Cristologia - Paróquia Nossa Senhora das Graças

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Curso de Teologia para leigos/as
(Orientação Pastoral)
Paróquia Nossa Senhora das Graças
CRISTOLOGIA
Padre Fernando Aguinaga, escolápio.
SUMÁRIO
1. Jesus de Nazaré, dados históricos.
1.1. Quem foi Jesus de Nazaré? (3).
1.2. Metodologia histórico crítica. (11).
1.3. A Palestina de Jesus. (16).
1.4. O povo esperava um messias. (17).
2. Jesus e o Reino de Deus.
2.1. O movimento de João Batista. (21).
2.2. O profeta Jesus de Nazaré. (23).
2.3. Alegria do povo e conflito. (24).
2.4. A comunidade, sinal do Reino. (26).
3. A mensagem de Jesus.
3.1. Jesus anuncia o Reino aos pobres. (29).
3.2. Os discursos de Jesus. (30).
3.3. As parábolas de Jesus. (31).
3.4. O Evangelho, novo estilo de vida. (33).
3.5. O Evangelho, proposta de uma nova
sociedade. (34).
3.6. Opção pelos pobres. (36).
3.7. A comunidade, fermento da nova
sociedade. (37).
4. A prática de Jesus.
4.1. Evangelizar com obras e palavras. (40).
4.2. Milagres em favor da vida. (41).
4.3. Sinais do Reino de Deus. (43).
4.4. A vida de Jesus é o grande sinal. (44).
4.5. A comunidade, alternativa de vida . (46).
5. O Deus de Jesus.
5.1. O Deus criador, presente na história. (48)
5.2. O Deus de Jesus. (51).
5.3. A oração de Jesus. (53).
5.4. Jesus nos ensina a orar. (55).
5.5. A comunidade, escola de oração. (57).
6. A morte de Jesus na cruz.
6.1.
Missão de Jesus em Jerusalém. (60).
6.2.
A comunidade ao redor da ceia. (62).
6.3.
Julgamento e morte na cruz. (65).
6.4.
Por que mataram Jesus na cruz. (70).
6.5.
Por que Jesus aceitou a morte em
cruz. (72).
6.6.
Compromisso perante a cruz. (73).
7. Deus ressuscita Jesus.
7.1.
O medo dos discípulos. (75).
7.2.
Encontro com as mulheres e
discípulos. (77).
7.3.
Os relatos da ressurreição. (79).
7.4.
Jesus Cristo é o Senhor. (80).
8. Jesus Cristo hoje.
8.1.
Ser cristão, aceitar Jesus Cristo. (83).
8.2.
Viver um estilo novo. (84).
8.3.
Assumir o compromisso. (85).
8.4.
Participar na Comunidade. (86).
9. Metodologia.
9.1.
Tempo do Curso. (88).
9.2.
Objetivos. (88).
9.3.
Material. (89).
9.4.
Dinâmica nas aulas. (90).
9.5.
Elaborar uma síntese pessoal
(grupal). (91).
9.6.
Acompanhamento. Pessoal ou grupal.
Combinando previamente. (92).
9.7.
Avaliação. (92).
9.8.
Bibliografia. (92).
9.9.
Cronologia, mapas, parábolas e
milagres (93).
(O número entre parêntesis indica o
número de página correspondente).
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1. JESUS DE NAZARÉ, DADOS HISTÓRICOS.
1.1.Quem foi Jesus de Nazaré?
Breve síntese da vida e da missão de Jesus, a partir da fé e com visão pastoral.
- Primeiros anos. Jesus nasceu na época do imperador Augusto César, antes da
morte de Herodes o Grande, que aconteceu na primavera do ano 4 a.C. Não temos
certeza da data exata e os historiadores coincidem em situar seu nascimento entre os
anos 6 e 4 a.C. Jesus é filho de Maria e considerado filho de José, o carpinteiro de
Nazaré, viveu nessa cidade a maior parte da sua vida. Falava o aramaico, língua do
povo da época. Conhecia o hebraico, língua utilizada na liturgia judaica. Devia
conhecer também algo da língua grega, pois era conhecida na região que fazia parte
do Império Romano. Perto de Nazaré encontravam-se cidades fortemente
impregnadas pela cultura grega, como Séforis, situada bem perto de Nazaré e que
naquele tempo fora reconstruída; é provável que Jesus tenha trabalhado nessa
reconstrução. Tiberíades era também cidade importante da Galileia, às margens do
mar de Genesaré, perto de Cafarnaum. O pensamento de Jesus foi marcado pela
cultura rural e camponesa. É curioso observar que Jesus não realizou seu ministério
em nenhuma dessas duas cidades de cultura grega.
Aspectos da fé. Os evangelhos de Mateus e Lucas nos dizem que Jesus nasceu em
Belém. Os textos que relatam alguns detalhes da infância de Jesus tem uma
intencionalidade mais teológica do que histórica, pois querem revelar a divindade
de Jesus em ligação com a cidade de Davi. Nesse sentido não se descarta que
pudesse ter nascido em Nazaré. Mesmo assim, o fato do interesse mais teológico do
que histórico nos relatos da infância dos textos de Mateus e Lucas, não pode fazer
descartar a possibilidade real de que tivesse nascido em Belém. Nossa fé nos diz
que Jesus de Nazaré é o Filho de Deus! Os belos relatos da infância em Mateus e
Lucas nos revelam uma grande verdade de fé: que Deus se identifica com os pobres
e marginalizados e é por isso que os âmbitos do poder rejeitam a proposta cristã.
- Batismo de Jesus e tentações no deserto. Jesus, ao começar sua vida pública,
tinha mais ou menos 30 anos (Lucas 3, 21-23). Era por volta do ano 27 d.C. O
imperador de Roma era Tibério César; o governador da Judéia, Pôncio Pilatos; o rei
da Galileia, Herodes Antipas (filho de Herodes o Grande); e os sumos sacerdotes em
Jerusalém, Anás e Caifás (Lucas 3, 1-2). Nos quatro Evangelhos Jesus aparece
ligado com a missão de João Batista, que anunciava um batismo de conversão como
preparação para a vinda iminente do Messias esperado pelo povo e anunciado pelos
profetas. Jesus também se fez batizar por João (Marcos 1, 9-11). Fato certamente
histórico, pois quem era batizado aceitava, de alguma forma, a autoridade de quem
batizava e isso não ajudava os primeiros cristãos a anunciar que Jesus é o Filho de
Deus.
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Aspectos da fé. O que significa o batismo de Jesus? Ele não tinha pecado, não
precisava de conversão. Jesus se batiza com todo o povo como um sinal de
solidariedade com a humanidade que precisa de salvação. Foi também um gesto
para assumir um compromisso: anunciar e construir o Reino de Deus. É por isso
que também o batismo cristão, além de significar a conversão ao Evangelho e o
perdão dos pecados, expressa o compromisso do discípulo com a pessoa e a causa
de Jesus, atualizando hoje a obra de Cristo no mundo, com a luz e a força do
Espírito Santo.
Junto com o batismo Jesus procurou no deserto um discernimento mais profundo
em relação à missão. Na tradição bíblica o deserto é lugar de encontro com Deus e
de renovar a Aliança com o projeto divino. No silêncio e na oração Ele foi
compreendendo e assumindo o conteúdo e o estilo da mensagem a ser proclamada
para o povo, bem na linha dos profetas, especialmente Isaias e, logicamente, João
Batista. O povo esperava a chegada do Reino de Deus e do Messias que o faria
acontecer, mas as esperanças da época não coincidiam plenamente com o projeto de
Jesus. Ele sentiu as tentações de ser um messias do jeito que o ambiente social
exigia, porém, não se deixou enganar. As tentações que sofreu (Mateus 4,1-11)
representam todas as tentações humanas que Jesus também sentiu, não só no
deserto, mas na vida toda dele, principalmente nos momentos finais. A grande
tentação humana é pretender a instauração do Reino como uma resposta de soluções
meramente materiais aos problemas humanos, resolver os problemas a partir do
poder, influenciar na história por meio da imagem e da propaganda. Jesus escolheu
um caminho diferente: ser solidário com os pobres e pecadores, servir aos pequenos,
viver com autenticidade desde o coração e não desde uma imagem para agradar a
todos.
Aspectos de fé. Orientado pelo Espírito Santo Jesus foi para o deserto com a
finalidade de se preparar espiritualmente antes de iniciar sua missão pública. Na
oração, no silêncio e na solidão fez o discernimento sobre como iria realizar o seu
ministério de anunciar com obras e palavras a Boa Nova. Superou a tentação de um
messianismo mágico, populista ou manipulador. Os primeiros cristãos entendem
Jesus como o novo Adão que, pela obediência a Deus, supera as ciladas do Diabo
(Tentador). Aceitou ser um servo de Deus que se entrega em favor do povo com
humildade e amor passando pelo sofrimento. Nesse período de retiro espiritual
preparou-se para enfrentar todas as dificuldades possíveis, incluindo o próprio
martírio na cruz. A salvação divina não se reduz ao fato de conquistar um poder
político ou econômico, embora sejam dimensões importantes, mas a cura na raiz do
mal que é o pecado. Jesus vence as tentações para si e para todos abrindo o
caminho para uma nova história.
- Missão de Jesus na Galileia. Jesus realizou pela região da Galileia uma intensa
atividade missionária anunciando o Reino de Deus com obras e palavras. Palavras
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de esperança e obras que manifestavam o coração misericordioso de Deus.
Percorreu todas as cidades e aldeias ensinando e curando. O povo dizia que ensinava
com autoridade porque fazia o que dizia, era coerente entre aquilo que falava e a sua
prática. As multidões o procuravam e iniciou um grupo de discípulos que seguiam
seu caminho. Marcos nos relata como era um dia na vida de Jesus nessa fase da sua
pregação (Marcos 1, 21-39).
Formou, desde o princípio, um grupo de discípulos que lhe seguiam e viviam
entre si a fraternidade do Reino de Deus, se amando como verdadeiros irmãos
(Lucas 5, 1-11). Jesus proclamava o Reino da justiça e da paz anunciado pelos
profetas: convertei-vos, o Reino está próximo. Jesus representa uma transformação
de valores, um novo jeito de ser (Mateus 5, 1-16) e de se relacionar (Lucas 6, 2026). O Reino de Deus já está no meio de nós, como uma semente que precisa ser
acolhida e cultivada por cada um e pela comunidade (Marcos 4, 26-32). Muitos não
entendem ou não querem se converter a esta vida nova que Jesus traz, mas para
quem aceita e se compromete com o Evangelho o Reino é como o tesouro escondido
que só quem acha sabe do seu valor (Mateus 13, 44-46). Jesus aceitou também as
mulheres no seu grupo de discípulos (Lucas 8, 1-3), mudando totalmente a
mentalidade e a prática daquela época.
Também desde o princípio Jesus encontrou oposição. Principalmente pelos que
tinham interesses sociais a defender. Jesus não se apresentava como um mestre a
mais, como uma opinião entre outras. Tinha a pretensão de falar em nome de Deus
(Mateus 5, 20-48), corrigindo a Escritura naquilo que deve ser superado. As
autoridades, perante a realidade do seu sucesso com o povo, resolveram cedo acabar
com Ele. Chama a atenção a aliança contra Jesus selada entre antigos inimigos
políticos como eram os fariseus e os herodianos (Marcos 3, 6). A própria família
não entende a atitude de Jesus e quer levá-lo de volta para casa (Marcos 3, 2021.31-35). Jesus apresentou na sua cidade, Nazaré, o projeto que vivia e pregava, o
motivo da sua missão (Lucas 4, 16-21). Os seus concidadãos ficaram
escandalizados, pois conheciam a família dele e o seu trabalho anterior, que era
carpinteiro (e pedreiro). A maioria do povo gostava das suas palavras e dos seus
sinais. O povo procura se encontrar com Jesus para ser curado e para encontrar
palavras de vida e Jesus sente dor pela situação do seu povo porque estava como
ovelhas sem pastor (Mateus 9, 35-38; Marcos 6, 30-44). Ele e os seus discípulos
percorriam todas as cidades e aldeias anunciando o Reino, de forma que não tinham
tempo nem de comer.
Às vezes o povo lhe procurava pelos milagres e não pela proposta de vida nova,
o Reino de Deus (Mateus 15, 29-31). Todos pensavam que o Messias apareceria de
repente e seria o final dos tempos, com a irrupção repentina do Reino de Deus, de
uma forma mágica e definitiva, resolvendo de vez todos os males e problemas. Jesus
anuncia o Reino de Deus de uma forma diferente: ele já está no meio de nós e
precisa de fé e acolhida, de conversão para que possa crescer em cada um e no povo.
São os pequenos e pobres que descobrem primeiro esta presença escondida do
Reino na vida (Mateus 11, 25-27). A Boa Nova, porém, se orienta a todos. Jesus
operava sinais não para aparecer nem para manifestar o seu poder, mas porque era
solidário com seu povo e fazia o que estava na sua mão para aliviar os sofrimentos.
O milagre em si pode ser interpretado de muitas formas (Mateus 9, 32-34), mas o
significado deles se relaciona com o Reino de Deus e a necessidade de se engajar no
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projeto de Deus. Jesus realizava sinais para manifestar que o Reino de Deus já está
no meio de nós, como um Reino de Vida e dignidade para o sofredor. Importa a
atitude de acolhida desse Reino e a conversão aos seus valores. O milagre desperta
na mulher e no homem de fé o louvor a Deus e a obediência aos seus planos, a
solidariedade com o próximo que sofre.
A mensagem de Jesus nos revela um Deus totalmente diferente aos padrões da
época: Deus é Pai que perdoa e ama, tem misericórdia imensa com todos e quer a
felicidade dos seus filhos e filhas (Lucas 15, 11-32). Jesus orava constantemente
com o Pai com uma infinita confiança e ternura: era de noite, no deserto, de forma
espontânea, na sinagoga e no templo, de caminho, sozinho e em comunidade. Deus
Pai era a paixão de Jesus. O projeto do Pai (o Reino de Deus) era o projeto de Jesus,
pois Ele foi profundamente obediente a Deus. Jesus se abandonava totalmente nas
mãos de Deus e procurava o seu Reino por cima de tudo (Lucas 12, 22-34).
Aspectos de fé. Jesus nos convida a confiar plenamente no projeto do Pai,
entregando também nosso ser em suas mãos providentes. Ensina-nos um novo jeito
de nos relacionarmos com Deus (Lucas 11, 1-13). Jesus nos revela com sua própria
prática o coração misericordioso de Deus, sendo um Bom Pastor para o povo
(Mateus 11, 28-30). O caminho de Jesus exige compromisso e decisão, uma atitude
firme de seguimento e obediência. Trata-se de um caminho suave e de um fardo leve
porque assumindo e carregando com fé a causa de Jesus é Ele mesmo quem nos dá
consolo, força e alegria verdadeira. O amor de Deus é tão grande que nós estamos
também chamados a sermos misericordiosos e generosos como Ele (Lucas 6, 3638). O cristão está chamado a perdoar e a amar a todos, assim como Deus ama
também os pecadores e, preferencialmente, os pobres.
É interessante entender os milagres pelos detalhes finais: o milagre é um gesto
de amor de Deus que nos convida a aceitar a sua proposta de vida e a nos colocar em
atitude de agradecimento e de serviço ao próximo, nos tornando seguidores de Jesus
(Lucas 18, 35-43) pelos caminhos da vida. Assim também na leitura das parábolas
não é bom querer entender cada detalhe com um significado próprio, nem para tirar
moralismos éticos, pois querem nos dizer como acontece o mistério do Reino de
Deus escondido no meio de nós e a alegria de quem escuta e acolhe esse Reino
(Lucas 15, 4-10). Jesus trouxe a Boa Notícia do amor de Deus presente no meio de
nós e nos convida a participar com alegria na festa do Pai que acontece de alguma
forma já aqui nesta terra e terá a sua plenitude na Vida Eterna (Mateus 22, 1-14).
- A crise dos discípulos na Galileia. Depois da intensa atividade de Jesus com o
povo na Galileia, chegou a hora da avaliação. Ele percebeu que as multidões o
procuravam e seguiam por toda parte. Mas não ficou iludido. Depois da
multiplicação dos pães, que marcou o momento mais alto da sua popularidade,
muitos acreditavam que era o momento de dar um passo a mais no sentido de partir
para Jerusalém e conquistar o poder colocando Jesus como rei, segundo o
pensamento de um messias político. Lá instauraria o Reino de Deus de acordo com a
Lei de Moisés. Sem dúvida que Jesus sentiu também esta tentação, mandou os
discípulos entrarem na barca, não fosse que ficassem empolgados com o tema e
passou a noite toda em oração (João 6, 14-15; Mateus 14, 22-23).
Jesus se retirou para o estrangeiro com os discípulos para discernir e orar. Lá
percebeu ou confirmou-se na convicção sobre qual era o caminho que o Pai lhe
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indicava. Jesus sempre procurou agradar a Deus e realizar a vontade do Pai pois
sabia que isso era o melhor para Ele próprio e para o mundo. Terminada a sua
missão na Galileia, faltava agora realizar o seu anúncio em Jerusalém, a cidade
principal do povo, a capital religiosa e civil. Lá se encontrava também o templo, que
era o coração de toda a tradição judaica. O projeto de Jesus não era, porém, como a
maioria poderia imaginar: conquistar o poder e governar na justiça e na paz o seu
povo. Ele entendeu a sua missão em outro sentido bem diferente: se fazer o Servo de
todos, especialmente dos mais pobres, manifestando com o seu exemplo que o
Reino já está em nós e que precisamos de acreditar nele nos colocando ao serviço do
plano divino fazendo o bem a todos. Sabia das conseqüências desta opção: os
discípulos se sentiriam decepcionados porque eles sonhavam em ser ministros do
governo de Jesus; os poderosos aproveitariam a oportunidade para lá, na capital que
eles controlavam muito bem, acabar com aquele homem que lhes incomodava. Por
isso Jesus preparou a viagem a Jerusalém com tempo suficiente. No caminho iria
ensinando os discípulos o conteúdo da sua mensagem, as atitudes e valores que deve
assumir um seguidor seu. Com quem iria para Jerusalém? Com aqueles que já
conhecessem e aceitassem o mistério da sua pessoa; quer dizer, com aqueles que o
acolhessem como o Cristo, o Messias.
Jesus fez a avaliação da missão com os discípulos: “Quem dizem os homens que
sou eu?”. O povo entendeu que Jesus era um profeta. Na realidade ele tinha se
comportado no estilo dos profetas antigos, denunciando a opressão do povo nas
mãos dos poderosos, anunciando a misericórdia de Deus para com todos e
suscitando vida digna ao seu redor, por meio de gestos, sinais e atitudes humanas.
Jesus, porém, interpelou os próprios discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?”.
Simão Pedro teve a inspiração e coragem de ser o primeiro em proclamar
publicamente a sua fé em Jesus (Mateus 16, 13-26). Jesus é uma pessoa que não
deixa ninguém indiferente, cobra uma decisão em relação à sua proposta de vida.
Não é que Jesus seja egoísta e queira todos para si. Bem pelo contrário, ele é o
servidor de todos e se entrega por todos e cada um de nós. Mas sabe que só com ele
o mundo encontra a vida verdadeira e por isso, respeitando a liberdade de cada um,
pede um compromisso firme em relação à sua pessoa e à sua mensagem. Jesus não
quer uma simples confissão de fé, de palavra. Importa o compromisso de vida que
significa essa confissão de fé. Por isso Jesus, imediatamente, porque não gosta de
títulos vazios, fala da cruz e do seu sofrimento nas mãos das autoridades de
Jerusalém. Pedro não gosta disso porque sonhava com um messias dominante. Jesus
lhe desperta para a realidade, pois Ele não engana ninguém, apresenta as condições
que deve aceitar um discípulo verdadeiro. Ninguém exige uma adesão tão radical
como Jesus, mas ninguém se entrega por todos e cada um com um amor tão imenso
como Ele. Jesus não busca interesse pessoal, mas a vida feliz de cada um e de todos.
Aspectos de fé: Na resposta pessoal à pergunta de Jesus nasce o cristão. Quem sou
eu para você? Não se trata de uma pesquisa sociológica ou de uma opinião
particular. Cada um é livre de responder. O cristão nasce a partir de uma resposta
firme, sincera e fiel. Aceitar Jesus e a mensagem dele como o centro da vida.
Estabelecer uma relação única de fé e de amor, pessoal, profunda, de amizade e de
entrega total.
- O caminho para Jerusalém. Nesta segunda etapa da missão Jesus continuou
evangelizando o povo todo por onde passava, mas dedicou atenção especial aos
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discípulos, porque sabia que iria deixar a sua missão nas mãos deles. Jesus foi
preparando aquele grupo, educando, formando a partir da própria vida. A primeira
lição não demorou a aparecer, quando atravessando a Samaria, terra hostil aos
judeus, o grupo não foi bem acolhido (Lucas 9, 51-56). Jesus ensina os seus
seguidores a perdoar e a não responder o mal com mal, mas a vencer o mal com a
força do bem. O Reino de Deus não vai acontecer pela força nem pelo castigo, só
pelo amor e pela misericórdia. Na realidade, a vontade de Deus se sintetiza no
mandamento do amor a Deus e ao próximo, com um coração grande e cheio de
generosidade (Lucas 10, 25-37).
Houve também momentos de alegria quando Jesus fez um estágio de
evangelização com seus discípulos e eles voltavam entusiasmados (Lucas 10, 1724). Ou quando na montanha sagrada Jesus manifestou a sua glória, para fortalecer
os apóstolos na fé (Marcos 9, 2-8) no episódio da Transfiguração. Também quando
Jesus acolhia e abraçava as crianças, indicando que o menor é o mais importante
para a comunidade (Marcos 10, 13-16). A felicidade principal, porém, consistia em
conviver com Jesus, escutando a sua palavra, participando do seu caminho e criando
um ambiente fraterno na comunidade (Marcos 10, 28-31). Na realidade, aquele
grupo chamava a atenção pela esperança, o espírito de união, de doação e de
partilha, a fé profunda no amor de Deus Pai e na sua presença misericordiosa, aquele
grupo era uma comunidade fraterna que vivia os valores do Reino de Deus e
representava uma alternativa de vida, um novo jeito de ser e de conviver. A oração
em comum e o perdão fraterno são qualidades muito importantes para a vida
comunitária (Mateus 18, 19-22). É a presença real de Jesus no meio dos discípulos
que vai gerando o Reino no coração de cada um para o serviço de todos.
Aspectos de fé: Esses momentos especiais que Jesus criou com seus discípulos para
aprofundar na convivência e na mensagem, nas relações fraternas entre os
seguidores, para esclarecer dúvidas e aprender juntos a partir da fé e da vida
compartilhadas são fundamentais também para o cristão de hoje. O discípulo
verdadeiro procura esses momentos para estar mais perto do Senhor, junto com a
comunidade ou grupo de fé, aproveitando as oportunidades de oração, estudo,
convivência e compromisso com o Evangelho.
- A missão de Jesus em Jerusalém. Jesus escolheu o tempo da Páscoa judaica para
realizar lá o seu último trabalho de evangelização. Reuniam-se na cidade milhares e
milhares de peregrinos judeus vindos de todas as partes daquele mundo antigo. Os
poderosos aproveitavam para exibir o seu luxo e poder, fazendo entradas triunfais
pelas principais portas de Jerusalém. Jesus fez uma entrada diferente, alternativa. No
lugar de exército entrou acompanhado de crianças e discípulos humildes. No lugar
de armas foi acompanhado por ramos de oliveira. No lugar de hinos de guerra foi
aclamado com cânticos de paz (Lucas 19, 28-44). O povo aproveitou para
manifestar o tipo de poder que queria e precisava: pessoas que servem com
humildade e ajudam solidariamente os doentes e sofredores. As autoridades não
gostaram, mas Jesus aprovou o acontecimento. Jesus chorou pela cidade porque
percebeu profeticamente que não tinha muito futuro aquela sociedade que não quis
aceitar a proposta de fundamentar a paz na justiça, por culpa da arrogância das
elites.
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Jesus questionou também o culto do templo porque era aproveitado para o
enriquecimento dos saduceus que controlavam tudo. Na verdade, os milhares de
peregrinos vindos de todas as partes, precisavam comprar os animais para o
sacrifício lá no templo, e a moeda usada devia ser a própria do templo. Os chefes da
cidade viviam do negócio montado ao redor daquele lugar sagrado. Jesus não gostou
e denunciou publicamente aquela farsa, contrariando novamente as autoridades
(Marcos 11, 15-19) que resolveram matá-lo. Mais uma vez!
No meio daquele ambiente hostil, Ele anunciou a sua mensagem sobre o final
dos tempos. Jesus não quer os seus discípulos discutindo o dia e a hora do fim do
mundo, se perdendo em discussões estéreis. Ele quer seguidores acordados e
conscientes, agindo em conseqüência a cada momento da vida, valorizando cada dia
como oportunidade de acolher e servir à causa do Reino (Lucas 19, 11-13). Jesus
prometeu que virá de novo, mas não nos quer olhando para as nuvens e sim que
esperemos por ele lhe amando no pequeno necessitado (Mateus 25, 31-46).
Enquanto os principais da cidade planejavam o final da vida de Jesus, contando com
a colaboração do traidor, Ele recebia e aceitava um sinal do amor do povo simples
para aliviar os sofrimentos que iria padecer (Marcos 14, 1-11).
- A páscoa de Jesus. Antes de morrer, Jesus celebrou a Ceia da Páscoa com seus
apóstolos (Lucas 22, 14-20). O povo judeu celebrava a libertação da escravidão do
Egito quando liderados por Moisés e ajudados decisivamente por Deus atravessaram
pela região do Mar Vermelho rumo à Terra Prometida. Comiam o cordeiro pascal,
que representava o perdão dos pecados e o alimento para a caminhada da fé pelo
deserto da vida, em cumprimento da Antiga Aliança (dos Dez Mandamentos) selada
no monte Sinai. Jesus quis simbolizar naquela noite a vida toda dele, que é uma
Nova Aliança de Deus com a humanidade, que seria selada na cruz, e que trazia um
novo mandamento: servir e amar como Ele nos amou. Esta Nova Aliança precisava
de um novo sinal (rito, liturgia, alimento): o pão e o vinho, o seu próprio Corpo e
Sangue entregues em oblação pela salvação do mundo. A vida toda de Jesus foi
doação por todos que se consumaria na cruz.
Aspectos de fé: Jesus pediu aos discípulos que repetissem aquele sinal em memória
atualizada da sua vida e da sua morte, da sua ressurreição e presença no meio de
nós, na espera ativa da sua nova vinda. Assim, as primeiras comunidades cristãs,
quando celebravam a Eucaristia como momento mais importante da sua fé, tinham
consciência de se unir à vida e ao compromisso de Jesus, se abrindo ao mundo em
atitude de serviço e de amor evangelizador, levando para a humanidade as palavras,
atitudes e gestos de Jesus. A Eucaristia é também hoje sacramento de comunhão
com Jesus, para seguir seu caminho na vida; é sacramento de comunhão fraterna
com os irmãos e irmãs de comunidade cristã; é sacramento para servir e se doar em
amor por todos, especialmente pelos mais pobres.
Naquela noite Jesus foi traído por Judas Iscariotes e entregue aos inimigos. Foi
julgado pelo tribunal religioso, perante o qual não escondeu a sua condição de ser o
Messias, o Cristo de Deus. Foi julgado pelo tribunal político, perante o qual não
negou que era Rei de um Reino diferente aos reinos deste mundo. Foi crucificado,
morto e sepultado. Na cruz sofreu o abandono total (Marcos 15,34), perdoou seus
inimigos (Lucas 23,34), prometeu para aquele mesmo dia o Paraíso ao malfeitor
arrependido e entregou o espírito nas mãos do Pai (Lucas 23, 39-46).
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Historicamente Jesus morreu na cruz porque seus inimigos foram, materialmente,
mais fortes do que ele. Foi um luta injusta, com as cartas marcadas, na qual Jesus
não tinha defesa possível. Ele não recuou porque confiava plenamente em Deus, seu
Pai. Historicamente Jesus morreu na cruz porque a missão dele incomodava os
poderosos da economia, da política e da religião. Com suas palavras e ações Jesus
questionava a mentalidade da época e os valores que dominavam as pessoas e a
sociedade. Não dava mais para combinar a prática de Jesus com o modelo de vida e
de história dos seus adversários.
Aspectos de fé: Não foi Deus quem inventou a cruz para Jesus nem para ninguém,
foram os homens que inventaram e inventamos as cruzes de cada dia que trazem
tanto sofrimento e dor aos humildes da história. Deus não queria que Jesus morresse
na cruz, mas sim que ele fosse fiel até o fim da sua proposta pacífica de viver, aqui
na terra, no meio dos conflitos e contradições humanas, os valores do Reino de Deus
que se revelam pela misericórdia, o perdão, o amor a todos, de forma especial aos
mais pobres. De viver aqui na terra a alegria e a felicidade da partilha, da amizade,
da comunhão com Deus e da comunhão fraterna. É possível. Jesus viveu e morreu
pela causa de Deus fazendo com que a vida de Deus aconteça já aqui nesta terra.
Com a morte em cruz Jesus se identifica e solidariza com todos os mártires
injustiçados da história humana, com todos os sofredores e humilhados,
marginalizados e desprezados. Em Jesus Cristo nós entendemos que vale a pena
entregar a vida pelos outros, que faz sentido se doar no dia a dia, renunciar a si
mesmo para a felicidade do meu próximo. Com Ele compreendemos que a
verdadeira felicidade consiste em dar mais do que em receber. Em se doar mais do
que em esperar que os outros sejam bons para mim. Mas a morte de Jesus tem
também um significado muito especial para todas as pessoas que acreditam em
Jesus Cristo. Aceitando o caminho da paz para construir a justiça Jesus arriscou e
perdeu a sua própria vida e assim Ele entra plenamente no Reino do Pai abrindo
para toda a humanidade as portas do céu, quer dizer, trazendo para todos o perdão
dos pecados e a amizade de Deus com a plenitude da graça e do amor divinos. Jesus
morre na cruz para perdoar os nossos pecados e abrir na história humana um novo
caminho de vida: o Evangelho.
Tudo parecia acabado. “Tudo está consumado” (João 19,30). Os discípulos
fogem com medo. A expectativa da irrupção do Reino dilui-se no fracasso da cruz.
A dor pela morte do amigo e mestre é imensa. Terminou aquele belo sonho de
acreditar na possibilidade de uma vida diferente, pautada pelo amor e a alegria de
viver fraternalmente em comunhão e amizade. Alguns amigos influentes sepultam
Jesus rapidamente, pois era véspera do sábado, dia sagrado, ainda mais naquele ano
que coincidia com a data da páscoa. Algumas mulheres do grupo observam. No dia
primeiro da semana, depois que passou a festa dos judeus, as mesmas mulheres se
aproximam do lugar onde fosse depositado o corpo de Jesus e não o encontram.
Recebem a notícia da ressurreição do Senhor. O próprio Jesus aparece a elas.
Anunciam a ressurreição aos outros, mas não acreditam. A mesma experiência
acontece com alguns dos discípulos. Existem sérias dificuldades para acreditar. Isso
é compreensível.
Aspectos da fé: Ao terceiro dia ressuscitou e se apareceu aos discípulos, mulheres e
homens, transformando as suas vidas, trazendo alegria aos seus amigos, reunindo
10
em comunidade de amor os seus seguidores, enviando eles em missão de
evangelizar todos os povos, acompanhando com a sua presença oculta e real aqueles
que o acolhem pelo dom da fé e o seguem por amor no caminho da vida. (Mt.28,
16-20). Como diz a liturgia Ele está junto do Pai, mas sem se afastar de nós, que
somos seus irmãos. Ele caminha conosco e nós, na fé, iluminados pelo Espírito,
experimentamos a alegria da sua presença amorosa e amiga como Bom Pastor
enquanto esperamos a sua Nova Vinda, quando acontecerá a plenitude dos tempos.
O seu Reino já está presente no meio de nós, mas ainda não totalmente aqui nesta
terra. Neste caminhar nós o invocamos: “Vem, Senhor Jesus!”. (Apocalipse 22,
20b).
1.2. Metodologia histórico crítica.
- Acesso ao Jesus histórico. Quando a história foi assumida como ciência a partir de
uma metodologia científica a teologia interessou-se vivamente em aplicar à pessoa de
Jesus de Nazaré essa mesma metodologia com o objetivo de conhecer melhor, no plano
humano, quem Ele foi realmente. O Concílio de Calcedônia definiu por igual a
divindade e a humanidade de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A
comunidade cristã tomou muito a sério sempre a humanidade de Jesus com todas as
conseqüências. Mas como chegar até o Jesus homem? Quando a teologia começou a
utilizar a metodologia científica como ajuda para a sua tarefa de refletir de forma séria e
responsável sobre os assuntos da fé encontrou-se com muitas dificuldades. Rudolf
Bultmann, grande teólogo alemão do século XX, foi um dos iniciadores dessa pesquisa.
Perante as dificuldades pensava que não tinha como chegar a grandes conclusões sobre
o Jesus da história e que, tal vez, os cristãos deveriam se conformar com o
conhecimento espiritual do Cristo da fé, presente no Querigma. Vieram outros teólogos
que também eram cientistas nas áreas da história e da literatura antigas e aos poucos, a
partir do avanço nas pesquisas, foi se abrindo o caminho para chegar a conhecer melhor
o Jesus da história. Nenhum historiador sério de hoje nega a existência de Jesus de
Nazaré. Outra coisa é acreditar que seja Deus, pois essa é uma questão de fé, uma opção
pessoal de cada um. Contamos hoje com a ajuda de estudos bem fundamentados
(citados na bibliografia) que nos oferecem abundantes dados, ainda que menos do que
gostaríamos, sobre a vida e a missão do grande profeta da Galileia.
Nós precisamos hoje fazer o caminho inverso que realizaram os primeiros discípulos.
Eles conheciam o Jesus histórico, pois conviveram com Ele, humanamente, para
concluir depois que era o Filho de Deus. Nós escutamos falar de Jesus como o Cristo, o
Filho de Deus, em quem nós cristãos acreditamos como Filho de Deus. Para
compreender com maior profundidade o significado e a mensagem de Cristo, para
sermos mais fieis ao seu chamado, necessitamos conhecer também melhor a história
humana do homem Jesus de Nazaré. Existe uma ligação profunda entre o Jesus histórico
e o Cristo da fé. Compreender melhor essa relação existente entre os dois aspectos da
mesma pessoa é muito importante para a nossa vida cristã, a fim de sermos mais fieis no
seguimento e no compromisso com a causa dele.
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Hoje podemos afirmar que é possível, sim, conhecer o que necessitamos para a nossa
vida de fé em relação à humanidade de Jesus. As fontes literárias de que dispomos,
mesmo não sendo tratados de história, pois foram escritos para despertar e alimentar a
fé, contêm os elementos históricos suficientes para termos acesso ao homem que
representa a causa do cristianismo. A metodologia histórico crítica muito nos ajudou no
enriquecimento dessa compreensão.
- Fontes literárias.
É muito oportuno lembrar que sobre as personalidades históricas da antiguidade não
existem documentos ou testemunhos tão próximos aos fatos como no caso de Jesus.
Buda morreu no ano 480 a.C., aproximadamente. A mensagem dele foi escrita 500 anos
depois. A mesma coisa acontece no caso de Confúcio, do qual só temos duas fontes
muito frágeis do ponto de vista da crítica histórico literária moderna. Essas fontes foram
redigidas 400 e 700 anos, respectivamente, após a morte dele. Os quatro evangelhos e o
Novo Testamento foram escritos ainda no século I, a partir do testemunho direto dos
discípulos que conviveram com Jesus. Quer dizer, a mensagem que foi passada para nós
tem uma grande e alta garantia de confiabilidade que outras personagens da história
antiga não têm.
+ Cartas de Paulo. Embora Paulo não conhecesse diretamente a pessoa de Jesus
pesquisou nas fontes mais próximas, pois conheceu vários dos primeiros discípulos que
tinham convivido diretamente com o Mestre. Embora Paulo estivesse mais preocupado
com o anúncio do Querigma, apresentando Jesus Cristo como o Senhor e Filho de Deus,
não se pode negar que nos oferece os primeiros documentos escritos sobre Ele. A
narração da eucaristia de Paulo (1 Coríntios 11, 23-26) é a mais antiga que temos nas
mãos, do ano 56, quer dizer, somente 26 anos após a morte de Jesus em Jerusalém. Nas
cartas nos mostra traços entranháveis da personalidade de Cristo.
