Anagrama (Análise gramatical e corpora) 17 de Março de 2010 Complementadores nulos e predicados complexos em Crioulo de Cabo Verde1 (3) a. O Pedro não conseguiu abrir a porta. b. O Pedro não conseguiu abri-la. (4) Nélia Alexandre*2, Anabela Gonçalves* & Fernanda Pratas**3 a. O Pedro mandou os meninos comerem a sopa. b. O Pedro mandou os meninos comerem-na. (*Centro de Linguística da Universidade de Lisboa & Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa **Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa) • (i) Mostrar que as propriedades que têm sido atribuídas aos predicados complexos 1. Introdução - do Português europeu (PE) e de outras línguas românicas não caracterizam o Predicado complexo: sequências de dois ou mais predicadores que funcionam como Crioulo Caboverdiano (CCV – variante de Santiago)4. uma unidade. - (ii) Propor um conjunto de propriedades que permitam identificar os predicados complexos de reestruturação do CCV. Predicados complexos que envolvem estruturas de complementação infinitiva: (i) Com verbos de Controlo: Reestruturação (Rizzi 1978, 1982) (ii) Com verbos causativos: União de Orações (Raposo 1981) ou fazer-Inf (iii) Defender que, nas construções com predicados complexos do CCV em estudo, T se projecta no domínio encaixado, podendo, no entanto, ter propriedades distintas consoante o verbo mais alto. (Kayne 1975) • Objectivos desta comunicação: A especificidade das construções em que ocorrem os referidos predicados nas diferentes línguas reside no facto de certos processos sintácticos locais operarem sobre os dois 2. Propriedades dos predicados complexos de reestruturação em PE A. Subida de Clítico: os clíticos associados ao verbo encaixado ocorrem em adjacência ao verbo matriz (cf. Rizzi 1978, 1982) domínios oracionais e não apenas sobre um deles, como seria de esperar se cada um dos verbos se comportasse como uma unidade sintáctica independente. (5) (1) (2) b. Os meninos não o conseguiram acabar. a. O Pedro não conseguiu abrir a porta. b. O Pedro não a conseguiu abrir. a. Os meninos não conseguiram acabar o trabalho. (6) Os meninos não conseguiram acabá-lo. a. O Pedro mandou comer a sopa aos meninos. b. O Pedro mandou-a comer aos meninos. B. Movimento Longo de Objecto: o argumento interno do verbo encaixado ocorre como sujeito da matriz em construções com se passivo (cf. Rizzi 1978, 1982) • Os verbos que desencadeiam a formação de predicados complexos podem manter a independência sintáctica relativamente ao verbo encaixado: (7) Durante a aula, conseguiram-se acabar todos os trabalhos. (8) Durante a aula, conseguiu-se acabar todos os trabalhos. 1 Agradecemos aos nossos informantes cabo-verdianos Catarina Oliveira, José Moreno e Josefa Cardoso, pelo seu tempo e esforço. 2 Financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através da Bolsa de Pós-Doutoramento com a referência (SFRH/BPD/67241/2009). 3 Financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através da Bolsa de Pós-Doutoramento com a referência (SFRH/BPD//2007). 1 4 O Crioulo Caboverdiano é um crioulo de base lexical portuguesa falado como língua materna na República de Cabo Verde e por mais de 1 milhão de pessoas na diáspora (principalmente na Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos da América, França, Itália, Portugal e Senegal). 2 C. Modificadores temporais: não podem ocorrer expressões adverbiais com valores b. Pedru kre temporais distintos, afectando cada uma delas um domínio distinto (cf. Gonçalves Pedro 1999) kume bolu. querer(IPFV) comer bolo ‘O Pedru quer comer o bolo.’ c. Pedru pode (9) *Os meninos, ontem, conseguiram acabar o trabalho amanhã. Pedro kume bolu. poder(IPFV) comer bolo ‘O Pedru pode comer o bolo.’ • Duas subclasses de verbos de Controlo: (i) Os que desencadeiam reestruturação (cf. (5), (7) e (9)); • O diagnóstico das estruturas de complementação infinitiva, bem como das suas propriedades estruturais (estamos perante um VP ou TP?), pode apenas ser feito (ii) Os que excluem a possibilidade de reestruturação (cf. (10)-(12)). pelo recurso a duas estratégias complementares (Pratas, 2007 e no prelo): (10) o Sintáctico: materiais que nela podem, ou não, ser realizados, tais como o a. Os meninos não prometeram acabar o trabalho. b. Os meninos não prometeram acabá-lo. sujeito lexical, a negação ou marcadores pré-verbais de TMA. c. *Os meninos não o prometeram acabar. (11) o Semântico: a referência temporal permitida por estas orações a. Durante a aula, prometeu-se acabar todos os trabalhos. (dependente, ou não, da oração matriz). b. *Durante a aula, prometeram-se acabar todos os trabalhos. (12) Os meninos, ontem, prometeram acabar o trabalho amanhã. • Usamos como modelo, por um lado, os verbos kre ‘querer’/konsigi ‘conseguir’/tenta ‘tentar’/purkura ‘procurar’ e, por outro lado, os verbos disidi 5 ‘decidir’/purmete ‘prometer’/razolve ‘resolver’, com os seguintes objectivos: 3. Os dados do CCV • (13) O CCV não marca morfologicamente a não finitude dos seus verbos (Baptista 2002 (i) verificar se existem dois grupos de verbos de controlo como em PE, e Pratas, 2004, 2007). Assim, a ‘forma nua’ dos verbos eventivos surge em sendo um deles constituído por Vs de reestruturação; construções no passado perfectivo, mas também no que parecem ser infinitivas (ii) se existirem, verificar se o grupo de Vs de reestruturação apresenta o encaixadas: mesmo comportamento em PE e em CCV. a. Pedru kume Pedro bolu. 3.1. Propriedades comuns aos verbos que seleccionam complementos infinitivos em comer(PFV) bolo ‘O Pedru comeu o bolo.’ CCV 3.1.1. Oposição Perfectivo (∅ ∅ ) / Imperfectivo (ta) em domínios independentes (14) a. N ta kre papia ku 1SG IPFV querer falar 5 As glosas usadas nos dados seguem as instruções de Leipzig Glossing Rules: conventions for interlinear morpheme-by-morpheme glosses (2004), em (http://www.eva.mpg.de/lingua/pdf/LGR04.09.21.pdf), segundo as quais: COMP= complementador IPFV= imperfectivo POSS= possessivo 1,2,3= pessoa DEF= definido NEG= negação PROX= próximo DEM= demonstrativo PASS= passive PST= past DIST= distante PFV= perfectivo SBJ= sujeito DO= objecto directo PL= plural SG= singular 3 pai di nha fidju. com pai de POSS.1SG filho ‘Eu vou querer falar com o pai do meu filho.’ b. N kre papia ku 1SG querer(IPFV) falar pai di nha fidju. com pai de POSS.1SG filho ‘Eu quero falar com o pai do meu filho.’ 4 (15) a. Bu ta disidi papia ku 2SG IPFV decidir falar pai di nha b. Djon konsigi fidju. com pai de POSS.1SG filho Djon ‘Tu decides falar com o pai do meu filho.’ b. Bu disidi papia ku 2SG decidir(PFV) falar ngana-u. conseguir(PFV) enganar-2SG ‘Djon conseguiu enganar-te.’ pai di nha fidju. com pai de POSS.1SG filho (21) ‘Tu decidiste falar com o pai do meu filho.’ a. *Djon razolve-u Djon da un bisikleta. resolver(PFV)-2SG dar um bicicleta ‘*Djon resolveu-te dar uma bicicleta.’ 3.1.2. Impossibilidade de marcas aspectuais (e.g., ta) no domínio encaixado (16) (17) Nu (*ta) kre kumesa b. Djon razolve fase kasa oxi. da-u un bisikleta. 