O DIREITO À VISITA ÍNTIMA PARA CASAIS HOMOAFETIVOS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO Carla Beatriz Corrêa Ramos Antunes1 Vinícius Abdala Gonçalves2 RESUMO É notável a existência de inúmeras falhas em quaisquer setores administrativos brasileiros, e não há diferença no que tange ao sistema penitenciário. Vivemos novos tempos, que deveriam, por lei, assegurar ao cidadão brasileiro seus direitos isonômicos e igualitários, mas isso não ocorre de fato. Os casais homoafetivos continuam a sofrer preconceito e discriminação, o que não é diferente no sistema carcerário, no interior da maioria dos presídios brasileiros, onde não lhes é assegurado o direito a visitas íntimas de seus companheiros. Justamente neste contexto, será desenvolvido o presente artigo com enfoque crítico sobre o instituto da visita íntima, mais especificadamente no que tange a visita íntima de casais homoafetivos. Desta forma, mais que discutir a permissibilidade ou não do referido instituto, será confrontado o postulado da igualdade frente ao que hoje se consegue denominar por puro e simples preconceito. Palavras-chave: Homoafetivos. Visita Íntima. Preconceito. Discriminação. Igualdade. ABSTRACT It is notable the existence of numerous failures in any Brazilian administrative sectors, and there is no difference regarding to the penitentiary system. We live in new times, which should, by law, ensure to the Brazilian citizen yours isonomic and egalitarian rights, but this is not in fact. The homoaffective couples continue to suffer prejudice and discrimination, which is not different in the prison system, inside of the majority of the Brazilian penitentiaries, where they are not guaranteed the right to conjugal visits of yours mates. Precisely in this context, we will develop the present paper with a critical focus on the doctrine of the conjugal visit, more specifically, with respect to the conjugal visit of homoaffective couples. So, more than discussing the permissibility or otherwise of the said doctrine, we will confront the principle of equality face to what today we call by pure and simple prejudice. Key words: Conjugal Visit. Homoaffective Relationship. Individual Rights and Guarantees. Execution of the Sentence. 1 Faculdade de Colíder (FACIDER), Colíder (MT). Acadêmica do curso de Direito. Endereço para correspondência: Avenida Senador Julio Campos, 995. Loteamento Trevo. Bairro: Centro. CEP: 78.500-000. Colíder – Mato Grosso, Brasil. 2 Faculdade de Colíder (FACIDER), Colíder (MT). Professor de Direito Processual Penal e Constitucional no curso de Direito. Mestrado em Ciências Criminais pela Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência: Av. Senador Julio Campos, 1036. Jardim Europa. CEP: 78.500-000. Colíder – Mato Grosso, Brasil. INTRODUÇÃO No ano de 1984, foi normatizado, a partir da promulgação da lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), o direito a visitas íntimas no Brasil que, após várias atualizações jurisprudenciais, estendeu-se às mulheres e aos homoafetivos. A visita íntima é apontada como fator conectivo do presidiário com o mundo exterior e teria como finalidade o incentivo para o cumprimento da pena e, passado este período, a reinserção social e familiar do mesmo. Porém, existe quem contrapõe-se a essa teoria, afirmando que tal fator seja uma regalia, incompatível com as condições do presidiário por ser um criminoso. Assim o sendo, este trabalho será desenvolvido, basicamente em três partes. Na primeira, será apresentado o instituto da visita íntima de forma pormenorizada, vez que entender o seu funcionamento é de suma importância para que o mesmo possa ser questionado. Não obstante será apresentado conceitualmente, de forma sintética, o que é entendido por homoafetividade ou, dita nas palavras de Oscar Wild, “o amor que não ousa dizer o nome“. Na segunda parte serão apresentados alguns princípios, garantias e postulados normativos, tendo como finalidade estudar o instituto da visita íntima com um enfoque constitucionalizado, haja vista que em um Estado dito Democrático de Direito, deve-se correlacionar toda e qualquer matéria, independente da área, ao que se denomina de “pedra mestre“ do ordenamento jurídico; qual seja a Constituição Federal. Na terceira parte, será confrontado, de forma crítica, o direito à visita íntima dos casais homoafetivos, frente aos já mencionados direitos fundamentais do ser humano. Em suma, as três partes estruturantes deste trabalho que se intercalarão para, ao final, chegar-se à resposta para a seguinte indagação: o instituto da visita íntima é um direito inerente a todo e qualquer ser humano encarcerado ou o mesmo deve ser colocado à disposição, única e exclusivamente, das pessoas que se relacionam com o sexo diferente? 