+ O Evangelho de Marcos. Escrito aproximadamente no ano 70, quer dizer,
apenas 40 anos após da cruz de Jesus. Texto escrito em Roma pouco antes da destruição
de Jerusalém, fato acontecido no ano 70. Marcos recolheu relatos orais sobre Jesus,
principalmente de Pedro. O motivo de escrever o texto foi o relevo da segunda geração
de cristãos que substituía a primeira geração cristã. Os discípulos que conheceram
diretamente a Jesus vão morrendo, entre eles Pedro. Novas lideranças, entre as quais o
próprio Marcos, vão tomando o revelo nas responsabilidades da Igreja. Estes novos
cristãos não conheceram pessoalmente a Jesus. Daí a necessidade de colocar por escrito
o testemunho das testemunhas oculares. Marcos tem o mérito, também desde o ponto de
vista histórico, de respeitar a pregação oral de Pedro em Roma, sacrificando o próprio
estilo literário. Escrito em grego.
+ A Fonte Q (Quelle, que significa “fonte” em alemão). Escrito que não chegou
diretamente até nós, mas sim indiretamente. Era uma compilação de discursos e
parábolas que circulava nas comunidades, utilizada principalmente pelos pregadores
itinerantes, que imitavam o estilo missionário do próprio Jesus. Os evangelhos de
Mateus e Lucas inspiram-se nesse texto. Ambos os evangelhos foram escritos em
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lugares bem diferentes e mostram coincidências que chamam a atenção. São devidas à
essa fonte “Q”. A crítica literária consegue chegar, por meio desses textos, até as
próprias palavras ditas pelo Senhor.
+ O Evangelho de Mateus. Escrito em Damasco nos anos 80, depois da
destruição de Jerusalém, provocou uma intensa comoção nos judeus tanto da Palestina
como da diáspora, entre os quais numerosos cristãos das primeiras comunidades.
Inspira-se no esquema de Marcos, mas passa do estilo oral do primeiro para um estilo
literário muito bem cuidado. Adapta, logicamente, o texto à realidade que vive aquela
comunidade cristã na Síria, em confronto constante com os fariseus, conservando, no
entanto o essencial. Apresenta a figura de Jesus como o Mestre que traz para o mundo a
mensagem divina. Parece que o texto seja tradução grega de um original aramaico que
se perdeu.
+ O Evangelho de Lucas. Escrito nos anos 80, têm duas partes: o Evangelho e os
Atos dos Apóstolos. Inspira-se em Marcos e na fonte “Q”. Utiliza também abundante
material próprio, que o autor pesquisou, como ele próprio afirma no prólogo. Estilo
grego elegante que às vezes sacrifica por conservar relatos recolhidos das próprias
testemunhas que conviveram com Jesus. Apresenta a figura de Jesus como Bom Pastor,
cheio de ternura e de misericórdia pelo ser humano, especialmente pelos pobres e
pecadores. Lucas cita coordenadas mais precisas desde o ponto de vista da história.
Aprofunda sobre a missão do Espírito Santo, quem faz a ligação entre Jesus e a Igreja.
+ O Evangelho de João. Segue um esquema bem diferente dos outros três
evangelhos. Relata três presenças de Jesus na Páscoa em Jerusalém, dando a entender
que a missão de Cristo teria durado mais de dois anos. Este texto nos oferece valiosas
informações históricas, como a data da última ceia e da crucifixão. Valoriza muito os
diálogos de Jesus com diversas pessoas, que acontecem em encontros pessoais, por
meio dos quais Ele se revela, a partir de sinais humanos, como o Messias prometido. De
forma semelhante acontece no discurso da Ceia. Apesar de que destaca
intencionalmente a soberania de Jesus por cima dos homens e das forças da história para
sublinhar que Ele é o Filho de Deus, oferece dados humanos precisos que ajudam na
compreensão da história humana daquele que é apresentado como a Palavra Encarnada.
+ O evangelho de Tomé. Considerado o mais importante entre os apócrifos.
Escrito, tal vez, ainda no século primeiro. Recolhe uma coleção de 114 frases de Jesus,
na linha da coleção da Fonte “Q” já citada. Não foi aceito como texto sagrado pela forte
influência gnóstica que o situa fora da comunidade cristã primitiva. Apresenta Jesus
como um sábio que oferece conselhos práticos para a vida. A missão de evangelizar, a
perspectiva do compromisso com a história a partir do projeto divino, a morte e
ressurreição de Jesus são ignorados absolutamente. Do ponto de vista histórico aporta
pouca coisa.
+ O historiador Flavio Josefo. Ele foi um Judeu do século I que participou na
Galileia da guerra contra os romanos, mas desertou e foi parar em Roma onde se tornou
historiador a serviço do império romano, graças às suas dotes literárias. Escreveu várias
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obras, entre as quais “A guerra dos judeus”, ao redor do ano 90. Conhece muito bem o
ambiente histórico do tempo de Jesus que descreve admiravelmente. O testemunho dele,
vindo de fora do Novo Testamento, é de uma grande importância histórica para nós.
Cita a morte de Tiago, o irmão de Jesus, que foi apedrejado em Jerusalém no ano 62.
No livro Antiguidades dos judeus (18,3.3) cita a Jesus como um homem sábio que fez
coisas admiráveis e era amado pelo povo, tanto judeu quanto grego. Diz que morreu na
cruz condenado por Pilatos, mas que os seguidores dele continuam o amando e se
reunindo por causa dele, pois o consideram o Cristo.
+ Historiadores romanos daquela época. Tácito (anos 50 a 120), Suetônio (ano
120) e Plínio o Moço (anos 61 a 120). Mesmo que falam pouco sobre Jesus o
testemunho deles é de suma importância, pois confirmam a existência humana de Jesus
a partir da perspectiva do Império Romano e reconhecem a existência de um movimento
importante de seguidores cristãos já no final do século I e princípios do II. Falam da
morte de Jesus na cruz no tempo do governador Pilatos e do imperador Tibério. Quer
dizer, esses breves dados são coerentes com as fontes cristãs.
+ Manuscritos de Qumran. Um dos manuscritos, contendo sete rolos, fala de
costumes dos essênios, grupo religioso que se afastou para aquela região próxima do
Mar Morto. Esse grupo existia na época de Jesus e esses escritos, encontrados por um
pastor árabe no ano 1947, nos revelam a diferença substancial entre a mensagem dos
essênios e o evangelho de Jesus, fato que faz incompatível alguma teoria que falava
sobre a relação de Jesus com essa seita.
+ Literatura rabínica daquela época. Cita-se a figura de Jesus no Talmud umas
dez vezes, sempre de forma depreciativa, para desautorizar a pessoa de Jesus e a
comunidade dos seus seguidores. Esses textos confirmam o que os evangelhos dizem:
Jesus curava, ensinava uma mensagem própria, criticou as práticas dos mestres da Lei,
foi pendurado no madeiro (crucificado) na véspera da Páscoa. Mesmo que falam mal de
Jesus reconhecem que existiu historicamente, curou os doentes, ensinou o povo, criticou
as autoridades e morreu na cruz.
- Critérios de historicidade. Existe entre os historiadores uma série de critérios para
avaliar o nível de historicidade de um relato determinado. Esses critérios são aplicados
também à Sagrada Escritura, especialmente às fontes literárias que falam sobre Jesus de
Nazaré.
+ Dificuldade. Relatos que dificilmente seriam inventados pelos discípulos, pois
dificultariam seriamente a divulgação da causa do grupo, no caso dos cristãos, a
evangelização ou o anúncio de que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. Por exemplo, o
relato do batismo de Jesus pelas mãos de João Batista. A própria morte de Jesus na cruz,
considerada pela Escritura como maldição divina (Deuteronômio 21,22-23), jamais
seria inventada por discípulos, pois dificultava enormemente a divulgação da
mensagem.
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+ Descontinuidade. Palavras e fatos que não combinam muito bem com a
tradição de Israel, pois os discípulos não iriam inventar um fato ou palavra que
prejudicasse a boa fama do mestre. Jesus participava realmente das refeições com
publicanos e pecadores; com certeza que Ele chamou a Deus de ABBA.
+ Testemunho múltiplo. Quando fontes diferentes e independentes atribuem a
Jesus um mesmo fato ou palavra. A ação curadora de Jesus, a centralidade do Reino de
Deus na mensagem dele, o relato da ceia, as parábolas, o grupo de discípulos, a morte
em cruz e outras muitas palavras e ações.
+ Coerência. Aqueles textos que estão em sintonia com os relatos já confirmados
na sua veracidade pelos critérios anteriores.
+ Rejeição e cruz. No mundo da história como ciência ninguém hoje duvida da
crucificação de Jesus por ordem de Pilatos. Existe também pleno consenso em relação
às causas históricas da morte de Jesus.
- Dados arqueológicos.
+ Manuscritos de Qumran. Perto do Mar Morto situava-se um mosteiro
pertencente ao grupo dos essênios, grupo que se afastou de Jerusalém e esperava o
Reino de Deus pelas mãos do Mestre da Justiça. Esse grupo, contemporâneo de Jesus,
produziu uma série de escritos. Alguns documentos foram encontrados por um pastor
árabe no ano 1947. Contêm relatos interessantes sobre a vida e a mensagem daquele
grupo judaico. Oferecem informação sobre os anos 200 antes de Cristo até o 70 depois
de Cristo, quando tudo foi destruído pelos romanos e essa documentação foi salva ao ser
escondida eficazmente nas grutas da região.
+ Códices de Nag Hammadi. É a cidade egípcia onde um agricultor encontrou
esses papiros com 45 textos cristãos do século IV d.C. Recolhe textos escritos bem
depois dos quatro evangelhos e apresentam uma espiritualidade gnóstica. Segundo o
grande teólogo e historiador J.P.Meier não oferecem dados confiáveis e não resistem à
metodologia da crítica histórica.
+ A inscrição de Pilatos. Na cidade de Cesaréia, na Palestina, que fora a sede dos
governadores romanos da região da Judéia, foi encontrada no ano 1962 uma inscrição
que fala de Pôncio Pilatos inaugurando um prédio público erigido em honra do
imperador Tibério.
+ O ossário do sumo sacerdote Caifas. Encontrado no ano 1990 em Jerusalém,
nas escavações de uma casa de família rica da capital, contendo ossos de seis pessoas. É
do século I. Trata-se da casa de quem fora sumo sacerdote em tempos de Jesus, aquele
que o entregou a Pilatos.
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+ Yehohanan, o crucificado de Jerusalém. Um arqueólogo encontro no ano 1968
em Jerusalém um túmulo do século I escavado na rocha. Um dos ossários pertence a um
homem de entre 20 a 30 anos que fora crucificado. As mãos tinham sido amarradas à
travessa horizontal e os pés, separados, pregados à vertical com longos pregos.
+ Em Jerusalém. O pretório onde Pilatos residia quando viajava a Jerusalém foi
encontrado pelos arqueólogos e oferece algumas informações sobre costumes da época.
Foi o lugar onde Jesus foi julgado antes de morrer. Em frente do palácio existia uma
pequena praça com pavimento de grandes lajes, coincidindo com o relato de João. Jesus
foi crucificado fora das antigas muralhas, no Gólgota, situado hoje no templo do santo
sepulcro.
+ Escavações de Séforis e Tiberíades. Situadas na Galileia, terra de Jesus, foram
construídas quando Jesus era jovem. De estilo romano tinham a finalidade de
enfraquecer o judaísmo na região, fortalecendo a cultura grega. Esse era um dos
objetivos de Herodes o Grande, fato que provocou, por um lado, uma situação de
pobreza nas aldeias da Galileia, pois os recursos eram orientados para essas cidades. Por
outro lado isso originou as constantes revoltas armadas dos galileus contra os romanos
com as conseqüentes represálias sanguinárias dos romanos em contra dos judeus.
+ Escavações na Galileia. As aldeias de Jodefat e Gamla foram destruídas pelos
romanos na guerra judaica, no ano 67. Foram encontradas tal como eram naquela época
nos oferecendo valiosa informação de como eram as casas e a vida na terra de Jesus,
precisamente na época que Ele viveu. Também em Nazaré encontraram-se restos
arqueológicos do século I. Algumas casas tem como duas partes, a antiga ou gruta e a
construção adjacente de alvenaria. Encontrou-se também no mar da Galileia uma barca
de pesca do século I, com capacidade para umas 13 pessoas.
1.3. A Palestina em tempos de Jesus
A terra de Jesus era conhecida como Canaã ou Palestina. Não era muito grande (do
tamanho de Sergipe; 300 vezes menor que o Brasil). De norte a sul, 250
quilômetros; de leste a oeste, apenas 100. Não havia estradas nem boas
comunicações. O povo viajava a pé. A Palestina, nos tempos de Jesus, estava
dividida em três regiões: A Judéia, a Samaria e a Galileia.
- A Judéia estava no sul, região montanhosa e ruim para a agricultura. A capital era
Jerusalém, onde estava o templo, centro da vida dos judeus. O povo vivia da criação
de gado (pastores de ovelhas), do artesanato e do comércio. A cidade de Jerusalém
vivia do templo. Na época da Páscoa milhares de peregrinos viajavam para o templo
e esta tradição rendia muito dinheiro para a aristocracia da cidade. Os ricos de
Jerusalém viviam do comércio do templo. Perto de Jerusalém, a 7 km encontra-se a
cidade de Belém, pequena e pobre, chamada também a cidade de Davi. Ficavam
também perto as cidades de Betânia (3 km) e de Emaús (10 km). A 40 quilômetros
situava-se Jericó. Em tempos de Jesus a Judéia estava governada pelo Sinédrio
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(Conselho de 71 membros das principais famílias de Jerusalém) e pelo governador
Pôncio Pilatos, representante do Imperador Romano.
- A Samaria ficava no centro do país, entre a Judéia e a Galileia, mas não se dava
bem com elas. Os judeus desprezavam os samaritanos porque tinham mudado
muitos costumes culturais e religiosos. Eram considerados como pagãos e impuros.
Quando os galileus viajavam para Jerusalém evitavam passar pela Samaria dando
uma volta maior seguindo o percurso do rio Jordão. Jesus elogia a fé e a
solidariedade dos samaritanos (encontro com a Samaritana e parábola do Bom
Samaritano). As cidades principais eram Cesaréia, porto de mar; daí os romanos
controlavam a Palestina e lá morava o governador Pilatos. Outra cidade menor era
Samaria, a capital antiga da região. A Samaria era terra boa para a lavoura. Sendo
Jesus jovem, um grupo de samaritanos profanou o templo de Jerusalém.
- A Galileia era a terra onde Jesus morou quase a vida toda dele. Jesus viveu em
Nazaré, na Galileia, até os 30 anos (Lucas 3, 23). A maioria dos discípulos dele
eram galileus. O povo vivia da agricultura (terra boa), da pesca (mar ou lagoa
chamada com vários nomes: da Galileia, de Genesaré ou de Tiberíades). Era um
lugar de caminhos importantes: a estrada de Jerusalém a Damasco, a estrada de
Cesaréia a Damasco, a estrada de Cesaréia à região da Decápolis. Era por isso
encruzilhada de culturas diferentes, lugar de convívio com estrangeiros e de intenso
comércio. Os galileus, pelo fato de conviverem com pagãos, eram mal vistos pelos
judeus de Jerusalém. Como as tropas romanas passavam com freqüência por lá e a
população era obrigada a financiar a hospedagem dos soldados, existia lá ainda um
ódio maior contra o império romano.
1.4. O povo esperava um messias.
- A vida do povo
. Os romanos dominavam o país desde o ano 63 antes de Cristo. As elites poderosas da
região e muitas famílias ricas eram favoráveis às boas relações com os romanos, pois
lucravam com a situação. O povo sustentava os interesses dos ricos e dos invasores
através dos impostos. Os romanos cobravam os impostos do povo utilizando os
publicanos, que se responsabilizavam de recolher os impostos, ajudados pela guarda
romana, passavam o importe estabelecido aos romanos e ficavam com o resto. Muitos
se revoltavam contra essa dominação, mas eram abafados pela força romana. Os
publicanos eram considerados os piores pecadores por serem colaboradores dos infiéis
pagãos e dominadores. No “Dia do Senhor” eles seriam, com certeza, julgados e
condenados a sofrer os piores castigos.
Os evangelhos falam muito dos pobres: os que estavam fora do poder, não tinham
riquezas nem privilégios, os ignorantes, simples, doentes, abandonados, sem terra,
biscateiros, desempregados, doentes, mulheres viúvas, mendigos, pastores e crianças.
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Os ricos eram proprietários de terras e casas, viviam com luxo e mordomias; a maior
parte do povo trabalhava para eles e ainda pagava os impostos. A pobreza era grande e
muitos a interpretavam como castigo de Deus. De fato, os líderes achavam que o povo
era uma banda de gente impura, ignorante e pecadora. A classe dos escribas e doutores
ocupava um lugar de destaque na sociedade. A maioria do povo não tinha vez, mas não
perdia a esperança de encontrar o Messias que lhe devolvesse a igualdade. A pesar das
frustrações acreditava nos profetas e nos salmos.
Grupo especialmente marginalizado era o dos doentes; havia muitos (falta de higiene e
de saneamento básico). Doente era pecador pelo fato de ser doente. Para evitar a
contaminação eram afastados da convivência e obrigados a viver de esmola. Os leprosos
tinham que viver no mato ou no deserto, sem contato com ninguém. Quando alguém se
aproximava de um leproso ele tinha a obrigação de gritar: “Sou impuro, sou impuro”.
Se um leproso se aproximasse de alguma pessoa ou grupo era obrigação jogar pedras
contra o doente. Na mentalidade daquela época todo doente estava possuído por algum
espírito mau. Assim, os doentes, além de suportar o sofrimento físico, carregavam uma
culpa moral. Pelo fato de serem doentes eram impuros e pecadores, castigados por Deus
pelos próprios pecados ou pelos pecados dos pais.
A mulher era fortemente discriminada. Participava pouco da vida pública. Ficava em
casa; só saía com o rosto coberto; vivia submissa e dominada, como uma escrava do
homem. Era obrigada a obedecer ao marido. Sua palavra não tinha valor nos tribunais e
era proibida de estudar a Lei e as Escrituras na escola sinagogal. Juridicamente a
mulher, quando era criança, dependia do pai, cassada dependia do marido e viúva
dependia do filho varão maior ou, na falta dele, de algum parente homem. Qualquer
motivo era suficiente para o homem repudiar a mulher e se divorciar dela. Então ela
voltava para a casa do pai se ele a aceitava. Caso contrário ficava na rua!. No direito
judeu a mulher não podia se divorciar do marido, só o marido podia divorciar-se da
esposa. Como o fluxo de sangue era impureza na lei judaica a mulher era considerada
impura nos seus períodos de menstruação: tudo quanto tocava se tornava impuro!
As crianças não contavam perante a lei. O pai que a abandonasse ou desprezasse não
tinha delito legal. As crianças eram desprezadas e se colocavam ao cuidado da mãe até
os 12 anos, quando eram consideradas como sujeitas de direito civil e religioso.
Os pastores. Por viverem muitos dias nas montanhas e no mato, em contato com
animais considerados impuros, e por não poderem realizar todos os ritos de purificação
exigidos pela Lei eram considerados como pecadores e impuros, indignos de se
aproximar da liturgia judaica. Esquecidos por Deus e ignorantes da Lei porque não
podiam participar nas escolas rabínicas dos sábados para estudar as Escrituras. Pobres
em dinheiro e desprezados pela religião, não tinham muita oportunidade de participar na
caminhada do povo de Deus.
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- Os grupos e instituições da época.
+ O templo de Jerusalém. Era o centro religioso, financeiro e comercial da
cidade, seu símbolo maior. No templo se realizavam as grandes festas, chegavam
peregrinos aos milhares; lá funcionavam os bancos, hospedarias, mercado de animais
para os sacrifícios do culto, etc. Dois terços da população de Jerusalém vivia do templo.
Era também o centro das decisões políticas. Tinha moeda própria e era obrigação,
dentro do templo, comprar e vender com aquela moeda. Este fato facilitava a presença
dos cambistas de moedas que trocavam as diferentes moedas existentes no império
romano pela moeda do templo.
+ O sinédrio: tribunal formado por 71 membros, a maioria eram saduceus e
fariseus. Era como o congresso de Jerusalém. Defendia, ocultamente, os interesses dos
romanos, aparentemente, porém defendia a soberania judaica. Os zelotes não aceitavam
esta dupla posição e consideravam esta instituição como uma traição em contra do povo.
+ Os saduceus: famílias ricas que controlavam o templo e os tribunais de justiça.
Faziam parte da aristocracia de Jerusalém e estavam ligados às famílias mais
importantes dos sumos sacerdotes. Não acreditavam na vida depois da morte e achavam
que a riqueza e a saúde eram a bênção de Deus aos seus eleitos. Não queriam abrir mão
dos seus privilégios e desprezavam o povo humilde. Consideravam-se justos e santos
perante Javé, pelo fato de cumprir as normas da Lei e de serem abençoados por Deus
com tantos bens materiais. Utilizavam um discurso nacionalista contra os romanos, mas
a presença romana era uma vantagem para eles porque favorecia as peregrinações de
fiéis judeus desde todos os cantos do império romano que originava para a cidade de
Jerusalém grandes lucros econômicos.
+ Fariseus: eram contra os romanos, mas não tinham força contra eles. Muitos
eram doutores da lei e acabavam também oprimindo o povo com tantas normas e
obrigações. Achavam que o cumprimento ao pé da letra da Lei de Moisés traria a
salvação do povo. O Messias seria um Mestre da Lei e viria para salvar o povo quando
este cumprisse fielmente a Lei. Por isso eles condenavam todos os que não cumpriam a
lei rigorosamente e os acusavam perante o povo de causar o adiamento da vinda do
Messias. Acreditavam na vida além da morte que seria de felicidade paras os
cumpridores fiéis da lei e de condenação para todos os relaxados. Faziam muitos jejuns
e penitências públicas e defendiam o rigor moral nos costumes e na vida comum do
povo. Moralistas rigorosos, achavam-se justos e desprezavam os frágeis.
+ Essênios. Seita afastada do resto do povo que se recolheu perto do Mar Morto
para viver fielmente a Lei em comunidade de vida e de fé. Compartilhavam os bens,
oravam em comum e estavam muito bem organizados. Esperavam o Messias como um
Mestre de Justiça que daria a eles o Reino enquanto o resto da humanidade, incluindo o
resto do povo de Israel, seria condenado por infidelidade. O Messias seria um juiz justo
que faria cumprir retamente a Lei a todos.
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+ Os batistas. Seguidores de João Batista esperavam a chegada iminente do
Reino de Deus por meio de um Messias rigoroso e juiz implacável. Entendiam a
salvação como oferta para todos sempre e quando cada um se arrependesse dos seus
pecados e fizesse penitência, sinalizando com obras de solidariedade e de partilha o
arrependimento pelos pecados.
+ Os “zelotes” lutavam contra a classe rica e queriam o fim da dominação
romana. Queriam impor a Lei de Moisés pela força das armas. Acreditavam, como a
maioria do povo, que o Messias seria um guerreiro poderoso ungido com o poder de
Javé, que expulsaria os dominadores estrangeiros e governaria Israel segundo a Lei de
Deus, humilhando todos os pagãos.
+ Os Romanos e pró romanos. Abertamente partidários do império romano e do
imperador, levavam vantagem por causa da situação e não tinham escrúpulos em
oprimir o povo para se enriquecer. Odiados pelo povo por serem pagãos ou
colaboradores dos inimigos, eram grupos que viviam de passagem pela Palestina, pois
quando se enriqueciam iam morar em outros lugares onde não eram conhecidos. Muitos
publicanos faziam parte desse grupo. Não esperavam nenhum messias, pois a situação
era ótima para eles.
+ Herodianos. Semelhantes aos anteriores eram políticos da situação e faziam
parte do partido de Herodes. De cultura grega gostavam dos costumes romanos e
consideravam a religião judaica um atraso ao progresso do mundo helenista da época.
Como Herodes construiu cidades de cunho grego como eram Séforis e Tiberíades
tinham influência no mundo da construção, do comércio e dos negócios. Também
odiados pelo povo mantinham sua posição social de privilégios graças aos exércitos
romanos e herodiano.
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Nós cristãos acreditamos que Jesus Cristo é o Filho de Deus. Eis a nossa fé! Existem,
porém, outras opiniões que se fundamentam em outros textos antigos, bem posteriores
às fontes próximas, mas que originam obras de ficção cheias de fábulas e fantasias, com
o objetivo de lucrar com um tema que sempre desperta grande interesse. A Igreja tem o
cuidado de utilizar também o método histórico crítico para conhecer melhor o Jesus
humano a partir das fontes literárias e históricas mais autênticas existentes. Você
considera importante partir do Jesus da história para compreender melhor o Cristo da
nossa fé? Por quê? Pode esse estudo nos ajudar a sermos melhores cristãos? Em que
sentido?
- Quais aspectos da vida histórica de Jesus são fundamentais para que possamos
compreender melhor o mistério de Jesus Cristo? Podemos ser discípulos e seguidores de
Jesus se não conhecermos minimamente a vida e a mensagem dele? Tudo isso é
importante na tua vida? Em que sentido?
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2. JESUS E O REINO DE DEUS.
2.1. O movimento de João Batista. (Marcos 1, 1-13; Mateus 3, 1-22; João 1, 19-34).
A situação que vivia o povo simples, já descrita anteriormente, era extremamente difícil
e sofrida, agravada pelo domínio romano sobre a região. Não é de se estranhar que
existissem constantes revoltas contra o poder estabelecido. Dentro daquela expectativa
popular em relação à chegada de um messias que viria resolver os problemas por meio
de um governo teocrático, quer dizer, fundamentado na lei divina, o ambiente era
favorável ao surgimento de conflitos violentos. O ano 4 a.C., quer dizer, quando Jesus
era criança bem pequena, na cidade de Séforis, a apenas seis km de Nazaré, Judas o
Galileu, filho de Ezequias, assaltou o quartel real se apropriando de armas que distribuiu
entre os seus seguidores para lutar contra os sucessores de Herodes e contra os invasores
romanos. O governador da Síria, chamado Varo, derrotou o rebelde que fugiu. Dez anos
depois voltou Judas, quando Jesus tinha aproximadamente 10 anos de idade. O rebelde
foi morto pelos romanos. Parece, segundo a maioria dos autores, que se trata do mesmo
Judas, embora algum autor acha que fossem diferentes. Em todo caso esse foi o
ambiente que vivia a região da Galileia em tempos de Jesus: pobreza, opressão, revoltas
armadas, expectativas fortes sobre a vinda de um messias para instaurar o Reino de
Deus. O governador Varo matou milhares de galileus, destruiu várias cidades, vendeu
como escravos muitos moradores, ordenou crucificar centenas de judeus no caminho de
Jerusalém a Cesaréia, mandando atear fogo nos mortos, ainda nas cruzes, para que o
povo não esquecesse quem era o detentor do poder naquela região. Jesus nasceu e
cresceu nesse ambiente social. A família dele conhecia, sem dúvida, muitas famílias
próximas, parentes e vizinhos que perderam seres queridos por causa desses conflitos.
Nesse contexto surgiu a voz daquele que clama no deserto, o profeta João Batista, filho
de Zacarias e Izabel. Adotou a linha dos profetas do Antigo Testamento. O povo, pelo
seu jeito austero e severo, o identificou com o profeta Elias, um dos maiores profetas da
Bíblia e, sem dúvida, o representante dos profetas no imaginário popular.
O convite de João é um chamado à conversão pessoal adotando uma nova ética que
relaciona o Reino de Deus com a prática da solidariedade para com o próximo. Não
situa o acento principal tanto na opressão política, mas na justiça que brota do coração
de cada um. Sua mensagem traz, sem dúvida, um conteúdo também altamente social e
político, embora os seus apelos se dirijam à consciência pessoal. O gesto para aceitar a
proposta divina seria o batismo, como reconhecimento do próprio pecado e do
compromisso com uma vida nova pautada pela justiça e a solidariedade com os pobres.
O Batista teve uma grande influência no povo que acudia a ele massivamente. De
costumes austeros no vestir e no alimento, proclive à solidão do deserto, à penitência e à
oração, situou o centro da sua atividade profética à beira do rio Jordão, no caminho que
conduzia da Galileia para Jerusalém, com a finalidade de se dirigir aos milhares de
peregrinos que em várias épocas do ano transitavam por aqueles caminhos. Ele marcou
tão profundamente a consciência do povo que no ano 90 existiam ainda grupos de
seguidores de João Batista, como podemos deduzir no Evangelho de João pela forma
21
que esse texto trata a figura e os discípulos do Batista e por certos pequenos conflitos
que parece ter acontecido entre esses discípulos e os de Jesus.
Seu amor à verdade e sua entrega incondicional ao projeto divino o levou a denunciar o
abuso dos poderosos e a se enfrentar com o rei Herodes Antipas, filho do sanguinário
Herodes o Grande. O resultado era totalmente previsível, o profeta foi decapitado por
ter ousado criticar os abusos do poder. No obstante deixou uma herança de capital
importância para a história: o jovem discípulo nazareno que tomou o relevo depois que
fosse feito prisioneiro pela guarda real. Parece que o Batista percebeu o valor daquele
homem e ambos se admiravam mutuamente.
Jesus de Nazaré foi o mais conhecido discípulo de João Batista, por ele batizado no
Jordão, que dele aprendeu a ter coragem e compromisso com a causa do Reino de Deus
e a entregar totalmente a própria vida pelo projeto divino em favor dos homens. O
Nazareno destacou tanto naquele grupo que outros discípulos de João o adotaram como
o novo Mestre.
Se existem, logicamente, muitas semelhanças entre a missão de João e a de Jesus, não
podemos esquecer as diferenças. Na linha de Elias João anuncia a chegada de um
messias juiz que será implacável com os pecadores, como o machado está pronto para
cortar de raiz a árvore do mal. Limita-se sua atuação, no aspecto geográfico, á região
próxima do rio Jordão. Enquanto à mensagem, se reduz ao chamado à conversão dos
pecados, concentrando seu poder na força da palavra.
Jesus assume a mensagem da conversão ao Reino, ampliando o conteúdo para explicitar
bem mais o significado do compromisso pelo Reino, acompanhando suas palavras com
ações de cura e de misericórdia, percorrendo todas as cidades da Galileia. Por outra
parte, o acento da mensagem de Cristo recai bem mais na misericórdia do que no
castigo divino, apresentando um Deus que dá o primeiro passo para se aproximar de
todo ser humano, especialmente dos pobres e dos pecadores. Isso, sem dúvida,
surpreendeu a expectativa do Batista, que desde a prisão mandou perguntar pelo
significado da missão de quem fosse seu discípulo. A resposta de Jesus concentra-se na
sua ação, que está explícita nas promessas do profeta Isaías, no sentido de curar os
doentes, acolher os pecadores e levar a boa nova do amor divino aos pobres e
sofredores.
Se João Batista enfatiza o rigor do julgamento iminente divino, Jesus enfatiza a
misericórdia e o amor do Pai. João Batista convida para a penitência para purificar os
pecados, Jesus chama a participar da festa do banquete que Deus prepara para todos os
povos, pois chegou o tempo da Aliança do Filho com a humanidade, o novo casamento
que anuncia um novo tempo de graça da parte de Deus com os homens.
22
2.2. O profeta Jesus de Nazaré.
(Marcos 1, 14-15; Mateus 4, 12-17; Lucas 4, 14-30; João 3, 16-21).
O povo esperava o messias que iria trazer o Reino de Deus para o mundo. A expectativa
em relação ao Reino de Deus era apocalíptica, no sentido de que seria na etapa final da
história ou no terceiro dia, segundo o pensamento da época. O primeiro dia era
considerado desde a criação do mundo até Abraão; o segundo, desde Abraão até a
chegada do messias; e o terceiro dia seria o definitivo da história, a partir do messias,
quando o povo justo viveria nesta terra para sempre na paz, sem sofrimentos nem
pecado nem morte. Os justos falecidos ressuscitariam e viveriam a nova realidade
messiânica junto com os vivos que fossem considerados dignos de entrar no Reino no
julgamento final. De acordo com esse esquema mental uns grupos consideravam que o
messias seria um guerreiro (zelotes), ou um mestre da lei (fariseus), ou um sacerdote
(saduceus), ou um profeta (batistas), ou um mestre da justiça (essênios).
Jesus entendeu e viveu de forma bem diferente essa esperança messiânica. Os relatos
que narram o tempo que Ele ficou no deserto para discernir a sua missão, passando
pelas tentações, indicam, precisamente, a escolha que Jesus fez em relação à expectativa
messiânica do povo, da qual Ele mesmo também participava, mas de forma bem
diferente do que a maioria esperava. (Marcos 1, 12-13; Mateus 4, 1-11; Lucas 4, 1-13;
João 18, 33-38). Jesus considera que o Reino de Deus não é deste mundo, embora nele
esteja presente. O pensamento dele é muito realista e prático. O projeto de Deus é vida
feliz para todos os homens, a proposta para cada um encaixa com a proposta do
conjunto da história. Deus é bom e nos quer bem! Ele é cheio de misericórdia e bondade
para com os homens. Na realidade, o Reino de Deus já está presente na história humana
e no coração de cada um, mesmo que ainda não plenamente. Jesus entende a presença
de Deus na vida humana não de uma forma mágica, como uma solução que vem de
cima para baixo para resolver todos os nossos problemas, mas como uma parceria, na
qual o homem não perde a sua autonomia, pois é protagonista e colabora livremente
com a proposta de Deus, contando para tal empenho com a graça divina.
A proposta de Jesus de Nazaré desafia cada pessoa humana a tomar uma atitude em
relação ao projeto divino. A resposta a essa proposta define a vida humana. Deus pede
um compromisso de cada ser humano com a história. É por isso que, mesmo que o
convite é feito para cada indivíduo, as conseqüências sociais e políticas são profundas e
de grande potencial revolucionário, partindo da força da consciência mais do que do
poder das armas, da imagem propagandística ou do dinheiro. Podemos afirmar, sem
dúvidas, que Jesus não veio para deixar tudo como está. Mas também Ele não acredita
que a história mude somente por uma alternância externa no poder político, se não
houver mudança na consciência e na atitude das pessoas, se não houver uma proposta
grande e alternativa a partir da visão dos pobres.
Nesse sentido Jesus inspira-se bastante, embora não exclusivamente, no livro do profeta
Isaias, pois esse escrito chama a atenção do povo para entender e construir a história a
partir dos pobres, dada que é essa a visão revelada por Deus na história da salvação. A
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misericórdia, a ternura, a bondade, o perdão, a confiança, a alegria de viver são atitudes
muito presentes na mensagem de Isaias, especialmente do segundo livro (capítulos 40 a
55), e que Jesus adotou como o coração da sua mensagem, embora não se limitou a
copiar, pois superou e ampliou a mensagem do Antigo Testamento. A atenção em favor
dos pobres, dos pequenos, dos pecadores, dos excluídos é uma constante na missão
profética de Jesus, pois se trata do núcleo central da sua prática e pregação.
Jesus muda também o acento sobre qual seja o tempo principal da história. Não
precisamos ficar esperando o reino divino como realidade futura. O presente é o tempo
mais importante, pois é o real. O passado é referência e o futuro, horizonte;
imensamente importantes e necessários ambos. Não se pode, porém, esquecer que o
presente é o tempo principal, pois é o que vivemos. Desse modo, Jesus, convida as
pessoas a assumirem no momento e na situação presentes o compromisso de uma vida
pautada pelos valores do Reino de Deus para fazê-lo presente, sem esperar em
acontecimentos mágicos e que, hipoteticamente, mudariam a situação externamente.
Na atividade de Jesus o fazer, a prática, tem a prioridade por cima das palavras. Entende
sua missão como Boa Notícia para os pobres e, a partir deles, para todos. É isso que
significa a palavra EVANGELHO. Se a palavra não for acompanhada de ação prática,
de sinais visíveis que a fazem presente de forma significativa, pode ficar vazia, estéril.
Jesus denuncia tudo quanto se opõe ao Reino de Deus, isto é, as causas que provocam
sofrimento nas pessoas, especialmente o egoísmo e a omissão que anulam o
compromisso do ser humano com o projeto de Reino que se manifesta em atitudes e
obras em favor dos que sofrem. Principalmente denunciou as mordomias dos poderosos
que, não se importando com a situação do povo, aproveitavam-se das situações de
privilégio para se enriquecerem de forma egoísta. Denunciou também a religiosidade
que não liberta as pessoas, mas que coloca fardos pesados nas costas do povo, por meio
de inúmeros preceitos menores, amarrando a consciência do povo humilde por meio de
ameaças de castigos divinos. Anunciou o amor incondicional e universal de Deus, a
vontade divina de que todos tenham vida em abundância (João 10,10). Nesse anúncio
Jesus chama a viver um novo jeito de relações: consigo mesmo, com Deus, com a
natureza e, principalmente, com os outros. Deus é Pai de todos e os homens somos
todos irmãos. Além de denunciar as atitudes históricas que prejudicam a vida digna dos
humildes e de anunciar o amor de Deus Pai para com todos, Jesus realizou gestos, sinais
de vida, lembrando da promessa do profeta Isaias de que quando chegasse o messias os
cegos iriam ver, os surdos ouviriam o os pobres seriam evangelizados, despertando para
a boa nova já presente na vida deles.
