Janeiro/Fevereiro 2010 Dossier Ortodontia «Forças ligeiras aumentam o conforto do doente e reduzem o risco de reabsorções radiculares» No campo da ortodontia, a utilização de sistemas autoligáveis encontra-se, presentemente, em expansão. As vantagens são inúmeras, desde a redução do número de consultas até ao facto de grande parte das vezes as extracções de dentes não serem necessárias. Contudo, em Portugal, é necessário apostar mais em formação pós-graduada, tanto ao nível da oferta como da procura. Se, por um lado, quem quer começar a usar estes sistemas na sua prática profissional não deve hesitar em procurar este tipo de formação; por outro, deve-se aumentar a oferta de cursos, que ainda é bastante reduzida. O conceito de brackets autoligáveis surgiu em 1935 com o aparecimento do sistema Russell Lock, de acordo com uma revisão literária publicada na revista “Dental Press Ortodontia Ortopedia Facial”, volume 13, n. 3,de Maio/Junho de 2008. «A partir desta data [1935], já era preconizado um sistema que viabilizasse a optimização do tempo de atendimento e uma maior facilidade de união do sistema bracket/ fio ortodôntico, com a menor quantidade de atrito possível. A retenção do arco no interior da ranhura do bracket era obtida através de um sistema mecânico ajustado na superfície vestibular do artefacto, funcionando como uma quarta parede da ranhura», lê-se no artigo. Em 1972 surgiu o sistema Edgelok pela mão de Wildman e, em 1975, Hanson combinou o Sistema Edgewise «preconizado por Angle com conceitos pessoais, desenvolvendo um aparato helicoidal autoajustável único, capaz de reter o arco e transmitir ao mesmo algum grau de activação». Ao longo dos tempos, vários tipos de brackets autoligáveis foram idealizados, variando na forma, no 30 Janeiro/Fevereiro 2010 Dossier João Lopes Fonseca, presidente da Sociedade Portuguesa de Ortodontia, afirma que a eficácia dos sistemas autoligáveis «é grande», pois, no fundo, «melhoram o movimento dentário, estimulam o desenvolvimento do osso alveolar e simplificam a biomecânica» tamanho, na mecânica e no material. Todavia estes dispositivos, apesar da sua considerável capacidade de diminuição do atrito, nunca se difundiram de um modo constante entre os profissionais de ortodontia devido, por um lado, ao custo elevado e, por outro, à fragilidade inicial apresentada por este sistema. Já no século XXI, com o surgimento de brackets autoligáveis de menores dimensões, maior robustez e mais fáceis de manipular, estes dispositivos tornaram-se interessantes ao uso diário do ortodontista. Não obstante, um maior apelo à estética, de acordo com a revisão citada, foi observado por parte dos pacientes, redireccionando para uma nova tendência. Estes começaram, então, a ser feitos em policarbonato. Estudos citados pelo artigo em questão afirmam que o atrito produzido por «este tipo de material apresenta-se como mais próximo ao observado em brackets metálicos convencionais, apesar de superior ao mesmo». Activos e passivos João Lopes Fonseca, presidente da Sociedade Portuguesa de Ortodontia, afirma que há dois tipos de aparelhos autoligáveis: os activos e os passivos. No primeiro caso, caracterizam-se por um «mecanismo 32 com mola metálica que mantém o arco no interior da ranhura do bracket, sendo que esta mola tem alta resiliência, exerce forças constantes, homogéneas e biológicas e controla bem os movimentos dentários nos três planos do espaço; é um sistema passivo de baixa fricção durante as fases iniciais de alinhamento e nivelamento dentário com arcos de pequeno diâmetro». Já com arcos de calibre maior, acima de 0,017 polegadas, «a mola distende-se, pressiona o arco e comporta-se como um sistema activo semelhante aos brackets convencionais». No respeitante aos autoligáveis passivos, possuem um «mecanismo com tampa rebatível ou em forma de clip, de modo a manter o fio ortodôntico dentro, mas livre, sem qualquer tipo de pressão, com reduzido atrito ao deslizamento em quaisquer das fases do tratamento ortodôntico, mesmo