a família no sistema de proteção social brasileiro: uma

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A FAMÍLIA NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRO: UMA
ANÁLISE SOBRE A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
KATHIUÇA BERTOLLO1
Introdução
A família ocupa lugar de destaque na história da sociedade contemporânea
quando o assunto é proteção social. Compreendida sob um prisma idealista de que é um
espaço onde o cuidado mútuo acontece, ou deveria acontecer „naturalmente‟, esta vem
sendo chamada a assumir responsabilidades para com seus membros. Responsabilidades
estas, cuja origem está no modo de produção capitalista e nas implicações por ele
geradas, seja nos aspectos econômicos, políticos, sociais ou culturais.
Diante da redução da presença do Estado no trato das questões relativas à
proteção social, preceito este emanado e difundido pelo sistema neoliberal, a família2 é
requisitada a “dar conta dos seus”, ou seja, ela é chamada a participar do sistema de
proteção social àqueles que necessitam.
Ação esta, que impõe uma sobrecarga de responsabilidades e compromissos às
famílias, principalmente às famílias pobres, haja vista, sua condição de subalternidade
em relação ao contexto de produção e acesso aos bens e serviços produzidos
socialmente.
Refletir acerca do papel ocupado atualmente pela família no que tange ao
cuidado e proteção aos seus membros é refletir sobre os contornos tomados pelo sistema
de proteção social3 numa época de contrarreformas do Estado perante os direitos de
cidadania e avanço da ótica econômica em detrimento da ótica social.
1
- Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. E-mail do apresentador:
[email protected]
2
- Aqui compreendida como “Um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um
lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos. Ele
tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente
articulado com a estrutura social na qual está inserido. (MIOTO, 1997, p. 120).
3
- Tomamos para compreensão a definição a partir de Di Giovani, 1998, que considera “ sistemas de
proteção social as formas – às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas – que as sociedades
constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. “ (...) são produtos e, ao mesmo tempo,
elementos estruturantes da vida social moderna”.
Nesse contexto de disputa entre diferentes projetos pela hegemonia, a família
ocupa papel de relevância; seja como espaço a ser cuidado e fortalecido no
enfrentamento das necessidades sociais cotidianas, seja como espaço requisitado para
cuidar, uma vez que continuam existindo as expectativas em relação a sua função
protetiva, bem como as contradições que remetem a tais expectativas.
A família na cena contemporânea
A sociedade vem passando por profundas transformações econômicas, políticas,
culturais e sociais ao longo do tempo, o que repercute diretamente na esfera da vida
familiar. Nesse contexto, situações como a industrialização e seus reflexos na economia
provocaram mudanças de valores, redefinições de papéis, entre outras medidas, que
afetaram e afetam a composição familiar.
Os movimentos realizados pelas famílias na sociedade realizam-se de acordo com
sua demanda, necessidades e a forma como lida com as transformações nas relações
homem-mulher, pais-filhos, família-meio externo.
Nesse contexto de alterações sócio-históricas, e considerando as alterações
sofridas pelas famílias no decorrer dos tempos, não é mais possível afirmar que existe
apenas um modelo de família considerado ideal, ou seja, casal heterossexual e filhos,
aquele difundido pela ideologia burguesa como correto. Faz-se necessário considerar
que existem diferentes arranjos familiares e que estes vêm ganhando visibilidade a partir
das últimas décadas do século XX e neste início de século XXI.
Sendo assim, a família assume uma forma que jamais é linear. Embora a família
prevaleça como modelo de reprodução humana sua realização se processa de forma
diferenciada em grupos e segmentos sociais distintos, haja vista, que a questão da classe
social a que pertencem ainda é a definidora das diferenças entre cada família.
A família condensa valores e necessidades emocionais, sociais, culturais, políticas e
econômicas e é na interação entre os seus membros individuais, bem como destes com o
meio social, que ela se constitui também em um palco de constantes conflitos e tensões
que podem gerar ou não rupturas.