2.3. Alegria do povo e conflito com o poder.
(Mc. 2, 1-12; Mt. 9, 27-38; Lc. 7, 11-23; Jo. 2, 1-11).
Jesus percorria as cidades, aldeias e povoados da Galileia anunciando com obras e
palavras o Reino de Deus. Por onde Ele passava renascia a esperança, as pessoas
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acreditavam no seu valor, descobriam que Deus as ama com ternura, abriam os seus
corações para o perdão mútuo, para a partilha fraterna, para o diálogo amigável, para a
reconciliação e louvavam a Deus pelas maravilhas da vida. O povo acolhia Jesus com
imensa alegria e carinho por causa da sensibilidade com as crianças, com os doentes,
com os pecadores, com os pobres, com a mulher, com os sofredores e fracos. A
presença dele era motivo de festa, de entusiasmo, de alegria de viver e de acreditar na
bondade divina. As multidões escutavam empolgadas as suas parábolas, pois
compreendiam melhor a mensagem da misericórdia de Deus Pai, o ABBA. A dedicação
aos doentes e acorrentados por outros males chamava a atenção, pois ninguém, em
nome de Deus fazia isso.
Por onde Jesus passava as coisas mudavam, a vida parecia mais fácil, o fardo da história
mais leve, os problemas menores, o amor fluía espontaneamente entre as pessoas e, até
os inimigos irreconciliáveis, voltavam à amizade. A presença de Jesus, a pessoa dele, o
seu sorriso, o seu olhar tocava no coração das pessoas que se sentiam melhor e melhores
perto dele.
A presença de Jesus no meio do povo trazia um diferencial muito significativo, no
sentido de que as pessoas entendiam que o próprio Deus estava visitando o seu povo.
Quer dizer, tratava-se da realização do sonho das pessoas humildes e de fé de
experimentar, sentir a Deus por perto, tocando com carinho, falando com ternura,
acolhendo com amor.
Jesus passava por onde as pessoas se encontravam. No trabalho: pescaria, agricultura,
construção, afazeres domésticos. Nas festas: casamentos, litúrgicas, peregrinações. Nos
momentos difíceis: sepultamento de um ser querido, doença grave, situação de tristeza
ou abandono. Isso encantava o povo que ficava feliz, pois Ele não era moralista nem
rigoroso, mas afável e cordial, compreensivo e amigo. Perante o rigor moralista dos
fariseus e doutores da Lei que obrigavam o povo a ter que cumprir inúmeras normas e
prescrições legais para agradar a Deus, Jesus mostra-se muito liberal nesse sentido,
situando a lei a serviço da vida das pessoas e não vice-versa. Isso agradava ao povo
porque as pessoas tinham que trabalhar pesado para poder sobreviver e, ainda, voltando
em casa, deviam cumprir mil ritos e obrigações em nome da lei divina. Especialmente
no caso do sábado, que era dia de descanso e para orar e curtir a família. Esse dia estava
tão carregado de pequenas obrigações, que de ser um dia de descanso passou a ser um
dia difícil e pesado. Jesus viveu de uma forma muito mais livre e espontânea, situando
no coração da religião o amor de Deus, a bondade e ternura divinas.
As autoridades compreenderam logo que Jesus atraia as multidões e cativava o povo.
Também perceberam que não se deixava corromper nem assimilar ao sistema social
vigente. Tanto Herodes quanto os saduceus ficaram muito preocupados, assim como os
fariseus, pois, estes, controlavam os costumes e a vida quotidiana do povo. Desde o
início da missão pública os representantes do poder começaram a questionar e buscar o
jeito de, primeiramente, desprestigiar a fama dele perante o povo. Quando, porém,
perceberam que isso era bem difícil, por causa da personalidade de Cristo, resolveram
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acabar com a vida dele. Para isso juntaram-se fariseus e herodianos, que eram inimigos
irreconciliáveis (Marcos 3,6).
A relação de Jesus com o poder foi péssima. Herodes queria vê-lo por curiosidade e
para controlar suas atividades e intenções. Os galileus mostravam-se rebeldes e
briguentos contra o poder estabelecido e o poder de Herodes dependia da sua submissão
ao imperador romano e do seu controle da situação. Jesus não quis nem ligar para o rei,
pois se sustentava no poder derramando sangue inocente, como foi no caso de João
Batista e oprimindo e explorando o povo humilde. Também não agradou ao poder de
Jerusalém, cidade controlada pela classe dos saduceus, governada pelo sinédrio e os
sumos sacerdotes. Pois eles utilizavam o templo para se enriquecer e se manter na
situação de privilégios e mordomias aproveitando-se da religião do povo. Nem estavam
preocupados com a situação da vida das pessoas, separando totalmente o culto a Deus
da história humana. Não é de se estranhar que os representantes do poder político e
religioso o vigiassem constantemente e o atacassem, primeiramente por meio da
imagem perante o povo e, quando não conseguiram isso, tramando a sua morte. Essas
ameaças acompanharam constantemente o ministério público de Jesus.
O contraste era evidente, por uma parte o povo gostava e procurava a presença de Jesus,
pois inspirava uma vida nova cheia de amor, alegria e confiança na bondade divina. Por
outra parte os poderosos quiseram acabar logo com a missão de Jesus, primeiramente
por meio do desprestígio público e depois por meio da eliminação física.
2.4. A comunidade, sinal do Reino de Deus.
(Mc. 1, 16-20; Mt. 4, 12-23; Lc. 5, 1-11; Jo. 1, 29-51).
Jesus nasceu para a fé dentro da comunidade israelita e participava dos cultos na
sinagoga e dos ensinamentos bíblicos. Entrou no grupo de João o Batista e lá conheceu
àqueles que seriam seus primeiros discípulos. Tomou o relevo de João quando o Batista
foi preso e chamou um grupo para conviver com ele e ensiná-los a viver e a anunciar o
evangelho. Quer dizer, Ele quis realizar a sua missão pública acompanhado de um
grupo de discípulos. O ensinamento partia da própria vida. Jesus vivia com os
discípulos a mensagem que anunciava para o povo.
A comunidade de Jesus é assim um laboratório do Reino de Deus, pois aquilo que se
anuncia para o mundo precisa ser vivenciado dentro de casa, dentro do pequeno grupo
de fé. Esse grupo torna-se referência de convivência e de compromisso cristão para fora.
Dentro do grupo dos discípulos ainda Jesus escolheu um grupo menor, mais íntimo e
comprometido com a sua causa, que seria a cabeça da comunidade de fé. Eis o grupo
dos apóstolos, que significa os enviados. Os quatro evangelhos constatam essa realidade
do grupo amplo de discípulos e do grupo mais próximo do Senhor com a função de
liderar o novo povo de Deus. (Marcos 3, 13-19; Mateus 10, 1-15; Lucas 9, 1-6).
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Para Jesus é fundamental criar um grupo de discípulos, é essencial à sua missão de
evangelizar. Desde o início formou esse grupo, pequena comunidade de fé e de vida
compartilhada. Em parte se assemelhava aos rabinos judaicos que formavam grupos de
discípulos que passavam a conviver com o mestre. Para os cristãos Ele é o verdadeiro
Mestre. Mas era diferente dos outros rabinos e o povo percebia isso. Jesus falava com
autoridade pois fazia o que dizia e se comprometia em favor do povo, principalmente
em favor dos sofredores.
Uma das maiores novidades de Jesus é que acolhia as mulheres no grupo de discípulos.
(Lucas 8, 1-3). Trata-se de um fato decisivo para o evangelho, pois rompia com todos
os preconceitos históricos e culturais em contra da mulher. Resgata a figura feminina
para a primeira linha da evangelização, como testemunha de primeira ordem, quando
naquela época a mulher nem podia testemunhar em processo de justiça.
Declara que os discípulos precisam acolher a criança e, ainda mais, serem como
crianças para poderem entrar no Reino de Deus. (Marcos 10, 13-16). Quer dizer, o
centro da comunidade é o menor, aquele que necessita de ajuda. O objetivo do grupo
não é alcançar o poder nem prestígio, bem pelo contrário, é o serviço e a construção do
Reino de Deus por meio do compromisso e da entrega.
A mística da comunidade de Jesus é a doação, o serviço, a entrega, o amor ao próximo e
o compromisso com uma sociedade mais justa e solidária. Tudo isso precisa ser
vivenciado no grupo de fé, aprendendo com Jesus na escola da vida.
Chama a atenção como Jesus cuida dos diversos níveis de participação na sua missão.
Ele anuncia o Reino a todos, buscando eficazmente os meios mais oportunos para que a
mensagem possa alcançar ao maior número de pessoas. Situou seu centro de operação
missionária na cidade de Cafarnaum, por ser lugar de encruzilhada e passagem de
muitas pessoas. Por lá passava a estrada de Damasco a Jerusalém, Cesaréia e o Egito, do
Líbano para a Decápolis e outros destinos. Desse jeito Ele conseguiu pregar a muitas
multidões a mensagem do Reino. Depois, em casa de Pedro, o pescador de Cafarnaum,
dialogava com os discípulos num nível de maior intimidade e familiaridade, onde eles
podiam perguntar e esclarecer as suas dúvidas e fazer a ligação da Palavra com a
própria história, com a vida de cada um e com a história do povo.
Para fazer parte do grupo de Jesus precisa de conversão ao projeto do Pai e entrega pela
causa do Reino. O centro da comunidade é, precisamente, o compromisso com o Reino
de Deus. As relações humanas, principalmente dentro do grupo, são importantíssimas.
O cumprimento de normas pequenas não era problema para Ele. O povo percebeu isso e
os seus inimigos aproveitavam-se desse fato para desprestigiar a pregação dele por
causa desse descaso com os detalhes rituais. Jesus rejeitou fortemente essas acusações e
aproveitou-se delas para ensinar aos seus discípulos a buscar aquilo que é essencial ao
evangelho e a não se deixar perder em pequenos detalhes externos.
Podemos dizer que o grupo dos discípulos vivenciou uma experiência de vida muito
forte junto com Jesus que marcou profundamente os seus corações. A comunidade de
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seguidores é fundamental para a realização da missão evangelizadora e é necessário
cuidar dela para que seja hoje, como foi ontem, referência da proposta cristã, sinal do
Reino de Deus.
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Entre os movimentos religiosos e sociais existentes na época, Jesus se identificou mais
com o grupo de João Batista. Quais motivos o levaram a aderir a esse grupo? Quais
semelhanças e quais diferenças existem entre a prática e a mensagem de João Batista e
de Jesus? O que falaria João Batista para o mundo de hoje?
- Em relação aos outros grupos que Jesus conheceu, convém fazer um discernimento
sobre os aspectos que combinam com a mensagem de Jesus e com os que não
combinam e procurar as causas dessas concordâncias e dissonâncias. Analisemos estes
grupos: essênios, fariseus, saduceus, zelotas, herodíamos, romanos. Que grupos sociais
se assemelham hoje a aqueles grupos de então? Explicar as semelhanças.
- A missão de Jesus suscita alegria no povo simples. Quais os motivos dessa alegria?
Mas também provocou conflitos com os poderosos. Por quê? A pessoa e a mensagem de
Cristo são causa de alegria para mim? E hoje, será que a missão da Igreja e a minha
missão como cristão suscita alegria nos sofredores?
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3. A MENSAGEM DE JESUS.
Os primeiros cristãos anunciavam a Boa Nova de Jesus Cristo, o Filho de Deus (Marcos
1,1,). Eis o centro da pregação e da vida da Igreja. Não podemos esquecer, porém, que o
centro do anúncio de Jesus era o REINO DE DEUS. Existe uma identificação entre
ambos os anúncios que, na realidade, deve ser o mesmo. Daí a importância de estudar
historicamente a vida e a mensagem de Jesus. Para os cristãos é muito importante saber
o que Jesus anunciava e fazia, pois isso é uma referência fundamental para orientar o
que os cristãos falam hoje na evangelização e, fazendo parte dela, na catequese e na
liturgia. Corre-se sempre o risco de se imaginar um Cristo feito à medida do gosto de
cada momento e isso é perigoso, trata-se de uma tentação real e na qual muitas vezes se
deixam envolver os cristãos. Desse jeito, acaba-se falando, em nome de Jesus, de
mensagens humanas adaptadas ao interesse de cada situação. Precisamos conhecer, sim,
a partir das fontes que dispomos o conteúdo da mensagem que o homem Jesus de
Nazaré falou. Contamos com o material e as ferramentas necessárias para sabermos
mais do que o suficiente.
3.1. Jesus anuncia o Reino aos pobres.
(Mc. 6, 34-44; Mt. 5, 1-12; Lc. 4, 14-21; 6, 17-26; Jo. 10, 7-18).
Em sintonia com a tradição dos profetas bíblicos, especialmente de Isaias, Jesus tem
consciência de ser enviado por Deus para trazer uma Boa Notícia aos pobres. De acordo
com o evangelho de Lucas Ele apresentou o seu programa de ação na sinagoga de
Nazaré e escolheu propositalmente o texto do profeta Isaias 61,1-2. “O espírito do
Senhor repousa sobre mim, pois ele me escolheu, me ungiu e me enviou para
evangelizar os pobres, anunciar a liberdade aos cativos... e um ano de graça para o
povo”. Jesus teve a lucidez e coragem de pronunciar: hoje se cumpre esta palavra que
acabais de ouvir. Quer dizer, apresenta-se como o ungido de Deus para fazer presente o
Reino da vida na história em favor dos pobres.
Assumiu o compromisso de fazer acontecer na história esse projeto divino, quer dizer,
que os pobres tenham vida digna, vida em abundância. Ele é o Bom Pastor que se
preocupa em fazer acontecer a vida plena que Deus quer para todos no meio dos
homens, a partir dos últimos. Daí a importância de resgatar o Jesus histórico para a
nossa vida de fé, pois se o esquecermos nós poderíamos construir um cristianismo
etéreo, complacente com o mundo, sem profecia nem inspiração para a transformação
social. O Jesus histórico deu a vida pelos pobres e marginalizados, viveu pobre e
morreu na cruz literalmente excluído pelo poder daquela sociedade injusta. Ser cristão é
seguir esse caminho de Jesus assumindo o compromisso histórico em favor dos pobres e
sofredores da nossa sociedade, lutando por um mundo novo que esteja pautado pela
justiça e pela paz.
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A pregação de um Cristo que se esquece do Jesus da história pode ser uma imagem
acomodada aos interesses da ideologia dominante que fica como uma experiência
reduzida ao âmbito da intimidade individual, bem do gosto da ideologia moderna e
individualista. Pouco ou nada tem a ver com o evangelho, com a vida e a mensagem de
Jesus.
Os pobres são os prediletos do Senhor e isso fica muito claro nos evangelhos. A criança,
o doente, os leprosos, a mulher, os pecadores públicos, os pastores e os camponeses são
os destinatários principais do evangelho. É na libertação dos oprimidos que se manifesta
o poder da ação divina. Lembrando que Deus não dispensa paternalistamente da
concorrência humana, muito pelo contrário. O Espírito do Senhor inspira, motiva,
alimenta, ilumina e fortalece a ação humana que transforma a história para que seja
mais digna de Deus, semelhante ao projeto divino.
Se o texto de Lucas revela qual seja o destinatário principal da ação evangelizadora, o
texto de Mateus preocupa-se com a atitude que o beneficiário dessa ação precisa
assumir para poder participar dessa graça. Quer dizer, Lucas enxerga a dimensão
sociológica do Reino e Mateus a psicológica. Sem dúvida que ambas as dimensões
Jesus trabalhou e pediu que os seus discípulos tomassem em consideração, pois se
complementam. As Bem Aventuranças representam o anúncio de uma humanidade
nova e de um mundo novo. Trata-se de um estilo totalmente novo de viver, de realizar a
construção do ser humano, da história humana. Eis a alternativa de vida pessoal e social
que Jesus traz para a humanidade. O próprio Jesus nasceu pobre (Lucas 2, 1-20).
3.2. Os discursos de Jesus. (Mt. 5-7; Lc. 6, 17-49; Jo. 6, 16-71).
Mateus apresenta a proposta de Jesus, que é o Reino de Deus, no famoso discurso do
Sermão da Montanha, nos capítulos cinco, seis e sete. Na realidade Ele faz uma
interpretação da Lei de Moisés a partir de atitudes que precisam ser trabalhadas na
consciência de cada pessoa. Não adianta querer construir o Reino por fora sem arrumar
a casa por dentro. Imitando o esquema rabínico da época Jesus define primeiramente um
princípio de vida (Por exemplo, “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos”) que
depois ilustra com exemplos práticos de valor relativo (“A quem te bate na face direita
oferece também a esquerda”). Nesse discurso Jesus convida os ouvintes a assumirem
uma nova atitude de se relacionar com Deus, com as pessoas, consigo mesmo e com a
natureza (o mundo das coisas, do dinheiro). Aí está o fundamento do caminho cristão.
Lucas se dirige a cristãos procedentes do paganismo e é por isso que não apresenta a
mensagem de Jesus como uma interpretação da Lei mosaica, pois nem era conhecida
pelo seu público alvo. A proposta de Cristo se apresenta mais curta que em Mateus e se
concentra em dois aspectos, também relacionais: o amor solidário aos pobres e o perdão
aos inimigos. O ouvinte é convidado, na realidade, a assumir o amor de Deus na própria
vida, amor que é imenso e universal e tem dois indicadores de autenticidade: o amor
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gratuito aos pobres e aos inimigos. Esses dois indicadores comprovam que, realmente, o
amor humano está em sintonia com o amor divino.
Marcos merece todo o nosso respeito, pois, mesmo que não apresenta, explicitamente,
discursos do Senhor não significa que careça de mensagem. Tudo pelo contrário!
Concentra nossa atenção no fazer de Jesus para que não esqueçamos que a fé é prática,
compromisso, mais do que palavras. Utiliza uma técnica que é muito atual, a imagem e
a plasticidade. Pelas obras de Jesus temos acesso à sua mensagem, pelo fazer de Cristo
podemos conhecer a sua proposta de vida. É só escutar e ler com atenção o que Jesus
fazia e o como se situava na história.
João é bem diferente dos outros evangelistas. Não fala muito do Reino de Deus, mas da
VIDA. O próprio Jesus é a presença do Reino e acolher a palavra dele se deixando
envolver e impregnar por ela com sinceridade conduz o discípulo pelos caminhos do
Pai. Utiliza símbolos do cotidiano humano (água, pão, vinho, luz) para aprofundar no
mistério da Palavra Encarnada no mundo que transforma a história das pessoas.
3.3. As parábolas de Jesus.
(Mc. 4, 26-34; Mt. 13, 1-52; Lc. 8, 4-15; 10, 25-37; 15, 1-32; Jo. 15, 1-12).
As parábolas representam páginas belíssimas no conjunto da bíblia. De forma magistral
Jesus revela com simplicidade e linguagem popular a essência da sua mensagem, do seu
pensamento, da sua motivação e da sua missão. Dizem os evangelhos que para o povo
falava em parábolas e depois, em casa, explicava para os discípulos.
Não se deve interpretar uma parábola querendo tirar um significado de cada detalhe,
pois o importante é o conjunto da mesma. Um perigo de interpretação incorreta consiste
em moralizar o sentido da parábola. A intenção de Jesus era revelar a alegria dos
homens quando descobrem o amor divino. A misericórdia e o amor de Deus são o
coração da maioria das parábolas. Se esquecermos disso e orientarmos o sentido das
parábolas para um sentido moralista e de suscitar sentimentos de culpa, estaremos
deturpando a intenção do evangelho.
As parábolas manifestam, principalmente, duas coisas. A primeira é o amor de Deus
pelo ser humano. Esse aspecto é o fundamental e nisso consiste a grande novidade da
mensagem cristã. A misericórdia, a ternura, o perdão, a paciência, a bondade, a
esperança que Deus tem pelo ser humano, por cada ser humano. Eis o grande elemento
surpreendente da pregação de Cristo, especialmente veiculado por meio das parábolas.
O segundo grande elemento comum a muitas parábolas se refere á atitude mais
apropriada da parte do ser humano para poder acolher a misericórdia divina. Pois Deus
age na medida que o ser humano se abre à graça divina.
Existem parábolas tiradas da vida agrícola. A semente, a árvore, a nuvem que traz a
chuva, a ovelha perdida, o pastor solícito, a colheita e o cultivo da videira. Parábolas
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que falam dos afazeres domésticos, exercidos naquela época pela mulher: limpar a casa,
preparar a massa para fazer o pão, iluminar a entrada da casa com lâmpadas com
ocasião de alguma festa (casamento). Da construção civil: construir a casa sobre a pedra
ou sobre areia, colocar a base suficiente para sustentar o prédio todo. Da vida familiar: o
filho que foge e volta para casa. Do mundo militar e das finanças: o rei e os exércitos, as
dívidas e os empréstimos, o tesouro escondido, o administrador fiel e o infiel. Os
banquetes e festas de casamento revelam o rosto festivo de um Deus que tem um
coração afável e entranhável, profundamente humano. Jesus fala dos pássaros e da
semente, da pesca e da construção, das vinhas e do grão de mostarda, da construção da
casa e do fazer o pão, da limpeza da casa e do pai que dá o pão e o peixe para o filho.
As parábolas revelam a pedagogia de Jesus, extremamente prática, que parte dos
pequenos detalhes da vida concreta dos ouvintes para chegar á essência da mensagem a
ser transmitida. O que mais nos interessa precisamente é essa essência mais do que
querer interpretar os detalhes mais concretos, pois então estaríamos perdendo o
significado daquilo que Jesus queria dizer naquela época, base para entender o que hoje
nos diz.
As três parábolas da misericórdia em Lucas, capítulo 15, alcançam um nível insuperável
humanamente falando. A ovelha perdida, a moeda perdida e o filho perdido. Não tem
como esconder a centralidade da misericórdia divina da pregação de Cristo. Analisando
comparativamente as diversas religiões Jesus inaugura um caminho totalmente novo
fundamentado, precisamente, no imenso amor de um Deus que é pai amoroso ao
extremo, raiando a loucura.
As parábolas dos banquetes nos mostram um Deus que gosta de ver o homem feliz,
curtindo a amizade e compartilhando a alegria de viver em harmonia. Esse convite a
participar da festa de um casamento ou de um banquete faz a proposta do Reino bem
atraente, desperta no coração humano o fascínio por participar das coisas de um Deus
que não é tão sério assim como às vezes poder-se-ia imaginar. O próprio Jesus gostava
de participar de um jantar, de uma festa ou de um acontecimento festivo. Eram
momentos que aproveitava para mostrar a mensagem divina de uma forma mais
entranhável e humana. As pessoas ficam bem mais dispostas a se abrir à dinâmica do
Reino nesse ambiente festivo e de partilha.
A vida do povo aparece nas parábolas. Jesus fala para o povo com uma linguagem
simples e direta que Deus está presente nas pequenas coisas do dia a dia. Essa é,
precisamente, a experiência religiosa do Profeta de Nazaré. Ele próprio experimenta a
presença de Deus, que é um Pai amoroso e cheio de bondade, como Alguém que está
muito próximo da gente, que ama e é compassivo, que se preocupa e providencia aquilo
de que precisamos. É isso mesmo que Jesus comunica para o povo com alegria. O povo
escuta fascinado e acredita que, realmente, o Reino está presente no meio de nós. As
pessoas começam a perceber que na pessoa de Jesus Deus está visitando o seu povo.
Não precisa esperar mais a chegada de um reino fantasioso que chegaria de cima para
baixo, com um messias artificial aparecendo nas nuvens, como diziam os fariseus, pois
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o Reino de Deus já está presente no meio dos homens. Os sinais desse Reino são
visíveis nas pequenas coisas de cada dia. Por meio das parábolas Jesus nos ensina a
enxergar a realidade com outros olhos, com um olhar novo, carregado de fé e de
esperança, pois Deus já está presente na vida dos homens e essa presença traz luz,
alegria, vida nova e esperança ao coração humano. Hoje é dia da graça e de salvação!
3.4. O Evangelho é um novo estilo de vida.
(Lc. 17, 20-21; Mc. 8, 27-38; Mt. 22, 34-41; Jo. 14,1-7.22-26).
A proposta de Jesus nasce de um coração livre e se orienta à consciência das pessoas.
Deus nada impõe ao ser humano, mas propõe, sim, um caminho de vida. Deus tem
imensa paciência e sabe esperar o momento de cada um. O Reino de Deus precisa de
conversão do homem ao projeto divino. Isso significa reconhecer que as pessoas, só por
si mesmas, não conseguem encontrar o caminho da vida, a verdade de si nem da
història. A conversão é o primeiro passo para acolher o Reino de Deus. Jesus assume as
palavras do Batista: “Convertei-vos”. Acrescenta também “Acreditai no Evangelho”. A
realidade da conversão tem dois momentos: a conversão inicial e a continuada. A
conversão inicial consiste em mudar o eixo e objetivo da vida para centrar-se no
Evangelho, na pessoa de Jesus Cristo. A continuada consiste em buscar a cada dia viver
em sintonia cada vez maior com a proposta do Evangelho. Tarefa essa que é para a vida
toda.
A realidade do Reino de Deus depende também de cada ser humano, do acolhimento e
colaboração de cada um. Eis o mistério escondido que o Mestre de Nazaré revela para
os homens. O Reino constrói-se a partir da consciência pessoal de cada ser humano.
Deus não passa por cima das pessoas impondo o seu projeto, Ele propõe um caminho de
vida e espera, ativamente, por meio do Espírito, a resposta humana que brota da
liberdade de cada coração.
A dinâmica do Reino faz nascer e crescer, á semelhança da semente que cai em terra
boa, um homem novo. “Vinho novo em odres novos” (Lucas 5, 36-37). Quer dizer,
não vai se construir o Reino de Deus com materiais inapropriados. O Reino de Deus
precisa de corações alinhados com ele, em sintonia com o Evangelho. Pois o Reino de
Deus também depende da colaboração de cada um e poderá estar mais ou menos
presente em cada um e no mundo de acordo com o compromisso pessoal do ser
humano. A Palavra entra pelo ouvido, acolhendo o anúncio da Boa Nova. Penetra e
transforma a mente e o coração humanos, convertendo as pessoas, desde o interior, para
o projeto divino. Vai gerando um novo pensamento, uma nova visão da realidade em
consonância com o pensamento de Deus. Vai suscitando atitudes novas em sintonia com
a vida e a mensagem de Jesus Cristo. A mesma Palavra se projeta para fora de quem a
acolhe pelos lábios, louvando e agradecendo a Deus pelos dons da vida e da fé, por
meio, também, de uma comunicação positiva e verdadeira que gera vida e pelo anúncio
da Boa Nova ao próximo. Projeta-se também pelas mãos por meio de obras de
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misericórdia, de um amor solidário com os pobres e um compromisso social e político
em favor da transformação da nossa história.
Trata-se de um estilo de vida pautado por relações humanas renovadas pelo Espírito do
Senhor. A partir de um coração curado por Deus o ser humano vai tecendo uma rede de
relações pautadas pelo amor cristão. Em relação a Deus, caracterizada pela obediência
espiritual, no sentido de se oferecer mais do que pedir, de agradecer e louvar mais do
que esperar em milagres de fantasia, pois os milagres acontecem constantemente na
vida cotidiana por meio dos sinais que Deus nos presenteia nas coisas simples que nos
envolvem. Em relação à natureza, por meio de uma atitude de austeridade e de respeito
pelas coisas, pois elas nos falam de Deus, superando a cobiça de querer ter sempre mais,
de nos amarrar a necessidades artificiais que nos escravizam e fazem escravizar os seres
humanos por meio do consumismo e da exploração do homem pelo homem por causa
da avareza das riquezas. Em relação si mesmo, aceitando as próprias limitações,
reconhecendo as fragilidades e o mal que existe em cada um, descobrindo e ativando as
possibilidades de fazer o bem e de contribuir com o bem dos outros. Reconhecendo que
Deus habita no mais íntimo do ser da gente, que fomos criados por Ele e para Ele e
caminhamos na sua presença a cada instante da nossa história. Em relação aos outros,
que é, precisamente, a relação mais importante para Jesus, pois ela indica a qualidade do
nosso amor a Deus. A relação com os outros Jesus colocou como a chamada “regra de
ouro” e aparece nos quatro evangelhos em destaque maior sobre todos os preceitos do
Senhor. (Marcos 12, 28-34).
Jesus é o modelo desse novo agente para construir uma nova sociedade. (Mateus 12,
15-21). Ele atuou inspirado na mensagem do Profeta Isaias, integrando a justiça e a paz,
o compromisso sério e radical em favor de uma nova sociedade e respeitando a
consciência de cada pessoa, com misericórdia com os fracos e com paciência com quem
tem dificuldade para compreender a sua proposta.
3.5. O Evangelho, proposta de uma nova sociedade.
(Mc. 2,23-28; Mt. 4,12-17; Lc. 9,51-56; Jo. 12, 20-33).
O povo situava a chave principal do Reino de Deus no eixo do poder político. Jesus
situa esse eixo no âmbito da consciência e das convicções, na decisão pessoal. A
dimensão social e política não perdem, absolutamente, importância ou valor nessa
perspectiva evangélica. Tudo pelo contrário, alcançam uma dimensão mais profunda e
forte e prepara o ambiente social para transformações mais radicais do que aquilo que
poderia ser simplesmente uma troca de personagens que se arrevesam no poder sem
mudanças sérias que venham beneficiar a sociedade como um todo.
Antes de Jesus os profetas foram iluminando o povo sobre o sentido de construir uma
sociedade digna onde todos encontrem espaço para participar ativamente, sem
exclusões. As promessas que eles dirigiam aos pobres foram ganhando maior definição
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em dois sentidos: sobre o perfil de como seria o messias, o enviado de Deus para fazer
acontecer o Reino dentro da história humana e sobre as características sociológicas
desse mesmo Reino. Uma não se compreende sem a outra. De acordo com a proposta
será o líder que a executará. O Reino de Deus é caracterizado por valores humanos e
sociais que respondem aos grandes anseios da humanidade de todos os tempos. Reino
de justiça, de verdade, de liberdade, de amor e de paz. Esse é, segundo os profetas, o
mundo que Deus quer para o seu povo.
Nos evangelhos Jesus aparece muitas vezes reivindicando a primazia do ser humano em
relação às leis e instituições. Visão profundamente personalista da sociedade onde a
vida de cada um tem um valor absoluto. Logicamente que não se trata de uma vida
individualista, isolada do resto, realizada de forma egoísta e sem se importar com a
dimensão social. “O sábado foi feito para homem e não o homem para o sábado” dizia
Jesus. A vida de cada um é preciosa demais para Deus, pois cada ser humano representa
ao Criador e tem um valor absoluto. É por isso que Jesus respeita a consciência e a
liberdade de cada um, pratica uma tolerância muito delicada em relação às convicções,
crenças, opiniões e práticas das pessoas. Sempre e quando não venham prejudicar o
próximo. Ele acreditava na força da paz, em si mesma, e a praticava para superar os
conflitos e as diferenças.
Jesus revela também uma sensibilidade muito profunda, refletida e aguçada sobre o
valor da justiça. Especialmente a justiça com os pobres e marginalizados. Acredita e
trabalha em favor de uma sociedade impregnada pela justiça, onde cada um possa
encontrar tudo quanto precisa para viver com dignidade e possa participar positivamente
na construção de uma sociedade justa e solidária, espelho do projeto divino, sinal do
Reino de Deus.
Ele se relacionava de forma adulta com as pessoas, sem manipular ninguém, sem
enganos, sem propaganda de fantasias impossíveis, sem querer ser protagonista da
história que rouba a liderança dos outros. Jesus é a liderança positiva que respeita a
todos e ajuda a cada um a ser protagonista da própria vida e da história comum. Não
veio também para deixar as coisas do jeito que estão. (Lucas 12, 49-53). Lutou com
paixão para transformar a sociedade de raiz. Foi uma luta pacífica, porém comprometida
ao máximo. Seus inimigos perceberam que a proposta de Jesus era muito perigosa para
as elites da sociedade, pois trazia uma mentalidade totalmente revolucionária e uma
prática sumamente eficiente. Sem armas nem violência, mas com a força da
inteligência, da vontade e do amor pelo povo Ele abriu um caminho novo na história
que mudava as pessoas e as estruturas sociais. Nós, cristãos, acreditamos que o
Evangelho seja o movimento mais revolucionário da história que parte das consciências
e tem a motivação e o poder de transformar profundamente a história humana.
O homem de hoje tem um ciúme bem acentuado pela própria autonomia e liberdade.
Trata-se, com certeza, de uma conquista histórica da qual não se deve abrir mão, pois as
experiências de escravidão e totalitarismo são terrivelmente traumáticas na memória
histórica do nosso tempo. Jamais deveríamos esquecer os sofrimentos que os nossos
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antepassados e, ainda hoje, muitos contemporâneos passam sem ter necessidade, por
causa de uma sociedade injustamente estruturada e assimetricamente configurada, onde
uns lucram às costas das perdas de outros. Jesus lutou com todas as forças contra essa
situação e queria, sem dúvida, que os seus seguidores não se acomodassem ao esquema
do mundo, pois ele não oferece oportunidades reais de vida digna para todos.
É necessário hoje resgatar essa dimensão social do Evangelho, pois faz parte
inseparável da mensagem e do compromisso histórico de Jesus, por motivo do qual
sofreu o martírio na cruz. Infelizmente existem cristãos que mutilam a dimensão social
da fé, deturpando gravemente o projeto de Jesus Cristo. Se alguém ousara alguma vez,
afirmar que a proposta de construir uma nova sociedade seja secundária dentro do
programa do Evangelho, careceria absolutamente de qualquer autoridade, pois, tanto os
textos bíblicos quanto a tradição eclesial afirmam tudo pelo contrário. Daí a importância
de resgatar para a consciência cristã o Jesus histórico.
3.6.Opção pelos pobres. (Mt. 25, 31-46; Mc. 6, 34-44; Lc.16,19-31; Jo. 10,7-15).
No Antigo Testamento Deus faz opção pelos pobres de forma sistemática. Nos livros da
Torá (Lei) a Palavra insiste no mandamento de ajudar aos pobres, concretizados na
Escritura nas figuras do órfão, da viúva e do estrangeiro. Deus identifica a obrigação do
povo de cultuar a Ele na mesma importância de amar aos pobres, prediletos do Senhor e
sacramento visível na terra do Deus escondido no céu.
Em Jesus esta identificação é ainda maior, mais intensa e direta. O tratamento que se
tem com o pobre é feito com o próprio Deus. Tal vez seja o texto de Lucas quem melhor
consegue recolher esse apelo do evangelho. Na realidade, o amor aos pobres representa
a prova palpável da qualidade do amor a Jesus Cristo, o indicador prático que não
engana. Jamais esqueçamos do texto de Mateus, sobre o julgamento final.
João recolhe magistralmente nas suas cartas esse sentimento: “Compreendemos o que é
o amor, porque Jesus deu a vida por nós, portanto, nós também devemos dar a vida
pelos irmãos. Se alguém possui os bens deste mundo e, vendo o seu irmão em
necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele?
Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade?”
(1 João 3, 16-18; 4, 20-21).
Os relatos do nascimento e infância de Jesus, mais do que dados históricos revelam para
nós este mistério: que sendo Ele rico se fez pobre para nos enriquecer com a sua graça.
(2 Coríntios 8,9). O mesmo Paulo lembra aos fiéis as palavras do Senhor quando diz:
“Em tudo mostrei a vocês que é trabalhando assim que devemos ajudar os fracos,
recordando as palavras do próprio Senhor, que disse: ´Há mais felicidade em dar do
que em receber”. (Atos 20, 35). Paulo tomou muito a sério o preceito do Senhor de
amar aos pobres como elemento essencial ao Evangelho. É importante e necessário
lembrar que na assembléia (concílio) de Jerusalém, quando os apóstolos confirmaram a
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missão de Paulo e Barnabé, declarando totalmente válida a mensagem que pregavam,
pediram que, como sinal prático de autenticidade que acompanhasse a Palavra, jamais
se esquecessem dos pobres. Quer dizer, a Igreja substituiu a obrigação de cumprir a lei
mosaica pela opção pelos pobres, declarando que esta prática é a essência de toda a lei e
dos profetas e que, em hipótese nenhuma pode ser esquecida pelos discípulos de Cristo.
“Eles pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado
fazer com todo cuidado” (Gálatas 2, 10). Se os apóstolos, incluindo Paulo, outorgam
tamanha importância à opção pelos pobres é porque, sem dúvida nenhuma, com toda
certeza, era a prática e o desejo firme do Senhor, exigência inerente á conversão e ao
caminho de quem abraça o Evangelho. O próprio Tiago, irmão de Jesus (parente
próximo) e líder da primeira comunidade cristã de Jerusalém lembra na sua carta que os
pobres são os escolhidos pelo Senhor e a opção pelos pobres situa-se no coração do
cristianismo. (Tiago 2, 1-17).
Quer dizer, todas as diversas tradições da Igreja Primitiva (Pedro, Marcos, Paulo, Lucas,
Mateus, Tiago e João) coincidem unanimemente nesse preceito firme de Jesus.