com arcos de maior secção». Um aspecto curioso é que, em relação aos sistemas convencionais, «os autoligáveis passivos apresentam 600 vezes menos fricção e os activos 300 vezes menos», refere o ortodontista, explicando que «com as técnicas ortodônticas fixas tradicionais os arcos ortodônticos são "amarrados" com firmeza por ligaduras metálicas ou elásticas contra a base da ranhura (slot) dos brackets, causando pressão, atrito ou fricção entre si». João Lopes Fonseca argumenta que a eficácia dos sistemas autoligáveis «é grande», pois, no fundo, «melhoram o movimento dentário, estimulam o desenvolvimento do osso alveolar e simplificam a biomecânica». Na verdade, os «novos arcos super elásticos quando utilizados com brackets de baixa fricção têm demonstrado enormes possibilidades na resolução da grande maioria dos problemas transversais». E isto porque «movemos os dentes com o osso e não contra o osso!», revela. O princípio é simples, dado que consiste «na utilização de um nível baixo de forças ortodônticas para conservar a ancoragem e facilitar as mecânicas de deslizamento». Mais conforto para o paciente Os sistemas autoligáveis trazem várias vantagens, tanto para os doentes como para os profissionais. Para o paciente, por um lado, «torna-se vantajoso a rapidez do tratamento ortodôntico bem como a necessidade de activações menos frequentes», refere Luís Cavaco; por outro, «também apresentam um menor número de lesões aftosas na mucosa devido aos brackets serem mais pequenos e terem um formato mais arredondado». A maior facilidade na higienização dos mesmos é outro dos aspectos que o director clínico da Clínica do Monte salienta. «Forças ligeiras aumentam o conforto do doente e reduzem o risco de reabsorções radiculares», garante João Lopes Fonseca, para além da «saúde periodontal do paciente também sair favorecida». Para Rui Ferreira Pedro, a grande vantagem reside «na baixa fricção do arco na slot do bracket acrescida da garantia do arco ficar todo inserido dentro da mesma». É por isto que defende que «temos um óptimo controlo das correcções das rotações dentárias e as fases de alinhamento e nivelamento são muito mais rápidas do que o normal». Para além disso, o especialista em ortodontia das clínicas Vital Dent, frisa que «as forças usadas são menores, mais suaves, logo mais facilmente aceites pelo periodonto». Mas a facilidade na colocação e remoção do arco do bracket, «o que faz com que as consultas sejam mais rápidas», também é um dos pontos a favor destes dispositivos. Se as consultas passam a ser mais rápidas, passam, igualmente, a ser «mais espaçadas entre si para que o arco se expresse totalmente». Todavia, estes sistemas não estão isentos de desvantagens, que são principalmente, segundo Luís Cavaco, «ao nível monetário». Porém, o especialista Autoligáveis em 11 frases I João Fonseca já se rendeu aos autoligáveis. De tal modo, que opta por esquematizar as suas vantagens em frases-chave: – Extrair dentes pela face do paciente e não pelo espaço disponível nas arcadas dentárias. – Muitos casos resolvem-se sem necessidade de extracções dentárias. – Filosofia de tratamento minimamente invasiva. – Pouca fricção e movimento dentário eficaz. – Técnica dirigida pela função e pela estética do paciente. – A acção funcional está de acordo com as funções biológicas e com a estrutura anatómica do paciente. – Compatibilidade biológica e optimização do conforto para o doente. – O estreitamento das arcadas, a protrusão e o apinhamento dentários estão relacionados entre si; não com o tamanho dentário. – Os tratamentos ortodônticos são agora baseados na arcada superior em vez da arcada inferior. – Menor necessidade de ancoragem. – Um tratamento ortodôntico conservador sem extracções, em caso de apinhamento, deve prever algum grau de expansão e/ou protrusão dentária para aumentar o perímetro das arcadas. chama ainda a atenção para o facto de «os brackets utilizados serem menos estéticos». Quanto a Rui Ferreira Pedro, as desvantagens