1PL querer IPFV começar fazer casa hoje Djon ‘Nós queremos começar a fazer a casa hoje.’ ‘Djon resolveu dar-te uma bicicleta.’ E (*ta) disidi da mininu sukrinha. 3SG decidir(PFV) IPFV dar menino açúcar resolver(PFV) dar-2SG um bicicleta 3.1.5. Impossibilidade de movimento longo de OBJ • ‘Ele decidiu dar doces aos meninos.’ O Movimento Longo de Objecto não pode ser usado como propriedade das construções com predicados complexos, uma vez que o clítico se não está disponível em CCV. Segundo Fiéis & Pratas (2004: 167), “Diversos contextos verbais que em PE ocorrem com um clítico reflexivo do tipo se (diferente da 3.1.3. Impossibilidade de sujeito explícito no domínio encaixado (18) N kre [ *N/bu 1SG quer(IPFV) da Maria un expressão anafórica, não clítica, do tipo SELF, a si mesmo), ocorrem em CV sem romansi]. 1SG/2SG dar Maria um romance uma marca morfológica de reflexividade”: Lit.: ‘*Eu quero eu/tu dar à Maria um romance.’ ‘Eu quero dar à Maria um romance.’ (22) Kasas ta bendedu. casas IPFV vender(PFV).PASS (19) [Nu]i kre 1PL [[--]i/*j querer(IPFV) fase un grupu fazer um grupo ‘Nós queremos fazer um grupo cultural.’ ‘São vendidas casas.’ kultural]. cultural (23) (ambas adaptadas de Alexandre 2009: 87) Ten kasas pa bende. ter(IPFV) casas para vender ‘Há casas à venda.’ / ‘Vendem-se casas.’ (ambas adaptadas de Fiéis & Pratas, ibd.) 3.1.4. Impossibilidade de Subida do Clítico (20) a. *Djon konsigi-u Djon conseguir(PFV)-2SG enganar ‘Djon conseguiu-te enganar.’ ngana. 3.1.6. Possibilidade de negação do domínio encaixado (24) a. Onti, N ontem ka tenta grita ku rapasinhu. 1SG NEG tentar(PFV) gritar com rapazinho ‘Ontem, não tentei gritar com o rapaz.’ 5 6 b. Onti, N ontem ka tenta grita ku (29) rapasinhu. 1SG tentar(PFV) NEG gritar com rapazinho ‘Ontem, tentei não gritar com o rapaz.’ (25) a. Onti, Tareza ka a. Kusé (ki) Djon ka tenta kunpra? que que Djon NEG tentar(PFV) comprar ‘O que é que o Djon não tentou comprar?’ b. Kusé (ki) Djon razolve ontem Tareza NEG resolver(PFV) fazer um festa que que Djon resolver(PFV) comprar pa ‘O que é que o Djon resolveu comprar?’ si razolve fase un festa kodés. kunpra? para POSS.3SG filho-mais-novo ‘Ontem, a Tareza não resolveu fazer uma festa para o seu filho mais novo.’ 3.2. A interpretação temporal do domínio encaixado enquanto propriedade distintiva b. Onti, Tareza razolve ka fase un festa pa si Com verbos como tenta, o ponto de perspectiva temporal (PPT) da situação • ontem Tareza resolver(PFV) NEG fazer um festa para POSS.3SG encaixada é sempre o intervalo de tempo em que se localiza a situação matriz e kodés apenas esse. (mas pa si fidju-matxu más grandi). filho-mais-novo mas para POSS.3SG filho-macho mais grande ‘Ontem, a Tareza resolveu não fazer uma festa para o seu filho mais novo (mas (30) para o seu filho mais velho).’ a. *Onti, ontem pursoris tenta professores tentar(PFV) papia ku falar ministru com ministro na prósimu sumana. • (26) Note-se, contudo, que o V kre ‘querer’ não permite negação no domínio por ele em próximo semana seleccionado: ‘Ontem, os professores tentaram falar com o ministro na próxima semana.’ a. *Djon kre Djon ka fase trabadju, mas durmi querer(IPFV) NEG fazer trabalho tudu dia. mas dormir todo dia Com verbos como disidi, o PPT da situação encaixada é o intervalo de tempo em • ‘O João quer não fazer o trabalho, mas dormir o dia todo.’ 3.1.7. Impossibilidade de movimento-wh interno ao domínio encaixado (27) que se localiza a situação matriz e inclui também o momento da enunciação. (31) a. Onti, pursoris disidi papia ku *Djon ka tenta kusé (ki) kunpra? ontem professores decidir(PFV) falar Djon NEG tentar(PFV) que que comprar prósimu sumana. ‘*O Djon não tentou o que (é que) comprar?’ ministru na com ministro em próximo semana ‘Ontem, os professores decidiram falar com o ministro na próxima semana.’ (28) kusé *Djon razolve Djon resolver(PFV) que (ki) kunpra? que comprar ‘*Djon resolveu o que (é que) comprar?’ Esta é a propriedade que permite distinguir dois subgrupos de verbos de controlo, paralelos aos do PE: o subgrupo que integra verbos como tenta desencadeia a formação de um predicado complexo. Permitem movimento-wh para fora do domínio encaixado: 7 8 4. A categoria sintáctica do complemento infinitivo Mas, quando o complemento seleccionado pelo verbo não é introduzido por um • complementador lexical, podemos especular se CP se projecta, sendo Cº ocupado 4.1. Porque não CP? • Verbos de controlo como kre ‘querer’ e disidi ‘decidir’ podem ter complementos frásicos introduzidos pelos complementadores ‘para’ pa e ma por um complementador nulo. ‘que’, Argumentos contra a projecção de C: respectivamente. (i) Inexistência de movimento wh- internamente ao domínio infinitivo (cf. (27) e (28)); (32) pa/*ma Maria fase un Djon kre Djon querer(IPFV) para/que Maria fazer um cachupa bom (ii) Impossibilidade de ocorrência de um wh-in situ no domínio encaixado destas katxupa sabi. ‘Djon quer que a Maria faça uma boa cachupa.’ construções (cf. (36)). (36) *? E konsigi/purmete fase kusé? 3SG conseguir/prometer(PFV) fazer quê (33) Djon disidi ma/*pa kel omi-la e ‘Ele conseguiu / prometeu fazer o quê?’ runhu. Djon decidir(PFV) que/para DEM homem-DIST ser mau Note-se que, se houver um Cº [+wh] encaixado, o wh-in-situ é legitimado: ‘Djon decidiu que aquele homem é mau.’ (37) • (34) purgunta-u Nesse caso, o domínio encaixado exibe um sujeito explícito que, no caso de disidi, perguntar(PFV)-2SG tanto pode ser co-referente como disjunto do sujeito matriz (cf. (34)), e, no caso de ‘O Djon perguntou-te se a Maria fez o quê?’ kre, disjunto, como em (35). (adaptado de Alexandre 2009: 133) a. [Djon]i disidi Djon m'[e]i/*j ta bai kasa sedu. decidir(PFV) que-3SG IPFV ir casa cedo [CP [Cº[+Q, +Wh] si] Maria fase Djon Djon se [kusé]]? Maria fazer(PFV) quê Assumindo o princípio de economia nas representações (Chomsky 1995; Bos‡kovic¤ 1997), propomos que C não se projecta nos complementos infinitivos do CCV. ‘O Djon decidiu que vai para casa cedo.’ 4.2. Porque não verbos seriais? b. [Djon]i Djon disidi ma [bu]j/*i ta bai kasa sedu. • decidir(PFV) que 2SG … Tratando-se de uma língua crioula, é necessário investigar se estas construções multiverbais não são um caso de construções com verbos seriais (CVSs). De facto, ‘O Djon decidiu que tu vais …’ para o CCV, Baptista (2002) afirma que os verbos volitivos kre e dezeja ‘desejar’ formam construções seriais, como em (38): (35) Bo [bu]i kre pa [nu]j/*i fase trabadju. 2SG 2SG querer(IPFV) para 1PL fazer trabalho (38) a. El ta kre faze un kuza linpu. Lit.: ‘Tu queres para nós fazermos o trabalho.’ 3SG IPFV querer fazer um coisa limpo ‘Tu queres que façamos o trabalho.’ ‘Ele quer fazer uma coisa bem feita.’ (adaptado de Alexandre, 2009: 83) b. N ka dezeja bai. 1SG NEG desejar(IPFV) ir ‘Eu não desejo ir.’ 9 (adaptadas de Baptista, 2002: 114) 10 • No entanto, comparando os dados do CCV com o caso do São-Tomense, outra - um marcador de negação no V1; língua crioula de base lexical portuguesa, pode-se observar que não é este o caso - um marcador de aspecto no V1 ou em ambos; (Pratas 2007). - ausência de conjunções de coordenação ou subordinação; - ausência de pausas discursivas. Hagemeijer (2000) mostra que as CVSs em São-Tomense exibem uma dupla marcação de aspecto. A possível dupla marcação de tempo/aspecto poderia, assim, levar a (39) Zon ka dese ka pensar em CVSs em CVC. No entanto, são muitas as diferenças entre ba poson. Zon IPFV descer IPFV ir ambos os tipos de construções: cidade - ‘Zon anda para baixo e para cima para a cidade de São Tomé.’ no caso do CCV, existe uma referência clara a mais do que um evento, cada um deles expresso por um dos verbos. Isto acontece (adaptado de Hagemeijer 2000: 21) mesmo quando não é permitido qualquer sujeito lexical na oração encaixada. O facto de o CCV poder exibir -ba, marcador de passado imperfectivo que surge em posição pós-verbal, em dois ou mais verbos na mesma frase poderia levar-nos a crer que este é um fenómeno semelhante ao da (41) a. Djon kre Djon serialização: ser nh’amigu. querer(IPFV) ser POSS.1SG-amigo ‘O Djon quer ser meu amigo.’ (40) N staba ta odjaba Maria ta badjaba. 1SG estar.PST IPFV ver.PST Maria IPFV dançar.PST b. E kreba ‘Eu estava a ver a Maria a dançar.’ 3SG querer.PST ser ser nha mos. POSS.1SG moço ‘Ele queria ser meu amigo (e foi por isso que me convidou a sair).’ • Lord (1993, ap. Ameka, 2005) refere que a etiqueta de ‘verbo serial’ tem sido aplicada a muitas construções linguísticas em várias línguas. Mas as generalizações c. E kreba que se fazem para um conjunto de construções multiverbais numa língua não se 3SG querer.PST ser.PST POSS.1SG moço aplicam necessariamente a construções superficialmente similares noutra língua. ‘Ele queria ser meu namorado (mas não tem qualquer hipótese).’ Isto implica que haja na literatura muitas sequências de V-V classificadas como (adaptadas de Pratas 2007:299) serba nha [contrafactual] mos. ‘construções de verbos seriais’ que, na realidade, não o são. Em CCV, não há fusão de estruturas argumentais: Critérios para a identificação das CVSs (alguns deles aplicam-se também a outras construções), segundo Hagemeijer (2000): (42) a. Djon kreba bebeba un kopu di - dois (ou mais) verbos exprimindo um único evento; Djon - dois núcleos lexicalmente restritos que fundem as duas estruturas ‘O Djon queria beber um copo de aguardente.’ grogu. querer.PST beber.PST um copo de grogue argumentais; 11 - um único sujeito lexical; - um marcador de tempo no V1; 12 b. Djon kreba Djon un karu neste não se projecta uma sonda legítima para o objecto; o movimento longo do nobu. querer.PST um carro novo objecto é a forma de salvar a estrutura. Djon queria um carro novo. (iii) Dá conta da impossibilidade de co-ocorrência de modificadores com valores temporais distintos, se considerarmos que estes estão na dependência de T. c. *Djon kreba bebeba un karu nobu. ‘*Djon queria beber um carro novo.’ Problemas desta abordagem: - O domínio encaixado pode conter informação temporal própria, veiculada Além disso, embora a localização temporal do predicado encaixado através de adverbiais temporais, i.e., o Infinitivo tem traços de temporalidade, esteja dependente da oração matriz, esse predicado tem uma Aktionsart podendo contribuir para a determinação da localização das orações em que toma própria, coincidente ou não com a do verbo matriz (cf. (41), em que são parte (Cunha & Silvano 2006; Gonçalves et al. 2009). ambos estativos, e (42), em que o V matriz é estativo e o encaixado é um processo culminado/accomplishment). (43) As sequências V-V em