Considerando que Cristo não deu tanto valor a uma quantidade de preceitos e normas
religiosas do tempo que viveu e, pelo contrário, enfatiza com imensa força a exigência
da opção pelos pobres, isso significa que esse mandamento do Senhor faz parte
intrínseca da sua vida e missão e, por vontade expressa dele, da vida e da missão dos
seus seguidores. O descuido dessa opção desautoriza a validade do seguimento cristão.
3.7.A comunidade, fermento da nova sociedade.
(Mc.10,32-45; Mt. 18, 1-35; Lc. 22, 14-30; Jo.13,1-17).
A comunidade cristã não é um grupo fechado em si mesmo como, por exemplo, eram os
essênios, que se consideravam os puros e julgavam o resto como pecadores destinados
ao fogo do inferno onde seria o ranger de dentes, gemendo no meio das chamas. Para
Jesus o grupo de discípulos precisa ser aberto, em atitude de diálogo e tolerância, sem
julgar os outros e, ainda menos, condenar aqueles que pensam ou vivem diferente. O
diálogo e a tolerância fazem parte importante da comunidade cristã, dentro e fora dela.
No próprio grupo de discípulos Ele reuniu pessoas de costumes e moral bem diferente.
Não seria nada fácil a convivência entre Simão o zelote e Levi o publicano, pois na vida
real os zelotes e os publicanos se odiavam a morte. Imaginemos a Simão Pedro, o
pescador, convivendo com Levi (Mateus) a quem pagou tantos impostos pesados
sugando o sangue do seu sofrido trabalho no mar.
Os filhos do Zebedeu, chamados também os filhos do Trovão complicavam a
convivência com suas atitudes radicais e o desejo egoísta de querer os primeiros cargos
dentro do grupo. Não sem motivo os outros discípulos ficavam com raiva deles, pois
com suas pretensões só provocavam desarmonia na comunidade.
Jesus entende a comunidade de seguidores como um motor a serviço do Reino, não
como um grupo privilegiado, “os peixinhos de Deus”. A promessa para eles é a cruz, a
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perseguição, as incompreensões e vida dura. Mesmo assim seguiram com o Mestre e
deram a vida por Ele e pela causa do Evangelho. Existia uma motivação maior para essa
entrega radical. A presença de Jesus era muito forte e atraía os discípulos para seguir no
caminho apesar dos empecilhos e problemas.
No centro do grupo situam-se o menor, o pecador, o doente, a criança, a mulher e o
excluído pelo mundo. Essas pessoas são as protagonistas do Reino e os discípulos
situam-se em lugar e atitude de serviço. O próprio Jesus deu exemplo constante disso,
carimbando essa atitude no momento de Ceia, por meio do Lava-pés. Esse gesto
representa a vida toda de Cristo incluindo, especialmente, o momento supremo de
entrega e serviço ao próximo que aconteceu na cruz.
As atitudes de diálogo, perdão, paciência, misericórdia, ternura, acolhimento, ajuda,
tolerância, respeito e amor fraterno caracterizam a comunidade a serviço do Reino de
Deus. A presença de Jesus dando exemplo maravilhoso e motivando esse novo jeito de
viver possibilita a vida comunitária cristã. A vida comunitária alcança com Jesus Cristo
os níveis supremos de realização, sinalizando para o mundo que é possível, sim viver a
utopia do Evangelho, embora na consciência e compreensão dos limites e deficiências.
No evangelho de Lucas o encontro entre Maria e Izabel expressa maravilhosamente a
atitude missionária do cristão. Maria representa a Igreja que carrega Jesus, o dom de
Deus para os homens, e o leva para Izabel, que representa a humanidade. Nesse
encontro marcado pelo amor e atitude de serviço acontece o diálogo entre a Igreja e a
humanidade. O Espírito faz a ligação entre ambos os corações. (Lucas 1, 39-45).
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Vamos fazer uma síntese da mensagem que Jesus anunciou. Ele era coerente, pois
vivia do jeito que falava. Isso conferia autoridade às suas palavras. As obras de Jesus
confirmam as palavras. Jesus anunciava o Reino de Deus. O que é isso? Faz sentido no
mundo de hoje?
- Jesus gostava de falar em parábolas para o povo. Por que utilizava as parábolas? O
povo entendia? Depois, em particular, comentava as parábolas com os discípulos. A
Igreja oferece hoje oportunidades de aprofundar e partilhar a mensagem do Evangelho
para quem quer assumir mais de perto a missão cristã? Como? Que significa que a
comunidade cristã deve ser fermento de uma nova sociedade? Como isso pode ser
possível?
- Jesus dedicou uma atenção especial aos pobres, marginalizados, excluídos, pecadores
e desprezados pela sociedade. Mas como Ele justificou essa atitude? Quais foram as
motivações profundas para agir desse jeito? Isso influenciou ou não para que fosse
perseguido? A Igreja é hoje fiel a Jesus no seu compromisso com os pobres? Poderia a
Igreja ser fiel a Jesus e ao Evangelho se esquecesse a opção preferencial pelos pobres?
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4. A PRÁTICA DE JESUS.
Quem não quer, em certos momentos da vida, um milagre que venha resolver um
problema? Eis o pedido frequente que as pessoas fazem a Deus. A mentalidade
moderna, impregnada pelo conhecimento da técnica e da ciência, questiona de raiz a
possibilidade de milagres. O que antigamente considerava-se como prova irrefutável da
ação divina no mundo torna-se, repentinamente, uma dificuldade aparente para a fé e
para a evangelização. Não deveria ser bem assim.
Na realidade o mundo moderno entende os milagres a partir de um enfoque muito
diferente de como entendiam os antigos. Para o pensamento científico um milagre seria
um fato que desafia as leis da natureza. Nesse sentido atrapalha mais do que ajuda a fé
do homem moderno, pois pareceria que ela fosse irracional, contrária à ciência. Para os
antigos o significado de milagre entende-se de outra forma. No mundo da bíblia um
milagre é uma ação na história pessoal ou social que traz vida e expressa a presença
divina no meio dos homens. Nós que estamos acostumados a analisar as causas e as
consequências dos fatos podemos situar a fé não como consequência do milagre e sim
como causa prévia. Quer dizer, sabemos que existem milagres, no sentido bíblico,
porque temos fé. Nós não temos fé porque existam milagres. Cada crente tem uma
história própria de fé que vem acompanhada de uma série de motivos pessoais que a
originaram; tudo isso deve ser respeitado.
O ambiente histórico onde se produziu a literatura bíblica está impregnado pela
convicção profunda da presença divina na vida dos homens. Nesse sentido a história
humana, a vida de cada um é um milagre, está envolvida pela ação de Deus que se
manifesta em detalhes preciosos do dia a dia. Assim entendendo o milagre é a maravilha
da vida, o lado bom da convivência humana, as atitudes e gestos de bondade e de
ternura que brotam no coração das pessoas e trazem consolação, cura, perdão,
reconciliação, luz, vontade de viver e de lutar com as armas do amor para que a história
seja mais humana. Desse jeito podemos e devemos, sim, acreditar em milagres, como
sinais do amor divino que acompanham a vida dos homens. A ciência moderna não é
problema para a fé nem para acreditar em milagres, entendidos eles dessa forma, quer
dizer, do jeito que o povo da época da elaboração literária da Bíblia entendia.
É por isso que o Evangelho de João não utiliza a palavra milagre, mas sinal. Os outros
evangelhos também utilizam pouco esse termo. Nesse sentido um milagre ou sinal tem
dois níveis: o aparente e o oculto. O lado aparente é uma ação em favor da vida, porém
não definitivo, mas passageiro, pois não é o principal, mas secundário. Quando Jesus
cura um doente isso não significa que aquela pessoa não venha adoecer outra vez. O
oculto representa um projeto superior de Deus que permanece para sempre, como um
anel que simbolizasse a aliança fiel de Deus com os homens, aliança que é eterna, pois
eterna é a sua misericórdia (Salmo 136/135; 120/119; 121/120). O anel é um objeto
visível, porém transitório, pode-se perder ou estragar. A aliança, entendida como
compromisso da parte de Deus, é para sempre e jamais se rompe nem se esgota, nem se
acaba. Esse é o lado principal, o definitivo do milagre, pois representa um sinal que quer
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dizer algo de importância valiosíssima para nós: Deus está conosco e nos ama desde
sempre e para sempre; esse seu amor imenso é que suscita e alimenta a nossa vida desde
hoje e para sempre, para toda a eternidade. Eis o significado profundo e verdadeiro do
milagre. Lucas recolhe com suma precisão a mensagem de Cristo sobre a presença do
Reino de Deus; “Hoje Deus visitou o seu povo”(Lc; 7,16). É isso que representa o sinal.
Assim nós podermos entender melhor o porquê Jesus reclamou do povo que só o
procurava por causa dos milagres sem se engajar na dinâmica do Reino, pois
permanecia, desse jeito, no nível superficial e passageiro, sem compreender nem
participar do nível profundo e autenticamente importante para o homem que é o
mistério da sua salvação, o engajamento histórico em favor do Reino, o compromisso
social para transformar a história. (Mateus 13, 53-58; 11, 20-22; Marcos 6, 1-6; 8,1013; João 6, 22-27). Os sinais de Jesus revelam que o Deus Criador é também Salvador,
quer dizer, preocupa-se com as pessoas e busca, sem cessar, o bem dos homens e os
acompanha pedagogicamente pelos caminhos da história. O Deus Criador da natureza é
também o Senhor da história a fim de que seja boa para os homens.
4.1. Evangelizar com obras e palavras.
(Mc. 8, 22-38; Mt. 11, 25-30; Lc. 10, 17-24; Jo. 11, 17-27).
Uma das diferenças entre João Batista e Jesus, entre os rabinos e Jesus, é precisamente
esta: Jesus realizou feitos portentosos que traziam vida para as pessoas oprimidas pelo
mal e que chamaram vivamente a atenção do povo. As pessoas percebiam que Deus
atuava por meio de Jesus em favor do povo. O Evangelho de Marcos quase não registra
discursos de Cristo, mas concentra-se na ação, no fazer, nos fatos pelos quais Jesus
cura, derrota o mal, desperta a esperança, alimenta o desejo e a alegria de viver. O povo
entendeu que Ele fazia bem todas as coisas, pois o braço de Deus agia nele com poder.
(Mc. 7, 31-37). A mais antiga tradição bíblica,“Deus salva com braço poderoso” se
atualiza hoje em Jesus.
Jesus viveu um forte compromisso histórico para transformar a história humana de raiz.
Não apareceu no cenário daquela sociedade para deixar as coisas do jeito que estavam.
Outra coisa será analisar a metodologia que Ele utilizou para conseguir tal objetivo que,
para alguns (zelotes de ontem e revolucionários armados de hoje) poderia parecer
ineficiente ou ingênuo e para os cristãos é o caminho certo para construir uma história
nova que realmente venha trazer mudanças palpáveis e profundas em benefício dos mais
pobres.
Pela mão de Jesus Deus visita o seu povo e traz a salvação para as pessoas. Essa ação
permanece para sempre, pois Deus quer a Vida Plena para os homens e nós acreditamos
que essa experiência inicia-se nesta terra e perpetua-se na vida eterna. Nesse sentido os
milagres são muito importantes também no mundo moderno, pois necessitamos de
gestos e símbolos que, veiculados por ações práticas de misericórdia que produzem vida
e alegria no coração das pessoas, sinalizam uma realidade mais profunda e permanente,
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como é a presença amorosa de Deus perto dos homens. Presença que possibilita
acreditar que é possível trabalhar por uma história mais digna e positiva em favor da
humanidade.
Se o evangelho de Marcos apenas nos mostra de forma explícita a mensagem de Jesus o
texto de João apenas transcreve milagres de Cristo, dado que chama nossa atenção para
o significado de cada um dos sete sinais que relata. O quarto evangelho nos diz que
muitas outras coisas Jesus fez que não foram contempladas no livro, mas o que foi
escrito é para que acreditemos que Ele é o Filho de Deus e para que, acreditando,
tenhamos VIDA em seu nome. (Jo. 20, 30-31). O número de sete sinais quer dizer que
a vida toda é um grande sinal do amor divino, que toda a história humana está
impregnada pela presença amorosa de Deus. Presença que se revela abertamente na
pessoa de Jesus Cristo, a Palavra de Deus que se fez homem para trazer a alegria, o
amor e a vida divina ao mundo. (Jo. 1, 17- 18). A partir de cada um desses sinais, no
texto de João, Jesus vai revelando o mistério da sua missão entre os homens. Esse
evangelho apresenta extensos discursos que vão aprofundando em forma de diálogo
sobre o significado do mistério de Jesus que é o grande presente do Pai para a
humanidade. Quem o encontra experimenta a graça divina. Precisamos considerar
também que o estilo literário de João é fortemente marcado pelo semitismo oriental,
pouco ocidental, e que nós não estamos acostumados a ele. A forma literária da
inclusão, poética e preparada para o canto ou a memorização pode causar em nós, que
estamos acostumados a um pensamento mais de lógica ocidental, uma dificuldade que
não deveria, jamais, nos fazer deixar de lado esses textos que nos transmitem uma
riquíssima mensagem que brotou, certamente, do coração do Divino Mestre.
Em Lucas os milagres também revelam que Deus visita o seu povo. Essa experiência
maravilhosa e surpreendente provoca ambiente de alegria e de festa no coração do povo.
(Lc. 7, 11-17). Jesus é o Rei que vem trazer a justiça (condições de vida digna e feliz) e
a paz para o povo oprimido. Ele será acolhido como o Messias esperado, pois fez
acontecer coisas novas, transformações palpáveis que sinalizam o mundo novo que
Deus quer. (Lc. 19, 29-40). Em Lucas nós percebemos, tal vez com maior clareza, que
as atitudes, gestos e obras de Jesus são profundamente transformadoras e eficazes. Jesus
não é um pregador agradável e dócil, facilmente assimilável pelo status social da época,
absorvível pelos mecanismos de poder social, religioso e, no fundo, econômico. Ele tem
um projeto pessoal e social bem definido, sabe o que quer e não perde tempo, busca a
eficácia evangélica para fazer o bem e transformar a vida das pessoas e da sociedade
para que seja melhor, mais digna e bonita.
4.2.Milagres em favor da vida.
(Mc. 10, 46-52; Mt. 9, 18-26.35-38; Lc. 5, 12-16; Jo. 5, 1-18).
Podemos afirmar sem dúvidas que Jesus tinha uma capacidade de curar as pessoas e
fazia isso de graça, sem cobrar nada, nem em forma de dinheiro nem para se aproveitar
disso para conseguir fama ou poder. Os textos insistem no empenho de Jesus em não
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divulgar esses fatos. A ação de Jesus é sempre em favor da vida das pessoas. Nada fez
para castigar, tomar vingança ou prejudicar ninguém. Como lembram os apóstolos na
sua pregação, Ele passou pela terra fazendo o bem e curando os doentes. (Atos 10, 3643). Na realidade esse é o grande milagre: Jesus fazia o bem de graça, sem esperar
nada em troca, por puro amor e bondade. Nesse sentido deveríamos nos perguntar: será
que eu não posso fazer milagres? Será que eu, no nível pessoal e nós como comunidade
e sociedade não podemos fazer milagres fazendo acontecer sinais de vida onde
prevalecem sinais de morte? Fazer o bem pelo prazer de fazer o bem, por doação, por
amor a Jesus e ao próximo. Basta acreditar e querer fazer.
A ação humana de Cristo revela isso: cada um tem em si grande potencial para fazer o
bem. As pessoas escondem-se no comodismo, no achar que nada pode mudar, no
individualismo egoísta. Uma leitura perigosa dos evangelhos, especialmente no caso
dos relatos dos milagres de Jesus é, precisamente, esta: Ele era Deus e podia fazer essas
coisas extraordinárias; eu sou um homem mortal e não tenho esse poder. Esse
pensamento é uma falácia de uma fé muito mal compreendida e que pouco se abriu à
proposta autêntica do Evangelho do Senhor. Nós podemos, sim, e devemos realizar
milagres, entendidos no sentido que nos apresenta a tradição dos primeiros cristãos por
meio das Escrituras Sagradas.
Jesus cura os cegos e devolve a luz a uma sociedade envolvida nas trevas. Ele purifica
os leprosos e lava a sujeira de maldade que contamina os homens por dentro. Cura os
paralíticos e perdoa o pecado do mundo que nos desvia do amor de Deus e do amor ao
próximo. Abre a língua dos mudos e o ouvido dos surdos desentupindo o bloqueio de
uma comunicação interesseira e falsa e suscitando entre as pessoas uma comunicação
nova caracterizada pela verdade, pela transparência, pelo diálogo e respeito para o
outro, pelo amor, a serviço da justiça, da paz e da vida digna dos humildes. Ressuscita
os mortos manifestando que é possível viver de outra forma diferente daquela que o
mundo prega para alienar as pessoas.
É possível viver e ser feliz, amar a vida e realizar os sonhos mais belos e profundos que
ela nos inspira. É preciso tomar cuidado e conduzi-la com sabedoria para não cair nas
armadilhas do mundo que conduzem para a morte. Jesus revela que viver de verdade é
possível orientando a história pelos caminhos que Deus sinaliza para nós, pois sem Ele
nós ficamos confusos e desorientados. Deus não quer tirar nada de nós, tudo pelo
contrário.
O projeto divino para o homem é a vida verdadeira em plenitude. Isso acontece quando,
a exemplo de Jesus, a entregamos livre e espontaneamente a serviço do próximo,
especialmente dos mais pobres. Nesse sentido, a vida se apresenta cheia de milagres em
todo momento e lugar; sendo que a própria vida é o grande presente e milagre que Deus
coloca em nossas mãos. (Lucas 12, 12-34).
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4.3. Sinais do Reino de Deus.
(Mt. 8, 23-27; Mc. 5, 31-43; 10,46-52; Lc. 17,11-19; Jo. 4, 46-54).
Dentre os milagres ou sinais realizados por Jesus existem classes diferentes que
precisam de interpretação diferente. Encontramos nos relatos ações de curas de doenças
e, alguma ressurreição (três casos: filha de Jairo, filho da viúva de Naim e Lázaro); há
também expulsão de espíritos maus ou exorcismos e ações que revelam domínio ou
senhorio sobre as forças da natureza (tempestade no mar acalmada, caminhar sobre as
águas, multiplicação dos pães, transformar a água em vinho, transfiguração). Ninguém
duvida hoje que Jesus tivesse capacidade para curar vários tipos de doenças. Existem ao
longo da história nas diferentes culturas e religiões pessoas que manifestam essa
capacidade, realizada de formas diversas. No pensamento pré científico o tema da
saúde, das doenças e das curas relaciona-se estreitamente com a religião. As pessoas
tem a intuição de que o sofrimento é originado pelo mal presente no mundo e na
história, um mal que não controlamos, é misterioso e produz medo. A religião,
historicamente, procura chegar até a raiz dos problemas para curar a causa dos mesmos.
Humanamente falando também podemos compreender desde um aspecto psicológico o
poder sobre os espíritos maus. Alguns sintomas de alguns casos de endemoninhados
podem-se identificar com casos de epilepsia e situações semelhantes, que o povo
daquela época atribuía aos poderes do mal. Ainda hoje, numa sociedade fortemente
marcada pelo racionalismo da ciência, as pessoas procuram os ritos exotéricos e as
práticas de magia para tentar resolver muitos problemas que afetam a saúde, as finanças,
o trabalho, as relações sentimentais ou afetivas, pois o mistério da existência do mal
gera incerteza na mente humana que procura segurança e garantia do bem estar.
O mundo do inconsciente humano continua sendo uma incógnita para a ciência, uma
terra ainda virgem a ser explorada e que se conecta com a realidade de múltiplos
problemas de saúde que tem origem, parece, em motivações mentais. A prática de certas
lideranças religiosas que utilizam o nome de Jesus para realizar “curas” nessas situações
descritas (saúde, dinheiro, trabalho e amor) nada tem a ver com a prática e a finalidade
de Jesus quando atuava, também por meio de milagres, em favor do povo, sem esquecer
ainda que Cristo curava de graça enquanto hoje essas lideranças procuram se enriquecer
ou fazer proselitismo por conta da fé.
Não podemos esquecer que na mentalidade do povo daquele tempo tudo era atribuído a
Deus diretamente, pois não eram acostumados a compreender os fenômenos da
realidade a partir de causas imediatas. Até a erva que nascia e crescia nos campos as
pessoas pensavam, de forma natural, que era Deus quem diretamente fazia acontecer.
As coisas ruins, incluídas as doenças eram responsabilizadas ao poder do maligno. Daí
que Jesus cura a doença e perdoa os pecados de forma conjunta, pois a raiz de ambas as
realidades era considerada a mesma. O povo entendia que, quando Jesus curava um
doente ou expulsava um demônio estava colaborando com a ação de Deus que quer o
bem para o seu povo.
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Os chamados milagres de poder sobre a natureza merecem atenção específica e
precisam de uma interpretação muito especial. Eis o Jesus que caminha sobre as ondas,
acalma a tempestade, increpa os ventos, multiplica os pães e os peixes, transforma a
água em vinho. Esses relatos mostram a fé da comunidade na divindade de Cristo e
estão orientados a essa finalidade: transmitir essa mesma fé. Relatos que nos convidam
a confiar nele, acreditar que Ele nos acompanha e ajuda realmente, embora de uma
forma espiritual. Proclamam ao mundo a fé cristã: Jesus Cristo é o Senhor da vida, da
história, da natureza, do universo e de tudo quanto existe. Ele é Deus! Não faz muito
sentido querer descobrir ou interpretar como isso acontecia, pois não são fatos que
façam parte do mundo da experiência visível. Indicam outra realidade misteriosa e
escondida que se dirige aos apelos da fé. Para um cristianismo moderno e de situação
acomodada poderiam ter pouco significado. Para os cristãos que lutam duramente no dia
a dia para ganhar o pão e construir uma vida digna para si e para a família esses relatos
oferecem uma confiança maior em conseguir a vitória desses objetivos humanos,
necessários e justos, pois o Senhor está perto e a presença dele cura, consola, anima,
motiva e alimenta as energias para lutar em favor de um mundo novo. Foi a experiência
de Paulo na prisão, quando em sonhos Jesus o animou: “Tenha confiança”. (Atos
23,11).
4.4. A vida de Jesus é o grande sinal.
(Mc. 9,30-37; 10,13-16; Mt. 9,9-13; Lc. 7,34-50; Jo. 8, 1-11).
A pessoa de Jesus de Nazaré com seu jeito de ser, de se relacionar, falar, olhar, agir,
sentir e pensar é o grande sinal do Reino no mundo. É por isso que os discípulos, após a
morte do Mestre, situam no centro da mensagem a ser anunciada a vida mesma de
Jesus, o Cristo, como a grande Boa Nova de Deus para os homens.
Naquela época a mulher era marginalizada absolutamente da vida social. Não tinha
valor no mundo jurídico. Ficava á parte, em segundo plano, no culto do templo e da
sinagoga. Não podia estudar. Desde que nascia até o casamento estava sujeita ao pai,
depois ao marido e, se viúva, ao filho maior ou varão adulto mais próximo no
parentesco. Não tinha nem voz nem vez. O divórcio era direito exclusivo do homem no
direito judaico, diferente do romano. Qualquer motivo fútil (queimar uma panela no
fogão) era suficiente para o homem conseguir o divórcio da mulher. Ela tinha, então,
que voltar para casa se é que o pai ou algum irmão maior a acolhia. Caso contrário
poderia ficar na rua. Situação extremamente complicada para ela. Como na lei mosaica
o sangue se relaciona com a impureza, nos dias da menstruação a mulher ficava impura.
Tudo quanto tocasse ficava impuro. Precisava de ritos especiais e tempos determinados
para se voltar a purificar. Imaginemos no caso de uma mulher com problemas de fluxo
de sangue constante. Ficava, pois, permanentemente em situação de impureza. Assim
entendemos bem melhor o que a presença de Jesus no cenário público representou para
a mulher no resgate da própria dignidade. Cristo teve uma forma totalmente diferente e
nova de se relacionar com a mulher. Conversa com elas, as escuta e aceita no grupo dos
discípulos, coisa que jamais fez nem faria um rabino daquela época. Jesus chamou a
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atenção para a seriedade no relacionamento conjugal, em igualdade de condições para o
homem e para a mulher. No casamento a mulher era um objeto do homem. O adultério
era, propriamente, pecado do homem, considerado como um roubo, pois um homem
roubava uma mulher de outro homem. A mulher era apedrejada e, normalmente, o
homem ficava livre, como um detalhe mais da incoerência social da época. Jesus revela
uma presença e uma ação profundamente libertadoras no caso da situação da mulher.
As crianças eram também totalmente desconsideradas naquela sociedade, pois não
tinham nenhum valor perante a lei até os doze anos. Ficavam aos cuidados da mãe e não
existia, juridicamente, nenhuma lei que as protegesse. Por várias vezes Jesus situa a
criança no meio da preocupação da comunidade revelando ao mundo que, no projeto de
Deus que é o Reino, elas são as primeiras a participar. Ainda mais, quem não se fizer
como uma criança não entrará no Reino. Logicamente que quando Jesus fala da criança
está se referindo também a todo ser humano que por qualquer situação pessoal ou social
de vulnerabilidade fica em desvantagem para participar dignamente e em igualdade de
condições da vida social.
Os doentes eram considerados também pecadores pelo fato de serem doentes. “Quem
pecou para que nascesse cego, ele ou seus pais?” perguntam a Jesus os discípulos (Jo. 9,
2). O leproso vivia uma das piores situações da época. Obrigado a se afastar da família e
do convívio social, carregava o estigma de ser considerado como um castigado por
Deus. Viviam em grupos, para se auxiliar mutuamente, nos desertos ou montanhas. Era
obrigação jogar pedras neles se ousavam se aproximar de alguém. Jesus revela que o
doente é amado especialmente por Deus. Em absoluto a doença era castigo divino, mas
situação de dor que, na medida do possível deveria ser superada. É isso que Jesus fazia.
Quem convivia com doentes, que eram considerados como tocados pelo mal, era
considerado também impuro. Podemos assim compreender melhor como Jesus supera
todos esses pré conceitos e não se deixa levar pela opinião pública. Manifesta uma
personalidade muito confiante em si mesmo para revelar que cuidar do doente faz parte
do plano divino. Ainda nos revela mais, que na pessoa do doente Deus se faz presente,
de forma que a verdadeira religião consiste em atender e ajudar o doente na sua situação
de sofrimento.
Os pecadores considerados públicos por causa de algum ofício ou situação social
sofriam a exclusão religiosa e social da comunidade. Os publicanos e cobradores de
impostos, pastores e camponeses, prostitutas, agentes do império romano e outras
categorias sociais eram desprezadas e consideradas dignas da condenação quando
chegasse o Reino. Jesus chamou um publicano para fazer parte do grupo mais íntimo de
entre os seus seguidores, como foi o caso de Levi, Mateus. Participou de refeições com
eles. Hospedou-se na casa de Zaqueu levando para aquela família a salvação divina
(Lucas 19, 1-10). “Hoje a salvação entrou nesta casa”; Deus atua na pessoa de Jesus.
Para compreender melhor o significado de um relato que narra um milagre ou sinal de
Jesus é bom prestar atenção ao momento final do relato, pois ai costuma encontrar-se a
chave principal de compreensão. Nessa parte final aparece, normalmente, a resposta de
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fé da pessoa que no encontro com Jesus recebeu uma graça divina que o ajuda a superar
as dificuldades. Nessas respostas finais encontramos as atitudes próprias da fé: louvar e
agradecer a Deus, seguir Jesus pelo caminho, servir a comunidade, anunciar a notícia ao
povo, compartilhar os bens com os pobres e outras semelhantes. Quer dizer, o milagre
ou sinal não é simplesmente um favor ou privilégio individual, como se fosse um golpe
de sorte, mas trata-se de um encontro de vida que Deus concede aos homens para
despertar neles atitudes novas de amor, de serviço, de fé e de partilha.
4.5. A comunidade, alternativa de vida nova.
(Mc. 8,34-38; Mt. 20, 17-28; Lc. 9,57-62; Jo. 14,1-14).
A comunidade cristã é formada para a missão. A missão de evangelizar, de acolher e
construir o Reino de Deus é o objetivo da mesma. A igreja não nasceu para si mesma
para cumprir um serviço no mundo testemunhando, anunciando e trabalhando a
mensagem de Cristo.
Jesus não quer platéia que fica assistindo um belo espetáculo ou escutando discursos
bonitos. Ele quer agentes comprometidos em favor do projeto do Pai, homens e
mulheres de ação. Cristo não veio ao mundo para deixar tudo do jeito que está. Não
chamou discípulos que ficassem olhando para as nuvens esperando que de lá viesse o
Reino de Deus. Convocou discípulos e discípulas que abrissem os olhos para
compreender a realidade, os sinais dos tempos e neles descobrissem os elementos que se
opõem ao Reino e as oportunidades que favorecem o seu desenvolvimento.
Jesus precisa de seguidores com atitude e dinamismo, com compromisso e ação, com
inteligência e vontade de lutar por um mundo novo. Não se trata, logicamente, de fazer
as coisas por puro voluntarismo nem ativismo, sem motivação nem sabedoria. Mas
também não pode o discípulo ficar acomodado ao ponto de jamais considerar que está
na hora de fazer acontecer as coisas do Reino.
Para tudo isso é necessário ter convicções profundas e firmes em relação ao evangelho.
Fazer opções radicais e coerentes, situando a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo em
primeiro lugar na vida da gente. De outra forma não se chegará a lugar nenhum.
A mística é importante. Alimentar a convicção de que quem trabalha para Deus não está
sozinho, o Espírito inspira, consola, ilumina e fortalece. “Vocês farão coisas maiores do
que as minhas” disse Jesus. Ele mesmo está presente na vida do discípulo (“não tenham
medo, pois eu estou ao vosso lado”; “eu estarei com vocês todos os dias até o final da
história”). Essa certeza alimenta a energia para que a comunidade cristã continue
inabalável no compromisso evangelizador.
A atitude primeira dentro da comunidade é de serviço. Ao contrário do que na maioria
dos grupos sociais, as lideranças da Igreja estão para servir, para ajudar os irmãos e
irmãs de fé a darem testemunho de vida cristã. O protagonista da evangelização é cada
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batizado e os dirigentes da comunidade assumem o compromisso de alimentar a fé e o
amor dos fiéis para que cada um possa cumprir melhor a sua missão como discípulo do
Senhor. Dessa forma, é mais importante a base do que a cúpula da igreja. Poderia
parecer que Jesus é muito radical na exigência do chamado. Simplesmente ele é realista.
Na perspectiva da cruz, das conseqüências que o compromisso pelo Reino pode trazer
para o discípulo, Ele não engana ninguém; não é fácil ser cristão, trabalhar por um
mundo novo.
Quando o grupo de discípulos enfiou o rumo para Jerusalém, na que seria última subida
de Jesus, grandes multidões seguiam o Mestre. Cristo não se deixou iludir nem enganou
ninguém. Fala rasgado da cruz, deixa claro para todos que não vão receber cargos
políticos ou administrativos, vitórias militares ou outro tipo de honras ou mordomias.
Não tem nada disso. A perspectiva é a cruz. Logicamente que o grupo diminuiu
bastante. Quem permaneceu junto ao Mestre experimentou que não existe alegria maior
do que conviver perto dele, pois a sua presença, ternura e amor preenchem o coração
humano saciando, como ninguém, a sede de paz e de amor do ser humano.
Mateus oferece um ícone precioso da missão da Igreja, que consiste em apresentar o
dom de Deus que é Jesus a todos os homens, com abertura a todos os povos, pois a fé é
universal e em Jesus manifesta-se a luz divina a todos os povos. (Mt. 2, 1-12).
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Os milagres ou sinais podem produzir efeitos contrários no coração das pessoas.
Alguns esperam que Deus faça tudo para eles. Outros entendem que a vida mesma seja
um grande milagre e, sentindo o amor de Deus que nos quer bem, se comprometam em
favor de um mundo novo, mais coerente com o projeto de Jesus, quer dizer, com a
proposta do Reino de Deus. Como você compreende os milagres de Jesus? Que
representam os milagres na tua vida?
- Muitos, a partir da mentalidade científica, entendem a palavra milagre como um fato
que supera as leis da natureza. Nesse sentido alguns consideram os milagres como um
absurdo fruto da crendice religiosa. Outros pensam que é a prova do poder de Deus
contra os que não querem acreditar. Na época de Jesus o povo entendia milagre como
uma atuação misteriosa de Deus em favor dos homens, revelando o seu cuidado e amor
pelos seres humanos. Como podemos falar hoje de milagres para um mundo moderno?
Hoje é difícil para nós pesquisar o como Jesus curava e libertava as pessoas de forças
malignas. Mas sabemos muito bem o porquê Jesus curava e libertava das amarras do
mal. Por que Jesus fazia milagres?
- Que milagres, como discípulos de Jesus, nós podemos realizar hoje? A comunidade
cristã, por meio da solidariedade, da partilha e do compromisso com os que mais sofrem
deve ser testemunha do amor divino, alternativa de uma vida nova pautada pelo amor
fraterno. Isso está acontecendo na tua comunidade eclesial ou ainda não? Em quais
aspectos acontece e em quais ainda não acontece? O que você está fazendo para que
hoje aconteçam “milagres” ou “sinais” do Reino de Deus ao teu redor?
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5. O DEUS DE JESUS.
5.1. O ambiente religioso onde nasceu Jesus.
(Mc. 1,35-39; Mt. 1,18-25; Lc. 1,26-38; Jo. 1,1-18).
Jesus nasceu no meio a uma cultura fortemente oracional. Na visão bíblica da história
Javé está presente em todos os momentos da vida do povo. Nos primórdios da fé de
Israel primeiramente veio a descoberta de um Deus que entra na história para mudar o
seu rumo em favor de um povo escravizado, despojado de toda dignidade, sem
condições de ser sujeito do próprio destino. (Exodo 3, 1-10). Até esse momento não
conhecemos religiões que questionassem o poder estabelecido ou a situação social
dominante. O Javismo nasce, precisamente, a partir dessa premissa: existe um Deus que
não aceita a opressão do seu povo e entra eficazmente na história humana para trazer
profundas transformações históricas. As expressões “Eu sou Yhaweh, teu Deus, que te
fiz sair do Egito, da casa da escravidão” (Êxodo 20,2) e “Yhaweh estendeu a mão
direita com poder em favor do seu povo” (Êxodo 15, 6.12) são das mais antigas da
Bíblia, de acordo com a crítica histórica literária, e essas expressões fazem parte
também, sem dúvida, da primeira profissão de fé de Israel. É um Deus da história, pois
apresenta um projeto histórico para um povo humilhado. Isso acontecia,
aproximadamente, no ano 1.250 a.C. entre as terras do Egito e da Palestina, na
península do Sinai. Ainda hoje, esse mesmo povo continua a cultuar o mesmo Deus nos
ritos da páscoa judaica. Trata-se de uma celebração litúrgica bem familiar, onde o pai
preside e o filho menor pergunta pelo significado desse jantar todo especial
(Deuteronômio 6, 14-25). Jesus celebrou ao longo da vida essa mesma páscoa,
inserindo um caráter próprio, na Ultima Ceia, pois com Cristo surge uma Nova Páscoa,
a definitiva para os cristãos, e um novo culto, a ceia eucarística, relacionada diretamente
com a Páscoa de Jesus. Na celebração da páscoa judaica Jesus enxertou a páscoa da
Nova Aliança de Deus, o Pai amoroso de todos, com toda a humanidade.
Para nossa mentalidade urbana e moderna é importante definir o como Deus atua na
história. Pois as duas tentações mais comuns são, a primeira, entender os relatos ao pé
da letra, sem critérios de discernimento literário, a partir de uma compreensão mágica e
infantil; e a segunda seria simplesmente negar os acontecimentos narrados por serem
incompatíveis, do jeito que chegam até nós, com uma mentalidade moderna. Houve,
sem dúvida, acontecimentos muito importantes para o povo. O povo acredita que Deus
atuou de forma decisiva em favor dele. Isso não dispensou, de jeito nenhum, o
compromisso humano. Do ponto de vista teológico e pastoral encontramos textos
riquíssimos que nos indicam uma ação em parceria entre Deus e o homem. Atuando
juntos acontece a história da salvação. Existe, logicamente, uma ação humana que
transforma a história. O grupo humano que a protagoniza atribui a Deus uma
intervenção misteriosa no momento decisivo Deus atua quando o homem luta. Essa é a
fé que Jesus recebeu, praticou e ensinou que nós também aceitemos e pratiquemos.