1. O INSTITUTO DA VISITA ÍNTIMA E A HOMOSSEXUALIDADE A visita íntima é um instituto que permite ao preso manter algum contato com o mundo exterior, não deixando de ser responsabilizado por uma conduta cometida ilicitamente. Isso facilita o seu processo de reinserção na sociedade após cumprir sua pena, o que é de extrema importância para garantir que o mesmo não venha a cometer novos atos ilícitos, e que tenha compreendido o que fez anteriormente, e as consequências que isso acarretou. Manter o contato com sua família auxilia no processo de entendimento do que se cometera erroneamente Como dito por Rodrigo da Cunha Pereira, “a verdadeira liberdade e o ideal de Justiça estão naqueles ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que compreenda a essência da vida: dar e receber amor” (PEREIRA, 2003). 1.1 Histórico O direito reservado aos presidiários assegurados em relação ao contato íntimo com seu cônjuge ou companheiro é recente no ordenamento jurídico brasileiro. Regulamentado pela lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), o instituto da visita íntima, em seus primórdios, era apenas assegurada aos presidiários de sexo masculino. Mais tardiamente, estendeu-se também às mulheres. Anteriormente ao respectivo ano, as visitas íntimas ocorriam informalmente, com a montagem de barracas nos pátios das penitenciárias. Observe-se sua primeira redação: Art. 41 - Constituem direitos do preso: (...) X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em alguns dias determinados(...). O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) publicou em 30 de janeiro de 1999, em resolução número 1, a recomendação aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres que o direito à visita íntima fosse assegurado aos presidiários de ambos os sexos. Não sendo assegurado às mulheres da forma como fora previsto, no ano de 2011, através da Resolução de número 96 da Secretaria das Administrações Prisionais do Estado de São Paulo, este direito fora regulado, embasado no caput do artigo 5º da Constituição Federal. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). No dia 04 de julho de 2011, uma nova Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), do Ministério da Justiça, deu aos detentos homossexuais o direito a visitas íntimas nos presídios de todos o País. Em um trecho da resolução, tem-se que "o direito de visita íntima é, também, assegurado às pessoas presas casadas, em união estável ou em relação homo afetiva". As visitas foram asseguradas pelo menos uma vez por mês. Em regra, os parceiros devem ser registrados no órgão prisional para que possam ingressar nas unidades penitenciárias e apenas uma pessoa pode ser indicada para encontrar o parceiro na prisão. Os estabelecimentos penitenciários ficaram responsáveis pela promoção de esclarecimentos sobre doenças sexualmente transmissíveis e de providenciar locais devidos para os encontros. Esta decisão do Ministério da Justiça derrubou a Resolução nº 01/99 de 30 de março de 1999, publicada no Diário Oficial da União de 5 de abril de 1999, que omitia a recomendação sobre a visita íntima homossexual feita aos departamentos penitenciários estaduais. A medida ocorreu dois meses após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer a igualdade de direitos para a união homossexual. Com a decisão, casais homossexuais obtiveram direito à pensão, herança, compartilhamento de planos de saúde e possibilidade de adotar filhos. 1.2 Homossexualidade no Mundo A visão no que tange à homossexualidade no mundo evoluiu de acordo com a cultura de cada país. As diferenças nos direitos relativos a este âmbito estiveram presentes ao longo da história das civilizações humanas, persistindo até os tempos atuais. Alguns países, como a Arábia Saudita, criminalizaram a homossexualidade com a pena de morte; enquanto outros, como Espanha e Canadá, foram precursores na legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade foi, por muito tempo, considerada como uma doença; um distúrbio psicológico. Porém, atualmente, as principais organizações de saúde, incluindo as de psicologia, não mais assim a consideram. Em 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como doença pela Associação Americana de Psiquiatria, e dois anos depois, pela Associação Americana de Psicologia. No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Psicologia deixa de considerar a homossexualidade como um desvio sexual, estabelecendo, no ano de 1999, regras para a atuação dos profissionais da Psicologia em relação à questões de orientação sexual, em especial partindo do princípio que a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. De acordo com a edição 27, ano XII, de agosto de 1993, do Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 1985, anos antes, portanto, do CFP se pronunciar sobre o tema, o Conselho Federal de Medicina também passou a impedir a classificação da homossexualidade como desvio e transtorno sexual. Em 1990, nas leis orgânicas de 73 municípios e nas constituições dos Estados de Sergipe, Mato Grosso e Distrito Federal, foi incluída a expressa proibição de discriminar por orientação sexual. Por fim, no ano de 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos. O fato de o entendimento da homossexualidade ter sido revertido, e deixado de ser visto como uma doença, foi essencial para que vários países deixassem de punir pessoas homossexuais e passassem a garantir e assegurar às mesmas direitos familiares, como os de casais heterossexuais. 