Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):309-312 ARTIGO ORIGINAL Uso da associação tramadol e paracetamol para analgesia pós-operatória ambulatorial, em pacientes idosos submetidos à cirurgias ortopédicas* Association of tramadol and paracetamol for outpatient postoperative analgesia in elderly patients submitted to orthopedic surgeries Teri Roberto Guérios1 * Recebido da Associação Hospitalar e Maternidade Cônsul Carlos Renaux. Brusque, SC. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O controle da dor no período pós-operatório de pacientes idosos é difícil devido às comorbidades associadas, e os fármacos usados para o controle da dor não devem agravar estas comorbidades ou produzir interação com os demais fármacos em uso. O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia da associação de baixas doses de tramadol com paracetamol, para o controle da dor pós-operatória, após a alta hospitalar de pacientes idosos, submetidos às cirurgias ortopédicas e traumatológicas. MÉTODO: Foram estudados 11 pacientes submetidos à cirurgias ortopédicas ou traumatológicas. A analgesia pós-operatória imediata, enquanto os pacientes estiveram internados, foi feita por via venosa com 2,5 g de dipirona a cada 8h, 30 mg de cetorolaco ao dia e 50 mg de meperidina a cada 8h, intercalada com a dipirona. Após a alta hospitalar o controle da dor pós-operatória foi feito com 37,5 mg de tramadol associada a 325 mg de paracetamol, por via oral, no máximo a cada quatro horas. Os pacientes anotaram o número de comprimidos da associação tramadol/paracetamol que tomaram por dia, e a presença dos efeitos adversos náuseas, vômitos, sonolência e constipação intestinal. RESULTADOS: Nos primeiros cinco dias foram neces1. Médico Ortopedista, Membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) e da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Mestre em Saúde Pública pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Brusque, SC, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Teri Roberto Guérios Rua Prudente de Moraes, 35 – Centro 88350-240 Brusque, SC. Fones: (47) 9922-0001 3355-5251 E-mail: [email protected] c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 13 - Uso da Associacao tramadol.indd 309 sários em média 4 comprimidos da associação tramadol/ paracetamol, que foi usada em média por 17,5 ± 7,92 dias nos pacientes submetidos às cirurgias ortopédicas e 11,7 ± 5,13 dias nos pacientes submetidos às cirurgias traumatológicas. Nenhum paciente necessitou de associar outro analgésico ou a substituição da associação tramadol/paracetamol por outro fármaco. Como efeitos adversos foram relatados náusea leve, controlada com ondansetron e sedação de leve intensidade, devido a associação com clonazepam, usado como indutor do sono. Também foi relatada diminuição da frequência de evacuações por 6 pacientes. CONCLUSÃO: A associação tramadol/paracetamol em baixas doses foi eficaz para o controle da dor pós-operatória, após a alta hospitalar de pacientes idosos, submetidos às cirurgias ortopédicas e traumatológicas. Descritores: Cirurgia ortopédica, Dor pós-operatória, Idosos, Paracetamol, Tramadol. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: Postoperative pain control in elderly patients is difficult due to associated co-morbidities, and drugs used to control pain should not worsen such co-morbidities or interact with other drugs in use. This study aimed at evaluating the efficacy of associating low tramadol and paracetamol doses to control postoperative pain after hospital discharge of elderly patients submitted to orthopedic and traumatological surgeries. METHOD: Participated in this study 11 patients submitted to orthopedic or traumatological surgeries. Imme­diate postoperative analgesia while patients remained hospitalized were induced with intravenous 2.5 g dipirone every 8 hours, 3.0 mg ketorolac per day and 50 309 10.12.10 16:48:56 Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):309-312 Guérios mg oral meperidine, at the utmost every 4 hours. Patients recorded the number of pills of the association tramadol / paracetamol they ingested per day and the presence of nausea, vomiting, sleepiness and intestinal constipation. RESULTS: During the first five days, 4 pills of the association tramadol / paracetamol were needed in ave­ rage. This association was used in average for 17.5 ± 7.92 days by patients submitted to orthopedic surgeries and for 11.7 ± 5.13 days by patients submitted to traumatological surgeries. No patient had to associate another analgesic or to replace the association tramadol / para­ cetamol for other drug. Adverse effects were mild nausea controlled with ondansetron and mild sedation due to the association of clonazepam, to induce sleep. Evacuation frequency decrease was also reported by 6 patients. CONCLUSION: The association of low doses of trama­ dol / paracetamol was effective to control postoperative pain after hospital discharge of elderly patients submitted to orthopedic or