeu 33% do rendimento com passagem à reforma, sem contar com o que veio depois
apenas 81% do que em Janeiro de
2009. E isto tendo em conta, apenas, sublinha, “a conjugação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade com a sobretaxa do IRS”.
Claro que há casos piores, diz
António, um dos dinamizadores do
núcleo da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados em
Cascais. Prefere não revelar o valor
da sua reforma, mas diz que, tendo
sido obrigado a readaptar a sua vida
— “travão a fundo nos jantares fora, na compra de livros, nos fins-desemana, nas férias...” —, não passa
dificuldades. “Adaptei-me.” Mas diz
que conhece quem se revolte por,
ao fim de uma vida de trabalho, não
conseguir manter um padrão com o
qual contava.
“Quando uma pessoa pede a reforma, os encargos mantêm-se, ao
contrário do que por vezes se pensa:
há que pagar a habitação, os transportes, a saúde — e com a idade é natural que os gastos com a saúde aumentem. E, por vezes, é ainda preciso dar apoio aos filhos e aos netos.”
O suposto fim da CES de que se
tem falado, para 2015, alivia-o. Mas
na verdade defende mais: o fim da sobretaxa do IRS. Teme, contudo, que
os reformados continuem a ser um
alvo. “Atacar os reformados é o mais
fácil. Se fizerem greve, não há problema nenhum.” Andreia Sanches
A funcionária pública não
vê isto risonho, mas não se
deixa vencer
Mariana Vieira, 55 anos
Almada
Na casa de Mariana Vieira vivem dois
funcionários públicos. Têm sentido
na pele, como a maioria dos portugueses, o aumento da carga fiscal,
a que somam os cortes impostos à
função pública desde 2011. Com um
salário abaixo dos 1500 euros brutos,
Mariana ficou a salvo dos cortes nas
remunerações, mas o marido, que é
guarda prisional, estima que tenha
perdido à volta de 300 euros por mês.
De 2012 para cá teve de ajustar a
sua vida ao rendimento disponível. A
viver em Almada, o carro passou a ficar à porta e, durante a semana, usa
os transportes públicos. Com uma
doença crónica, Mariana conta que
perdeu a isenção nos hospitais públicos, mas, como tem ADSE (o subsistema de saúde da função pública),
passou a utilizar os serviços particulares, embora muitos dos exames
não sejam comparticipados.
Para fazer face aos últimos três
anos, decidiu arrendar a casa que tinha no Ribatejo, aonde ia ao fim-desemana e nas férias. Na mercearia,
em vez de um quilo, passou a trazer
apenas três ou quatro maçãs.
Mas não são estes ajustamentos
na sua vida que a revoltam. “Não
me deixo vencer, mas sei que provavelmente o futuro não é risonho”,
diz pelo telefone. O que a preocupa
“é ver que o país está pior e sem
rumo”. Como trabalha num serviço
da Segurança Social, tem uma percepção muito próxima da realidade
e dos problemas, que vê com uma
dimensão que nunca imaginou possível. É por isso que não estranha
que muitos jovens e “menos jovens”
tenham de sair do país, como aconteceu com a filha, que entretanto regressou, mas deixou o marido no
estrangeiro.
Critica o estado a que a administração pública chegou e que desanima os funcionários. Acha que o
Governo devia ter investido numa
reforma séria do Estado, “em vez de
ter posto os trabalhadores a pagar,
do seu bolso”, as ineficiências e os
erros. No caso da Segurança Social,
receia que as anunciadas reestruturações tragam más notícias. Apreensiva quanto ao próximo ano? “Já
estou numa idade em que estou por
tudo. Mas coisa boa não vem aí”,
responde. Raquel Martins
ID: 56133961
13-10-2014
atribuiu a esta situação “pressões
para aumentar a produtividade”.
“Até um micro-ondas para aquecer as marmitas pagámos do nosso
bolso, porque ninguém quer confrontos com o patrão”, lamenta.