1.3 Homossexualidade no Brasil – Um Breve Resgate Histórico Mesmo antes da chegada dos colonizadores, o homossexualismo era largamente praticado pelos índios. Dentre eles pode-se estacar os Tupinambás, Guaranis, Bororos e Coerunas. Nesta última tribo, os curandeiros mais velhos, ao transarem com os curandeiros mais novos, passavam para estes seus ensinamentos (RODRIGUES, 2004). Entre os Tupinambás, os “afeminados” recebiam a denominação de tivira ou tibira, não sofrendo discriminação em virtude de sua orientação sexual, sendo somente discriminados quando não cumpriam com sua obrigação masculina de caça e guerra (RODRIGUES, 2004). Como o clima na Europa estava em desequilíbrio, os inquisidores da igreja católica, constatando que estavam perdendo muitos fiéis e perdendo sua hegemonia, resolveram catequizar os povos mais distantes, enviando para a América alguns missionários, sendo que a primeira expedição da Inquisição desembarcou na Bahia em 1584. Entre as várias pessoas que confessaram a sodomia, ironicamente, a primeira vítima - 29 de julho de 1591 - acusado de sodomia foi o padre Frutuoso Álvares, de 65 anos, seguido de Felipa dos Santos que foi severamente castigada. Felipa foi açoitada em público e expulsa da Bahia por prática de sodomia com outras mulheres (RODRIGUES, 2004). O relacionamento homossexual com escravos também era muito disseminado, principalmente porque em algumas tribos africanas – de onde vieram - tais atos eram tidos como sendo normais. É o caso, por exemplo, do Capitão José Lima Noronha Lobo – São João Del Rey – e de Diogo Botelho, que, entre 1602 e 1607, foi o primeiro governador e capitão geral do estado do Brasil. Este, tendo vários casos homossexuais, conforme registros da época. Aquele, admitindo um relacionamento de 18 anos com um escravo angolano de nome Antônio, tendo que sair às escondidas de casa por ser casado (RODRIGUES, 2004). De acordo com o antropólogo Luiz Mott – um dos fundadores do movimento gay no Brasil - que fez o levantamento de mais de 600 biografias de sodomitas, houve também denúncia de homossexuais durante o período da inquisição, de 1536 a 1821. 2. HOMOAFETIVIDADE Homoafetividade é a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo, que procuram reconhecer seus direitos pela formação de sua parceria através da lei. Indica a presença de um vínculo afetivo de pessoas que, apesar de serem do mesmo sexo, desejam unir suas vidas para formar uma família, não fugindo aos deveres instituídos à mesma, e também recebendo seus direitos. O termo “relação homo afetiva” foi criado pela jurista brasileira Maria Berenice Dias e reconhecido internacionalmente por sua defesa da família, da mulher e da sociedade. A referida autora transformou o que se entende por família ao incorporar a relação entre pessoas do mesmo sexo, baseadas também pela homoafetividade. Afirmado por ela, temse que nenhuma espécie de vínculo afetivo deixa de conferir o status de família, e que merecem a proteção do Estado, por conta da norma pétrea assegurada pela Constituição Federal que é o respeito à dignidade da pessoa humana. As primeiras alterações ao termo “homossexualismo” ocorreram devido a uma análise etimológica da palavra, visto que o sufixo “ismo” está ligado à doença. Então, passou-se a tratar como “homossexualidade”, termo que viria a sinalizar um determinado jeito de ser do indivíduo. Mesmo com esta primeira alteração, o repúdio social não cessou. O amor entre iguais continuou a ser visto com os olhos do inconformismo e do preconceito. Maria Berenice Dias criou, então, em sua obra “União Homossexual, o Preconceito e a Justiça”, de primeira edição datada no ano de 2000, o termo “homoafetividade”, que ganhou espaço entre outros idiomas, sendo incorporado às discussões sobre o assunto em todo o mundo. Já em 14 de março de 2001, o termo fora utilizado na primeira decisão judicial que reconheceu os direitos sucessórios ao parceiro sobrevivente. “Não há como deixar de reconhecer que a expressão homoafetividade” acabou por ser incorporada ao vocabulário jurídico. Passou-se, agora, a falar em filiação homo afetiva, e até a ser preconizado o surgimento de um novo ramo do Direito: Direito Homoafetivo, estando a surgir muitos escritórios especializados nesta área.” (DIAS, 2003, p.51) Como ela mesmo ressaltou, uma palavra não vai acabar com o preconceito, mas o mais importante é o fato de as uniões homoafetivas serem reconhecidas como vínculos afetivos e, a partir disso, serem inseridas no Direito das Famílias. Há, neste ponto, a visualização de uma nova face para a Justiça Brasileira. Uma Justiça que não faz distinção de seus constituintes, tal como trata em suas páginas escritas, tal como deve ser, de fato. 3. ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA COMO EMBASAMENTO TEÓRICO PARA UM MELHOR ENTENDIMENTO DO INSTITUTO DA VISITA ÍNTIMA A fim de promover a discussão sobre os direitos dos presos homoafetivos, fundamentam-se em princípios presentes na Legislação Brasileira, que embasaram indubitavelmente acerca dos mesmos. 3.1. Princípio da Igualdade A primórdio, fora tratado no campo do Direito Natural e inserido posteriormente nas normas do Direito Positivo, como instrumento de regulação social, e as maiores contribuições para a formação dos ideais igualitários vieram dos filósofos antigos e do cristianismo. O cristianismo proclamou a igualdade e a fraternidade, a atribuição dos mesmos direitos a todos os homens. Por sua vez, Aristóteles considerava que nem todos eram cidadãos, alegando que muitos não deveriam possuir nem exercer direitos. Acreditava que uns nasciam para mandar e outros para obedecer, e esta concepção fora também adquirida por Platão. Rousseau fora outro grande contribuinte do pensamento no que diz respeito à igualdade. Em seu “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”, de 1754, tratou de que a existência de uma desigualdade natural ou física e de outra moral ou política. A primeira levaria em conta sexo, idade, conformidade corporal e afins. A segunda, das diferenças entre as pessoas provindas do segmento material, do poder e do prestígio, do ato de alguns prevalecerem, por estes motivos, sobre as outras. Firmaram-se aqui os primeiros do que viria a ser a Teoria do Contrato Social. Em 1762, “O Contrato Social” se estabelecia configurado na formação da sociedade e tinha por finalidade conservar os direitos individuais de cada cidadão. Para Rousseau, as desigualdades existiam naturalmente, mas cabia ao Estado eliminar a pobreza extrema e a riqueza exacerbada, para tornar todos perfeitamente iguais. As teorias à respeito da igualdade continuaram a ser desenvolvidas. Pufendorf acreditava que o direito natural repousa na liberdade, igualdade e sociabilidade dos homens; e para Locke, o indivíduo possui direitos naturais inalienáveis e que não podem ser abdicados. A teoria de Locke, na época em que fora desenvolvida, fora considerada a que melhor garantia os direitos do homem, e o pensador ficou conhecido como pai espiritual da Declaração de Direitos de Virgínia, a primeira delas e precursora das demais, em 12 de junho de 1776. Em 1789, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da França apresentou em seu artigo 1º consignado que “todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos (...)”. Esta Declaração fora, talvez, a de maior repercussão, e ainda hoje exerce expressiva importância, principalmente pela inserção do princípio da igualdade e influência aos documentos de mesmo âmbito originados posteriormente. No Brasil, a Constituição do Império de 1824 já trazia alguns vestígios do princípio da igualdade em sua matéria. Comentado por Pimenta Bueno, sobre o texto constitucional de 1824, tem-se: “qualquer que seja a desigualdade natural ou casual dos indivíduos a todos os outros respeitos, há uma igualdade que jamais deve ser violada, e é a da lei, quer ela proteja, quer castigue, é a da justiça, que deve ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem preferência, ou parcialidade alguma” (PIMENTA BUENO, 1958, p. 412). A Constituição Federal Brasileira de 1988, em vigor até os dias atuais, prevê que todos os cidadãos devem ser tratados igualitariamente pela lei e, por esse motivo, tem incorporado em seu ordenamento o Princípio da Igualdade. Este existe com intuito de vedar as diferenciações, os tratamentos desiguais aos casos desiguais, de cessar o desrespeito, o preconceito e a discriminação, e há, ainda, a esperança de que possa ter uma maior eficácia social, e não permaneça apenas nos textos constitucionais. “Tal princípio tem em si incorporada a concepção da igualdade material, visando esta o acolhimento da adoção de medidas de discriminação positiva dirigidas a tornar a igualdade fática e real, de modo a que sejam plenamente alcançados os objetivos consignados no art.3º da Constituição Federal.” (NICZ, 2012) Seu objetivo primordial vem a ser valorizar de forma suprema a dignidade da pessoa humana e assegurar que a lei seja aplicada de forma igualitária, eliminando as diferenças que só existem na obscuridade do preconceito. 