traumatological surgeries. Keywords: Elderly, Orthopedic surgery, Paracetamol, Postoperative pain, Tramadol. INTRODUÇÃO O controle da dor no pós-operatório em pacientes idosos é difícil devido às comorbidades associadas, especialmente o diabetes mellitus e a hipertensão arterial. Medicamentos para controle da dor após a alta hospitalar, se possível, não devem agravar as comorbidades ou produzir interação com os demais fármacos em uso. Os opioides são usados devido à pequena incidência de interação medicamentosa, embora possam agravar as comorbidades. Quando são necessárias doses maiores, podem ocorrer náuseas, vômitos, sedação e obstipação e, mesmo confusão mental ou depressão respiratória e para maior eficácia e segurança em seu uso as doses e os intervalos entre elas devem ser adequados1-3. O objetivo do presente estudo foi analisar a eficácia e a tolerância da associação de baixas doses do tramadol com paracetamol para o controle da dor pós-operatória em pacientes idosos submetidos à cirurgias ortopédicas ou traumatológicas. MÉTODO Após a aprovação do Comitê de Ética da Instituição (Protocolo nº 001/10.2010), foram incluídos 62 pacientes, maiores de 65 anos, submetidos à cirurgias ortopédicas ou traumatológicas, em apenas um segmento ou articulação. Foram excluídos 38 pacientes que apresen- taram intercorrências durante o peri, trans ou pós-operatório que poderiam influenciar na intensidade da dor pós-operatória imediata. Portanto no estudo foram avaliados 24 pacientes, sendo 16 do sexo feminino e 8 do sexo masculino, com idade média de 70,3 ± 4,8 anos, dos quais 11 foram submetidos à cirurgias ortopédicas artroplastia de quadril ou joelho, osteotomia de joelho ou tornozelo, reconstrução do tendão tibial posterior e artrodese metatarso-falângica; e 13 à cirurgias traumatológicas: correção de fratura de colo de úmero, antebraço, terço distal de rádio, colo de fêmur, transtrocantérica do quadril, tornozelo e fratura-luxação de tornozelo. Doze pacientes receberam enoxaparina para a prevenção de trombose venosa profunda. A analgesia pós-operatória imediata, durante a internação foi feita, por via venosa, com 2,5 g de dipirona a cada 8 horas, 30 mg de cetorolaco ao dia e 50 mg de petidina a cada 8h, intercalada com a dipirona. De acordo com a indicação do cirurgião frente ao trauma operatório, os pacientes poderiam receber 1200 mg de ibuprofeno ou 400 mg de celecoxibe ao dia, por via oral. Após a alta hospitalar o controle da dor pós-operatória foi feita com 37,5 mg de tramadol associada a 325 mg de paracetamol, por via oral, no máximo a cada quatro horas. Em caso de analgesia insuficiente os pacientes poderiam utilizar o analgésico oxicodona de longa duração de ação (10 mg), por via oral, a cada 8 ou 12 horas. Os pacientes foram orientados sobre a avaliação da dor pela escala numérica e instruídos a tomar a medicação analgésica, após esta avaliação, em horário e de modo que a intensidade da dor se mantivesse preferencialmente em níveis leves. Caso a dor fosse mais intensa deveriam usar a associação tramadol/paracetamol com mais frequência, nunca excedendo a dose de 6 comprimidos ao dia. Se essa dose fosse atingida e a dor estivesse com intensidade moderada ou forte, deveriam complementar a analgesia com a oxicodona de longa duração de ação, na dose de 10 mg a cada 8 ou 12 horas, até obter alivio da dor. A todos os pacientes foi feita a solicitação para anotar o número de comprimidos da associação tramadol/paracetamol e o número de comprimidos do analgésico oxicodona que tomavam por dia, bem como a presença dos efeitos adversos náuseas, vômitos, sonolência e constipação intestinal. RESULTADOS A associação tramadol/paracetamol foi usada em média durante 15 ± 7,1 dias. A necessidade do anal- 310 13 - Uso da Associacao tramadol.indd 310 10.12.10 16:48:56 Uso da associação tramadol e paracetamol para analgesia Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):309-312 pós-operatória ambulatorial, em pacientes idosos submetidos a cirurgias ortopédicas gésico foi maior nos pacientes submetidos à cirurgias ortopédicas em que foi usada por 17,5 ± 7,9 dias versus apenas 11,7 ± 5,1 dias nos pacientes submetidos à cirurgias traumatológicas. Nenhum paciente necessitou usar a oxicodona, ou a substituição da associação tramadol/paracetamol por outro fármaco analgésico. Porém 13 pacientes receberam por via oral 1200 mg de ibuprofeno ou 400 mg de celecoxibe ao dia, de acordo com a indicação do cirurgião frente a extensão do trauma operatório, por 2 ou 3 dias. Nos primeiros 5 dias os pacientes faziam uso de 4 a 6 comprimidos da associação tramadol/paracetamol ao dia. Nos pacientes submetidos a procedimentos de maior porte como artroplastia de quadril e joelho, foram necessários 6 comprimidos ao dia por um período maior, enquanto que nos pacientes submetidos a procedimentos de menor porte foram necessários 2 a 4 comprimidos ao dia. Em média foram necessários 4,45 ± 0,32 comprimidos. A necessidade da associação tramadol/paracetamol diminuiu com