residem «na cimentação dos brackets. Porém também tem de se ter maior cuidado na remoção e colocação do arco, por causa da maior pressão exercida sobre o bracket e,logo, sobre o dente, o que pode causar dor / desconforto ao doente». A não extracção de dentes «Com as técnicas ortodônticas fixas tradicionais os arcos ortodônticos são "amarrados" com firmeza por ligaduras metálicas ou elásticas contra a base da ranhura dos brackets, causando pressão, atrito ou fricção entre si», afirma João Lopes 21x14 2/11/09 5:43 PM Page 1 Fonseca De acordo com o especialista em ortodontia das clínicas Vital Dent, normalmente, os sistemas autoligáveis «podem ser aplicados em qualquer situação». No entanto, ressalva que «com mais vantagens nos doentes periodontais, que reagem bem melhor». O ortodontista confidencia que «noutras situações pensaria duas vezes antes de lhes colocar o aparelho ortodôntico». Mas também há mais benefícios nos casos «de grandes apinhamentos dentários onde possamos aumentar o perímetro da arcada e nos de exodontias, C M Y CM MY Janeiro/Fevereiro 2010 Dossier onde é mais fácil o alinhamento e encerramento dos espaços». Luís Cavaco reitera que os brackets deste sistema podem ser «utilizados em várias filosofias de tratamento ortodôntico». Não obstante, este especialista opta por utilizar nas situações «em que não é necessário ser feita qualquer extracção dentária. Como as forças são leves este sistema promove alguma expansão dos dentes e assim em pacientes bordline de exodontias posso decidir não extrair», explana, alertando que «tenho assistido a várias conferências do sistema e a tratamentos onde não se efectuaram extracções, colocando os dentes vestibularizados e, com isto, contenções vitalícias, o que não me agrada no tratamento dos meus pacientes, pois utiliza-se o sistema para alinhamento de dentes e não para tratamento ortodôntico propriamente dito, se assim o posso descrever». É um facto que com as técnicas de ortodontia autoligável passiva «salvamos» muitos dentes, visto que numerosos tratamentos efectuados com técnicas tradicionais só são possíveis com o recurso CY CMY K Pub. 33 Janeiro/Fevereiro 2010 Dossier maior resiliência em relação às asas do mesmo artefacto, reduzindo possíveis danos ao esmalte dentário durante a descolagem». a extracções de prémolares», reitera João Lopes Fonseca. Aftas e bactérias No relativo às bactérias, o facto de não se usarem ligaduras metálicas e/ou principalmente elásticas «faz com que não haja tanta retenção de placa bacteriana, logo não aparecem facilmente as gengivites pela melhor higiene oral e o doente sente-se mais motivado», salienta Rui Ferreira Pedro. Contudo, no respeitante «ao aparecimento das tão incómodas úlceras aftosas, não há milagres, mas existe alguma diminuição». Luís Cavaco apresenta uma opinião semelhante: «existe um menor número de aparecimento de aftas com este sistema e devido ao seu formato podem ser melhor higienizados e, como tal, aparentemente os pacientes apresentam menos placa bacteriana». Estética Conforme o referido na revisão literária publicada na revista “Dental Press Ortodontia Ortopedia Facial”, volume 13, n.º 3, de Maio / Junho de 2008, os brackets estéticos podem ser compostos por diferentes materiais. A cerâmica e as resinosas são os mais utilizados por apresentarem uma maior semelhança à grande parte das colorações evidenciadas à composição do esmalte dentário. Os brackets estéticos cerâmicos «são compostos de 99,9% de óxido de alumínio, podendo diferir segundo o modo de fabricação, sendo denominados de mono ou policristalinos. Os artefactos compostos por matrizes resinosas são confeccionados, principalmente, a partir de policarbonatos. Inicialmente, sua composição abrangia apenas matrizes puras, o que tornava o material mais propenso a deformações, fracturas e manchamentos». Não obstante, segundo o artigo citado, uma nova composição foi, então, estipulada para a sua constituição, abrangendo a incorporação de reforços cerâmicos e de fibras de