3.2. Postulado da Dignidade da Pessoa Humana A dignidade da pessoa humana é hoje um valor inerente e inseparável do Estado Democrático de Direito e serve como embasamento para o ordenamento jurídico dos países que adotam esta forma de governo. Tratar de dignidade é tratar de respeito aos aspectos peculiares à raça humana, valores pertencentes aos seres racionais, que têm capacidade de perceber o que o atinge, o que degrada seu ser. Immanuel Kant cita em uma de suas críticas um texto que auxilia muito no processo de discernimento do valor da dignidade da pessoa humana: “Que, na ordem dos fins, o homem (e com ele todo o ser racional) seja um fim em si mesmo, isto é, não possa nunca ser utilizado por alguém (nem mesmo por Deus) apenas como um meio, sem ao mesmo tempo ser um fim; que, portanto, a humanidade,em nossa pessoa, deve ser para nós sagrada, é a consequência disso, pois o homem é o sujeito da lei moral e, por conseguinte, também do que é santo em si, e em razão do qual se permite chamar santo a tudo o que com isso estiver em concordância” (KANT, 2003, p. 141). A dignidade não pode ser objeto de contrato, não pode ser cedida ou alienada. Ela não pertence à pessoa individualmente considerada. Provém deste ponto a importância da expressão pessoa humana, tendo a palavra humana também significado de humanidade. Em outras palavras, a dignidade em questão é um atributo de toda a humanidade, do ser humano considerado como espécie animal racional. Ainda nas palavras de Nelson Rosenvald: “A dignidade da pessoa humana indica que fazemos parte da Humanidade, de uma grande comunidade global” (ROSENVALD, Nelson, 2005, p. 19). Como postulado normativo, a dignidade da pessoa humana pode ser considerada em toda a estrutura normativa do Estado Brasileiro. A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Isto significa que todo o ordenamento jurídico brasileiro é orientado e tem de estar em consonância com o respeito ao valor dignidade da pessoa humana, sob pena de grave vício de inconstitucionalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A dignidade da pessoa humana é elemento fundamental do Estado Democrático de Direito e por isso não deve haver qualquer discriminação com base em escolhas que passem a caracterizar negativamente o indivíduo. Qualquer restrição à liberdade sexual do mesmo pode ser vista como desrespeito à pessoa humana quanto à sua orientação sexual e afetiva. Segundo Luís Roberto Barroso: "(…) as uniões homoafetivas são fatos lícitos e relativos à vida privada de cada um. O papel do Estado e do Direito, em relação a elas como a tudo mais, é o de respeitar a diversidade, fomentar a tolerância e contribuir para a superação do preconceito e da discriminação" (BARROSO, 2000). Para além disto, e embasado no princípio da igualdade, toda e qualquer pessoa humana tem direito a tratamento igualitário, independente de sua orientação sexual. “A discriminação por orientação sexual é um caso paradigmático de teste para a eficácia dos direitos fundamentais. Trata-se de hipótese de preconceito difuso por todas as categorias. Exige-se levar a sério princípios absolutamente fundamentais de liberdade e de igualdade que formam todos os regimes democráticos e que são desafiados por eles” (RIOS, 2002, p. 168). A sexualidade faz parte da natureza humana como algo elementar, e vai além do que se trata por dignidade da pessoa humana. A orientação sexual não permite restrições e a privacidade é um direito de todos. Se existe restrição a esse direito, passa a existir também uma afronta ao direito fundamental da liberdade. Ainda dentro desse âmbito, existe a relevância da proteção que o Estado tem por obrigação oferecer a todos, o que se tem pressuposto já no preâmbulo da Carta Constitucional, além da vedação da discriminação e dos preconceitos por motivos de origem, raça, idade ou sexo, e assegura os direitos da sociedade e do indivíduo, tais como a igualdade, a liberdade e a justiça. Portanto, de acordo com os princípios constitucionais e com os direitos inerentes aos presos e assegurados pela Lei de Execução Penal, é inconstitucional privar os presos homoafetivos, que provarem sua união, do instituto da visita íntima. Assim o sendo, a não garantia da efetivação do instituto da visita íntima aos casais homoafetivos poderia ocorrer em qualquer Estado; mas de forma alguma em um Estado dito Democrático de Direito, como é o caso do Brasil. REFERÊNCIAS BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Editora Martin Claret – Bb, 2003. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. DIAS, Maria Berenice (Coord.) Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre o direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a Justiça! Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. DIAS, Maria Berenice. 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