o passar dos dias, independentemente do tipo do procedimento cirúrgico. Como efeitos adversos 2 pacientes relataram náusea leve, controlada com o ondansetron e 1 paciente apresentou sedação de leve intensidade, que cedeu com diminuição da frequência das tomadas da associação tramadol/paracetamol e a suspensão do clonazepam, usado como indutor do sono. Diminuição da frequência de evacuações foi relatada por 6 pacientes, problema que foi resolvido com orientação dietética; porém em 1 paciente foi necessário suspender a associação tramadol/paracetamol e a aplicação de enteroclisma em hospital, porém sem necessidade de internação. Neste estudo o objetivo foi avaliar a eficácia da associação tramadol com paracetamol no controle da dor pós-operatória em cirurgias ortopédicas e traumatológicas de pacientes idosos, não havendo comparação com grupo controle. Para análise dos resultados foi usado o Teste do Sinal, mostrando que o total de respostas positivas foi significativamente superior ao total de respostas negativas, apontando que a associação tramadol com paracetamol foi estatisticamente significativa para o controle da dor pós-operatória em cirurgias ortopédicas e traumatológicas de pacientes idosos, com um mínimo de efeitos adversos. DISCUSSÃO O inadequado controle da dor pós-operatória aumenta a morbidade, principalmente em pacientes idosos, assim sendo o controle da dor no pós-operatório imediato, mesmo após a alta hospitalar deve ser cuidadoso, para controlar a dor sem causar maiores efeitos adversos2,4. Controlar a dor pós-operatória em regime ambulatorial apresenta certas dificuldades, pois a intensidade da dor pode variar e compete apenas ao paciente adequar a ingestão dos analgésicos em função da intensidade da dor que ele sente, e muitas vezes estes pacientes, com medo dos efeitos adversos dos fármacos, especialmente os opioides, preferem sentir a dor a tomar os analgésicos, e assim acabam tendo sua recuperação pós-operatória comprometida pelas complicações resultantes da dor inadequadamente controlada, o que pode agravar o estado de saúde pela manutenção da imobilidade inerente ao procedimento cirúrgico5. Em pacientes submetidos às cirurgias ortopédicas e traumatológicas o controle da dor pós-operatória é sempre um problema importante, pois a movimentação pode aumentar a dor e a imobilidade pode comprometer o resultado da operação e ser causa de aumento de morbimortalidade, devido ao aumento da incidência de complicações respiratórias e circulatórias4,6,7 secundárias à imobilidade. Os fármacos administrados com o intuito de controlar a dor podem causar efeitos adversos muitas vezes mais prejudiciais que a própria dor, especialmente nos idosos, devido às doenças que estes pacientes podem ser portadores e as interações com os fármacos que usam para o tratamento das doenças concomitantes6,8. A associação dos analgésicos visa obter maior eficácia analgésica pela potencialização do efeito analgésico dos fármacos componentes da associação, com menor incidência de efeitos adversos. O uso de associações de fármacos com doses fixas como a usada neste estudo apresenta desvantagens uma vez que as doses de cada fármaco na associação são baixas, pois a dose máxima diária do tramadol é de 400 mg e a do paracetamol é de 3.000 mg, enquanto que pelo uso da associação a dose maior permitida foi de 6 comprimidos ao dia, correspondendo no máximo a 300 mg de tramadol e 1.500 mg de paracetamol1,4,9,10. Este estudo não teve o objetivo de comparar diferentes fármacos para o controle da dor após a alta hospitalar de pacientes idosos submetidos à cirurgias ortopédicas ou traumatológicas, mas permitiu mostrar que a associação tramadol (37,5 mg) e paracetamol (325 mg), com a dose sendo ajustada pelo paciente de acordo com intensidade da dor, foi eficaz, proporcionando boa recuperação dos pacientes, com segurança, pois foi baixa a incidência de 311 13 - Uso da Associacao tramadol.indd 311 10.12.10 16:48:56 Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):309-312 Guérios efeitos adversos, que foram facilmente controlados com a adequação da dose e orientação dietética. Apenas 1 paciente necessitou de cuidados hospitalares para o controle de constipação intestinal, efeito adverso pouco frequente com o uso do tramadol que é um fraco agonista de receptores µ opioides, que estão intimamente relacionados à diminuição da motilidade intestinal. A constipação foi identificada em um número importante de pacientes, talvez devido ao fato de serem idosos e a imobilidade causada pelas cirurgias ortopédicas, uma vez que a falta de deambulação também são fatores desencadeantes da diminuição da motilidade intestinal que predispõe ao seu desenvolvimento. CONCLUSÃO A associação tramadol/paracetamol em baixas doses foi eficaz para o controle da dor pós-operatória depois da alta hospitalar, em pacientes idosos submetidos às cirurgias ortopédicas e traumatológicas, com mínimos efeitos adversos. REFERÊNCIAS 1. 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