Sendo assim, é necessário romper com posturas conservadoras, disciplinadoras e
autoritárias na forma de compreender a família, haja vista que cada família apresenta
suas singularidades, seus anseios, demandas, limites e possibilidades. Estes,
estritamente vinculados ao seu posicionamento na divisão das classes sociais. Diante
desse quadro, é preciso compreendê-las enquanto sujeitos coletivos, carregados de
histórias que estão imbricadas no seio de uma sociedade capitalista que sobrepõe a
lógica do lucro à lógica do social e humano.
É com o advento do modo de produção capitalista que se efetiva a divisão dos
papéis entre homem e mulher, enquanto o primeiro é o responsável pelo sustento do lar
a segunda é a responsável pela criação e cuidado dos membros da família. Também,
nessa conjuntura acontece a divisão entre esfera pública e esfera privada, em que se
altera o contexto das relações sociais no interior das famílias ocorrendo “o processo de
transferência para o interior das famílias de problemas e conflitos gerados no âmbito das
relações de produção e a cruzada para a inculcação do ideal de uma nova família com
funções e papéis claramente definidos”. (MIOTO, 2009, p. 132).
Nessa configuração a família é compreendida como espaço de proteção à seus
membros. Cabendo a ela a responsabilização pelo cuidado aos idosos, enfermos,
crianças, adolescentes, haja vista a incapacidade do sistema capitalista liberal em prover
bem estar aos indivíduos.
Atualmente a família é chamada a dar conta de responsabilidades e
compromissos que vão muito além do que consegue executar. É vitimada duplamente
pelo sistema vigente, uma vez que seus indivíduos vivenciam os limites e contradições
de um modo de produção e acumulação desigual e avassalador aos interesses dos
trabalhadores. Além destes limites vivenciados por cada indivíduo na sua singularidade
de homem, mulher, branco, negro, pessoa com deficiência, idoso, criança ou
adolescente, trabalhador ou não, a família é vitimizada outra vez quando é chamada
para o auto-cuidado entre estes. Ou quando, pelo principio da solidariedade, é chamada
a cuidar da rede que a cerca, isto é, vizinhos, amigos, conhecidos, extrapolando estas
responsabilidades e cuidados para além dos laços sanguíneos.
Nesse sentido, ressalta MARTIN (1995, p. 56): “o que está realmente em causa é
saber se as famílias podem suportar materialmente mais do que já suportam, e,
sobretudo, se é aceitável para as pessoas em causa terem de acompanhar este
reajustamento”.
Alterações do mundo do trabalho e suas implicações no papel do Estado e da
família enquanto provedores de proteção social
Com o esgotamento do padrão de proteção social keynesiano - fordista, em que
combinou por cerca de 30 anos desenvolvimento econômico com a concessão de alguns
direitos sociais à classe trabalhadora; direitos estes conseguidos à duras penas via
movimentos sociais dos trabalhadores, principalmente o movimento operário; surge
uma nova forma de enfrentar as adversidades e limitações da vida cotidiana, ou seja, as
expressões da questão social que eclodia: o amparo da intervenção estatal.
Sendo assim, o Estado passa a ofertar atendimento à população por meio de
serviços públicos até então inexistentes, ou seja, “o Estado passava a ser visto como
representante da nação, e a ele era atribuída a tarefa de promover ativamente o bemestar do cidadão”. (Di Giovanni, 1998, p. 21).
Neste cenário de precarização no qual se encontrava a classe trabalhadora
conquistas sociais importantes foram alcançadas alterando, portanto, o quadro de
proteção social da época.
Di Giovanni (1998, p. 11), ressalta que: “Assumida pelo Estado (e reconhecida
pela sociedade) como função legal e legítima, a proteção social se institucionaliza e
toma formas concretas através de políticas de caráter social.”