Voltando para a história da religião israelita, com o amadurecimento espiritual fruto do
tempo, sempre fundamentado na experiência pascal da saída ou êxodo do Egito, o povo
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começa a compreender que o Deus que irrompeu na própria história para trazer
liberdade e condições de vida humana digna é o mesmo e único Deus Criador da
natureza, do universo e da vida. Aquele que suscita e alimenta a vida da natureza e, de
forma especial, a vida humana. Jesus nasceu no meio de um povo que louva e agradece
a Deus pelo dom da existência. (Salmo 8). Quando a vida é ameaçada por situações
históricas ou naturais adversas, o povo pede ao Senhor (Elohim) que venha intervir, do
jeito como interveio no Egito para tirá-lo da escravidão, com o objetivo de poder viver
com dignidade. (Salmo 130/129). Como causa última dos motivos que o povo identifica
como ameaças em contra da vida o povo atribui ao mistério do mal presente mo mundo.
O pecado seria a colaboração humana com esse mistério do mal que traz como
consequência o sofrimento e a morte. Para aquele povo o pecado poderia ser sem
querer, um fato objetivo que transgride a lei divina, mesmo por ignorância. O pecado é
para Jesus a colaboração consciente e livre com o mal, atrapalhando a dinâmica do
Reino. É por isso que Jesus não aceita a visão dos fariseus, para os quais o pecado
consiste em infringir normas ou desobedecer preceitos, mesmo que a pessoa não saiba
que esteja errando.
Jesus aprendeu a orar também com os salmos. Aqueles hinos preciosos que o povo
canta para celebrar a ação divina na própria história (Salmo 122/121). A súplica no
momento de dificuldade (Salmo 22/21). Aqueles que revelam a misericórdia e o perdão
de Deus. (Salmo 51/50). Ação de graças (Salmos 100/99; 118/117). De confiança no
amor do Senhor (Salmos 23/22; 131/130). Orações pedindo a chegada do messias
salvador (Salmo 72/71). Salmos de louvor (Salmos 103/102; 149). Os salmos e
cânticos bíblicos são uma verdadeira escola de oração. Jesus aprendeu a orar também
nessa escola. Mas Ele fez uma interpretação a partir da sua própria fé. As duas
características da fé de Jesus que se distanciam de alguns sentimentos expressados nos
salmos são: a universalidade da salvação, quer dizer, Deus ama não somente o povo
escolhido, mas a humanidade toda; e o perdão aos inimigos superando a dinâmica de
vingança. Jesus entende que quando Deus escolhe uma pessoa ou povo não se trata de
um privilégio, mas de um serviço em favor de todos.
Mas é, sem dúvida, a partir dos profetas que a compreensão sobre Deus alcança o cume
da espiritualidade daquele povo. A raiz da vida da fé reside na Palavra (religião do
Livro), pois o Senhor tem um projeto histórico para o seu povo. A resposta humana
veicula-se por meio de dois elementos que precisam caminhar em sintonia: a palavra
humana dirigida a Deus como resposta (oração) e a ação humana na história em
coerência com o projeto divino, ação humana que é o grande objetivo da fé. Portanto, na
vida da fé e, em boa lógica, na vida orante do povo de Jesus, a Palavra de Deus tem a
primazia, vem em primeiro lugar. (Isaias 55,6-11; Jeremias 31,10-13). O livro do
profeta Isaías, especialmente o segundo, chamado Livro da Consolação ou Evangelho
de Isaías (capítulos 40 a 55) tiveram influência profunda na consciência de Jesus, pois
Ele inspira-se muito nesse escrito para a sua missão. Também tiveram influência, maior
do que anteriormente se imaginava, os livros sapienciais da Bíblia, pois destacam a
presença de Deus no universo e nos acontecimentos cotidianos da vida das pessoas. A
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sabedoria divina e o Espírito do senhor serão a base teológica para compreender a
presença do Espírito Santo, revelação própria do Novo Testamento, mas que tem raízes
no Antigo. Lucas e João aprofundam mais na teologia da ação do Espírito Santo.
Eis o ambiente no qual nasceu e cresceu a fé de Jesus. Não uma fé passiva, que tudo
espera a partir de uma ação mágica vinda do alto; mas fé ativa e compromissada,
colaborando humanamente com o projeto e a graça divina que já está agindo,
misteriosamente, no mundo. Ambiente de fé maravilhosamente recolhido no texto de
Lucas, quando descreve nos primeiros capítulos o sentimento religioso do povo de Jesus
(canto de Zacarias, Lucas 1, 67-79) e o significado da vida de Cristo para a fé do novo
povo de Deus, que é a Igreja (canto de Maria, Lucas 1,46-55). A Primeira Aliança
expressa a fé do povo israelita antes de Jesus, como o tempo da promessa; a Nova
Aliança expressa a fé de Jesus e do povo que o aceita como Salvador, pois já é o tempo
da graça, da realização da promessa. Não é por acaso que, em Lucas, o canto do tempo
antigo seja interpretado por um homem velho e o canto do novo tempo seja entoado por
uma mulher jovem. Lucas soube compreender e expressar com extraordinária
sensibilidade as atitudes mais delicadas e firmes do Senhor em relação aos pobres e
marginalizados, sublinhando maravilhosamente os traços do projeto histórico que brota
da fé que Jesus viveu e anunciou. O ambiente que envolve a família e o povo onde Jesus
nasceu é de fé profunda e de espera ativa pela chegada do messias prometido pelos
profetas. Maria e José são apresentados como os representantes dessa tradição religiosa:
fé ativa, de colaboração com o projeto divino, de obediência à vontade do Senhor.
O texto de Marcos recolhe como foi um dia na vida de Jesus quando iniciou a missão
pública. Esse dia (Marcos 1,21-38) representa todos os dias do ministério na Galileia,
na fase primeira da sua ação evangelizadora. Diz o texto que, de madrugada, quando
ainda estava escuro, Jesus foi orar num lugar deserto. Quer dizer, Ele orava todos os
dias. É nesse diálogo diário e constante com o Pai que alimentava a mística da sua
missão. Encontramos em Jesus uma relação afetiva, confiante, espontânea, cheia de
ternura e de amor para com Deus. Não era uma relação que nascesse por um dever que
tivesse que cumprir, mas por afeto, por paixão, de coração mesmo. Tal vez Ele estivesse
um pouco cansado daquela insistência dos movimentos religiosos do seu tempo em
acentuar a ação divina no passado, como uma promessa para o futuro que não acabava
de chegar. Jesus insiste no presente, Deus atua aqui e agora com a mesma força e amor
do que o fizesse no passado. O Reino de Deus já está presente hoje na história humana.
Essa presença revela-se em cada detalhe da natureza; no cuidado divino pelos pássaros e
as flores do campo e, principalmente, no cuidado com as pessoas (Mateus 6, 25-34). O
texto de João entende também a vida e missão de Jesus a partir do projeto de Deus, não
só na história humana, mas na dinâmica toda da criação do mundo que caminha para a
sua plenitude tendo como centro e medida a encarnação do Filho de Deus, a Palavra que
se faz carne e monta a sua tenda no acampamento da história dos homens. Na mesma
linha espiritual do Prólogo do Evangelho de João elaboraram-se os grandes hinos e
cânticos do Novo Testamento, como são Efésios 1, 3-14; Colossenses 1, 15-20.
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Uma experiência muito marcante na fé de Jesus foi, com certeza, o momento de ser
batizado por João Batista, pois lá tomou consciência da presença do Espírito Santo na
vida dele e de ser o Filho bem amado pelo Pai do Céu. Experiência que nem Moises
nem os profetas vivenciaram anteriormente. (Mateus 3, 13-17). Os quatro Evangelhos
coincidem na importância e valor desse fato. Não existem antecedentes na Bíblia de
uma vivência tão forte e direta da presença divina na história de alguém. Existem, sim,
indícios, raízes que preparam o caminho, mas uma experiência de comunhão com Deus
tão profunda e transparente nós não encontramos anteriormente na Bíblia. Quer dizer,
esse momento foi para Jesus muito forte e definitivo. Daí que ele se retirasse no deserto
por um tempo, com a finalidade de refletir, orar, discernir sobre o significado daquele
momento todo especial. Nesse momento, precisamente, podemos afirmar que a fé
recebida na família e pela tradição do seu povo torna-se certamente uma fé pessoal, com
características claramente próprias de Jesus. O ambiente religioso do povo e da família
ajudou, mas podemos afirmar que no momento do batismo de Jesus nasce um novo
caminho de viver a fé em Deus!
5.2. O Deus de Jesus. (Mc. 2,23-28; Mt. 6, 5-6; Lc. 10, 21-24; Jo. 14, 15-26).
Um dos motivos do confronto de Jesus com as autoridades foi a atitude de Jesus em
relação às prescrições legais da Torá (Lei de Moisés) e aos inúmeros preceitos menores
que foram se acrescentando ao longo dos anos como interpretação da lei mosaica. Na
interpretação das autoridades judaicas, tanto jurídicas (sumos sacerdotes) como morais
(rabinos e fariseus), Deus tinha feito aliança com o povo e seria obrigado a cumprir esse
contrato na medida em que o povo correspondesse também na parte dele. Daí que, ao
longo dos anos, os rabinos iam acrescentando normas menores para amarrar ao máximo
possível as grandes linhas da Lei escritas no Pentateuco (Primeiros cinco livros da
Bíblia: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio). Na época de Jesus essas
normas eram tantas que o povo nem conhecia nem tinha condições de cumprir. Tendo
nascido a religião judaica como um movimento de liberdade e vida foi-se tornando uma
religião moralista, cheia de observâncias rituais e de costumes menores. Quando Jesus
fala que o homem não foi feito para o sábado, mas o sábado para o homem, Ele
provocou uma comoção naquele povo. A maioria alegrou-se, as autoridades tremeram,
pois o argumento moral ou de consciência por meio do qual controlavam o povo caía
por terra, ficavam desautorizados.
Jesus conhece, logicamente, a Torá ou Lei de Moisés. De acordo com a tradição dos
grandes profetas considera a mesma como um presente de Deus. À diferença das
autoridades do povo, Ele situa a Lei a serviço da vida do povo e não vice-versa. A vida
do ser humano é a medida da Lei. Jesus acredita em um Deus que ama as pessoas e para
o bem delas revela o caminho verdadeiro da felicidade explicitado na Lei. Deus quer o
homem feliz! É para isso que revela as grandes diretrizes de convivência humana, para
que o povo possa realizar uma caminhada histórica na justiça e na paz das relações
humanas. As autoridades religiosas do momento, fariseus e saduceus, pouco se
51
importavam com os graves problemas que atingiam à população, mas ficavam presos à
letra da lei para que se cumprisse literalmente a mesma, em nome de Yhaweh. É isso,
precisamente, que Jesus criticou veementemente: que defendessem a letra da lei por
cima da vida digna das pessoas. Para Deus o ser humano é o valor maior, por cima da
religião, dos interesses econômicos ou políticos, das ideologias e outros valores sociais.
O Deus que Jesus anuncia é totalmente humanista no sentido pleno do termo.
Logicamente Jesus pagou muito caro por proclamar e praticar essa convicção, pois foi
um dos motivos que os seus inimigos utilizaram no processo ativado contra Ele. Foi
também um dos motivos que produziam tristeza no coração do Senhor, pois o nome
santo de Deus era utilizado para oprimir as pessoas e carregar pesados fardos de leis e
normas nas costas do povo que já tinha muitos problemas para conseguir sobreviver. O
Deus verdadeiro, libertador e que quer a vida feliz do homem era trocado por outro deus
que era apresentado como juiz rigoroso e implacável, aumentando a opressão que o
povo já sofria por causa da situação social do momento.
O Deus de Jesus, aquele no qual ele acreditava e amava com paixão, é um Deus muito
pessoal. Chama cada ser humano a um diálogo amigável na intimidade do coração.
Conhece e respeita a história de cada um e tem uma palavra apropriada e adaptada a
cada homem. Jesus sentiu e viveu assim a relação de intimidade com Deus a quem Ele
chamava de Pai querido (ABBA). O Deus de Jesus é o Deus da alegria, da festa, do
encontro, que quer a felicidade e a harmonia entre todos. Um Deus diferente, novo,
alegre, feliz, amigo, cheio de bondade, ternura, misericórdia e de bem com a vida. Isso
chamou muito a atenção do povo. O próprio Jesus louva a Deus em público,
entusiasmado pela bondade do Pai e percebendo como essa descoberta traz alegria ao
povo simples. Quando o doutor da lei pergunta a Jesus qual dos mandamentos de Deus
é o mais importante respondeu sem hesitação: amar a Deus e ao próximo. Os quatro
evangelhos coincidem na mesma resposta. Jesus, ainda, declara a profunda ligação entre
ambas as dimensões, que na realidade é uma mesma atitude. (Marcos 12, 28-34;
Mateus 22, 34-40; Lucas 10, 25-28; Deuteronômio 6,5; Levítico 19,18). O evangelho
de Lucas ilustra esse mandamento principal com a parábola do Bom Samaritano (Lucas
10, 29-37). O evangelho de João situa essa resposta de Jesus no contexto da Ultima
Ceia, no cenário do lava-pés, sinal da entrega suprema de Cristo na cruz em favor de
toda a humanidade. A vida toda de Jesus foi um lava-pés. Amar a Deus e ao próximo é
isso mesmo, entregar a vida para que o próximo tenha vida em abundância. (João 10,
10; 15, 12-13). O Deus de Jesus não é abstrato ou filosófico, de teorias ou elucubrações.
É bem prático e de conseqüências muito comprometedoras para o homem.
Jesus também viveu a fé em um Deus que não é sozinho, mas comunhão de amor.
Experimenta o amor do Pai como Filho amado e acolhe o Espírito como o grande motor
da própria fé e ação evangelizadora. Especialmente nos textos de Lucas e de João
aparece de forma mais explícita a realidade de um Deus como comunhão de amor entre
o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Comunhão de amor para a qual o homem é convidado
a participar por meio do seguimento de Jesus. Assim, o Deus de Jesus é também o Deus
dos cristãos, dado que o próprio Cristo nos convida a assumir a fé dele. A revelação do
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Espírito Santo é específica do Novo Testamento, vem do próprio Jesus. Trata-se de uma
novidade tão grande que os discípulos não falariam dela se não tivesse vindo
diretamente do próprio Jesus. É claro que essa verdade está intimamente relacionada
com a consciência e a revelação da divindade do próprio Cristo como o Filho eterno do
Pai. Jesus não gosta falar muito da própria divindade, mas não a nega e aceita as
confissões humanas nesse sentido, embora peça discrição, pois não gosta de
“publicidade”. Lucas e João falam constantemente do Espírito Santo que, junto com a
revelação da divindade de Jesus é a grande novidade do Deus cristão.
Não podemos esquecer que a fé de Jesus e a sua relação com o Pai estão intimamente
ligadas ao compromisso com o Reino de Deus. A oração de Cristo orienta-se à
realização da sua missão. Todas as energias e capacidades de Jesus destinam-se à
missão de evangelizar, incluindo entre elas a extraordinária experiência de oração.
Palavra de Deus, vida de oração, comunidade e Reino de Deus são realidades centrais
na história do Senhor que se articulam coerentemente em função, precisamente, do
compromisso histórico em favor do Reino de Deus, da evangelização.
O Deus de Jesus Cristo é, principalmente, ABBA, Papai querido. Ninguém antes tinha
tido coragem de chamar assim a Deus. Trata-se de uma oração totalmente
revolucionária, nova. Era familiar demais, expressão de uma criança pequena chamando
ao seu pai. De muita confiança, carinho e ternura. Revela uma relação extremamente
cordial, de coração, de puro afeto. Aos ouvidos daquele povo foi, por uma parte,
escandaloso para os partidários do rigor divino contra os pecadores, pois tratava a Deus
de uma forma muito doméstica e quotidiana, irreverente e sem protocolos. Para outros,
o povo simples, foi como respirar um ar novo, puro, de alívio e de aproximação. Valia a
pena acreditar e confiar em um Deus tão bom! A parábola do Filho Pródigo revela
magistralmente a visão e vivência do Deus de Jesus Cristo (Lucas 15, 11-32).
5.3. A oração de Jesus.
(Mc. 14, 32-42; Mt. 14,22-33; Lc. 22, 14-20; Jo. 17, 1-26).
Conforme comprovamos nos evangelhos a oração faz parte essencial da vida de Jesus.
Se a paixão dele era o Reino de Deus é lógico que assim fosse, pois era um homem de
ação, muito prático. Devemos destacar, novamente, que a oração de Cristo estava
integrada perfeitamente com a sua ação pelo Reino. O aspecto mais chamativo da
oração de Jesus já foi mencionado: é a forma dele tratar com Deus, com imensa
familiaridade e confiança, chamando ao grande Deus do Êxodo e da Criação de ABBA,
papai querido. Joaquim Jeremias tem uma pesquisa fantástica sobre essa palavra,
chegando à conclusão literária de que foi utilizada mesmo pelo próprio Jesus, pois não
existe antes dele ninguém que chamasse assim a Deus de uma forma constante.
Ninguém ousaria mesmo, considerando o significado desse termo.
Jesus orava todos os dias em diálogo amoroso com o Pai querido do céu. Mesmo que
estivesse humanamente cansado não dispensava, de jeito nenhum, o momento orante do
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dia dele. Momento principal que buscava com sede profunda de Deus. É claro que Jesus
participava também dos momentos de oração comunitária, de acordo com a tradição
judaica. Riquíssima tradição impregnada pelos textos sagrados que orientavam o
coração crente a se engajar nas propostas do Reino. Comunitariamente participa
também do culto na sinagoga e das celebrações pascais no templo de Jerusalém. Essa
participação na sinagoga e no templo não anula a sua própria personalidade orante, bem
pelo contrário, não hesita em deixar bem clara a sua particular visão da vida de fé, ás
vezes bem diferente daquilo que pregavam os responsáveis dos ritos judaicos, bem
fossem os rabinos das sinagogas ou os sacerdotes de Jerusalém. De fato, a sinagoga e o
templo foram lugares onde também estourou o conflito entre Jesus e as autoridades. É
na oração diária onde Jesus alimenta a mística pelo Reino, o seu compromisso em favor
dos pobres.
Antes de adotar alguma decisão importante relacionada com a sua vocação ou missão,
Jesus dedica um tempo especial para orar, com a finalidade de se preparar melhor, fazer
discernimento, consolidar sua convicção, esclarecer seu coração em quanto ao método,
ás palavras, os gestos mais apropriados. Antes de iniciar o ministério público, depois
que recebesse o batismo de João, retirou-se um tempo no deserto para melhor discernir
a sua missão, superando as tentações de um messianismo mágico ou prepotente.
Finalizada a primeira etapa da missão acontecida na Galileia afastou-se para orar e
definir melhor a segunda fase, a decisiva, em Jerusalém. Quando foi escolher os
apóstolos passou a noite toda em oração. Caminho de Jerusalém, depois que revelasse o
mistério da cruz aos apóstolos, percebendo que eles tinham ficado abalados, os levou
para a montanha sagrada a fim de lhes mostrar uma antecipação da ressurreição
(transfiguração). Antes de ser feito prisioneiro orou dramaticamente ao Pai suplicando
que o libertasse daquela morte. Não buscou, porém, privilégios ou jeitinhos para fugir
do roteiro da sua missão. “Pai, se for possível, afasta de mim este cálice. Não se faça,
porém a minha vontade, mas a tua”. A Carta aos Hebreus diz que foi atendido
(Hebreus 5,7-10) se referindo à ressurreição. Pregado na cruz pede ao Pai perdão em
favor dos seus inimigos, pois “não sabem o que estão fazendo”. Acolhe o pecador
crucificado perto dele: “eu te garanto, hoje estarás comigo no paraíso”. Entrega a vida
dele nas mãos do Pai. “Senhor, por que me abandonaste?” e “Em tuas mãos, Pai,
entrego o meu espírito”.
Quando se despedia dos discípulos na Última Ceia, inaugurou um novo culto de ação de
graças, simbolizando no pão e no vinho a sua entrega na cruz em favor de todos os
homens, se doando como alimento de amor para permanecer junto aos seus e fortalecer
seu compromisso evangelizador. Enxertou esse culto no ritual da páscoa judaica
sinalizando aos seus discípulos que Ele é a Páscoa verdadeira de libertação para todo ser
humano, o Caminho, a Verdade e a Vida. Apresenta-se como o pão vivo e verdadeiro
que vem do Pai para trazer a vida ao mundo. No texto de João é nesse momento que
Jesus convida aos discípulos a orar em nome dele, quer dizer, em comunhão com Ele,
pois essa é a oração verdadeira. No capítulo 17 de João encontramos a oração de
intercessão de Jesus em favor dos seus e de todos quantos nele acreditarão no futuro.
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Oração selada pelo seu sangue derramado na cruz em favor da humanidade. A eucaristia
é a oração de Jesus ao Pai, apresentando e oferecendo a vida toda dele, entregue em
doação de amor por todos, cujo momento culminante será a cruz, para perdoar o pecado
do mundo e trazer vida nova aos homens.
Nesse contexto de drama, medo e fragilidade humana é que Jesus fala a Pedro: «Simão,
Simão! Olha que Satanás pediu autorização para vos joeirar como trigo. Eu, porém,
rezei por ti, para que a tua fé não desfaleça. “E tu, quando tiveres voltado para Mim,
fortalece os teus irmãos». (Lucas 22, 31-32). Jesus faz um pedido muito especial ao Pai
em favor dos discípulos, O Espírito Santo, o Advogado, o Espírito da Verdade, que
permanecerá com eles para sempre (João 14, 16).
Existe um contraste muito evidente entre a oração dos rabinos da época, que usavam
muitas palavras e um estilo muito solene e distante com Deus e a oração de Jesus que
era familiar, confiante, espontânea, amorosa, que brotava da vida e jamais procurava
algum bem ou vantagem para Ele, mas para os outros. Oração bem mais de escuta do
que de falar, de agradecer do que de pedir, de louvar e, principalmente, de compromisso
com o projeto do Pai. Na oração de Jesus parece existir sempre uma pergunta implícita:
“O que Tu queres, ó Pai, que eu faça por ti?”. Essa disponibilidade amorosa transparece
constantemente na oração de Jesus, a procura da realização da vontade divina.
5.4. Jesus nos ensina a orar. (Mt. 6,5-15; Lc. 11,1-13; Jo. 16, 26-27).
Jesus ensina os seus discípulos a partir da prática e orientando o ensinamento para
enriquecer a mesma prática pastoral. O que importa é situar bem o centro da vida no
eixo do Reino de Deus. Tudo o mais vem por acréscimo. Assim acontece também no
mundo da oração, pois depende muito da imagem que cada um tenha de Deus. A partir
da prática de evangelizar, do compromisso pelo Reino e da convivência fraterna da
comunidade de discípulos, é que Jesus foi purificando a imagem de Deus dos seus
seguidores.
Aconteceu que os discípulos perceberam a empolgação que Jesus tinha na sua relação
com Deus e como Ele orava com amor, com uma intensidade e alegria toda especial.
Observavam como a oração era a motivação de uma ação extraordinária e intensa, de
uma dedicação ao povo incomparável, de uma pregação envolvente, de um testemunho
de vida perfeito. Daí que um dia pediram ao Mestre que os ensinasse a orar. Jesus estava
esperando, com certeza, esse momento, pois a motivação já estava pronta.
O Pai Nosso é a oração cristã por excelência, pois foi Cristo quem nos ensinou a orar
por meio dela. E é muito mais do que uma oração. É a síntese da vida cristã. É a matriz
de toda oração cristã. Nos dois textos que chegaram até nós, de Lucas e Mateus, o
conteúdo essencial é praticamente o mesmo. Tal vez o texto de Lucas seja mais próximo
à fonte original, por ser mais breve. Mas, na realidade, o conteúdo dos dois textos é
muito semelhante. Dividida em duas partes: a primeira, pedindo que venha a nós o
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Reino; a segunda, que não falte o pão na mesa do povo, a reconciliação fraterna e a
imunidade contra o mal.
Pai nosso (que estás nos céus). Um Deus familiar, comunitário, social. Superando a
individualidade. Essa atitude comunitária transpassa a oração toda do Pai nosso. Se foi
revolucionário na história da espiritualidade o fato de que Jesus utilizasse a palavra
ABBA, não é menos que Ele mesmo convide os seus discípulos a fazerem o próprio. O
início da oração com essas palavras prepara a pessoa para uma atitude de confiança e
ternura.
Santificado seja o teu nome. Seja respeitado o nome santo do Senhor, nem tanto pelas
palavras como pelas ações em favor do Reino, praticando o bem ao próximo.
Venha a nós o teu Reino. Trata-se do grande pedido da oração. Na realidade esse pedido
quer dizer que Deus prepare o nosso coração para acolher o Reino que já está presente
em nós e no meio de nós. Pois o grande problema da não chegada do Reino consiste
nisso, que não estejamos preparados para o acolher e colaborar com o seu dinamismo.
Esse pedido se sobrepõe aos outros, mesmo que sejam legítimos, pois por cima dos
nossos desejos precisa prevalecer o projeto do Senhor. A oração cristã situa a
comunidade de Jesus em atitude de serviço em favor da justiça e da paz, para que os
pobres tenham vida em abundância. O cristão não pode ceder no seu empenho de
trabalhar pela transformação da sociedade para que ela seja mais semelhante àquilo que
Deus quer, mais justa e solidária, oferecendo voz e vez a todos, oportunidades reais de
vida digna para todos.
Faça-se a tua vontade assim na terra como no céu. É uma forma diferente de dizer a
mesma coisa do pedido anterior. A vontade divina é que se realize o seu projeto de amor
aqui na terra. Eis o sentimento da oração verdadeira: “Envia teu Espírito o Pai, para que
eu compreenda a tua vontade e tenha força de realizá-la”. Deus tem um presente para
cada um de nós, em conformidade com o seu projeto de amor que visa o nível pessoal e
o social. Um se orienta para o outro, de forma que não há contradições no plano divino.
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Também em chave comunitária e social. O pão
representa tudo quanto o ser humano precisa para viver com dignidade, ele e a própria
família. Alimento, trabalho, roupa, saúde, moradia, estudo, horizontes de crescimento
humano, amor, afeto, amizade. Inclui uma atitude humana de partilha solidária.
Perdoai as nossas ofensas, como nós perdoamos aos que nos tem ofendido. Pedido
essencial para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros, receber o perdão e a
graça divinas para sanar de raiz as feridas próprias da convivência humana. Eis a
procura da paz para superar os conflitos na base do diálogo, do respeito profundo pelo
outro, pela tolerância. Situa-se no nível das relações inter pessoais, que são totalmente
necessárias para o amadurecimento humano saudável e com equilíbrio.
Não nos deixes cair na tentação e livrai-nos do mal. Pedido do pão espiritual, da Palavra
e da comunhão divina, pois trata-se de uma dimensão profunda do ser humano, na
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perspectiva da fé. Significa reconhecer as dificuldades humanas em perceber as ciladas
constantes do mal que envolvem a história e na qual os homens caímos constantemente,
prejudicando a realização humana dos indivíduos e dos grupos sociais.
5.5. A comunidade cristã, escola de oração.
A comunidade de Jesus com seus discípulos foi também uma escola de oração. Mais do
que uma metodologia Ele nos ensina atitudes básicas para orar de forma mais autêntica.
Embora não existe perfeição plena nem na vida nem na oração cristãs, Cristo indica o
horizonte para que possamos amadurecer humana e espiritualmente.
Atitudes que Jesus nos ensina para orar:
- Confiança. Lucas 11, 5-13. Como uma criança pequena confia na mamãe e no papai é
assim que nós somos convidados a confiar no Pai do céu. É necessário acreditar que
Deus escuta em todo momento a nossa oração, embora seja imperfeita. Deus também
responde sempre: antes de que enunciemos algum pedido ou oração, no momento que
oramos, depois também Deus responde. Às vezes pode coincidir o pedido com a
resposta. Outras, não. Em todo caso é importante confiar em Deus sempre e saber que
Ele nos dá em cada momento o que é melhor para nós.
- Perseverança. Lucas 18, 1-8, Muitas vezes Jesus insiste na necessidade de orar sem
cessar. Nem tanto porque Deus tenha memória fraca, mas no sentido de nos preparar
psicológica e espiritualmente para enfrentar as situações da vida com coragem e garra,
ativando as atitudes verdadeiramente evangélicas, pois são elas que fazem acontecer o
Reino em nós e entre nós. A perseverança na oração cumpre esse objetivo, nos preparar
e motivar para melhor colaborar com o Reino presente tão perto de nós.
- Humildade. Lucas 18, 9-14. O orgulho atrapalha o coração humano em todas as
coisas que se queiram conseguir. Na vida de oração não poderia ser diferente. O
problema não é que Deus fique com raiva do orgulhoso, mas acontece que ele próprio
fecha as portas para acolher a graça divina, por causa da auto-suficiência.
- Compromisso solidário (obediência ao projeto divino). Lucas 10, 25-37. Para Jesus
é impossível separar o amor a Deus do amor ao próximo. Os dois mandamentos
caminham juntos, os dois compromissos são, na prática, um mesmo. Não existe oração
cristã verdadeira que não alimente um amor fraterno maior, especialmente com os mais
necessitados. Mateus recolhe isso mesmo no relato do julgamento final (Mateus 25, 3146). João integra totalmente ambos os mandamentos, pois só fala de amar o próximo
como Ele nos amou (João 15, 12). A Igreja, recolhendo a prática e o ensinamento
orante de Jesus sempre ensina os cristãos nessa direção. Os três grandes ministérios
comuns a todos os fiéis pelo batismo são o ministério da Palavra, o ministério da
Liturgia e o ministério da Caridade. Os dois primeiros, Palavra e Liturgia, situam-se ao
serviço do maior e mais importante que é a Caridade ou Amor Fraterno. É assim que
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aprendemos do Senhor. Quer dizer, a atitude primeira da oração cristã é o amor
solidário em favor dos pobres. Sem isso, tudo o mais nada vale.
Todas essas atitudes nós encontramos na vida orante do Senhor. No momento da oração
de Jesus do horto (Getsêmani) nós podemos identificar essas mesmas atitudes.
Confiança: “Pai”. Súplica humilde: “afasta de mim esse cálice”. Perseverança: por três
vezes orava Jesus, que dizer, permanecia em atitude orante antes de enfrentar os
sofrimentos. Compromisso de amor fraterno: “não se faça como eu quero, mas a tua
vontade”. Assim entendemos melhor que a vontade de Deus não é de sofrimento para
ninguém, mas que cada um entregue a própria vida por amor em favor do próximo.
Nessa dinâmica de doação e de sacrifício de si em favor dos outros o Reino de Deus vai
crescendo e a vida digna acontece na história humana. Trata-se pois de uma oração
fecunda, pois motiva e impulsiona a transformação da história humana, a fim de que
seja mais semelhante com o projeto divino, no sentido de que todos tenham vida em
abundância. Essa foi a oração de Jesus, perfeitamente integrada e articulada com o seu
compromisso de evangelizar os pobres.
A eucaristia é a grande oração cristã. O pai nos convoca para a festa da vida. A
eucaristia nos revela que o Reino já está presente, em Jesus, embora ainda não
plenamente, mas a caminho da perfeita realização. “Anunciamos a morte do Senhor,
enquanto esperamos a sua volta gloriosa” (Liturgia eucarística). O Espírito prepara
nosso coração e nos situa em comunhão com Jesus Cristo, presente na Palavra, no
projeto do Pai. Ele nos fala pelas Escrituras e parte o Pão para nós. O mesmo Espírito
nos situa em comunhão com Jesus que se entrega ao Pai por nós. O Pai nos dá de
presente o Filho e nós oferecemos ao Pai o melhor que a humanidade tem, que é Jesus.
Na escola da eucaristia, relacionada com a escola da vida, aprendemos a lição de sermos
cristãos. A eucaristia é a grande oração de Jesus e da Igreja. Deus Pai nos convoca para
a grande festa do seu Filho. O Espírito Santo nos coloca em comunhão com Jesus,
presente na festa nos grandes momentos da mesma. No momento inicial, Jesus está
presente em cada irmão que veio participar e na comunidade cristã como tal. No
momento da Palavra é o próprio Jesus quem nos revela o mistério da vida por meio
das Escrituras, fazendo arder de entusiasmo os nossos corações, pois descobrimos o
quanto Deus nos ama e nos faz bem; Ele mesmo nos acompanha como Bom Pastor
pelas estradas da vida. No momento do Pão e do Vinho Jesus nos alimenta com seu
amor e, em comunhão com Ele louvamos e agradecemos ao pai por seu imenso amor.
Com Jesus nós também oferecemos ao Pai a nossa história e Deus nos dá como
alimento o amor do próprio Filho para sustentar o nosso compromisso cristão em favor
do Reino. No momento do compromisso Jesus, presente em nosso coração, nos
impulsiona a levar ao mundo a sua palavra e a sua ação transformadora, para que todos
tenham vida em abundância, especialmente os pobres e os sofredores. Eis a oração que
nos transforma em filhos e filhas de Deus, em comunhão com o Filho Amado que é
Jesus; eis, também, a oração que transforma o mundo, fermentando aos poucos na
história humana o vinho novo do Evangelho, para levar alegria ao coração da
humanidade.
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Hoje é impensável um cristão sem oração pessoal e comunitária, sem procura de Jesus
na Palavra, na intimidade do coração, para iluminar a vida com a luz da mensagem
cristã. Como Paulo nós também reconhecemos que não sabemos orar como convém. O
Espírito vem em nosso auxílio para orar com e como Jesus. Cabe a nós procurar essa
vida de comunhão com o Senhor, nos níveis pessoal e comunitário, para iluminar e
alimentar em nós o projeto dele, que é o Reino, para o aceitar e construir. É importante,
essencial ao coração cristão, dedicar tempo e espaço para o Evangelho ecoar em nossa
consciência e fermentar em nossa vida o ardor missionário pela evangelização. Não se
entende hoje um cristão consciente que não assuma a missão de Jesus. Necessitamos
alimentar a mística cristã a partir da oração, da Eucaristia e da Palavra, fortalecendo a
comunhão com Cristo. Pelos frutos se conhece a árvore, diz o Senhor (Mateus 7, 1620). Os frutos do Evangelho são a caridade cristã que é o amor fraterno. Com todas as
conseqüências, também no âmbito social.
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Jesus viveu uma relação toda especial e pessoal com Deus, a quem chamava de ABBA
(em aramaico, Papai querido). Na realidade, é impossível compreender a missão de
Jesus sem entender essa relação dele com Deus. Logicamente que Ele, como bom judeu,
acreditava no Deus dos seus pais que é o Deus da Bíblia da Primeira Aliança. Mesmo
assim marcou diferenças significativas, ao ponto que podemos afirmar com fundamento
que a visão cristã é nova e original em relação à compreensão de Deus. Quais são as
atitudes e características que Jesus descobriu e transmitiu para nós sobre Deus?
- O Pai Nosso é, além da oração que o Senhor nos ensinou, uma síntese de vida cristã.
Como era a oração de Jesus e como nós, cristãos, somos convidados a orar? Existe
ligação entre vida cristã e oração? Como se faz essa articulação?
- Por que dizemos que a eucaristia faz a comunidade e que a comunidade precisa da
eucaristia? A oração cristã ajuda a construir a fraternidade entre as pessoas? Como isso
pode acontecer?
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6. A MORTE DE JESUS NA CRUZ.
6.1.Missão de Jesus em Jerusalém.
(Mt. 21, 12-17; Mc. 12, 18-27; Lc.19, 29-44; Jo. 12,1-11).
Não era vontade divina que Jesus, nem ninguém, morresse na cruz. A vontade do Pai é
que o Filho anuncie o Reino da vida, também em Jerusalém, a Cidade de Davi, que
deveria ser, por causa da tradição judaica, a primeira em acolher o messias anunciado
pelos profetas e esperado pelo povo. Jesus chorou quando nela entrou pela última vez.
Percebeu o desastre histórico que viria acontecer com o seu povo, especialmente com
aquele lugar situado no coração do seu povo que era, precisamente, a cidade amada e
escolhida por Deus. Jamais deveríamos entender que a futura destruição da cidade santa
e do templo, fato histórico acontecido no ano 70, 40 anos depois da morte de Cristo,
fosse como uma vingança divina, mas consequência de uma atitude histórica errada que
a levou até a tragédia final. Lucas, que tem uma sensibilidade mais profunda da história,
entendeu o sentimento e a intuição de Jesus naquele momento. A proposta de Cristo era
totalmente diferente daquela que o povo as autoridades esperavam e desejavam. As
lideranças políticas e religiosas não aceitaram essa proposta, crucificaram Jesus, pois o
povo estava cada vez mais do lado dele e esse fato contrariava os interesses das elites da
cidade. Tudo isso levou, mais na frente, ao desastre total daquele lugar.