estudo não são instâncias da construção com verbos seriais. Os meninos quiseram visitar a avó no dia seguinte. - Se considerarmos que os núcleos funcionais que se projectam têm de ser relevantes não só do ponto de vista sintáctico como também do ponto de vista semântico, no sentido em que são o locus da estrutura temporal/aspectual 4.3. O domínio encaixado é TP • Questões centrais na discussão sobre predicados complexos: (Chomsky 2001: 9), então, T projecta-se mesmo quando são visíveis efeitos de (i) Quando se forma um predicado complexo, a estrutura obtida é bi- ou mono- reestruturação. frásica, i.e., T projecta-se no complemento infinitivo ou este é simplesmente de - Não dá conta do facto de a reestruturação operar mesmo quando o domínio categoria VP? infinitivo contém informação temporal própria (Gonçalves & Matos 2009): (ii) Se T se projecta, quais as suas propriedades, i.e., o que distingue o nó T em construções que envolvem reestruturação do nó T em que esta não opera? (44) • Hoje, ele não te quer ver amanhã. Propostas a favor da caracterização do domínio infinitivo como VP: Rizzi (1982), Wurmbrand (2001, 2004, 2006), Cinque (2004, 2006), e.o. • Propostas a favor da caracterização do domínio infinitivo como TP (Bok-Bennema & Kampers-Manhe 1994, Gonçalves 1999, 2009; Gonçalves & Matos 2009; Vantagens desta abordagem: Gonçalves et al. 2009): (i) Dá conta da Subida de Clítico: não se projectando T e assumindo que os clíticos são legitimados por T (Duarte & Matos, 2000; Martins, 2000; Duarte et al. 2005), estes elementos não podem ocorrer internamente ao complemento infinitivo, que é de categoria VP. (ii) Dá conta de Movimento Longo de Objecto: o objecto do verbo encaixado não Vantagem desta abordagem: - dá conta da possibilidade de o domínio encaixado conter informação temporal própria. Para distinguir os verbos de reestruturação dos restantes é necessário considerar que T tem as seguintes propriedades: verifica os seus traços de Caso internamente ao domínio encaixado, uma vez que 13 14 Propriedades de T encaixado (Gonçalves et al. 2009): (A) Tem traços-T não valorados (Pesetsky & Torrego 2001, 2004; Duarte et al. (i) Os verbos que admitem reestruturação influenciam de forma decisiva a 2005; Ambar 2007), sendo o seu valor fixado por T matriz. localização temporal da eventualidade encaixada (leitura de posterioridade e de (B) É sintacticamente defectivo, pelo que não pode apagar os traços do alvo, simultaneidade). Nestes casos, os traços semânticos de temporalidade associados ao dado que Agree só opera quando a sonda e o alvo são ambos activos (Chomsky Infinitivo são preteridos em relação às restrições impostas pelo verbo matriz. 2001: 6). [Chomsky (2001): Tdef é φ-incomplete, não estando, por isso, activo para a (ii) O ponto de perspectiva temporal (PPT) da situação encaixada é sempre o operação Agree] intervalo de tempo em que se localiza a situação matriz, tendo, na generalidade, uma interpretação de futuro relativamente ao evento descrito na matriz (cf. (45a)) ou uma A propriedade enunciada em (A) é comum ao PE e ao CCV. Daí a interpretação de sobreposição (cf. (45b) – Stowell 1982; Gonçalves 1999; Silvano semelhança entre as duas línguas no que diz respeito às questões de 2002; Cunha & Silvano 2006)). Não pode incluir o momento da enunciação (46a), mas localização temporal da situação descrita no domínio infinitivo. apenas o tempo da situação matriz (46b). A propriedade enunciada em (B) verifica-se em PE mas não em CCV. Daí a diferença entre as