No entanto, tais avanços dos “30 anos gloriosos” – que mais serviram ao capital
do que ao social - foram abalados pela crise econômica dos anos de 1970. Alterações no
mundo do trabalho como desemprego estrutural, automatização, avanço tecnológico,
entre outros, desencadearam o abalo para além da esfera trabalhista, atingindo também a
vida e cotidiano das famílias, ou seja, as alterações na esfera da produção se refletiram e
interferiram na esfera da reprodução, fato este que permanece até os dias atuais.
Nessa conjuntura afirma MARTIN (1995)
O contexto da crise do Estado-Providência impôs, portanto, novas
categorias de reflexão aos responsáveis pelas políticas sociais. A
sociabilidade, a entreajuda, o apoio dos conhecidos ou a amizade dos
parentes transformaram-se, assim, em novas perspectivas para as
políticas públicas. MARTIN (1995, p. 62)
Tal fato permanece evidenciado atualmente no contexto de proteção social atual
dos países latino americanos, e o Brasil não foge deste quadro.
Este mesmo autor ainda enfatiza que o compartilhamento de responsabilidades
entre família e Estado ocasionou o “aparecimento de um novo modelo denominado
welfare-mix, que preconiza exatamente uma combinação dos recursos e dos meios
mobilizáveis junto do Estado, dos parentes, mas também junto do mercado ou ainda das
iniciativas privadas, associativas, beneficentes e não lucrativas.” (MARTIN, 1995, p.
55).
Nessa mesma lógica de raciocínio, o autor enfatiza que é preciso ficar atentos ao
que parece ser um discurso encantatório sobre esta reativação da solidariedade familiar,
ou seja, “um dos problemas desta súbita redescoberta do papel das solidariedades
familiares é que ela dá a ilusão de um novo “manancial” de recursos para responder às
dificuldades sociais encontradas por uma parte cada vez maior da população”.
(MARTIN, 1995, p. 71).
Repousa ai, em nossa compreensão, um dos maiores equívocos possíveis na
interpretação destas alterações no seio familiar e deste para com a esfera da produção.
Entendemos que as ajudas intra familiares sempre existiram e permanecerão a existir,
haja vista valores culturais e ideológicos ou por outras formas. No entanto, este fato não
pode ser banalizado e considerado „natural‟. Compreendemos que a família passa a
assumir responsabilidades para além daquelas que historicamente assumiu em relação
aos seus membros, na medida em que ocorre a inoperância, inexistência e redução do
papel do Estado enquanto provedor de bem comum.
Posicionamento este com fundo ideológico e de interesse de classe, ou seja, o
Estado alia-se ao capital, fomenta a economia e facilita ao mesmo o seu pleno
desenvolvimento, enquanto a perspectiva do social é reduzida, quase que aniquilada,
remetendo o cuidado “aos seus” para a solidariedade familiar ou à rede de vizinhança,
ou ainda, ao mercado e às formas privadas de oferta de proteção social.
É necessário enfatizar que os sistemas de proteção social não aconteceram ou
acontecem de forma igualitária ou única nos diferentes países. Eles acontecem a partir
de diferentes bases ideológicas, isto é, a partir da concepção de direitos e cidadania
daqueles que detém o poder. Destarte, Esping-Andersen afirma que existem três
tipologias de regimes de bem-estar social e que estas “se refiere a los modos em que se
reparte la producción de bienestar entre el estado, el mercado y las famílias”. (EspingAndersen 2000, p. 102).
Esse autor classifica os Regimes de Bem-Estar em três diferentes tipologias:
Liberal, Socialdemocrata, e Conservador.
É característica do regime de bem-estar Socialdemocrata “(...) una cobertura de
riesgos global y unos niveles de subsídio generosos, así com el igualitarismo”. (EspingAndersen, 2000, p. 107). Ainda, enfatiza que esta tipologia possui “explícito esfuerzo
para desmercatilizar el bienestar; para minimizar, o abolir completamente, la
dependência del mercado”. (Esping-Andersen, 2000, p. 108). Ou seja, “El modelo
socialdemócrata y el igualitarismo se han convertido prácticamente em sinônimos. (...)
todo el mundo disfruta de los mismos derechos y subsídios, sea rico o pobre”. (EspingAndersen, 2000, p. 109).