Jesus ensina que o Reino de Deus não virá por meio da violência, nem do ódio, nem
pela manipulação da propaganda, nem comprando as lideranças em troca de dinheiro ou
de influências sociais. Também não virá esperando passivamente que tudo aconteça de
forma mágica, acreditando por meio de uma fé infantil e imatura. O Reino de Deus é
uma realidade presente, mas que precisa da colaboração humana responsável, pois está
acontecendo de forma misteriosa, porém real, quando o homem se compromete com a
causa dos pobres em favor de uma história mais digna e com espaço para todos. É claro
que parece mais difícil, mas é encarnada na história. Assim sendo não dispensa da
pergunta de como, então, Deus atua na história. Eis a pergunta que perpassa a Bíblia
toda e nos motiva à ação. Uma ação construtiva, amorosa, não destrutiva nem motivada
pelo ódio. Um amor, porém, não ingênuo ou de puros sentimentos, mas inteligente e
eficaz. Eis o caminho que Jesus abriu na história humana e nos convida a construir.
Os textos dos evangelhos situam na parte final dos mesmos, precisamente na missão
profética em Jerusalém, a compreensão de Jesus sobre como é a relação do Reino de
Deus com a história humana. Eis onde aparece a dimensão apocalíptica do evangelho.
Apocalipse cristão significa compreender o momento presente a partir do destino final
do homem revelado por Jesus Cristo, quer dizer, olhar a realidade atual com esperança,
animando as pessoas a assumirem as atitudes apropriadas para testemunhar dentro da
história humana o divino amor eterno. A mensagem cristã olha cada momento histórico
a partir das causas, mas também a partir da visão final da história, pois isso nos ajuda a
situar melhor a ação humana no contexto do antes e do depois, quer dizer, com uma
lógica histórica iluminada pela fé.
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A entrada de Jesus em Jerusalém é uma crítica popular e bem humorada aos poderes
constituídos da época. Nos dias da páscoa a cidade de Jerusalém multiplicava sua
população quase dez vezes, chegando a albergar centenas de milhares de peregrinos,
vindos de muitas partes do mundo conhecido daquela época. Os fiéis traziam dinheiro
nas moedas próprias dos lugares de residência, mas precisavam trocar pela moeda do
templo para comprar os animais a serem sacrificados, pagar as promessas e custear a
permanência na cidade pelo tempo da visita. Era muito dinheiro. A administração do
templo, nas mãos dos saduceus, controlava todo esse capital financeiro, assim como
também o comércio da cidade. Jerusalém vivia do comércio e do câmbio de moeda, e o
centro de tudo era o templo; os sacerdotes controlavam essa situação. Os grandes
homens da região como eram o governador, o tetrarca e outras personagens ilustres
aproveitavam a oportunidade para se fazerem presentes na cidade a fim de divulgar a
própria propaganda política e mostrarem perante a multidão as suas riquezas e poderes.
Costumavam entrar na cidade de forma solene, acompanhados por séquitos formados
por soldados, armas e vestes de luxo, mostrando toda a aparência de poder e de imagem.
O povo acudia ás portas da cidade para contemplar aquele espetáculo das entradas das
personagens importantes da época e os seus acompanhantes.
É nesse contexto que Jesus preparou a sua entrada na cidade, como uma entrada
alternativa, totalmente diferente e crítica com o sistema vigente. O exército do Jesus é o
povo simples, as crianças e mulheres carregando ramos de oliveira, símbolos da paz,
com cânticos de louvor a Deus substituindo os hinos de guerra. Jesus entrou em
Jerusalém montado num burrinho, sem carruagens de fantasia, aclamado como o
Príncipe da Paz. A entrada de Jesus com seus discípulos foi um choque, roubou a cena
aos poderosos, deixou em ridículo a ostentação dos ricos, ganhou o foco da propaganda
e da comunicação. Isso, logicamente, irritou ainda mais os inimigos que há tempo
procuravam o modo de eliminar aquele profeta nazareno. Jesus, ainda, entrou no templo
e expulsou os vendedores, criticando seriamente um culto que não se orientava para
construir a vida digna que Deus quer para o povo humilde, mas para o lucro de uma
minoria dirigente que controlava a religião e a política na cidade. Nos dias seguintes
Jesus ensinava ao povo no templo, sobre o significado da verdadeira espiritualidade por
meio de uma mensagem bem diferente daquela que agradava aos mandantes do lugar.
Tudo isso acabou, humanamente, muito mal para o lado de Jesus. Nem poderia ser
diferente.
Jesus questionou a liderança religiosa das autoridades do templo e mostrou como
exemplo de fé verdadeira as pessoas humildes e solidárias. Eis o caso da viúva pobre
que deposita umas moedinhas na caixa do templo (Marcos 12, 41-44). Quem iria
reparar na atitude de uma velhinha anônima? Só Jesus mesmo! Ou o caso da unção em
Betânia, quando Maria, irmã de Lázaro e Marta, teve aquele gesto de ternura e bondade
com um Jesus que estava passando por dias terríveis em Jerusalém. Acossado e
questionado pelos chefes do povo buscava aconchego naquela casa sempre acolhedora.
Precioso gesto humano de amizade e de apoio. Esses gestos manifestam detalhes que
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revelam como o Reino vem pela mão dos pequenos e nós, cristãos, precisamos aprender
a descobri-los no dia a dia da vida.
Nos debates ideológicos que as autoridades entravam com Jesus com a intenção de
desautorizá-lo intelectualmente perante o povo, Ele se deu muito bem, pois sabia o que
fazia e os motivos da sua prática, tinha uma personalidade profunda, coerente,
responsável e de raciocínio muito vivo e rápido. Deu respostas profundas, aproveitando
a oportunidade para revelar o projeto do Pai. Questionado sobre a ressurreição dos
mortos responde com uma convicção diferente àquilo que os saduceus e os fariseus
achavam. Os saduceus, sacerdotes de Jerusalém, duvidavam sobre as realidades
espirituais e não acreditavam na vida eterna; tudo acabava nesta terra. Os fariseus
pensavam que depois da morte os falecidos permaneciam como adormecidos na terra,
esperando o final dos tempos, quando iriam despertar e viver, na mesma terra, em
situação semelhante à atual, com as mesmas necessidades temporárias, só que sem
sofrimento e sem morte. Jesus revela que existe, sim, ressurreição dos mortos, mas
como uma realidade espiritual, sem nada a ver com as necessidades próprias da história
humana. Com a sua própria ressurreição revela também que a vida eterna de cada um
não precisa esperar para um final da história, pois o hoje da salvação toma conta da
história humana.
Nesses dias Jesus anuncia, também por parábolas, o chamado de Deus ao ser humano
para assumir as responsabilidades próprias da história, a fim de que não vivamos
alienados, nem despreocupados com a história, nem egoístas, mas em atitude de espera
ativa, dinâmica, prestando atenção aos acontecimentos do momento para nele assumir
atitudes de compromisso em favor dos valores do Reino de Deus. (Mc. 13, 24-27; Mt.
25, 1-46; Lc. 20, 9-19; Jo. 15, 18-26). Para Jesus, o centro da história é o HOJE. O
passado é referência e o futuro horizonte. A preocupação primordial dos seus seguidores
deve ser o testemunho de amor no momento presente. Ninguém sabe o dia nem a hora
do final dos tempos, nem isso importa muito para Jesus, devemos conhecer, sim, os
sinais dos tempos atuais, para fecundar a história atual com a semente do Reino de
Deus. É inevitável o conflito entre os interesses do mundo (poder) e o compromisso
pelo Reino de Deus. Os discípulos precisam estar preparados para o conflito,
aproveitando também o mesmo, por meio de atitudes evangélicas, para construir o
Reino. “Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Romanos 8, 28).
6.2. A comunidade ao redor da ceia.
(Mc. 14, 12-31; Mt. 26, 17-33; Lc. 22, 1-38; Jo. 13, 1-17).
Consciente do final que lhe era reservado em Jerusalém da parte das autoridades, Jesus
prepara um jantar de despedida com seus amigos e discípulos. Não era a primeira vez
que Jesus organiza ou participa de uma refeição para revelar o mistério da presença do
Reino de Deus no mundo. Ele jantava com publicanos e pecadores, com estrangeiros e
pagãos, aceita o gesto de amor da parte de uma mulher considerada pecadora. Várias
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parábolas apresentam a realidade do Reino como um banquete comemorando um
acontecimento feliz, como, por exemplo, uma festa de casamento.
Acuado pelos seus inimigos Jesus não recuou, enfrentou corajosamente a situação até o
final. Consciente do momento histórico, mostra aos discípulos o significado da sua vida
e missão por meio daquele jantar todo especial e diferente. Os evangelhos de Marcos,
Mateus e Lucas descrevem o ambiente histórico desse momento entranhável e especial.
João descreve um cenário maior, situando esse ato no contexto de toda a história da
salvação, como fez com o relato inicial do seu evangelho (o Prólogo de João). “Antes
da festa da Páscoa, Jesus sabia que tinha chegado a sua hora. A hora de passar deste
mundo para o Pai. Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o
fim”. (João 13, 1). Preciosa ambientação teológica do acontecimento. Jesus imaginava
que não teria tempo de celebrar em paz a Páscoa daquele ano, pois a pressão das
autoridades aumentava por momentos. Por isso, de acordo com o texto de João,
antecipou um dia a celebração pascal para realizar uma páscoa diferente. Propriamente
não celebrou o jantar pascal, embora nele se inspire.
Trata-se, em todo caso, de um jantar litúrgico, sagrado, focalizado na celebração da
chegada iminente do Reino mais do que na páscoa do passado. Simboliza naquele
momento a presença incipiente e o compromisso pelo crescimento do Reino até que
alcance a sua plenitude. Tomou o pão, o abençoou e o entregou dizendo: “Tomai todos e
comei, eis o meu corpo que se entrega por vós”. Foi dando um pedaço para cada um
dos presentes. Naquele pedaço de pão cada um comunga com a vida de Jesus, com a
causa e a luta dele, com o Reino de Deus. Foi surpreendente a identificação de Jesus
com aquele pão. Por meio dele todos entram em comunhão de amor fraterna entre si e
com Jesus, e por meio do Senhor, todos e cada um entram em comunhão de amor com
Deus Pai. Como era costume todos respondem: “Amém”. Não era costume, porém, que
o presidente do jantar litúrgico se identificasse com o pão oferecido a Deus. Fazia parte
dos ritos o fato de que uma vez abençoado o mesmo pão, fosse comungado por todos e
cada um.
No final do jantar sagrado, costumava-se tomar um vinho, cada um na taça dele,
pedindo a Deus a chegada do Reino prometido. Tratava-se de um brinde para celebrar a
chegada do Reino de forma antecipada. Jesus abençoa esse vinho e, de forma diferente
ao costume, passa a cada um e a todos a mesma taça de vinho. Ele identifica esse vinho
com o próprio sangue que será derramado em favor de todos para remissão dos pecados,
quer dizer, vinho que celebra a presença do Reino de Deus na história, que acontece
pela morte de Cristo na cruz, páscoa do Senhor, passagem desta terra para o Pai, se
entregando por todos. Os discípulos dizem “Amém”, aceitando esse gesto do Mestre e
comungando com Ele, com toda a vida dele, com a mensagem e a ação do Senhor.
Nesse pão e nesse vinho todos são um só corpo e assumem um mesmo compromisso, o
de continuar a missão de Jesus para fazer acontecer o Reino no mundo por meio do
amor fraterno, transformando a história humana de acordo com os valores do
Evangelho. Jesus parte para o Pai, mas deixa um memorial da sua presença para que os
discípulos continuem em comunhão com Ele e atualizem a mesma missão. “Fazei isto
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em memória de mim”. Paulo nos lembra que “cada vez que comemos deste pão e
bebemos deste cálice, anunciamos a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Coríntios
11, 26). O que os amigos sentiram nesse momento único? Momento carregado de fé e
de amor a Deus, de gratidão pelo dom da vida e do Reino que o Pai deposita em nossas
mãos humanas. Mas, principalmente, momento carregado de intensa emoção, pois Jesus
está se despedindo de forma definitiva, fala de traição, de abandono e de morte.
É importante destacar que as palavras do Senhor: “Fazei isto em memória de mim” não
se referem somente ao ato do rito litúrgico, mas à vida toda de Jesus. Comer desse pão e
beber desse vinho nos compromete a atualizar tudo o que Jesus viveu e fez, quer dizer,
nos anima a atualizar o Evangelho de Jesus. Reduzir as palavras de Jesus ao fato de
repetir, simplesmente, um rito litúrgico, desligado do compromisso da vida cristã, seria
assunto de alta traição a Cristo e abandono vergonhoso e flagrante da missão pela qual
deu a vida por nós e morreu na cruz. Por isso compreendemos melhor a
intencionalidade do evangelho de João, quando, em lugar do relato da instituição
eucarística nos fala do gesto do lava-pés. Ação realizada por escravos ou mulheres,
expressando que Jesus não veio para ser servido, mas para servir e entregar a vida em
resgate por muitos. Esse é o significado da eucaristia e do compromisso inerente a
participar dela: “fazei isso em memória de mim”, quer dizer, “vivam o evangelho,
continuem o meu compromisso pelo Reino”. O próprio João situa o discurso do Pão da
Vida depois do gesto de multiplicar os pães, revelando que Jesus é o pão que desce do
céu para trazer a vida ao mundo. Quem come desse pão vive para sempre, já está
experimentando o Reino. “O pão que eu darei é a minha própria carne”. Pedro
reconhece que não tem outra referência fora de Jesus: “a quem iremos, Senhor, só tu
tens palavras de Vida Eterna e nós acreditamos que tu és o Filho de Deus” (João 6,
68). Pão e Palavra, a mesma presença de um mesmo Senhor e Salvador: Jesus Cristo.
A comunidade nasce e se alimenta ao redor da mesa do Senhor. A referência é Jesus,
sua palavra, seus gestos, sua ação, sua missão. Nos ciclos da liturgia lembramos que
ainda nos falta muito para viver o Reino e procuramos o jeito de realizar o que ainda
não estamos conseguindo realizar (roxo). Celebramos também que, apesar de tudo, o
Reino já está presente e descobrimos sinais de vida nova e de amor verdadeiro.
Agradecemos com alegria ao Pai e fortalecemos os valores do Evangelho já se
realizando no meio de nós (branco). Somos conscientes de que ainda o Reino não está
plenamente presente em nós, pois somos peregrinos que caminhamos para a sua
plenitude, enquanto esperamos a vinda gloriosa do Cristo Senhor (verde). Celebramos a
vitória do Reino nas testemunhas que entregam a vida em favor do próximo,
derramando o próprio sangue, a exemplo de Jesus, para que todos tenham vida em
abundância; jamais poderíamos esquecer o preço que Jesus pagou para nos resgatar, o
preço que tantos irmãos e irmãs pagam para que o mundo seja mais justo e fraterno. O
Espírito Santo inspira em nós o amor de Jesus em favor de todos (vermelho).
No contexto desse jantar é que Lucas registra que houve uma discussão entre os
discípulos, sobre quem seria mais importante. Isso nos revela que os seguidores de
Jesus, até o último momento, não conseguiram compreender nem interiorizar a proposta
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do Senhor em relação ao Reino. Ainda continuam pensando que as coisas acontecerão
de forma mágica, como o povo esperava. Quando Jesus fala de atitude de combate
perante o estouro do conflito deflagrado eles respondem que têm nas mãos duas
espadas. “É suficiente”, responde Jesus desistindo, nesse momento, de convencê-los
sobre o modo histórico como o Reino se faz presente no mundo, bebendo o cálice das
dificuldades humanas, sem intervenções mágicas de anjos para quebrar um galho no
momento da decisão. A compreensão desse mistério sobre como funciona o Reino na
história virá depois da morte e ressurreição do Senhor.
6.3.Julgamento, paixão e morte na cruz.
(Mc. 14, 26- 15-47; Mt. 26,30-27,66; Lc. 22,39-23,56; Jo. 18,1-19,42).
Os relatos que falam da paixão e morte de Jesus parecem ser os mais antigos de entre os
textos dos evangelhos. Que Jesus morreu na cruz é fato histórico. Aconteceu, com muita
probabilidade, no dia 7 de abril do ano 30, em Jerusalém, sexta-feira. Era na véspera da
grande páscoa judaica, que se celebra, ainda hoje, na noite da primeira lua cheia da
primavera (hemisfério norte) em comemoração à páscoa (passagem) dos israelitas
fugindo (êxodo) da escravidão do Egito e conquistando a liberdade, a fim de poder ser
um povo, povo de Deus. Esse ano a festa da páscoa coincidia com o dia sagrado do
sábado. Daí que João fala que “esse sábado era muito solene” (Jo. 19, 31).
Depois do jantar Jesus, como parece que tinha costume, se recolheu num canto do
Monte das Oliveiras, no Getsêmani, situado entre o templo de Jerusalém e Betânia,
junto com os seus discípulos. O traidor conhecia bem esse lugar. Enquanto os discípulos
dormiam Jesus necessitava conversar com o Pai, pois a situação apertava. Chamou
consigo os três amigos mais próximos: Pedro, Tiago e João. Diz o relato de Marcos que
Jesus não conseguia ficar de pé e caía pelo chão cheio de espanto perante a perspectiva
cruel da cruz. Não era para menos! A oração de Jesus é dramática, segundo a cita dos
três evangelhos sinóticos. (A palavra sinótico significa paralelo, semelhante; aplica-se
aos três evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas). “Pai, se for possível, afasta de mim
este cálice, não se faça, porém o que eu quero, mas a tua vontade”.
João situa essa oração em outro contexto (João 12, 20-33). Bem no estilo joânico, Jesus
é dono da situação e entrega a vida livremente. “Será que eu vou disser: ´Pai, livra-me
desta hora?´ Mas se foi, precisamente, para esta hora que eu vim!” (João 12, 28). Eis a
mística do grau de trigo que cai em terra e morre para produzir mais fruto. Jesus aceita o
plano de Deus no sentido de doar a vida por amor até as últimas consequências. A Carta
aos Hebreus recolhe esse momento com uma interpretação que chama a atenção. “Nos
dias da sua vida mortal Cristo, com lágrimas nos olhos, suplicou àquele que o podia
libertar da morte; e foi atendido” (Hebreus 5,7). A expressão “foi atendido” por Deus
refere-se à ressurreição. Conhecemos relatos da época que narram os tormentos da
crucificação. Flávio Josefo, a considera a morte mais miserável de todas. Cícero diz que
era o suplício mais cruel e terrível. O espetáculo era de arrepiar. De propósito acontecia
em público, para o escarmento do povo. Assim ninguém ousaria se rebelar contra Roma
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e quem o fizesse sabia qual era o castigo. Não é de se estranhar que na véspera daquela
hora dramática Jesus caísse pelo chão de angústia, de pavor, de medo e de tristeza
profunda. São os sentimentos de Jesus que citam os evangelhos nessa hora que
antecedeu à prisão, julgamento e morte. Tudo foi rápido.
Jesus preparou os discípulos para esse momento e a explicação que dá é que tudo isso
está de acordo com as Escrituras. Não é de se estranhar que os discípulos não
compreendessem. As Escrituras contemplam tradições e propostas diversas em relação
ao messias e à sorte dele. A expectativa do povo era mais na linha de um poder visível,
humanamente glorioso. “Meu reino não é deste mundo” (João 18,36) respondeu Jesus
a Pilatos quando interrogado sobre os planos do nazareno para ser rei. O modelo de
messianismo de Jesus, mais uma vez, inspira-se no Livro de Isaias, do chamado
“Segundo Isaías” (Deutero Isaias), que apresenta os quatro cânticos do Servo de Javé,
nos quais revela que por meio do sofrimento e da obediência do Servo, Deus virá
resgatar o seu povo e a humanidade. Textos impregnados de mistério e realismo.
Querem dizer que é a partir da força interior que se realiza a vontade divina, nem tanto
pela violência. As coisas de Deus não acontecem por arte de magia, mas no decorrer
natural dos acontecimentos, dependendo mais da atitude do ser humano na hora de saber
se situar perante a vida do que querendo atropelar as coisas com imposições próprias do
poder humano. A história muda mais cativando as consciências, pela convicção e
coerência das propostas do que pelas guerras. (Isaias 42, 1-9; 49,1-7; 50,4-11; 52,1353,12). Jesus entendeu a história a partir das chaves interpretativas desses textos
proféticos, muito realistas, nos quais Deus não atua na história mudando o rumo dos
acontecimentos, mas inserindo no decorrer natural dos mesmos a sua inspiração e
projeto, jamais violentando a liberdade humana, contando, porém com a colaboração
livre da decisão de cada pessoa. Trata-se, logicamente, de um caminho mais sublime e
complicado, que não exime de sofrer as conseqüências da reação dos que representam
os interesses do poder. Caminho que significa assumir as conseqüências de desafiar o
poder constituído com a força simples da consciência e do testemunho ético. Jesus
adotou esse caminho e assumiu os riscos com todas as conseqüências, sabedor de que
Deus não iria intervir de forma mágica para mudar o rumo dos acontecimentos. Um
exemplo prévio Jesus nos deixou quando rejeitado numa aldeia da Samaria, não
retrucou. (Lc. 9,51-54). Quando caiu a torre de Siloé, em Jerusalém, matando dezoito
pedreiros o povo achou que era castigo divino; Jesus, porém, negou que assim fosse. Ele
interpreta a história de outra forma, pois entende que Deus respeita as decisões humanas
e sabe esperar. Deus não castiga, cada um recolhe os frutos do que faz. (Lc.13,1-5).
Trata-se de uma visão histórica nova e adulta; é nessa visão que entendeu a própria
morte em cruz. Com maior facilidade do esperado, sem resistências, os soldados
prenderam Jesus e o levaram para o sinédrio.
As autoridades queriam matá-lo. Há quanto tempo não esperavam por essa
oportunidade! De repente, da forma aparentemente mais fácil, aquele homem temido e
odiado estava nas mãos deles. A pena de morte era reservada aos romanos, máximo
poder; só o governador, representante do César, poderia ditar e executar. Os sumos
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sacerdotes, na realidade, nem fizeram um julgamento como tal, era de noite, nem se
podia de acordo com a Lei. Foi mais um interrogatório para preparar as provas que
convencessem o governador, presente na cidade por ocasião da páscoa. De certa forma
pode-se falar de julgamento religioso em duas partes: perante Anás, velha liderança e
antigo sumo sacerdote, muito respeitado pela elite da cidade. Depois passaram para
Caifás, o sumo sacerdote legal do momento, genro de Anás. Foi acusado de lesar a Lei
de Moisés, de desprezar as autoridades do povo e de desrespeitar o templo de Deus. O
argumento maior contra Ele foi que se colocava no lugar de Deus; esse era o crime
maior na ótica religiosa judaica. Foi maltratado pelos guardas do templo, como era
costume na época, sem nenhum tipo de piedade. Os castigos infligidos aos prisioneiros
eram terríveis. Desprezado e maltratado Jesus foi levado a Pilatos de manhã bem cedo.
Não havia tempo que perder da parte dos chefes. Tudo deveria acontecer antes da festa
da páscoa, para que o povo não reagisse em contra e se evitasse que pudessem acontecer
tumultos na festa. Ao pôr do sol desse dia iniciava-se a páscoa solene e todos os judeus
deveriam se recolher nas suas casas para a celebração. O povo simpatizava com o
profeta de Nazaré e as elites tinham medo de prendê-lo por causa da multidão. Naquela
noite, porém, tudo era favorável para os seus inimigos e eles não perderam tempo em
executar o plano.
Conduziram-no perante Pilatos e aconteceu o processo judicial, segundo os parâmetros
da época. De acordo com o direito romano, o juiz, nesse caso o próprio governador,
devia escutar ambas as partes. Primeiramente falou a parte que acusava e pedia a
sentença de morte. Os argumentos apresentados foram traduzidos do nível religioso para
o político. Não pagar imposto ao César, se declarar rei dos judeus desafiando a
autoridade romana e preparar uma rebelião armada contra Roma. O governador Pôncio
Pilatos, depois de interrogar Jesus, não quis se complicar e fez o que era mais fácil para
ele, condenar Jesus a morrer crucificado. No texto de Lucas se faz referência a uma
entrevista ou julgamento de Jesus perante Herodes, quem também não o deixou livre e o
devolveu ao governador para que fosse executado. O procedimento foi o acostumado na
época. O objetivo do poder romano era conservar a ordem estabelecida a tudo custo,
defendendo mais o lado do império do que o direito do indivíduo. O ambiente na
Palestina não era nada agradável aos olhos de Roma por causa das constantes rebeliões
e conflitos armados. Tudo isso, anos depois, acabou em guerra. A ordem que recebiam
os governadores era manter o povo judeu sujeito ao poder romano a qualquer preço.
Pilatos, de acordo com os historiadores romanos que estudam essa época, tinha fama de
violento e intransigente com os judeus. Simplesmente cumpria o papel encomendado a
ele. Outros governadores faziam igualmente, em outras regiões de conflito do império.
Pilatos não hesitou em mandar Jesus para a cruz. Dentro do papel que correspondia
cumprir a um governador romano era conveniente deixar bem claro quem mandava na
região. Como a acusação provinha das autoridades judaicas o governador fez questão de
escutar a outra parte, quer dizer, ouvir a defesa de Jesus, para que todos soubessem que
a decisão correspondia a Roma. Mais do que um julgamento, como nós entendemos
hoje, era uma encenação pública que comunicava um recado para o povo: o poder
romano não está de brincadeira com aqueles que questionem a sua autoridade. Parece,
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por certos documentos históricos, que Caifás se dava bem com Pilatos. Na realidade, os
sumos sacerdotes de Jerusalém davam-se bem com o poder romano que mantinha a
ordem necessária para que tudo corresse bem nas festas do templo, premissa necessária
para que rendessem maior lucro para eles e para a cidade como um todo. A ordem
mantida pelos romanos nas regiões do império interessava às autoridades de Jerusalém
por causa do negócio do templo. Milhares de peregrinos acudiam à cidade santa de
todas as partes do império, pois “a pax romana” facilitava esse fluxo de peregrinos.
Jesus ficou sozinho. Não tem como questionar a historicidade em relação ao abandono
da parte dos discípulos, incluindo Pedro, pois quando os textos foram escritos as
comunidades admiravam os primeiros discípulos por meio dos quais chegou até eles a
Boa Nova de Jesus. Jesus ficou absolutamente só! Aquele julgamento não foi um
simples erro de procedimento, como se fosse um acidente jurídico. Para as autoridades
de Jerusalém Jesus era um perigo que colocava em situação de vulnerabilidade a
estabilidade do templo e, com ela, o futuro da cidade como um todo. Aquele homem de
Nazaré que o povo chamava de profeta devia ser eliminado. Para as autoridades
romanas Jesus é um perigo, pois falava de um reino que não aceita opressão e prega a
igualdade entre as pessoas; nada mais distante do projeto do império, fundamentado na
escravidão e no imperialismo romano. Jesus invoca um Deus que não aceita a
manipulação espiritual como fazem os saduceus em Jerusalém. Para Jesus a vida digna
do povo é mais importante que o próprio templo. Para Jesus o projeto de Deus, o Reino,
é mais valioso do que o império romano que, segundo ele, passará, um dia cairá por
terra. A morte de Jesus não foi por acaso, foi uma necessidade de ambos os poderes do
momento, o religioso e o político. Seus seguidores o abandonam por medo. O povo não
teve tempo de reagir, pois tudo foi muito rápido e é assim que ambos os poderes
queriam. As elites de Jerusalém ficaram aliviadas com aquela morte, pois caso houvesse
uma revolta ou rebelião popular o negócio financeiro perderia a melhor oportunidade de
lucro do ano, que era, precisamente, na época da páscoa.
Jesus foi torturado, açoitado e humilhado pelos soldados romanos, segundo era
costume. O povo precisava saber que ameaçar o poder romano não ficava de graça. Não
existia compaixão. Primeiramente era a flagelação. Os flagelos eram formadas por fitas
de couro com pontas agudas de metal (chumbo) ou pequenos ossos de animais. A
intenção era machucar e arrancar a pele. O condenado perdia sangue, ficava
desfigurado, o corpo todo ferido e dolorido. O condenado carregava depois o madeiro
transversal amarrado às mãos por trás da cabeça, pelas costas. Dizem os textos que
Jesus não tinha quase forças para carregar a cruz, pois a flagelação deixava sem forças
os castigados a sofrê-la. O percurso do lugar da condenação até o Calvário, lugar da
execução era de algumas centenas de metros (600 metros, aproximadamente). Perto da
cidade, à vista do povo, no caminho bem concorrido que levava para o norte do país,
encontrava-se a pedreira do Calvário, pequena colina na saída da cidade, visível de boa
parte da mesma. Eram os lugares escolhidos pelos romanos para a crucificação, pois era
preciso que o povo pudesse ver aquele espetáculo horrível e ouvir aqueles gemidos
aterradores.
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Despojado totalmente das roupas, que eram distribuídas entre os soldados, deitaram-no
no chão e, estendendo seus braços no travessão horizontal que tinha carregado, foi
pregado com grandes pregos cravados nos pulsos para que o corpo ficasse suspenso no
madeiro. Foi depois elevado pendurando o travessão no madeiro vertical, que não
costumava ter acima de dois metros de altura. Depois era pregado pelos pés. Na parte de
cima costumava-se colocar o motivo da sentença, para que todos pudessem ver o
motivo da condenação e não caíssem na tentação de repetir o crime. O motivo da
condenação de Jesus foi escrito em hebraico, latim e grego. O letreiro dizia assim:
“Jesus de Nazaré, o rei dos judeus”. Quer dizer, condenado a morrer por rebelião
política contra o imperador. Foi crucificado junto com outros dois, segundo as
Escrituras. Isso era normal acontecer desse jeito. Naquela manhã devem ter passado
vários acusados de diversos crimes pelas mãos de Pilatos. Costumava ser assim. Uns
foram condenados e outros, como parece ser o caso de Barrabás, soltos. As palavras de
Jesus na cruz que recolhe Marcos são históricas: “Meu Deus, por que me
abandonaste?”. No momento de abandono absoluto, de sofrimento indescritível, de
humilhação total, de fracasso humanamente absoluto, Jesus invoca a presença do Pai
querido, ABBA. Oração desgarradora. A resposta aparente é o silêncio e a solidão. Não
é fácil imaginar que pudesse pronunciar outras frases. Os discípulos recolhem frases que
expressam as atitudes de Jesus na hora da cruz. Existe uma coerência absoluta entre as
atitudes que Jesus viveu na vida e na hora da morte. Perdoa os inimigos. Promete o
paraíso aos pecadores. Entrega o seu espírito nas mãos de Deus. Marcos fala que dando
um grande grito expirou. O último grito de Jesus foi também de confiança. Não é de se
estranhar que aqueles soldados acostumados a presenciar muitos homens crucificados
ficassem surpreendidos com a forma como Jesus morreu.
João fala da presença da mãe de Jesus e do discípulo amado, que segundo todas as
tradições antigas e a lógica interna do próprio texto orientam para o próprio autor do
texto, discípulo do Mestre, filho de Zebedeu e irmão de Tiago. A intenção do texto é
mais teológica do que histórica, mas isso não deve nos fazer entender que não exista
uma base histórica. Para o evangelho de João o momento culminante da missão de
Cristo é a hora da cruz, pois é nessa hora que Ele passa para o Pai, depois de realizar a
obra maior da sua missão salvadora. Eis aí que também nasce a Igreja, representada por
Maria, a mãe e pelo discípulo escolhido. Esse momento significa que a Igreja assume a
missão redentora de Jesus em favor do mundo. O quarto evangelho situa ”a hora da
glória do Senhor” no centro dos seus relatos; trata-se do momento da cruz, no qual o Pai
é glorificado pelo Filho.
Os quatro evangelistas coincidem em relatar o sepultamento de Jesus pelas mãos de
José de Arimateia. As mulheres que acompanharam os acontecimentos até o final,
embora que à distância, observam também esse fato. De acordo com os relatos Jesus foi
crucificado entre as nove e as doze horas e morreu na hora nona, às quinze horas.
Véspera da páscoa, era o momento que o sumo sacerdote sacrificava o cordeiro no
templo para expiar os pecados do povo. Esse foi o motivo da pressa que as autoridades
tinham para retirar logo os corpos da cruz, para não contaminar a terra com o sangue
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dos condenados no dia da páscoa e poder assim celebrar a ceia pascal em paz. “Se um
homem, culpado de um crime que merece a pena de morte, é morto e suspenso a uma
árvore, seu cadáver não poderá permanecer na árvore à noite; tu o sepultarás no
mesmo dia, pois o que for suspenso é um maldito de Deus. Deste modo extirparás o mal
do teu meio, e todo Israel ouvirá e ficará com medo” (Deuteronômio 21,22). Nesse
texto conhecido por todo o povo de Israel podemos compreender várias coisas. O
interesse dos saduceus em crucificar Jesus, pois tiravam a autoridade religiosa dele
perante o povo. Os discípulos não entendiam que pela cruz o messias salvasse o povo,
parecia absolutamente contraditório. Como acreditar ainda na ressurreição de alguém
que, segundo a Escritura, morreu como maldito de Deus? E como Jesus, pessoa tão
extraordinariamente boa poderia ser amaldiçoado por Deus? Eis também outro motivo
da angústia de Jesus, além de morrer novo e ver sua obra fracassada, Ele passaria, na
memória do povo, como alguém maldito por Deus. Fracasso aparentemente físico e
moral. Daí também as pressas das autoridades em retirar os corpos das cruzes antes do
anoitecer, ainda mais em se tratando na hora em que iniciava a grande festa da páscoa.
Paulo demorou a assimilar que a cruz de Jesus fosse redentora para a humanidade, não
encaixava com o texto da Lei e fez uma escolha: entre a prática escrupulosa da Lei e a
fé no Evangelho de Jesus escolheu o Evangelho e deixou a Lei de Moisés de lado.
(Gálatas 3, 6-14). Não é a Lei que salva, mas a fé em Jesus Cristo, pois Ele anulou a
Lei na própria carne, aceitando ser crucificado; maldito perante a Lei para nos libertar
dela e nos transportar ao Reino da graça cujo acesso é a fé. (Romanos 5, 1-11).
6.4. Por que mataram Jesus na cruz.
Nós cristãos escutamos desde crianças que Jesus morreu na cruz para perdoar os nossos
pecados. É uma verdade da nossa fé, que nos revela o próprio Novo Testamento.
Jamais, porém, poderíamos esquecer os motivos humanos, históricos, que levaram Jesus
a morrer na cruz, pois compreender isso é de fundamental importância para a nossa fé.
Se esquecermos disso nossa fé fica deturpada, mutilada, estéril e manipulada.
Desde o início da vida pública Jesus entrou em confronto com as autoridades de
Jerusalém e com os fariseus, que mantinham um controle moral muito forte sobre a
população israelita. Os primeiros defendiam o culto do templo, recém construído, pois a
cidade vivia das peregrinações dos devotos vindos de todas as partes. Esse fluxo de
peregrinos era uma fonte de renda considerável para a subsistência de Jerusalém. Os
segundos eram o grupo mais influente na vida religiosa de Israel e gozavam de boa
consideração na sociedade. Jesus critica o culto do templo por causa da sua falta de
ligação com a vida do povo. Tratava-se de um culto vazio, sem articulação com a
história, olhando mais para o passado das tradições antigas do que para o presente. Em
relação aos fariseus Jesus critica neles que situam as leis, as normas e as práticas
religiosas por cima das pessoas, do ser humano, sem misericórdia nem solidariedade
com os sofrimentos e problemas do povo. Representantes dos dois grupos, desde o
início da missão pública do Senhor, ficaram de olho nas palavras, atitudes e ações dele,
desconfiando e buscando motivos para desautorizá-lo perante o povo. Quando sentiram
70
que isso era difícil resolveram abertamente matá-lo. Não esqueçamos que o Sinédrio,
Conselho Supremo dos judeus, era formado por dois partidos: saduceus e fariseus.
Os representantes do poder político agiram de forma semelhante. Os herodianos,
partidários do rei Herodes, sentiam um grande receio em relação a qualquer liderança
religiosa que surgisse na Galileia, pois as revoltas contra Roma eram constantes e isso
atraía a desconfiança de Roma sobre a capacidade de Herodes em controlar a situação.
De fato, décadas mais tarde, o rei foi deposto quando estourou a guerra dos judeus
contra Roma, pois foi considerado incapaz de controlar a situação naquela região
recôndita do império romano. Aquele rei cruel e sanguinário que mandou matar João
Batista e consentiu na condenação de Jesus foi exilado e morreu no desterro das Gálias.
Já o poder romano exercido pelo governador Pôncio Pilatos, que costumava residir em
Cesareia, no litoral da Palestina, era intransigente na hora de tratar com questões de
divergências religiosas ou políticas, pois tinha a ordem de Roma de reprimir qualquer
indício de revolta ou rebelião.