Romana Borja-Santos
Apesar dos mais de 40 anos
de trabalho, no final no mês
recebe o salário mínimo
Júlia Araújo, 51 anos
S. Mamede de Infesta, Matosinhos
Júlia Araújo tem 51 anos e trabalha
desde os onze. Já foi ama e empregada doméstica, mas é sobretudo em
fábricas que tem trabalhado. “Estou
há 26 anos numa confecção de lingerie em Ermesinde. Sou revistadeira,
ou seja, quando as peças vêm das
costureiras, vejo se está tudo bem
e se pode ser embalado, para não
chegar com defeitos às clientes”.
Na prática, certifica a qualidade do
produto, “mas o contrato é de revistadeira, para o salário ser mais
baixo”, explica. Apesar dos mais
de 40 anos de actividade, no final
no mês recebe o ordenado mínimo.
Pela primeira vez, no final de Outubro, com o aumento de 20 euros,
receberá mais de 500 euros.
Para Júlia, os cortes dos últimos
três anos não trouxeram impactos
directos no seu rendimento, mas o
desemprego temporário do marido e os trabalhos precários do filho
“pesam” no orçamento da família.
“Era uma firma que pagava acima da
média, mas depois nunca mais houve aumentos. Posso até dizer que há
dez anos recebia mais. Agora não
pagam horas extraordinárias e os
sábados já não são pagos a triplicar.
Isso fazia muita diferença e dava-nos
outro ânimo”, conta.
Já o ambiente de trabalho, esse,
sim, foi afectado. Júlia nunca se
atrasou na chegada à fábrica e sabe
que, se isso acontecer, há um preço.
“Se me atrasar um minuto que seja
a passar o cartão às 8h, tiram-nos
logo os 3,25 euros de subsídio de
alimentação, e isso faz muita diferença”, conta.
O sentimento é geral, mas o medo de perder o trabalho “não permite a união” com as colegas, diz.
“As pessoas agora metem o rabinho entre as pernas e fazem tudo
o que o patrão quer. Temos medo
de ir para o desemprego”, explica
a também delegada sindical, que
Sendo músico e
trabalhador a recibos
verdes, já estava preparado
Hélio Morais, 34 anos
Lisboa
Baterista nas bandas Linda Martini
e PAUS, igualmente agente destes
últimos, dos Capitão Fausto, You
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Can’t Win Charlie Brown e do guitarrista Filho da Mãe, confessa ter
tido sorte. “É estranho, mas tenho
vivido melhor nestes anos de austeridade. Foi uma feliz coincidência”.
É a consequência de os últimos anos
terem sido aqueles em que os Linda
Martini se tornaram uma das mais
celebradas bandas nacionais e os
PAUS um fenómeno. Porém, para
“outros músicos, artistas plásticos,
amigos ligados ao cinema, a situação
é desesperante”. Com o tempo dividido entre os ensaios, as gravações,
os concertos e a actividade de agente, sabe que tirar férias é uma impossibilidade (“consigo gerir o tempo
para tirar uma manhã, por exemplo,
mas mais que isso é complicado”). E
desde que percebeu que, afinal, era
possível viver da música, aprendeu
a organizar-se. “Tive mesmo que
aprender a disciplinar as finanças,
porque o dinheiro que tenho no
final de Outubro tem que dar até
Março” (no período intermédio rareiam os concertos, as digressões, os
festivais). Teve que aprender mais:
“A ser ágil e muito conhecedor da
legislação, caso contrário estamos
constantemente a ser enganados pelo Estado”. Trabalhador a recibos
verdes, queixa-se do “absurdo” de
“uma taxa fixa” a ser paga mesmo
em meses em que os rendimentos
são inexistentes.
Enquanto músico, enquanto trabalhador a recibos verdes, austeridade era palavra já conhecida antes
de se tornar oficial. Mário Lopes
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Corte: 6 de 6
Sobretaxa do IRS só
desce em 2016 e se as
receitas fiscais ajudarem
Acordo sobre Orçamento do Estado remete a moderação fiscal para
depois das eleições. Portugueses só vão sentir o alívio em 2016 e mesmo
assim não é garantido. PS convidado para um compromisso Destaque, 2 a 7
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