Na contra mão desta tipologia está o regime de Bem-estar Liberal que possui as
seguintes características: “em su forma contemporânea, los regímenes del bienestar
liberales reflejan el compromiso político de minimizar el estado, individualizar los
riesgos y fomentar las soluciones del mercado”.
Ainda, “Éste es residual. (....) Adopta uma definición restringida a la hora de elegir qué
sujetos tienen derecho a dichas garantias. (Esping-Andersen, 2000, p. 103).
E por último, classifica em Regime de Bem-estar Conservador, o regime cujas
características em muito se assemelha ao regime Liberal, porém com prevalência mais
evidente “en lo que se refiere al reparto de riesgos (solidaridad) y al familiarismo”.
(Esping-Andersen 2000, p. 112).
Percebe-se, portanto um esforço teórico em sistematizar as diferentes
características e tipos de regimes de proteção social existentes no decorrer da história.
Cada um com suas especificidades, porém podendo co-existir características e
influência de um modelo em outro e vice-versa.
É evidente que nenhum modelo é puro ou imune a interferências externas, porém
conforme apresentado acima cada um possui um perfil predominante, que vai desde
aquele que estabelece como proteção social a proteção a todos independente de
condição financeira, a outro que fomenta e pressupõe as iniciativas de proteção social
via mercado e finalmente aquele que remete a predominância das ações de proteção
social à família.
Ressaltamos que no Brasil prepondera a existência dos sistemas Liberal e
Conservador, podendo ainda ser afirmado que o modelo Socialdemocrata, apesar dos
avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988, nunca chegou a existir e efetivar-se
em solo brasileiro.
Considerando o desmonte do Estado, e que no Brasil nunca chegamos a
presenciar a figura do Estado-Nação presente no sistema keynesiano-fordista, o que
temos atualmente é um Estado com aporte no modelo neoliberal. Cujas características
podem ser citadas de maneira simplificada como:
1) desregulación amplia de la economia; 2) autonomia del sector
financeiro; 3) desmantelamiento del sector público; 4) abandono de
las funciones estatales de promoción e integración social,
manteniendo su intervención en lo relativo a la fijación del tipo de
cambio, tasas de interes y política tributaria. (BERMÚDEZ, 2001,
p.105).
Com esta configuração, as políticas sociais por ele desenvolvidas possuem as
seguintes características, ainda segundo o pensamento desse mesmo autor:
privatización – Fundamentada en la necessidad de paliar la crisis
fiscal, incrementar la eficiência de los servicios y evitar las
distorsiones de la gratuidad.(...) Focalización – Fundamentada en la
necessidad de que los fondos asignados – escasos - sean aplicados
necessariamente a los objetivos definidos.(...) Descentralización - La
literatura sobre el tema señala la tendência a una descentralización
más operativa que política, es decir, más vinculada a la ejecución que
a la definición de programas y sevicios. (BERMÚDEZ, 2001, p.106).
Características estas, que se afirmam cada vez mais na esfera da proteção social
brasileira. O que reforça o chamado para a família atender e fazer parte deste contexto
enquanto espaço que presta cuidado. É o surgimento do chamado “neo-familiarismo”
que pode ser assim compreendido: “tendencia ideologica a hacer de la família una
unidad, económica y política, de resolución de los problemas de la racionalidad global
del modelo y, como tal, debemos reconocer sus contradicciones”. (BERMÚDEZ, 2001,
p.111).
Cabe, portanto, um olhar crítico sobre o que este quadro significa na conjuntura
atual. Compreendemos como já dito, que isto é reflexo, de alterações da esfera da
produção e que repercutem diretamente na esfera da reprodução social. E nesse sentido,
“cada uno de estos tipos de relación es influenciada y marcada por la totalidad de las
otras relaciones sociales”. (BERMÚDEZ, 2001, p.113).