Sem dúvida que as autoridades romanas olhavam com suma desconfiança a atuação
daquele profeta de Nazaré, pois da Galileia tinham surgido naqueles anos muitas lutas
armadas contra o poder romano, todas elas inspiradas no zelo de Javé. Lembremos que
quando nasceu Jesus o governador Varo mandou crucificar centenas de judeus (Flávio
Josefo fala em até dois mil). Houve outras centenas de crucificados ou mortos à espada
na época do próprio Pilatos. Para os romanos o caso de Jesus foi mais um, fruto daquele
conflito provocado pela atitude de rebeldia continuada dos judeus que não queriam
aceitar a imposição romana. Sem dúvida que para Jesus o império romano era uma
ofensa contra o Deus da vida e do amor. Se bem Ele não entendeu que a violência
armada fosse o caminho para superar aquela situação, não é menos verdade que, de jeito
nenhum aceitou aquele sistema de crueldade e escravidão, que por meio das armas e dos
impostos abusivos impediam o povo de viver com dignidade. O império romano não
era, absolutamente, o Reino de Deus que traz vida digna para todos. A partir da crítica
histórica e literária não podemos concordar com falsas interpretações espiritualistas, no
sentido que Jesus jamais teria se oposto ao sistema político dominante, pois ele teria se
submetido às autoridades reconhecendo que não fazia parte da missão dele a questão
social ou política. Isso é próprio de uma teologia de cunho liberal que considera a
religião como assunto da privacidade de consciência, sem nenhuma incidência social.
Definitivamente esse não é o Jesus da história nem dos evangelhos.
O conflito entre Jesus e as autoridades foi aumentando cada vez mais. Chegou um
momento que não dava para amenizar os dois lados. Todos os poderes uniram-se contra
Jesus. Ele, porém, foi corajoso e não recuou, caminhou adiante até chegar a Jerusalém, a
capital onde as autoridades tinham o controle absoluto da situação. Ele ficou sem
espaço, perdeu e o resultado foi a cruz. Foi o desfecho lógico de uma lide desigual.
Jesus sentiu que Deus queria que Ele realiza-se o seu ministério público também na
capital sagrada, no coração de Israel. Foi fiel e coerente. Aceitou as conseqüências sem
reclamar, consciente de que por meio dele abria-se um caminho novo na história em
71
favor dos pobres. É por isso que ofereceu sua vida como sacrifício em favor de uma
história mais digna para os mais humildes.
6.5. Por que Jesus aceitou a morte em cruz.
Os quatro evangelhos registram o anúncio de Jesus aos seus discípulos sobre a sua
morte e ressurreição. Ele não escondeu que iria ser rejeitado pelas autoridades do povo,
seria entregue aos inimigos para morrer e ressuscitar. Revela também que, por meio da
sua morte, Deus perdoaria o pecado da humanidade e ofereceria a salvação a todos. Na
realidade, na visão do Evangelho, o perdão dos pecados é o primeiro passo para
construir o Reino de Deus. O pecado é, para Jesus, a raiz de todo mal. (Lucas 1,77).
Na pregação dos apóstolos esse é o significado da morte de Jesus: Deus perdoa os
pecados da humanidade por causa do sacrifício de Cristo na cruz. Todos são convidados
à conversão ao evangelho, voltando o coração para Jesus, o Filho de Deus, por meio do
qual somos salvos. (Atos 2,22-24; Rom. 8,31-39; 1Coríntios 1,17-25; Gálatas 2,1921; Efésios 2,1-10; Filipenses 2,6-11; Colossenses1, 21-24; 1Timóteo 2,4-8;
2Timóteo 2,8-13; Hebreus 1,1-4; 1 Pedro, 1,10-12; 1João 1,1-4; Apocalipse 1, 4-8).
Onde estava Deus quando Jesus morria na cruz? Humanamente Jesus morreu no
abandono total, no silêncio absoluto, no fracasso da sua missão. Toda consciência de
bem sente indignação perante a morte daquele homem bom, assim como também
quando contemplamos o sofrimento de pessoas inocentes. A história costuma ser cruel e
não revela a justiça que deveria. Por que a mentira, o roubo, a violência, a corrupção, o
engano, a opressão e a arrogância dominam tantas vezes os rumos da história?
Jesus, com certeza, e assim registram os evangelhos, anunciou aos seus discípulos o
significado teológico da própria morte, quer dizer, o sentido que a partir do projeto
divino ilumina aquele fato absurdo em si mesmo. O Novo Testamento revela que o
Reino de Deus é maior do que a própria morte do Filho de Deus! E ainda, que a morte
de Cristo é a grande ferramenta nas mãos de Deus para abrir as portas de uma nova
história. Deus não queria a morte de Jesus na cruz. Os homens inventaram a cruz para
torturar os seus adversários. Deus é maior do que os homens e transforma aquele
instrumento de ignomínia em sinal de salvação. Por meio da cruz do Filho o Pai nos
perdoa e nos acolhe, nos ama e nos salva.
Na cruz se revelam simultaneamente a maldade humana e a misericórdia divina, o
pecado da história e a salvação de Deus. Assim entenderam os primeiros cristãos a
partir da ressurreição do Senhor, que Deus perdoa os pecados do mundo por meio da
cruz redentora do seu Filho e nos abre as portas da salvação. Eis o querigma anunciado
pelos apóstolos ao mundo e que deu origem ás primeiras comunidades cristãs.
No evangelho de João a morte de Jesus na cruz já é a vitória de Cristo, pois esse
momento representa a passagem (páscoa) para o Pai. Na hora da morte de Jesus na cruz
o sumo sacerdote sacrificava o cordeiro pascal no templo de Jerusalém, aspergindo o
72
sangue no santo dos santos e no povo reunido para o perdão dos pecados do povo. Jesus
é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. (João 1,36).
O Novo Testamento está impregnado por esta mensagem: Cristo morreu para perdoar os
nossos pecados, segundo as Escrituras; ressuscitou para nós ao terceiro dia, segundo as
Escrituras. Nele Deus nos acolhe e perdoa e nos oferece a salvação. Assim começa uma
vida nova para o homem que aceita Jesus como Salvador. Esse é o querigma da Igreja, o
núcleo da mensagem cristã. “Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua
igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de
servo e tornando-se semelhante aos homens, apresentou-se como um simples homem,
humilhando-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz! Por
isso Deus o exaltou e lhe deu o nome que está acima de todo nome; Assim, ao nome de
Jesus, todo joelho se dobrará e toda boca proclamará que Jesus é o Senhor, para a
glória de Deus Pai” (Filipenses 2, 6-11).
6.6. Compromisso cristão perante a cruz.
O acontecimento da cruz de Jesus possibilita várias leituras de interpretação e nós,
cristãos, trabalhamos com três delas que se articulam e integram de forma coerente. A
primeira deve ser sempre a leitura histórica do acontecimento, analisando as causas do
fato e as conseqüências humanas do mesmo. Os cristãos que esquecem essa dimensão
histórica da morte de Jesus costumam cair na tentação de uma religião etérea,
descomprometida com a vida dos homens, intimista e irreal. Nada a ver com a vida e a
mensagem de Jesus, certamente, oferecem um sucedâneo enganoso de espiritualidade
cristã. A segunda leitura consiste em interpretar a cruz de Jesus a partir da fé na
ressurreição, acreditando que o Reino de Deus prevalecerá na história humana e que a
partir desse Reino, que Jesus viveu e anunciou, a morte dele encontra um significado
positivo, como motivação e esperança. Trata-se de olhar a história humana a partir da
fé, desde o enfoque do plano divino da salvação. Seria a resposta a esta pergunta: como
Deus entendeu a morte do seu Filho na cruz?
A terceira leitura de interpretação, continuando a linha das duas anteriores (leitura
histórica e teológica) seria a leitura espiritual, a resposta coerente atual do seguidor de
Cristo perante a cruz do seu Senhor. É importante para tanto procurar a coerência com
as duas leituras anteriores. Um cristianismo que se esquece das causas humanas da
morte de Cristo pode ser desencarnado da história humana, alienado da realidade social
que vivem hoje os homens, distanciado das alegrias e tristezas, angústias e esperanças
da humanidade. Um cristianismo que se esquece da leitura teológica, a partir do plano
de Deus, ficaria prisioneira de um enfoque sociológico do momento, que acabaria sendo
um movimento humanista sem horizontes nem futuro, sem perspectivas de
transcendência, amarrado ao hoje de cada conjuntura social.
O que significa a cruz de Jesus na vida de um cristão de hoje? Acreditar que Deus é
bom e nos ama. Que Ele tem um projeto de vida digna para todos e nos chama a
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participar desse projeto como protagonistas. Acreditamos que, apesar das circunstâncias
adversas, o plano de Deus vai em frente, pois com a morte e ressurreição de Cristo é
possível lutar por um mundo novo. Sermos conscientes de que o Senhor Jesus caminha
conosco, nos consola e fortalece, nos anima e impulsiona a seguir os seus passos.
Iluminados e alimentados com a sua presença amorosa junto de nós, somos animados
pelo seu Espírito.
Pessoal e comunitariamente agradecemos ao Deus nosso Pai pelo dom da vida e da fé,
pela salvação que em Cristo Jesus oferece a toda a humanidade. E, principalmente, nos
comprometemos a superar todas as cruzes da história que trazem sofrimento aos
homens, pois é vontade divina que todos tenham vida em abundância. Aprendemos com
Jesus a carregar a nossa cruz no dia a dia da nossa história, oferecendo a nossa luta,
junto com os nossos sofrimentos, como doação amorosa em favor do Reino, a fim de
que a história seja mais digna de Deus, mais semelhante ao sonho de Jesus. Pois Ele
merece e isso é bom para cada um e para todos.
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- O Novo Testamento afirma que Jesus morreu na cruz para o perdão dos nossos
pecados. Sem dúvida que essa afirmação faz parte essencial da mensagem cristã, o
querigma. Isso não pode nos levar a esquecer o motivo histórico da morte de Jesus, por
que os homens o mataram. Para nós cristãos é importantíssimo resgatar a memória das
causas humanas que levaram Jesus de Nazaré até morrer na cruz. Quais foram as causas
históricas da morte de Jesus na cruz? O que isso tem a ver com o compromisso de vida
cristão atual?
- Jesus tinha consciência do perigo que assumia “subindo a Jerusalém”, pois o ambiente
era totalmente desfavorável para ele. Por que aceitou um desafio tão difícil? Como
entendeu Jesus a própria morte? O que proclamaram os primeiros cristãos em relação à
morte de Jesus?
- A Igreja, desde o início da sua história, integra inseparavelmente a morte de Jesus com
a celebração da eucaristia. Que significa para os cristãos celebrar a eucaristia? (Em
relação a Deus, consigo mesmo e com os outros). O que tem a ver a morte de Jesus com
a opção pelos pobres?
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7. DEUS RESSUSCITA JESUS.
7.1.O medo dos discípulos.
Podemos imaginar o sentimento dos discípulos no momento da morte de Jesus. Eles
ficaram arrasados. Tudo acabou na cruz do Calvário. Foi o fracasso total daquela
bela aventura. O medo e o espanto tomaram conta daqueles corações feridos até o
mais profundo. Os quatro evangelhos descrevem aquela situação desse jeito e, na
verdade, não era para menos. Não entendiam o porquê daquela tragédia. Como
podia ter acontecido aquele tipo de morte com um homem daquele nível moral tão
elevado, coerente, solidário, alegre, positivo, colaborador, prestativo, compreensivo,
amante de Deus, homem de profunda oração, de obediência absoluta ao projeto
divino, grande conhecedor das Escrituras, conhecedor da alma humana e dos anseios
do seu povo, em fim, pessoa muito igual a todos e, ao mesmo tempo, tão diferente,
destacando sempre pelo lado da bondade, da misericórdia, do amor. Jesus não
merecia aquela morte. Onde estava Deus naquela hora? Como poderia ter permitido
aquela tragédia horrorosa? Por que abandonou o seu Filho amado? Não existiam
respostas possíveis nem consolação para tanto sofrimento. O ambiente dos
seguidores era de total desolação. Sentiam-se sem forças para reagir, para continuar,
para acreditar. Somente restava voltar cada um para a rotina anterior de cada dia
para tentar esquecer tamanho desastre.
A perda de uma pessoa tão marcante, significativa, amorosa, alegre e amiga como
ninguém era imensa, inesquecível, inconsolável. Não tinha palavras, nem
explicação, nem argumentos, nem interpretações, nem lógica para expressar o
acontecido. Uma completa escuridão psicológica e espiritual tomou conta daqueles
corações, como se fosse um beco sem saída, sem nada que pudesse sinalizar alguma
luz no final do túnel. Onde estava Deus para permitir que um homem de tamanha
bondade e grandeza de coração sofresse uma execução tão escandalosa, brutal e
injusta? Era esse o ambiente entre os seguidores daquele profeta que, como tinha
predito, morreria em Jerusalém.
Não havia motivos, a partir daquele grupo, para continuar o caminho empreendido
por Jesus. Nenhum deles poderia ter a mínima força anímica possível para dar
seguimento àquela bela missão. Tudo tinha caído por terra, nada fazia sentido. Só
restava voltar para casa e esquecer, na medida do possível, aquela experiência
fascinante e encantadora vivenciada perto do Mestre. Situação de radical impotência
e incapacidade para continuar sonhando naquela proposta.
O que aconteceu depois? Humanamente, historicamente não há argumentos nem
explicações para que, de repente, aqueles homens e mulheres continuassem se
reunindo em nome do Senhor Jesus e prosseguissem a missão iniciada por Ele. Não
fazia sentido e era uma loucura permanecer naquele empreendimento que conduziu
o Nazareno ao mais absoluto dos fracassos. Teria alguma explicação que todo um
grupo tão diverso caísse, de repente, em tamanha sem razão? Aqueles homens e
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mulheres eram adultos bem curtidos pelas situações da vida. Pessoas de equilíbrio
emocional, com experiência de trabalho pesado, pais e mães de família com filhos,
vivendo naquela época que a vida era difícil, experimentados em mil trabalhos e
sofrimentos para sobreviver. Não era, precisamente, o perfil apropriado para uma
alucinação coletiva. Isso era impossível. Segundo Paulo eram mais de 500 irmãos
que participaram da experiência inicial do cristianismo desde os primórdios,
testemunhas da ressurreição de Jesus (1Coríntios 15,1-8). O Livro dos Atos,
segunda parte do Evangelho de Lucas, nos diz que se reuniram, nesses dias
imediatamente posteriores à morte de Jesus, umas 120 pessoas. Nesses meses
posteriores a comunidade cristã cresceu por algumas centenas (o texto fala em 3
mil). Embora os números sejam relativos na Bíblia, sujeitos a interpretação, não se
pode negar que o assunto não foi banal nem coisa de poucas pessoas fanatizadas.
Essas dezenas e centenas de seguidores, logo ainda após da morte de Jesus,
testemunhas oculares da sua missão pública, que viram e ouviram tudo quanto se
passou naqueles dias fatais, apesar do escândalo da cruz acreditam que Ele é o
Messias, o Senhor e o Filho de Deus. Tudo isso nasce da fé na ressurreição de Jesus
de entre os mortos. Ninguém estava preparado para isso. As Escrituras, referência de
fé para aquele povo, nada sinalizava nesse sentido. Quando os apóstolos proclamam
depois que Jesus morreu na cruz, segundo as Escrituras e ressuscitou de entre os
mortos, segundo as Escrituras, precisam pesquisar e interpretar textos bíblicos que,
explicitamente, não falam nesse sentido, embora ajudem a compreender o
significado redentor da morte do justo e alimentam a esperança de que Deus não
deixará o seu Servo ficar na triste solidão nem no frio silêncio da morte.
Na realidade houve um fato novo, um acontecimento marcante o suficiente como
para se sobrepor ao horror da cruz. A morte na cruz é fato histórico irrefutável.
Gravou-se como espada ardente na alma dos seus seguidores. Esse era,
precisamente, um dos objetivos do poder com o método de eliminar os inimigos
sociais ou políticos por meio daquele tormento, para que ninguém que contemplasse
aquele espetáculo de horror esquecesse jamais o que era reservado a quem ousasse
questionar a situação estabelecida (status quo). Então, o que aconteceu para que os
discípulos superassem o trauma terrível e profundo da cruz e prosseguissem com
teimosia no caminho iniciado pelo Senhor Jesus? Outros líderes que na época de
Jesus se apresentaram como messias e incitaram o povo a se rebelar contra Roma,
como foram Judas o Galileu ou João de Giscala, reuniram numeroso grupo de
seguidores que, armados, lutaram contra as forças do império. Quando chegava o
momento decisivo para a luta os seguidores arriscaram junto com eles e juntos
morreram ao serem derrotados pelos romanos. Com Jesus foi totalmente diferente.
Os discípulos abandonam o líder por causa do medo e, aterrorizados, planejam a
volta para os seus lares. Como é que pouco depois mudam radicalmente de atitude e
voltam a se reunir, sem a presença física do Senhor, e proclamam a mensagem dele,
enfrentando as mesmas autoridades que acabavam de matar de forma atroz o
Mestre? Essa atitude inesperada dos discípulos surpreendeu às próprias autoridades.
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7.2. Encontro com as mulheres e discípulos.
(Mc. 16, 1-8; Mt. 28,1-10; Lc. 24,1-12; Jo. 20,1-10).
É natural que os discípulos, especialmente as mulheres do grupo, fossem na
madrugada do primeiro dia da semana para o lugar onde Jesus tinha sido colocado.
Não o encontrando experimentam uma situação inusitada. Elas recebem o anúncio
da ressurreição e encontram-se com Ele ressuscitado. Anunciam ao grupo a notícia,
mas os outros não acreditam na palavra delas. De formas diversas também os
discípulos, pessoalmente ou como grupo experimentam o encontro com o Senhor
ressuscitado e são convidados a continuar a missão iniciada por Ele, anunciando a
Boa Nova do Reino que, a partir desse momento, tem como centro a morte e a
ressurreição de Jesus. Em todos os casos a iniciativa cabe ao Senhor.
Os textos evangélicos apresentam alguns elementos comuns e outros específicos. O
que é comum aos quatro textos? O fato das mulheres procurarem o corpo de Jesus
na manhã do primeiro dia da semana, ainda bem de madrugada. Experimentam uma
aparição misteriosa (falam de homens vestidos de branco ou de anjos), recebem a
notícia da ressurreição de Jesus e a encomenda de anunciar aos outros discípulos
que Ele não está mais entre os mortos, pois ressuscitou. Elas (ou ela, Maria
Madalena, segundo João) experimentam também, nos quatro textos a aparição do
próprio Jesus que as consola e pede que anunciem a notícia aos outros discípulos.
Também é comum aos quatro textos a aparição do Senhor aos discípulos reunidos
(embora em lugares diferentes) para consolá-los e animá-los a continuar a missão
evangelizadora.
Analisemos, brevemente, os aspectos específicos a cada evangelho. Considera-se
que, normalmente, Marcos apresenta a tradição mais antiga, pois foi uma das bases
dos textos de Mateus e Lucas. Ainda que João seja literariamente bem posterior,
surpreende os especialistas muitas vezes pela sua precisão histórica e por trabalhar
com tradições bem primitivas.
Marcos relata duas narrações. Na primeira, comum aos outros textos, apresenta a
aparição dos anjos às mulheres (em grupo, citando em primeiro lugar a Maria
Madalena) anunciando a ressurreição de Jesus e encarregando de anunciar essa Boa
Nova aos outros discípulos. No segundo relato fala da aparição de Jesus a Maria
Madalena, a dois discípulos que iam de caminho e aos onze discípulos. Insiste na
descrença dos apóstolos em acreditar na ressurreição do Senhor. Nesse último
encontro com todos reunidos numa refeição Jesus recrimina a falta de fé e os envia
para a missão de evangelizar. Quando os discípulos seguem o pedido do Senhor
experimentam a ajuda dele.
Mateus apresenta três relatos, seguindo o esquema de Marcos. O primeiro nos
mostra a aparição dos anjos anunciando a ressurreição e encomendando que
anunciem isso aos outros. Acrescenta, em relação a Marcos, que o próprio Jesus se
aparece a elas no caminho as consolando e reforçando o pedido dos anjos para que
anunciem essa notícia aos outros. Insere um segundo relato, específico de Mateus,
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com uma tradição que fala da atuação dos guardas que custodiavam o sepulcro.
Segundo essa tradição os soldados foram subornados pelos sumos sacerdotes para
espalharem entre o povo que os discípulos roubaram o corpo de Jesus para afirmar
que tinha ressuscitado. No terceiro relato situa o encontro de Jesus com os
discípulos na Galileia, na cima de um monte, onde se despede e manda que
anunciem a Boa Nova pelo mundo afora, batizando e ensinando o evangelho. Jesus
promete que estará sempre presente junto aos discípulos até o final dos tempos.
Lucas nos oferece três relatos, bem no estilo delicado e sutil próprio dele. No
primeiro, as mulheres (Maria Madalena é citada em primeiro lugar) vão ao sepulcro
e o encontram vazio. Dois homens vestidos de branco anunciam a ressurreição de
Jesus e pedem que comuniquem essa notícia aos outros. Eles não acreditam nelas,
porém, Pedro vai ao túmulo e encontra tudo como as mulheres disseram. No
segundo relato Lucas nos presenteia com a narração dos discípulos de Emaus. Um
peregrino misterioso aproxima-se de dois discípulos tristes e desiludidos com tudo
por causa dos acontecimentos. Jesus ressuscitado está presente na Palavra que
ilumina a vida e no Pão que alimenta o compromisso em favor do Reino. Descrição
única e extraordinária pela força e beleza tanto literária quanto espiritual. Quando os
dois discípulos voltam a Jerusalém os outros também confirmam que Jesus
ressuscitou e apareceu a Pedro. No terceiro relato, bem semelhante aos de João,
Jesus aparece aos onze, ainda naquele primeiro dia da semana, toma a refeição com
eles para revelar que o Cristo ressuscitado é o mesmo Jesus crucificado. Jesus se
despede definitivamente encomendando a eles que sejam testemunhas do evangelho
quando forem revestidos do Espírito Santo. Lucas especifica os momentos chave da
história da salvação: morte, ressurreição, ascensão e pentecostes. Não se pode
separar o livro do Evangelho do livro dos Atos, pois são duas partes da mesma obra.
Os relatos de João são diferentes. Apresenta dois finais do evangelho. No primeiro
relato descreve a experiência de encontro pessoal com o Senhor. É a fé de Maria
Madalena, é a fé de Pedro e de João. No segundo relato se descreve a experiência
comunitária, ligada ao encontro dos discípulos no primeiro dia da semana, que
lembra a eucaristia, de forma semelhante, nesse sentido litúrgico, ao encontro com
os discípulos de Emaus. Jesus, enviado pelo Pai, envia por sua vez os discípulos a
continuarem a mesma missão. O encontro eucarístico é o ponto de chegada e de
partida para a missão. No final desse segundo relato define o objetivo que levou o
autor a escrever o texto: “para que acreditem que Jesus é o Filho de Deus e para que
acreditando tenham vida nele”. Ainda nesse segundo relato repete o encontro com
Jesus oito dias depois, no primeiro dia da semana, reforçando a prática cristã de se
reunir na eucaristia no Dia do senhor. No segundo encontro comunitário acontece o
diálogo de Jesus com Tomé, quem tinha dificuldades para acreditar. No terceiro
relato, situado na Galileia, fala da pescaria, revelando o mistério da missão da
Igreja, na qual Jesus ressuscitado se faz presente para tudo dar certo. Ainda volta, no
final do relato, ao encontro pessoal e à responsabilidade pessoal e especial de Pedro
e de cada discípulo. A fé e a missão são, ao mesmo tempo, pessoais e comunitárias.
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7.3. Os relatos da ressurreição.
Prevalecem nos textos sobre a ressurreição de Cristo dois tipos de relatos: as aparições
aos discípulos e o túmulo vazio. Não devemos, porém, fixar muito a atenção na
envoltura que esconde o miolo da mensagem. O túmulo e as aparições são envolturas
que revelam um acontecimento maior e mais profundo, a experiência de encontrar Jesus
ressuscitado no âmbito da fé. É essa, precisamente, a experiência que nos transmitem as
testemunhas oculares, para que nós também, acreditando, tenhamos vida nele.
O túmulo vazio. Quando as mulheres procuram o corpo de Jesus não o encontram. Isso
não leva diretamente a acreditar, logicamente, mas trata-se de um detalhe que favorece a
fé no ressuscitado. Maria Madalena, que é citada em primeiro lugar nos quatro
evangelhos procurando o corpo de Jesus, diz o texto de João que ficou chorando perto
do túmulo, pensando que alguém tivesse levado o corpo para outro lugar. No mesmo
evangelho o autor diz que Pedro e o “discípulo amado” correram juntos ao sepulcro,
Quando esse discípulo entrou viu e acreditou. É claro que o sepulcro vazio, por si
mesmo, não prova a ressurreição. Mas também não podemos negar que, tratando-se o
cristianismo de um movimento importante e perigoso para os interesses dos donos do
templo e dos romanos, pois foi precisamente por isso que fora crucificado Jesus, os
adversários também não encontraram o corpo dele nem tiveram argumentos para
contrapor aquela nova fé, tão perigosa ou maior quanto a pregada pelo Nazareno. Sem
dúvida que teriam gostado de arrumar argumentos para desacreditar o novo movimento,
mas não acharam. Não se pode esquecer que os adversários de Jesus tinham todo o
poder, naquele momento, para procurar as provas que desmontassem a fé no profeta
nazareno. Nesse sentido a frase mais significativa seja a recolhida por Lucas: “Não
procurem entre os mortos aquele que vive, não está aqui, ressuscitou!”. Convida os
discípulos a não se concentrarem muito na questão física do túmulo vazio, mas no que
isso evoca no coração cristão: acreditamos na vida, não na morte e Jesus está junto aos
vivos e não no meio dos mortos. Parece que os relatos do túmulo vazio são posteriores,
literariamente, aos relatos que falam das aparições do Senhor aos discípulos.
As aparições. Segundo os relatos Jesus vai ao encontro dos discípulos, a Ele
corresponde a iniciativa. A experiência que produz esse encontro é profundamente
marcante. Transforma totalmente o coração. O medo muda em alegria, a raiva e a
decepção tornam-se paz, a fuga da missão para voltar para casa converte-se em desejo
de continuar participando e lutando pelo Reino, o pensamento de abandonar o grupo
desaparece e surge o empenho de fazer parte da comunidade com um impulso maior.
No primeiro momento o discípulo não reconhece a Jesus. Acontece com Maria
Madalena, com os discípulos de Emaus, com os apóstolos reunidos na refeição ou na
pescaria. A aparição não apaga as dúvidas. Por que Jesus ressuscitado não é
reconhecido de imediato? Os discípulos percebem nessas experiências de encontro com
o Ressuscitado que Ele é o mesmo Jesus da Nazaré, pois traz as marcas da paixão no
seu corpo, come o pão e o peixe como antes, mas trata-se de uma presença diferente.
Não mais sujeito às vicissitudes do espaço e do tempo, não existem barreiras físicas ou
temporais que o impeçam de se fazer presente onde quer e como quer. Trata-se,
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portanto, de um corpo espiritualizado, glorioso, como diz Paulo. Esses encontros não
acontecem para comprovar que Ele esteja vivo. Não precisa disso. O significado desses
encontros é pedagógico, expressam a riqueza da vida da fé, do ser cristão. Os relatos
respondem, de alguma forma, à pergunta do cristão que quer saber como e onde pode-se
encontrar com o Cristo ressuscitado. Nesses relatos de encontros com Jesus obteremos
a resposta. É no testemunho de vida cristã que Ele se faz presente, é na vida comunitária
quando se celebra a fé, é no desenvolvimento da missão evangelizadora, é no
compromisso em favor dos pobres, quando se pratica o bem para que o próximo tenha
vida em abundância, na vida de oração cristã quando se procura a fidelidade no
seguimento de Jesus, sempre que se doa a vida em favor dos irmãos. O texto de Lucas,
pedagogicamente, encerra as aparições oficiais com a ascensão de Jesus á direita do Pai.
Só existe uma exceção: Saulo de Tarso, que se converteu em Paulo (Atos 9). Para os
primeiros cristãos é fundamental a experiência das testemunhas oculares que
conviveram com Jesus, pois elas são referência de fé para todos.
7.4. Jesus Cristo é o Senhor.
O querigma representa o núcleo do anúncio cristão. Os primeiros cristãos proclamam ao
mundo que Jesus de Nazaré, o Jesus histórico, é o Cristo da fé, o Senhor ressuscitado.
Os discípulos anunciam essa Boa Nova não a partir de teorias filosóficas ou ideológicas,
mas a partir de uma experiência profunda de vida marcada pelo encontro vivo com
Jesus ressuscitado. Experiência pessoal e comunitária, na intimidade do coração de cada
um e no encontro do grupo de fé quando celebra a presença do Senhor na história
humana, quando estuda os mistérios do Reino, quando projeta e trabalha na
evangelização. Jesus está presente. Trazendo alegria, paz, luz, força, ânimo e coragem
para caminhar no empenho do projeto do Pai.
A ressurreição é a resposta de Deus aos atropelos humanos. O Pai do céu não podia
deixar que o seu Filho querido ficasse sumido na morte como um perdedor. Na
ressurreição de Cristo Deus revela que o Reino da Vida vai em frente, não para, que não
existe maldade humana que possa destruir o amor imenso que brota do seu coração
generoso. O Senhor faz suscitar vida da morte, amor do ódio, alegria da dor, esperança
do fracasso. Ele manifesta a sua vitória por meio da ressurreição. A primeira descoberta
da fé dos discípulos e esta: Deus ressuscitou Jesus de entre os mortos. Aos poucos a fé
vai amadurecendo e também as expressões; os discípulos proclamam depois que o
próprio Jesus ressuscitou de entre os mortos.
Esse encontro com o Senhor Jesus é um dom, uma graça, pois Ele vai ao encontro de
quem quer, quando e como quer. Ele é o Senhor, soberano, rei dos reis e senhor dos
senhores. Experiência inesquecível, incomparável, marcante, fundante, decisiva e vital.
Quem experimenta a presença amorosa de Jesus na sua vida não esquece jamais, tornase como uma fonte de água viva que jorra para a vida eterna. Não tem como esconder
ou querer guardar para si, é próprio da experiência de fé comunicar, anunciar, contagiar
e divulgar. Quem descobre Jesus no coração sabe que é o tesouro escondido, a pérola
80
preciosa, o amor maior, a amizade mais fiel, a única mensagem que traz vida. Como
fala Paulo: “Por causa de Cristo, porém, tudo o que eu considerava como lucro, agora
considero-o como perda. E mais ainda: considero tudo uma perda, diante do bem
superior que é o conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo. Por causa d'Ele perdi tudo,
e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo, e estar com Ele. E isso, não
mediante uma justiça minha, vinda da Lei, mas com a justiça que vem através da fé em
Cristo, aquela justiça que vem de Deus e se apóia sobre a fé. Quero, assim, conhecer a
Cristo, o poder da sua ressurreição e a comunhão nos seus sofrimentos, para me tornar
semelhante a Ele na sua morte, a fim de alcançar, se possível, a ressurreição dos
mortos. Não que eu já tenha conquistado o prêmio ou que já tenha chegado à
perfeição; apenas continuo a correr para o conquistar, porque eu também fui
conquistado por Jesus Cristo. Irmãos, não acho já ter alcançado o prêmio, mas uma
coisa faço: esqueço-me do que fica para trás e avanço para o que está adiante. Lançome em direção à meta, em vista do prêmio do alto, que Deus nos chama a receber em
Jesus Cristo” (Filipenses 3, 7-14).
Pela ressurreição de Jesus Deus Pai dá a razão a todos os injustiçados da história
humana, coloca-se do lado dos pobres, humilhados, marginalizados, excluídos,
sofredores, caluniados, martirizados e pequenos. A mulher, a criança, o menor
abandonado, os anciãos, os doentes, os migrantes, os sem terra, sem casa,
desempregados, analfabetos, portadores de necessidades especiais, estrangeiros,
encarcerados, dependentes químicos, vítimas do ódio, do racismo, da intolerância, da
discriminação e outros muitos mais encontram em Jesus um motivo para lutar e
acreditar que as coisas podem mudar, precisam mudar, vale a pena lutar para que
mudem, pois a história ficou aberta de vez a partir da morte e ressurreição de Jesus de
Nazaré, o Cristo que acompanha, alimenta, ilumina e inspira toda luta dentro da história
para que seja transformada à semelhança do projeto do Reino de Deus que Ele,
heroicamente, procurou com paixão entregando a vida inteira em favor do próximo. Ele
ressuscitou e vive para sempre! Nele podemos sonhar de novo e abraçar todas as causas
legitimamente humanas que realizam a justiça e a paz no mundo.
Jesus Cristo ressuscitado é a esperança da nossa própria ressurreição. Paulo lembra essa
verdade da nossa fé partindo do querigma: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo
que eu mesmo recebi, isto: Cristo morreu pelos nossos pecados, conforme as
Escrituras; foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; apareceu
a Pedro e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma
só vez; a maioria deles ainda vive e alguns já morreram. Depois apareceu a Tiago e, a
seguir, a todos os Apóstolos. Em último lugar apareceu-me também a mim, que sou um
aborto” (1Coríntios 15, 3-8). Com ele nós também renascemos para uma vida nova e
ressuscitaremos para a Vida Eterna. Nosso corpo mortal vai se desfazendo como uma
tenda que vai se desmontando e quando chegarmos ao fim ganharemos em troca um
corpo imperecível, à semelhança do corpo glorioso do Senhor, corpo espiritualizado
para viver com Ele para sempre. “Portanto, quando este ser corruptível for revestido de
incorruptibilidade e este ser mortal for revestido de imortalidade, então se cumprirá a
81
palavra da Escritura: «A morte foi engolida pela vitória. Morte, onde está a tua
vitória? Morte, onde está o teu aguilhão?» O aguilhão da morte é o pecado, e a força
do pecado é a lei. Graças sejam dadas a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso
Senhor Jesus Cristo. Assim, queridos irmãos, sede firmes, inabaláveis, fazei
continuamente progressos na obra do Senhor, sabendo que a vossa fadiga não é inútil
no Senhor”. (1Coríntios 15, 54-58).
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Após a morte de Jesus os discípulos estavam todos com medo, angustiados,
profundamente entristecidos e com o sentimento de fracasso. As esperanças depositadas
em Jesus de Nazaré, o Profeta de Deus, foram todas abaladas. A desilusão e o desânimo
tomaram conta das vidas daquelas pessoas simples. Preparavam-se para voltar para a
Galileia, de onde tinham partido para a páscoa judaica em Jerusalém. Cada um voltaria
para os seus afazeres quotidianos. Um fato inesperado irrompeu na vida deles: o
anúncio da parte das mulheres de que Deus ressuscitou Jesus. Não acreditaram nelas.
Não queriam acreditar. Nem tinham motivos nem perspectivas para isso. Jesus
ressuscitado vem ao encontro deles e então vão aceitando a realidade nova da fé: Ele
vive, ressuscitou, não está mais entre os mortos. Que significou para aqueles homens e
mulheres o fato da ressurreição de Jesus? Em que mudou a vida daqueles primeiros
discípulos? E o que significa a ressurreição de Cristo para a tua vida cristã? Mudaria a
tua vida se Jesus não tivesse ressuscitado? Como assim?
- A vida cristã se caracteriza pela procura e o encontro constante na história humana do
Cristo vivo. Como os cristãos podem realizar esse encontro de fé tanto no âmbito
pessoal como comunitário? Esse encontro com Jesus Cristo na vida cristã suscita novos
pensamentos, atitudes e ações perante a realidade. Em que consistem esses
pensamentos, atitudes e ações?
- Não tem como o cristão se encontrar com o Cristo vivo da fé e não anunciar essa
experiência aos homens. A fé se contagia e irradia de coração a coração. Pode ser de
muitas formas e, sempre, a partir do testemunho de vida evangélica. O que eu estou
fazendo para anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo para o mundo?
82
8. JESUS CRISTO HOJE.
8.1.Ser cristão é aceitar Jesus Cristo.
O centro da vida do cristão é Jesus Cristo. Por meio de uma relação pessoal toda ela
especial e intransferível. O evangelho começa com esse convite: conversão a Jesus
Cristo. O que isso significa? Voltar o nosso pensamento para o projeto dele, orientar as
atitudes na direção que Ele viveu e ensinou, atuar em cada momento do jeito que Ele
agiria se estivesse presente. Como diz Paulo na Carta aos Gálatas: “Não sou eu quem
vive, pois é Cristo que vive em mim” (2,20). Ser cristão é situar a Palavra dele no centro
da vida da gente. Viver no dia a dia uma relação de amizade total com Jesus, um amor
carregado de paixão pela pessoa e mensagem dele. A cada dia procurar por Ele do jeito
que os discípulos o procuraram naquela manhã do primeiro dia da semana. Não pode
passar um dia na vida de um cristão sem que exista um diálogo, mesmo que breve, que
brote do fundo do coração. A pergunta constante: o que queres, Senhor, que eu faça por
ti hoje? Saber que Cristo está presente em todos os momentos da vida e alimentar essa
presença, dialogar, conversar a vida e a história humana com Ele. Jesus te toma pela
mão a cada instante e te conduz por caminhos de bem. Ele fala ao teu coração palavras
de ternura e de bondade. “Não temas, eu estou ao teu lado; confia em mim, eu sou o teu
Bom Pastor que te quer bem e jamais te abandonarei; tenha coragem, pois eu venci o
mundo e todo o mal”.