duas línguas no que diz respeito a Subida de Clítico. (45) a. Os deputados não quiseram votar o projecto de lei. b. O Pedro conseguiu acabar o trabalho. • A valoração dos traços de T encaixado é feita por Agree com T matriz uma única fase temporalizada efeitos de predicado complexo. (46) a. *Os jornalistas quiseram falar com o Primeiro-Ministro amanhã. PE b. Os jornalistas quiseram falar com o Primeiro-Ministro no dia seguinte. (47) a. *Onti, ontem pursoris tenta professores tentar(PFV) papia ku falar ministru 5. Considerações finais CCV com ministro (i) O PE e o CCV são idênticos no que diz respeito aos verbos de Controlo que influenciam a localização temporal da situação encaixada Verbos como tentar/tenta, conseguir/konsigi: o ponto de perspectiva temporal da na prósimu sumana. em próximo semana situação encaixada é sempre o intervalo de tempo em que se localiza a situação ‘Ontem, os professores tentaram falar com o ministro na próxima semana.’ matriz e apenas esse Verbos como decidir/disidi, prometer/purmete, resolver/razolve: o ponto de b. Pursoris tenta papia ku professores tentar(PFV) falar alunu dos dia dipos. com aluno dois dia depois perspectiva temporal (PPT) da situação encaixada é o intervalo de tempo em que se localiza a situação matriz mas inclui também o momento da enunciação. ‘Os professores tentaram falar com os alunos dois dias depois.’ (ii) Os verbos do primeiro subconjunto formam um predicado complexo com o verbo (48) (iii) T é defectivo quanto a traços temporais do complemento infinitivo, no sentido em que existe apenas uma fase T em complementos infinitivos de reestruturação (Gonçalves & Matos 2009, temporalizada. Esta característica aproxima os verbos de reestruturação dos verbos inspirado em Gonçalves 1999) auxiliares, ainda que, com estes últimos, não se projecte TP no domínio do segundo verbo. 15 16 Referências: (iii) A formação do predicado complexo tem efeitos sintácticos distintos nas duas línguas, decorrentes do facto de só em PE T ser sintacticamente defectivo, o que explica a Subida de Clítico nesta língua, mas não em CCV. ALEXANDRE, Nélia. 2009. Wh-Constructions in Cape Verdean Creole: extensions of the theory of movement, Diss. Dout.., Lisboa: U. Lisboa. AMEKA, Felix. 2005. “Multiverb constructions in a West African areal typological perspective”, in D. Beermann & L. Hellan (eds.), Proceedings of TROSS03: Workshop on Multi-Verb Constructions, Trondheim: Norwegian University of Science and Technology. (iv) Em CCV, kre ‘querer’ encontra-se num processo de gramaticalização: partilha características com os verbos de reestruturação, mas o domínio por ele seleccionado é mais defectivo (VP e não TP), o que o assemelha aos verbos auxiliares. Por essa razão, não admite negação encaixada (cf. (26)). BAPTISTA, Marlyse. 2002. The Syntax of Cape Verdean Creole: The Sotavento Varieties, Amesterdão: John Benjamins. BOŠKOVIĆ, Željko & LASNIK, Howard. 2003. “On the Distribution of Null Complementizers”, Linguistic Inquiry, 34:4, 527-546. BRÜSER, Martina & SANTOS, André dos Reis. 2002. Dicionário do Crioulo da Ilha de Santiago (Cabo Verde), Jürgen Lang (Dir.), Tübingen: Gunter Narr. CHOMSKY, Noam. 2001. “Derivation by Phase”, in M. Kenstowicz (org.), Ken Hale: a Life in Language, Cambridge, Mass: The MIT Press. CINQUE, Guglielmo. 2004. ““Restructuring” and functional structure”, in A. Belletti (org.), Structures and beyond. The Cartography of syntactic structures, vol. 3. Oxford: OUP. 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