O espaço da família no debate contemporâneo da Assistência Social
Na cena atual das políticas sociais no Brasil, a família aparece como elemento
central do debate. É considerada categoria de destaque já no Texto Constitucional de
1988. Neste, o artigo 226 declara: “a família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado”. Fica evidente também a centralidade da família neste cenário, a partir da
análise das leis complementares aprovadas posteriormente, é o caso da Política Nacional
do Idoso (PNI) aprovada em janeiro de 1994, do Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA) aprovado em julho de 1990 e também este enfoque é reafirmado na Lei Orgânica
da Assistência Social (LOAS), regulamentada no ano de 1993. Nesta, em seu artigo 2º
estão previstos os seguintes objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de beneficio mensal à pessoa portadora
de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Com o rearranjo da política de Assistência Social, quando da implantação em
território nacional, do Sistema Único de Assistência Social4 (SUAS) e a partir da
aprovação da Política Nacional de Assistência Social5 (PNAS) a família efetiva-se como
4
- O Sistema Único de Assistência Social (Suas) é um sistema público que organiza, de forma
descentralizada, os serviços socioassistenciais no Brasil. Com um modelo de gestão participativa, ele
articula os esforços e recursos dos três níveis de governo para a execução e o financiamento da Política
Nacional de Assistência Social (PNAS), envolvendo diretamente as estruturas e marcos regulatórios
nacionais, estaduais, municipais e do Distrito Federal. Criado a partir das deliberações da IV Conferência
Nacional de Assistência Social e previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), o Suas teve suas
bases de implantação consolidadas em 2005, por meio da sua Norma Operacional Básica do Suas
(NOB/Suas), que apresenta claramente as competências de cada órgão federado e os eixos de
implementação e consolidação da iniciativa. (Fonte: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/suas.
Acesso em 05 de janeiro de 2011).
5
- Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) n. 145, de 15 de outubro de 2004.
um dos princípios orientadores das ações nesta área. Ganha maior visibilidade, e
reforça-se este preceito com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais6.
Nesse debate acerca do SUAS, surge como uma das principais categorias a
„matricialidade sociofamiliar‟, uma vez que esta é compreendida enquanto eixo
estruturante do referido sistema. Neste eixo, se resgata o texto constitucional,
especialmente o Art. 226, em que se prioriza a centralidade da família e
conseqüentemente a convivência familiar, comunitária e societária.
O reconhecimento da família como unidade/referência no âmbito da
política de Assistência Social fundamenta-se na idéia de que esta é o
espaço primeiro de proteção e socialização dos indivíduos e que, para que
cumpra com tais funções, precisa ser protegida. O formato de família que
se fala na política de Assistência Social compreende relações
estabelecidas por laços consangüíneos, afetivos e / ou de solidariedade.
(CapacaitaSuas, v.1, p. 111, 2008).
O SUAS presta atendimento ao público alvo da Assistência Social por meio de
Serviços de Proteção Social Básica, onde se destaca o Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF); Serviços de Proteção Social Especial de Média
Complexidade, onde se destaca o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à
Famílias e Indivíduos (PAEFI) e, finalmente, Serviços de Proteção Social Especial de
Alta Complexidade, onde destacamos o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora.
É perceptível o papel de destaque da família neste sistema, haja vista o apelo que
as próprias nomenclaturas dos serviços ofertados realizam por si só.
O uso freqüente da terminologia „família‟ pressupõe a busca por superar as
velhas formas de considerar o indivíduo isolado, ou seja, trabalhar apenas com o
“indivíduo problema” sem considerar o contexto e grupo familiar em que o mesmo
insere-se. Objetiva-se um maior alcance das mesmas, o que pressupõe a superação de
políticas dispersas e fragmentadas para os diferentes sujeitos, seja, idosos, crianças,
adolescentes, jovens, mulheres, pessoas com deficiência, entre outros. No entanto,
queremos apontar que apenas o uso da terminologia não garante que tal situação tenha
6
- Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) n. 109, de 11 de Novembro de 2009.
sido superada, apenas aponta indícios no qual gostaríamos de acreditar, haja vista o
amadurecimento teórico-crítico da profissão e de seus trabalhadores.
