palestra claviceps - Instituto Biológico

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PALESTRA
Claviceps.
CLAVICEPS
Pedro Carlos Kruppa
Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal
São Paulo, SP
E-mail: [email protected]
As doenças causadas pelo fungo Claviceps recebem
a denominação comum de ergot (do francês, esporão
de galo) por apresentarem uma estrutura escura entre
as glumas das inflorescências, na forma de um esporão,
denominada de esclerócio. Elas também são conhecidas pelos nomes de doença açucarada, mela das
inflorescências, gota-de-mel ou secreção doce. No
campo, as doenças são identificadas pela presença
de gotas de um líquido viscoso opaco e pelos
esclerócios produzidos nas inflorescências das plantas
atacadas.
Ergot é uma doença que se encontra distribuida em
todo o mundo, aparecendo com maior frequência no
centeio, mas também no trigo, cevada, aveia, milho,
sorgo e pastagens. O ataque nas inflorescências pode
causar perda na quantidade de grãos; redução na qualidade dos grãos sadios devido a presença de saprófitas
crescendo sobre o líquido açucarado, bem como afetar
a viabilidade das sementes. Além disso, as toxinas produzidas pelo Claviceps são responsáveis pelo ergotismo,
doença que pode afetar homens e animais.
Etiologia
O gênero Claviceps pertence a família
Clavicipitaceae na classe dos Ascomycetes, cuja
forma anamórfica, a mais freqüente na natureza,
corresponde ao gênero Sphacelia da família
Tuberculariaceae na classe dos Deuteromycetes. Já
foram descritas cerca de 45 espécies de Claviceps ocorrendo entre as plantas da família Poaceae.
As espécies de Claviceps são diferenciadas pelas
características dos estromatas (ascostroma) incluindo
coloração, distribuição dos peritécios dentro do
estroma, dimensões do peritécio, ascas e ascosporos,
características da morfologia do estipe, esclerócio e
conídios e mais recentemente por diferenças genéticas
moleculares. Os hospedeiros também podem ser utilizados no reconhecimento das espécies de Claviceps.
Hospedeiros
A maioria das espécies de Claviceps tem uma gama
de hospedeiros limitados a alguns gêneros de
gramíneas, com exceção de C. purpurea que ataca mais
de 200 espécies de hospedeiros distribuídos em regiões
de clima temperado. C. purpurea é a espécie mais
conhecida, frequentemente referida como o agente da
ergot comum. É um patógeno comum em grãos de
cereais e pastagens, ocorrendo na África, Ásia, Austrália, Oceania, Europa e Américas. Quase todos os
gêneros da subfamília Pooidea são suscetíveis a esse
fungo, como Agrotis, Avenna, Dactylis, Festuca, Hordeum,
Lolium, Poa, Secale e Triticum. Outras espécies de
Claviceps, tais como C. africana e C. sorghi preferem
regiões quentes ou subtropicais. A maioria das espécies de Claviceps são encontradas nas Gramineae,
enquanto que umas poucas espécies são encontradas
em outras famílias de monocotiledôneas (Cyperaceae
e Juncaceae).
Ciclo da doença na planta
O fungo é um parasita especializado na infecção
de inflorescências de gramíneas, atacando o ovário
de hospedeiros suscetíveis no período de
florescimento das plantas. Nenhuma outra parte da
planta é infectada. A infecção na inflorescência ocorre
na época de abertura das flores e antes da polinização;
nos casos em que há fecundação, as plantas geralmente tornam-se resistentes à doença. As flores
infectadas não produzem sementes. Na maioria das
gramíneas o período de suscetibilidade é curto, indo
do florescimento até o início da frutificação.
No estádio inicial da doença, denominada de fase
conidial ou esfacelial, conídios ou ascosporos do fungo
ao atingirem o estigma, germinam e emitem o tubo
germinativo que cresce através do estilo e coloniza o
ovário formando um estroma. Durante a infecção,
macro e/ou microconídios (em alguns casos também
os conídios secundários) do fungo na forma de
Sphacelia são produzidos no interior do ovário das
flores. Nessa fase, o patógeno provoca o sintoma
conhecido como mela das inflorescências
("honeydew") onde se observa a presença de um
líquido pegajoso, exsudado dos ovários das flores
infectadas, constituido pelo micélio e conídios do
patógeno. As gotículas exsudadas são inicialmente
claras, tornando em seguida opaca pelo grande
número de conídios em suspensão. No decorrer do
processo, observa-se a formação de uma massa branca
do fungo sobre o líquido exsudado. A produção do
líquido chega a tal volume que há um gotejamento
sobre as folhas e o solo, os quais ao secarem tornam-se
brancos pela presença de açucares. Os conídios podem
ser disseminados pelo vento, gota de chuva e sementes.