No coração da evangelização situa-se o anúncio explícito de que em Jesus Deus Pai nos
acolhe e nos ama. Como nós iríamos compreender o amor divino sendo nossa
capacidade tão limitada? Deus enviou o seu próprio Filho ao mundo, feito homem e
nascido de mulher como todos os homens, para que melhor possamos entender o
mistério do seu amor. (João 3, 16-17; Romanos 1,3-4; Gálatas 4,4-7).
Se Deus nos dá de presente o seu próprio Filho, como prova máxima de amor, a nossa
resposta é de profunda gratidão e de acolhimento amoroso desse presente. Ser cristão é
aceitar Jesus Cristo, presente que o Pai entrega em nossas mãos, mudar radicalmente o
nosso pensamento, atitudes e ações para que estejam em sintonia com a vida e a
mensagem do Senhor. Ser cristão não é tanto uma teoria, uma doutrina, um pensamento.
Ser cristão é viver em amizade profunda com Jesus por meio de uma relação pessoal de
amor, situando Ele no coração da nossa existência.
O batismo expressa muito bem essa nova realidade de viver em comunhão com Cristo,
seguindo os seus passos e obedecendo a sua palavra. (Romanos 6, 2b-11). É importante
resgatar o valor e significado do batismo, pois os primeiros cristãos eram marcados
como com um selo para sempre. Eles tinham a imagem muito viva do que era a cruz e
compreendiam muito bem o quanto Deus nos amou que chegou ao extremo de entregar
o próprio Filho para nos resgatar. O batismo é um sinal de gratidão sincera e humana ao
Senhor e o primeiro passo de uma caminhada pautada pelo Evangelho. Por uma parte
(imersão nas águas) simboliza a morte ao pecado, a conversão ao evangelho, a
identificação com a cruz de Jesus. Por outra parte (emergindo das águas) simboliza um
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novo nascimento com Cristo para viver em comunhão com Ele, do jeito que Ele viveu,
pensou, sorriu, sonhou, falou, amou. Morrer para a vida velha marcada pelo egoísmo e a
procura de realizar a vida seguindo, exclusivamente, interesses individualistas. Renascer
a uma vida nova, situando a pessoa e a mensagem no centro da vida da gente,
construindo, na graça do Espírito Santo, relações novas com as pessoas impregnadas
pelo amor fraterno, em comunhão com a vida de Jesus.
8.2. Viver um estilo novo na história. (Romanos 8; 12).
Logicamente que nós jamais iremos viver, aqui nesta terra, totalmente a mensagem do
Evangelho. Mais do que uma lei ou norma é um caminho de vida que vamos
percorrendo com amor, iluminados pelo Espírito Santo, quem nos leva, em comunhão
com Jesus até o Pai. Como seres humanos estamos em construção permanente,
imperfeitos e buscando a plenitude. Reconhecemos nossas limitações e dificuldades. O
Senhor nos compreende e perdoa, nos acolhe e anima, Ele aceita o nosso jeito. Pede de
nós sinceridade, desejo de crescer no amor, atitude de entrega e doação pelo Reino. O
resto é com Ele mesmo. “Sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou humano e fraco,
vendido como escravo ao pecado. Não consigo entender nem mesmo o que faço; pois
não faço aquilo que quero, mas aquilo que mais detesto... Não faço o bem que quero,
mas o mal que não quero... Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte?
Sejam dadas graças a Deus, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim, pela razão
sirvo a lei de Deus, mas pelos instintos egoístas sirvo a lei do pecado”. (Romanos 6,
14-15.19.24-25). Em que consiste esse novo estilo de vida? É o Evangelho de Jesus.
Paulo, nas cartas, oferece belos resumos do que isso significa na vida prática.
No mundo moderno não podemos esquecer algumas chaves essenciais para viver hoje o
evangelho. Cultivar a mística e a vida de oração pessoal e comunitária. A sociedade
atual não deixa espaço para trabalhar a dimensão da transcendência. Para a vida da fé a
oração é necessária como para os nossos pulmões o ar que respiramos. Não uma oração
qualquer, mas no estilo de Jesus, oração de escuta da Palavra, humilde, confiante,
perseverante e solidária com os pobres. Oração que não enfatize o eu, porém o nós e os
outros. A formação bíblica, principalmente evangélica, é essencial para uma formação
adulta na fé. Somos o povo da Palavra, nela encontramos ao Senhor ressuscitado que
nos fala palavras de amor para iluminar nossa história, corrigir as falhas, alegrar a alma,
animar o coração no empenho da missão. A vida comunitária faz parte dos fundamentos
essenciais, principalmente a participação na Eucaristia, pois nela encontramos Jesus
presente no memorial da sua páscoa. E, principalmente, a prática do amor fraterno. De
forma comprometida e inteligente, em mutirão e buscando a eficácia evangélica.
Sobre o valor da Bíblia na caminhada cristã: “Desde a infância que conheces as
Sagradas Escrituras; elas têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à
salvação pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus e é útil para
ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de
Deus seja perfeito, preparado para toda a boa obra” (2 Timóteo 3, 13-17).
84
8.3. Assumir o compromisso do Reino.
A vida cristã é a vida no Espírito, o Advogado Consolador enviado por Jesus para nos
acompanhar a fim de que não fiquemos órfãos. Ele vem em nosso auxílio, pois nem
sabemos orar como convém. O Espírito Santo nos coloca em comunhão com Jesus
Cristo e inspira vida à nossa fé. Aqueles discípulos que na hora da cruz fugiram, em
pentecostes proclamam nas ruas a mesma mensagem de Jesus. O povo fica admirado
pela coragem deles, eis um fato inaudito. O líder deles morrera poucas semanas atrás na
cruz e agora eles querem acabar do mesmo jeito? Quanta loucura! Sim, a loucura da
cruz, a imensa loucura do amor infinito de Deus pelos homens. “Todos os que são
guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Vós não recebestes um Espírito de
escravos para recair no medo, mas recebestes um Espírito de filhos adotivos, por meio
do qual clamamos: Abbá! Pai! O próprio Espírito assegura ao nosso espírito que
somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus,
herdeiros com Cristo, uma vez que, tendo participado nos seus sofrimentos, também
participaremos da sua glória”. (Romanos 8, 14-17).
Para conhecer melhor a Jesus Cristo precisamos partir do Jesus histórico, com a ajuda
da ciência atual, especialmente o método histórico crítico, o estudo das fontes literárias,
a arqueologia e ciências afins. A tentação de se inventar um Cristo imaginário, feito à
medida das necessidades religiosas de cada momento ou de cada grupo social é muito
grande. Quando afirmamos que Jesus morreu na cruz para perdoar os nossos pecados
estamos aceitando o amor de Deus que nos salva. Jamais poderíamos esquecer, porém,
que esse amor não está, em absoluto desligado, da proposta que Jesus, historicamente,
viveu. Ele viveu e morreu por causa do Reino e esse compromisso dele é também o
nosso, se é que de verdade queremos ser seguidores dos seus passos. Esquecendo isso se
cai na alienação religiosa.
O compromisso pelo Reino levou Jesus a se entregar em favor dos pobres e excluídos,
dos pecadores e marginalizados do seu tempo. Ele não se acomodou aos valores do
tempo que viveu. Foi crítico, criou alternativas para avançar nos valores do Reino,
arriscou a própria vida até perdê-la. Humanamente se deu mal por defender os
oprimidos. Hoje cabe a nós, animados pelo mesmo Espírito que o motivou, seguir a
mesma missão nos tempos atuais. Quando os cristãos esquecem-se do Reino
acomodam-se aos valores deste mundo e deixam de ser sal da terra e luz do mundo.
Esse compromisso leva o cristão a assumir riscos e sofrimentos. Tudo isso é necessário.
Nada, porém, pode-se comparar com a alegria de saber que o projeto divino progride e
que nós, sem merecer, somos envolvidos nesse mistério maravilhoso do amor divino.
(Romanos 8, 18-28). Mergulhamos pelo Espírito no ambiente divino. Depois de Jesus,
o homem espiritual se define a partir do compromisso com o Reino, pois esse
compromisso é a comprovação de que o Espírito do Senhor repousa sobre essa pessoa,
assim como repousou em Jesus. O Espírito do Senhor é derramado abundantemente em
nossos corações para que possamos amar a Deus e ao próximo como Cristo amou. Essa
é a essência do cristianismo e da vida espiritual pautada pelo Evangelho.
85
8.4. Participar na Comunidade de Jesus.
Quando nasceram as primeiras comunidades cristãs, muitas das quais nas periferias das
grandes cidades do império romano, na bacia do Mar Mediterrâneo, representavam uma
verdadeira alternativa de vida por causa do acolhimento mútuo, do amor fraterno, da
ajuda solidária, da partilha de vida, de alimentar juntos a esperança de um mundo novo
que já se iniciava aqui na terra; tudo isso motivados pela fé em Jesus. Imaginamos o que
significava para um escravo, tratado pior do que um objeto naquela sociedade
escravagista, fazer parte de uma comunidade cristã que o acolhia como pessoa humana,
respeitando os seus direitos e oferecendo a oportunidade de ser cidadão do Reino,
quando a cidadania política era-lhe negada.
“A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava
propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre
eles.Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor
Jesus. E todos eles gozavam de grande aceitação. Entre eles ninguém passava
necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o
dinheiro e colocavam-no aos pés dos Apóstolos; depois, era distribuído a cada um
conforme a sua necessidade. Foi assim que procedeu José, um levita nascido em
Chipre, apelidado pelos Apóstolos com o nome de Barnabé, que significa «filho da
exortação». Ele vendeu o campo que possuía, trouxe o dinheiro e colocou-o aos pés dos
Apóstolos”. (Atos 4, 32-37).
A Carta de Paulo a Filemon expressa bem como, na prática diária, as comunidades
constroem alternativas de convivência humana fraterna dentro do império romano. Os
historiadores da época reconhecem que os escravos eram crucificados por motivos
fúteis, para amedrontar o resto e desse jeito ficassem submissos. Muitos escravos que
fugiam encontravam acolhida e refúgio entre os cristãos que moravam nas periferias das
grandes cidades do império, arriscando a própria vida nesse gesto solidário.
No texto dos Atos encontramos alguns sumários (modelos, resumos) da vida
comunitária da Igreja Primitiva, que é o paradigma para as comunidades cristãs de todos
os tempos e lugares. A vida comunitária é fruto da irrupção do Espírito Santo no
coração dos fiéis, junto com o anúncio missionário de querigma. Situa-se no âmbito do
testemunho cristão, tão importante quanto a própria mensagem ou doutrina.
Hoje a Igreja também precisa se articular a partir de pequenas comunidades onde a
dimensão humana de diálogo, partilha e acolhimento seja praticada, pois o ser humano,
ontem e hoje, é sensível aos detalhes que revelam amizade, compreensão, preocupação
e cuidado mútuo (1Pedro 2,9-10). Essas palavras da Carta de Pedro exprimem muito
bem os sentimentos que fluíam nas pequenas comunidades cristãs formadas de homens
e mulheres de nações diversas, misturados propositalmente para diluir a identidade
cultural, criando um novo povo de Deus, escolhido para anunciar e construir a obra do
Reino. Podemos imaginar como aqueles cristãos sem lar e sem cidadania escutavam
essas palavras de consolação e de reconhecimento.
86
A partir dessa vivência fraterna a oração e a eucaristia oferecem outro sabor de ternura,
cumplicidade, amor e vontade de viver. No meio a um ambiente social hostil, arbitrário,
de opressão, aqueles cristãos encontravam na comunidade cristã um acolhimento e
motivações para lutar pela família, pelos pobres, albergar os escravos fugitivos (como
foi o caso de Onésimo, que fora escravo de Filemon) e testemunhar ao mundo que é
possível viver de outra forma mais humana.
Eis um dos mais belos desafios cristãos para o nosso tempo, a fim de que a fé em Jesus
Cristo seja vivenciada e proclamada e, assim como tem sido motivo de alegria e vida
nova para nós, possa ser para as futuras gerações, pois Deus ama com paixão as crianças
e jovens do nosso tempo e quer derramar neles a mesma bênção que nós recebemos.
Cabe a nós sermos intermediários, ponte, para que tenham acesso a Jesus, o melhor que
a humanidade já produziu e a maior graça que Deus envia do céu para os homens.
“Que o Deus da esperança encha vocês de completa alegria e paz na fé, para que vocês
transbordem de esperança, pela força do Espírito Santo”. (Romanos 15, 13).
ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO E A SÍNTESE.
- Muitos cristãos vivem uma fé convencional, sem ardor nem entusiasmo. Sem dúvida
que precisamos respeitar e valorizar o momento que cada um vivencia em relação ao
evangelho. Mas, se quisermos que Jesus e a mensagem dele sejam significativos para a
nossa sociedade e para as próximas gerações, necessitaremos trabalhar mais em prol de
uma fé mais consciente e fundamentada, com capacidade de dialogar com o pensamento
moderno e melhor preparada para dar testemunho do imenso valor que representa a
descoberta da presença do Senhor no meio de nós. Quais são as características que não
podem faltar na vida de um cristão de hoje para que possa dar testemunho da sua fé?
Que significa hoje assumir o compromisso pelo Reino de Deus?
- Um dos problemas que hoje enfrenta a Igreja é que existe um desequilíbrio entre uma
formação humana cada vez mais consistente, graças às oportunidades crescentes de
estudo, e a formação na fé, que fica, muitas vezes, no nível de catequese infantil. Muitas
pessoas jovens e adultas perdem a fé, pois a consideram assunto de crianças. Será que a
Igreja oferece oportunidades para a formação de uma fé adulta e permanente? Existem
comunidades cristãs que oferecem aconchego, diálogo, acolhimento e amor fraterno?
Isso é importante?
87
9. METODOLOGIA.
9.1.Tempo do Curso.
- Aulas: nove encontros de duas horas (120 minutos) cada encontro. Quer dizer,
18 horas de aula.
Dia: quarta-feira, das 19h30min às 21h30min.
Datas.
Agosto de 2011: dias 3, 10, 17, 24 e 31.
Setembro de 2011: dias 6 (terça-feira), 14, 21 e 28.
- Estudo pessoal (ou grupal). Mínimo de duas horas por cada aula, quer dizer, 18
horas.
- Síntese pessoal (ou grupal). Poderá se apresentar até o dia 15 de novembro de
2011.
- Atendimento pessoal ou grupal.
A combinar previamente entre as pessoas que o desejarem e o professor.
Trata-se de uma oportunidade se houver alguém que queira aproveitar,
como complemento do curso, para esclarecer dúvidas, aprofundar nos
temas e orientar a elaboração da síntese.
Dia: sábado, das 14 h às 16 h.
Datas:
Agosto de 2011: dias 6, 13, 20 e 27.
Setembro de 2011: dias 3, 10, 27 e 24.
Agosto
D. Seg
.
7
14
21
28
1
8
15
22
29
Ter
.
Quar
.
Quin
.
Sex
.
Sab.
2
9
16
23
30
3
10
17
24
31
4
11
18
25
5
12
19
26
6
13
20
27
aulas
Setembro
D.
Seg
.
4
11
18
25
5
12
19
26
Ter
.
Quar
.
6
7
13
20
27
14
21
28
aulas
At.
Quin
.
Sex
.
Sab.
1
8
15
22
29
2
9
16
23
30
3
10
17
24
At.
9.2. Objetivos.
- Geral:
Assumir o compromisso cristão com maior empenho, por meio de um
melhor conhecimento da pessoa e mensagem de Jesus Cristo.
- Específicos:
+ Construir uma espiritualidade mais evangélica, articulando melhor
nosso projeto de vida com o projeto de Jesus Cristo, que é o Reino de
Deus.
88
+ Testemunhar o Evangelho de Jesus com maior transparência,
adaptando melhor o anúncio da Boa Nova ao mundo moderno e urbano.
+ Oferecer aos agentes de pastoral uma visão mais histórica de Jesus
Cristo, possibilitando um diálogo melhor entre fé e cultura.
+ Estar mais bem preparados para dar razão da nossa esperança àquele
que nos pede uma explicação (1 Pedro 3, 15).
9.3.Material.
- Bíblia pessoal. De preferência a edição pastoral ou de estudo (Jerusalém,
Ecumênica ou semelhante). Leitura dos textos bíblicos indicados na apostila,
antes de cada aula.
- Apostila pessoal. Leitura do tema de cada dia, antes de cada aula. No final de
cada tema oferecem-se orientações para aprofundamento pessoal e para a
elaboração da síntese, integrando o conteúdo dos textos escolhidos e da apostila.
- Textos escolhidos (serão entregues previamente fotocopiados). Leitura prévia
à aula. O objetivo desses textos é para aprofundar na reflexão pessoal e ajudar a
elaborar a síntese final. As orientações que se oferecem no final de cada tema da
apostila ajudam a integrar de forma personalizada os conteúdos dos temas e dos
textos escolhidos a serviço de uma vida cristã mais consciente e comprometida com
a evangelização. A síntese final orienta-se para o mesmo objetivo.
Tema 1. José A.Pagola. “Jesus, aproximação histórica”. Edit. Vozes, 3ª
Ed. Pág. 587 a 603.
Tema 2. Jon Sobrino. “Jesus, o Libertador”. Editora Vozes, 2ª Ed. Pág.
105 a 116.
Tema 3. José A.Pagola. “Jesus, aproximação histórica”. Edit. Vozes, 3ª
Ed. Pág. 159 a 175.
Tema 4. Jon Sobrino. “Jesus, o Libertador”. Editora Vozes, 2ª Ed. Pág.
123 a 135.
Tema 5. J. Jeremias. “A mensagem central do NT”. Ed. Paulinas. Pág.
11 a 35.
Tema 7. J. W. Drane. “Jesus. Sua vida, seu evangelho... hoje”. Ed.
Paulinas, Pág. 87 a 99.
Tema 8. José A.Pagola. “Jesus, aproximação histórica”. Edit. Vozes, 3ª
Ed. Pág. 565 a 573.
- Pesquisa pessoal ou grupal. De acordo com as possibilidades e interesse de
cada um.
+ Bibliografia.
+ Internet. Sites, textos, imagens, vídeos, mensagens, vídeo clipes,
youtube e outros.
+ Vídeos, filmes.
+ Arte: pintura, escultura, música-canto, cinema, arquitetura, teatro e
literatura.
89
9.4. Dinâmica nas aulas.
Trabalharemos por MOMENTOS que terão dinâmicas específicas por cada
momento.
- Momento de orar. O estudo parte da vida cristã dos participantes. O estudo é
aberto a todos e se respeita a sensibilidade espiritual de cada um. A orientação
do curso é, porém, pastoral e é por isso mesmo que o ambiente de oração
envolve e acompanha a dinâmica do estudo.
- Momento de apresentar o tema. Apresentação oral com apoio dos textos.
Momento sumamente importante para concentrar o estudo de cada um a partir de
uma linha comum de trabalho. Cada um traz uma experiência de fé, uma
sensibilidade específica. Falta, em geral, uma visão da fé melhor documentada e
consolidada com as ferramentas das ciências modernas. O perigo de entender a
fé só a partir de um enfoque pietista e irracional dificulta imensamente o diálogo
da fé e da cultura moderna, correndo o risco de cair no fanatismo doutrinário. A
Igreja nos impele a utilizar os métodos da crítica histórica e literária, para
melhor conhecer os fundamentos da nossa fé. O momento de apresentar o tema
por parte do professor requere uma atitude de confiança e abertura dos
participantes em relação ao curso, com atitude de despojamento dos conceitos
que cada um carrega para aprender melhor e aprofundar mais no conhecimento
de Jesus Cristo e da sua mensagem.
- Momento de aprofundar no tema por meios audiovisuais. Contamos hoje
com ferramentas maravilhosas que as novas tecnologias colocam à nossa
disposição e que nos ajudam a compreender melhor e de forma mais amena os
conteúdos da nossa fé. As técnicas audiovisuais se complementam com os textos
literários e vice-versa. O audiovisual trabalha mais a inteligência intuitiva e
emocional. O texto oferece profundidade, reflexão e interiorização.
- Momento de procurar nas fontes (Bíblia, apostila, textos escolhidos). Vai
depender da vontade e disponibilidade de cada participante. O curso vai procurar
atender a níveis diferentes. Todos poderão aproveitar de um nível básico,
trabalhado com seriedade e espírito bem prático. Haverá oportunidade para
quem quiser aprofundar ou pesquisar mais. Nesse sentido se oferecem os textos
escolhidos, de autores cristãos que produziram obras importantes para a
Cristologia, com fundamentos científicos.
- Momento de relacionar com a vida. Conferir os resultados do estudo. Avaliar
as conclusões do aprofundamento. Tomar consciência do significado do estudo
com a práxis da vida pessoal e da atividade pastoral do agente de evangelização.
Fazer a ligação do estudo com a prática da vida cristã. O curso de teologia para
leigo/as é uma ferramenta útil para consolidar a vida cristã do participante e
ajudar o evangelizador para que possa realizar melhor sua missão. A Igreja
precisa hoje de agentes de pastoral que não somente sabem fazer pastoral, mas
que sabem pensar e planejar a pastoral.
90
9.5. Elaborar uma SÍNTESE pessoal (ou grupal) do curso.
- Detalhes técnicos. Utilizar folhas de tamanho A4. Margens: 2,5 cm. Superior,
inferior, esquerda e direita. Tamanho da fonte: 12 (Arial ou semelhante).
- Objetivo da síntese: Relacionar o conhecimento sobre a vida e mensagem de
Jesus Cristo com a minha (nossa) vida e compromisso cristãos.
- Esquema da SÍNTESE
Que significa Jesus Cristo na minha (nossa) vida.
Expressar os aspectos da vida de Jesus que mais me chamam a atenção,
lembrando os elementos do curso que considero mais úteis para a minha vida de
fé e para o meu compromisso cristão. Na síntese precisam-se ligar os dois
aspectos: o que nos diz a ciência (Cristologia) e o que representa hoje a figura de
Jesus Cristo para cada um de nós.
1. Quem é Jesus. (De 20 a 40 linhas).
O que te chama mais a atenção da vida dele?
2. Como era a Palestina no tempo de Jesus. (De 30 a 50 linhas).
Quais eram os problemas e esperanças da época de Jesus? E os
de hoje?
3. O início da missão de Jesus. (De 30 a 50 linhas).
Existem ainda hoje utopias? Quais? Que significa hoje “vida em
abundância”?
4. A mensagem do Evangelho. (De 30 a 50 linhas).
A palavra de Jesus me motiva a lutar por um mundo novo?
Como?
5. A prática de Jesus. (De 30 a 50 linhas).
Quais são os sinais atuais da presença do amor de Deus no
mundo?
6. A fé de Jesus. (De 30 a 50 linhas).
Estou aprendendo a orar como Cristo? A oração me anima a ser
solidário?
7. A comunidade de Jesus e a Ceia do Senhor. (De 30 a 50 linhas).
Como é a minha participação na comunidade cristã e na
eucaristia?
8. Por que Jesus morreu na cruz? (De 30 a 50 linhas).
(Significados histórico, teológico e espiritual).
Eu entrego a minha vida por quem e por quê?(Jesus morreu por
causa do Reino).
9. A ressurreição de Jesus. (De 30 a 50 linhas).
O que significa na minha vida a ressurreição do Senhor?
10. Que siginifca hoje ser seguidor de Jesus Cristo? (De 20 a 40 linhas).
- Auxílios: A apostila contém perguntas que se orientam à elaboração da síntese.
As leituras dos textos escolhidos com as perguntas também estão preparadas
para contribuir com a tua síntese. A possibilidade de atendimento aos sábados
91
tem, entre outras, essa finalidade. Os textos bíblicos apresentados na apostila,
principalmente do Novo Testamento, podem ser a base da síntese. Em todo caso,
não pode faltar a citação das passagens da Escritura que fundamentam a tua
reflexão.
9.6.Acompanhamento. Pessoal ou grupal. Combinando previamente.
Como já indicado oferece-se a oportunidade de acompanhamento pessoal ou
grupal nas datas referidas. Se alguém não puder nessas datas pode combinar
outras. Lembre-se de que é importante combinar previamente com o professor
ou por meio da Secretaria Paroquial.
Na realidade, o tempo de aula é muito curto para poder fazer um trabalho em
profundidade. É imprescindível o trabalho pessoal e/ou grupal. Quem tiver
dúvidas ou necessidade de esclarecimentos terá assim a oportunidade de poder
dialogar com mais calma.
9.7. Avaliação.
- Impressões gerais do curso. Aspectos positivos e aspectos que poderiam
melhorar.
- Sobre o conteúdo: foi compreensível? Tem fundamento científico? Orienta
para a vida?
- O grupo colaborou com o curso? Houve ambiente de interesse e de
envolvimento?
- A tua participação foi boa? Conseguiu se concentrar no curso? Trabalhou os
textos pedidos fora da aula? Compreendeu bem as colocações e propostas? Você
pensa que o curso te ajudou a conhecer e amar mais a pessoa e a causa de Jesus
Cristo?
- O curso foi bem orientado? Os temas foram bem apresentados? O curso foi
atraente e dinâmico? As explicações foram úteis e ajudaram a compreender
melhor o conteúdo? As leituras propostas foram bem escolhidas para a
finalidade do curso?
- Os aspectos físicos: local, dias, horário, materiais e outros elementos ajudaram
a criar o ambiente de estudo mais apropriado?
- Pode avaliar também outros elementos ou aspectos do curso.
9.8. Bibliografia.
- Leonardo Boff. “Jesus Cristo libertador” (ensaio de cristologia crítica para o
nosso tempo). 18ª Edição. Petrópolis-RJ. Editora Vozes, 2003.
- Jon Sobrino. “Jesus, o libertador – A história de Jesus de Nazaré”. Tradução de
Jaime A. Clasen. 2ª Edição. Petrópolis-RJ. Editora Vozes, 1996.
- Jon Sobrino. “Cristologia a partir da América Latina”. Tradução de Orlando
Bernardi. Petrópolis-RJ. Editora Vozes, 1983.
- José Antônio Pagola. “Jesus, aproximação histórica”. Tradução de Gentil
Avelino Titton. 3ª Edição. Petrópolis-RJ. Editora Vozes, 2011.
92
- Joachim Jeremias. “Teologia do Novo Testamento, a pregação de Jesus”.
Tradução de João Rezende Costa. São Paulo. Edições Paulinas, 1977.
- Joachim Jeremias. “A mensagem central do Novo Testamento”. Tradução de
João Rezende Costa. São Paulo. Edições Paulinas, 1977.
- Bruno Forte. “Jesus de Nazaré. História de Deus, Deus na história”. Tradução
de Luiz João Gaio. São Paulo. Edições Paulinas, 1985.
- John William Drane. “Jesus. Sua vida, seu evangelho para o homem de hoje”.
Tradução de Alexandre Macintyre. 2ª Edição. São Paulo. Edições Paulinas,
1982.
- José Comblin. “Jesus de Nazaré”. São Paulo. Editora Paulus, 2010.
- André Paul. “O judaísmo tardio: história política”. São Paulo. Edições
Paulinas, 1983.
9.9. Cronologia geral da época de Jesus.
Lembremos que o calendário atual tem como referência o nascimento de Jesus.
Foi instituído na Igreja no século VI (ano 525) e depois passou a vigorar como
calendário civil universal. Naquela época o papa João I encarregou ao abade
Dionísio o Pequeno, matemático e filósofo, a elaboração do calendário cristão.
Ele errou nos cálculos sobre o nascimento de Jesus entre 4 e 6 anos, pois não
dispunha das ferramentas técnicas necessárias. Ainda assim, hoje, nós não temos
condições objetivas para definir a data do nascimento de Jesus. Em relação à
morte podemos afirmar com certeza que aconteceu em Jerusalém e que Ele
morreu na cruz. A data mais provável, quase com total certeza, de acordo com o
nosso calendário, é o dia 7 de abril do ano 30, sexta-feira. Naquele ano a festa da
páscoa judaica, em dia de lua cheia, coincidia com o sábado, como relata João;
esse sábado especialmente solene aconteceu no dia 8 de abril do ano 30.
Data
Ano 63
antes de
Cristo
Jesus
Anos 6, Nascimento
5 e 4 Jesus
Acontecimentos
O general romano Pompeio entra com suas tropas no
templo de Jerusalém, acabando assim com o reino
independente judeu e incorporando a Palestina como
uma parte da província romana da Síria.
Esse fato marcou profundamente a história dos
judeus, pois viram-se obrigados a pagar impostos a
Roma, aceitar um poder pagão estrangeiro na terra
considerada sagrada e a dar suporte ás legiões
romanas que passavam pelo território. A partir desse
momento houve constantes revoltas e rebeliões
contra os romanos até que no ano 70, a conseqüência
da guerra judaica contra Roma, Vespasiano destruiu
o templo e a cidade de Jerusalém. Esse foi o
ambiente social e político que envolveu o
nascimento, a vida e a morte de Jesus.
de Os mestres da lei Judas e Matias, junto com mais 42
jovens discípulos, são queimados vivos por Herodes
93
antes de
Cristo
Ano 4
antes de
Cristo
Ano 3 Jesus era criança
antes de de poucos anos.
Cristo
Ano 6 Jesus tinha entre
da nossa 10 a 12 anos,
era (d. aproximadamente.
C.)
Anos 6 Juventude
a9
Jesus
de
Ano 10
Ano 14
Ano 15
Ano 18
Jesus tem ao redor
de 20 anos.
o Grande, acusados de ter destruído a “águia
imperial” colocada no templo.
No final de março de 4 antes de Cristo morre
Herodes o Grande em seu palácio de Jericó. Seu
filho Arquelau translada seu corpo para a fortaleza
de Herodion a 11 de abril (Páscoa).
O povo da Galileia se rebela contra os romanos (e
contra os herodianos). Judas o Galileu, líder da
revolta, conquista Séforis (a seis kilômetros de
Nazaré), uma das principais cidades da Galileia.
Simão, um escravo, conquista Jericó com um grupo
de homens. Perto de Emaús, um pastor chamado
Astronges enfrentam as tropas que custodiavam o
transporte de cererais a Jerusalém.
O governador da Síria, Varo, conquista Séforis para
os romanos, arrasam cidades vizinhas, matam
milhares de galileus e vendem outros muitos como
escravos. Tudo isso bem perto de Nazaré, sendo
Jesus criança de poucos anos. Em Jerusalém Varo
crucifica mais de mil judeus (no caminho de
Jerusalém a Cesaréia). Mandou dar fogo aos corpos
ainda crucificados.
O imperador Augusto confirma os filhos de Herodes
o Grande (Arquelau da Judéia e Herodes Antipas da
Galileia) como governantes da região.
Arquelau é deposto pelo imperador Augusto, que o
envia para o exílio em Vienne (nas Gálias, atual
França). O motivo foi que não garantia a ordem na
Judéia, provocando uma situação de fragilidade para
o império romano na região.
Quirino é nomeado governador da Síria e a Judéia
(com Jerusalém como capital) tornam-se região
secundária, dominada pela vizinha rival.
Judas e Sadoc provocaram uma revolta armada
contra o governador para instigando o povo a não
pagar imposto a Roma.
Copônio governa a Judéia como prefeito. Ele nomeia
Anás como sumo sacerdote em Jerusalém.
Nessa época, um grupo de samaritanos profana o
templo de Jerusalém espalhando ossos de mortos na
véspera da páscoa. Os judeus proíbem a entrada de
samaritanos no templo.
Termina a reconstrução do templo de Jerusalém.
Demorou 30 anos.
A 9 de agosto morre o imperador Augusto com a
idade de 77 anos. É nomeado imperador Tibério
César, com 56 anos.
O prefeito Valério Grato destitui Anás do cargo de
sumo sacerdote de Jerusalém.
Valério nomeia como sumo sacerdote a José Caifás,
94
genro de Anás.
Ano 19 Jesus tem ao redor Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande,
de 24 anos
termina a construção da cidade de Tiberíades onde
estabelece a residência.
Ano 26
Chega a Cesaréia o novo governador romano para a
Judéia, Pôncio Pilatos. Roma encarregou ele de
manter a ordem naquela região cheia de conflitos.
Ano 27 Jesus tem ao redor João Batista realizava sua missão profética e Jesus é
de 32 anos
batizado por João no rio Jordão.
Ano 28
João Batista é encarcerado por Herodes Antipas em
Maqueronte, fortaleza do rei. Pouco depois seria
decapitado.
Jesus inicia a sua missão profética na Galileia.
Ano 30 Jesus tem ao redor No dia 7 de abril, véspera da Pãscoa, Jesus é
de 35 anos
crucificado em Jerusalém (fora da cidade).
Missão dos apóstolos, especialmente de Pedro.
Ano 34
Martírio de Estêvão
Ano 36
Conversão de Saulo de Tarso
Anos 45
Atividade missionária do apóstolo de Paulo.
Ano 49
Concílio de Jerusalém: abertura oficial da Igreja aos
pagãos.
Ano 52
Primeiro escrito do Novo Testamento: 1ª Carta aos
Tessalonicenses
Ano 64
Martírio de Pedro em Roma
Ano 67
Martírio de Paulo em Roma
Ano 70
Destruição de Jerusalém (e do templo) pelas tropas
romanas ao mando de Vespasiano e Tito.
Evangelho de Marcos
Ano 80
Evangelhos de Mateus e Lucas (e Atos dos
Apóstolos).
Ano 90
Evangelho de João e escritos joânicos.
95
MAPAS DA ÉPOCA:
96
97
PARÁBOLAS E ALEGORIAS
O semeador
O joio
A semente
O grão de mostarda
O fermento
O tesouro escondido
A pérola preciosa
A rede
O bom samaritano
A ovelha perdida
A moeda perdida
O filho perdido
O Bom Pastor
O administrador infiel
O juiz e a viúva
O fariseu e o publicano
O devedor mesquinho
Os trabalhadores da vinha
Os dois filhos
Os vinhateiros homicidas
O banquete nupcial
A figueira
A figueira estéril
O mordomo
As dez virgens
Os talentos
O julgamento final
A videira
Marcos
4, 1-9
MILAGRES E SINAIS
Bodas de Canã
Leproso
Servo do centurião
A sogra de Pedro
Endemoninhados
Paralítico na piscina de Betesda
Filho da viúva de Naim
Tempestade acalmada
Endemoninhados gadarenos
Paralítico
Hemorroísa e filha de Jairo
Cura dois cegos
Cura um mudo
Mão atrofiada
Endemoninhado cego e mudo
Mulher encurvada
Marcos
Mateus
Lucas
1, 40-45
8, 1-4
8, 5-13
8, 14-15
8, 16-17
5, 12-16
7, 1-10
4, 38-39
4, 40-41
4, 26-29
4, 30-32
Mateus
13, 4-9
13, 24-30
Lucas
8, 4-8
João
13, 31-32
13,33
13,44
13, 45-46
13, 47-50
10, 25-37
15, 4-7
15, 8-10
15, 11-32
10, 1-18
16, 1-8
18, 1-6
18, 9-14
12, 1-12
13, 28-32
18, 23-35
20, 1-16
21, 28-32
21, 33-41
22, 1-14
24, 32-36
24, 45-51
25, 1-13
25, 14-30
25, 31-46
20, 9-19
13, 6-9
21, 29-33
19, 11-27
15, 1-17
1, 29-31
1, 32-34
João
2, 1-12
4, 46-53
5, 1-18
4, 35-41
5, 1-20
2, 1-12
5, 21-43
3, 1-6
98
8, 23-27
8, 28-38
9, 1-8
9, 18-26
9, 27-31
9, 32-34
12, 9-14
12, 22-24
7, 11-17
8, 22-25
8, 26-39
5, 17-26
8, 40-56
6, 6-11
11, 14-15
13, 10-17
MILAGRES E SINAIS
Hidrópico
Multiplicação dos pães (1)
Caminha sobre as águas
Cura doentes em geral
Filha da mulher cananéia
Multiplicação dos pães (2)
Cego de Betsaida
Endemoninhado epilético
Cego(s) de Jericó
Os dez leprosos
Cego de nascença
Ressurreição de Lázaro
Cura a orelha do soldado
Marcos
Mateus
6, 31-44
6, 45-52
6, 53-56
7, 24-30
8, 1-10
8, 22-26
9, 14-29
10, 46-52
14, 13-21
14, 22-33
14, 34-36
15, 21-28
15, 32-39
17,14-21
20, 29-34
Lucas
14, 1-6
9, 10-17
João
6, 1-13
6, 16-21
9, 37-42
18, 35-43
17, 11-19
9, 1-41
11, 1-44
22, 47-51
“Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna.
Pois deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por ele”.
(João 3, 16-17).
A.M.P.I.
(Para maior glória de Deus e utilidade do próximo
São José de Calasanz)
Padre Fernando Aguinaga Huici, escolápio.
99
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