Ainda em âmbito da política de Assistência Social, a família ocupa lugar de
destaque nos chamados Programas de Transferência de Renda, é o caso do Programa
Bolsa Família. Neste programa a família, é considerada conforme seu perfil econômico
e social, ou seja, o valor do benefício varia conforme faixa de renda em que se encontra
e conforme o número de membros da família. Na formatação deste programa, a família
tem condicionalidades a cumprir na área da saúde e da educação, como a vacinação dos
filhos, acompanhamento pré-natal das gestantes e freqüência escolar das crianças e
adolescentes.
Compreendemos que a exigência do cumprimento de tais condicionalidades é
desnecessária, haja vista que é direito o acesso à saúde e à educação. É preciso perceber
que muitas formas conservadoras e moralistas no trato com as famílias podem ser
reeditadas sob formas menos evidentes, o que retrocede os avanços de compreender as
famílias enquanto sujeitos coletivos e capazes de fazer e alterar a história.
É possível afirmar que o programa Bolsa Família possui caráter fortemente
familista7, e a partir do que afirma Mioto (2009, p. 141) “continua não atendendo ao
objetivo de proporcionar a homens e mulheres a possibilidade de escolha real de vida”.
A família trabalhadora possui seu histórico de vulnerabilidades inscrito em um
projeto societário que desconsidera o indivíduo enquanto sujeito que precisa ter suas
necessidades básicas atendidas para o seu pleno desenvolvimento, seja nos aspectos
econômico, político, social e cultural; apenas o enxerga como mão-de-obra barata e
descartável, desconsiderando suas particularidades e alienando-o para uma compreensão
enquanto sujeito coletivo capaz.
Entendemos que a família antes de ser um espaço de oferta de cuidado, deve ser
um espaço a ser protegido pelo sistema de proteção social estatal. Devendo ser
fortalecida e podendo desenvolver de maneira plena suas potencialidades rumo a uma
sociedade mais justa social e economicamente.
Nessa lógica, pontuam (Campos e Mioto, 2003, p. 183):
“a família se encontra muito mais na posição de um sujeito ameaçado
do que de instituição provedora esperada. (...) o que temos é uma
7
- No familismo a responsabilidade principal pelo bem-estar dos membros recaí sobre a família. (EspingAndersen, 2000).
instância sobrecarregada, fragilizada e que se enfraquece ainda mais
quando lhe atribuímos tarefas maiores que a sua capacidade de
realizá-las.
Nessa conjuntura, também é aspecto relevante, a intervenção dos profissionais
que atuam na área social, principalmente dos assistentes sociais. Pontuamos que sua
intervenção deve basear-se numa perspectiva livre de moralismos e de práticas
conservadoras e repressoras. Discursos e práticas de responsabilização das famílias
devem ser superadas, devendo seu agir profissional pautar-se no Projeto Ético Político
do Serviço Social em que se vislumbra uma outra ordem societária considerando os
indivíduos sujeitos sociais e não mais seres excluídos de um sistema desigual e iníquo.
Deve-se investir e acreditar, portanto em um sistema de proteção social que
compreenda o sujeito em sua totalidade, que o perceba enquanto sujeito histórico, e não
mais em políticas sociais que remetem a este e à sua família a responsabilização pela
sua sobrevivência.
Superar estas limitações impostas pelo modo capitalista de produção deve ser o
horizonte. Para tanto, as ações não devem ser reduzidas à esfera individual ou familiar,
devem ir para além, devem compreender o sujeito enquanto sujeito coletivo, enquanto
sujeito capaz de provocar alterações na ordem socialmente posta, e então sim, efetivar
um verdadeiro sistema de proteção social.
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