Biológico, São Paulo, v.66, n.1/2, p.35-37, jan./dez., 2004
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O líquido açucarado é uma substância atrativa aos
insetos e outros pequenos animais que dessa forma
contribuem na disseminação da doença. O líquido
também é freqüentemente colonizado por outros fungos como Cerebella, Cladosporium e Fusarium dando à
inflorescência um aspecto de sujeira.
Com o progresso da doença, o ovário é substituido
por uma estrutura especializada denominada esclerócio
(fase esclerocial). Cada ovário infectado pelo fungo é
substituído por um único esclerócio. A morfologia dos
esclerócios é variável conforme o hospedeiro, o ambiente
e fatores nutricionais da planta; em alguns casos podem ser confundidos com o próprio grão. Esses
esclerócios são colhidos juntamente com os grãos o que
favorece a disseminação do fungo. Os esclerócios que
permanecem no campo, nos restos de cultura ou em plantas voluntárias, germinam formando estromas com
peritécios sobre um estipe que liberam ascosporos que
são disseminados pelo vento e podem infectar flores
suscetíveis, reiniciando o ciclo da doença.
Ergotismo
Além de prejudicar diretamente a quantidade e a
qualidade das sementes produzidas no campo, o
Claviceps também é responsável pelo ergotismo. O
ergotismo é uma doença que pode afetar homens e
animais, causada pela ingestão de grãos ou seus
subprodutos contendo toxinas (alcalóides) produzidas pelo fungo.
O envenenamento devido ao efeito de alcalóides
presentes no esclerócio de C. purpurea é conhecido
desde a muito tempo, como o ocorrido na Idade Média, no ano de 994, quando ficou conhecido como
"Fogo de Santo Antonio". Nessa época, a ingestão de
grãos infestados pelo fungo, ocasionou a morte de
milhares de pessoas no oeste da Europa. Mais recentemente, em 1951, numa pequena aldeia francesa, cerca de 30 pessoas foram intoxicadas, sendo que
5 delas morreram devido ao consumo de farinha contaminada.
Os esclerócios de algumas espécies de Claviceps,
assim como a secreção açucarada, pode conter
alcalóides tóxicos aos animais que se alimentam das
gramíneas forrageiras; esses alcalóides (p.e.
ergotamina e ergotina) têm um efeito sobre o sistema
circulatório, que culmina com o desenvolvimento de
gangrena e necrose nas extremidades dos membros.
As toxinas de C. paspali podem provocar danos ao
sistema nervoso de animais domésticos (cavalo, porco,
carneiro e gado), causando a paralizia e morte.
Manejo
As medidas de controle da ergot no campo devem
concentrar-se preferencialmente no emprego de
variedades resistentes ao patógeno, entretanto como
isso nem sempre é possivel, é importante a adoção de
medidas de manejo da cultura:
- plantio em épocas que permitam prever uma boa
condição climática para o período de polinização das
plantas (insetos e vento), evitando que o florescimento
ocorra em períodos de alta umidade;
- eliminação ou redução das plantas voluntárias e
hospedeiras do patógeno e dos restos de cultura;
- uso de sementes sadias procedentes de áreas livres
do patógeno ou tratadas com fungicidas apropriados
para eliminar os conídios do fungo presentes no
melado ressecado sobre as sementes;
- pulverização nas inflorescências afetadas com
fungicidas apropriados;
- uso de sementes certificadas que passaram pelo
processo de beneficiamento (limpeza e classificação)
para a eliminação dos esclerócios colhidos juntamente
com as sementes;
- manejo nutricional da planta, com o uso de adubação
equilibrada de cobre, nitrogênio e potássio;
- rotação de cultura com plantas não hospedeiras do
fungo para reduzir o nivel de inóculo no campo;
- inspeção das pastagens na época do florescimento,
principalmente após períodos chuvosos e quentes.
Nas áres de pastagens, além das medidas mencionadas acima, outras medidas preventivas devem ser
adotadas para se evitar a ocorrência do ergotismo nos
animais:
- emprego de cultivares de gramineas forrageiras que
não florescem;
- manutenção do porte baixo das forrageiras pelo
manejo dos animais ou da poda, evitando o
florescimento;
- nas áreas onde já houve o registro do ergotismo, realizar a retirada dos animais dos pastos na época do
florescimento.
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