vidro, sendo que «a modificação das matrizes do material garantiu uma resistência superior, estabilidade e menor susceptibilidade ao manchamento, apresentando, contudo, valores de dureza e rigidez inferiores quando comparados aos brackets de aço inoxidável e os de matrizes cerâmicas». Considerando-se o método de confecção dos brackets de policarbonato, segundo o explicitado na revisão da literatura existente, é «a manufactura dos artefactos realizada sob a injecção de um único tipo de material. A impossibilidade de soldagem ou brazagem devida à não-resistência da matriz de policarbonato a estes procedimentos inviabiliza qualquer tentativa de confecção segmentada da base, corpo ou trava de precisão do artefacto. Esta montagem a partir da união de diferentes partes é observada durante a manufactura dos brackets de aço inoxidável, onde sua base 34 Mais formação Luís Cavaco afirma que com este sistema «existe um menor número de aparecimento de aftas» possui rigidez inferior quando comparada a partes de seu corpo, como por exemplo as asas do artefacto. Desta maneira assegura-se uma base composta por um aço inoxidável de módulo de elasticidade inferior e Autoligáveis em 11 frases II – Excelente desenvolvimento transversal das arcadas dentárias desde as primeiras fases do tratamento – "efeito Frankel". – Óptimo efeito antero-posterior, com menos protrusão dos incisivos – "efeito lip-bumper". –O equilíbrio entre a língua e os músculos oro-faciais criam uma nova forma de arcada dentária. - Há adaptação das arcadas ao biótipo do paciente. – Obter uma forma de arcada específica para cada paciente versus usar uma forma predeterminada. – Forças mais ligeiras permitem que as arcadas se desenvolvam naturalmente. – O apinhamento dentário causa desequilíbrios musculares. E por isso, devemos "Dar uma segunda oportunidade às arcadas dentárias, depois de corrigidas as causas funcionais ou os hábitos nocivos". – Redução ao mínimo de aparatologia auxiliar: ancoragem extra-oral, quad-hélix, barras palatinas, disjuntores. – Os dentes seguem o caminho da menor resistência, não havendo perda de ancoragem lateral e distalmente. – As consultas de revisão são mais espaçadas e mais simples. – As consultas de revisão são mais rápidas. Desde o início do século XXI que, na opinião de João Lopes Fonseca, a ortodontia assiste a uma revolução no fabrico e manuseamento dos brackets autoligados. Neste sentido, para os profissionais ainda não familiarizados com os autoligáveis «recomendo que procurem formação pós-graduada». Porém, há um senão, «nos últimos anos vimos lendo e ouvindo cada vez mais artigos e conferências a respeito, mas na verdade os cursos de pós-graduação não abundam». Por último, João Lopes Fonseca chama a atenção de que, na verdade é importante entender que «há diferença entre sistemas/técnicas e brackets autoligáveis. Estes brackets são apenas mais uma ferramenta alternativa disponível para o exercício da ortodontia e sobre os quais se exercem forças sobre os dentes com qualquer técnica desejada». O especialista acredita que o sistema de brackets autoligáveis «é o futuro da ortodontia». Carmen Silva Autoligáveis em 11 frases III ­– A troca de arcos fica facilitada pela abertura/ fecho das “tampas” dos brackets. – A higiene oral melhora porque está mais facilitada. – Não havendo ligaduras metálicas e/ou elásticas haverá menor retenção de placa bacteriana. – As respostas paradontais são "alucinantes"! Mesmo em casos de compromisso. – O risco de reabsorção radicular é praticamente nulo. – O alinhamento dentário é espectacular! Rápido e sem desconforto. – Com um alinhamento rápido, "sobra" mais tempo para os acabamentos individualizados. Em consequência, – Obtenção de melhores resultados, reforço da auto-estima dos profissionais envolvidos e aumento da eficácia e rentabilidade da consulta. – Melhora a colaboração e a satisfação do paciente. – As correcções verticais, antero-posteriores e transversais obtidas são eficazes. – Ampliamos os benefícios terapêuticos.