1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL DA COMARCA DE GOIÂNIA - GO. “...podemos fixar as linhas de um novo direito social em formação, representado pelo direito que tem cada homem de participar ativamente no processo de desenvolvimento de sua comunidade. Não se trata apenas de receber os benefícios do progresso, mas de ‘tomar parte’ nas decisões e no esforço para a sua realização. Em lugar de ser tratado como ‘objeto’ das atenções paternalistas dos detentores do Poder, o homem passa a ser reconhecido como ‘sujeito’ e ‘agente’ no processo de desenvolvimento. Tratase de uma exigência decorrente da natureza inteligente e responsável da pessoa humana” (MONTORO, André Franco, in Introdução à Ciência do Direito, 20ª ed., Ed. RT, pág. 11). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, através do Núcleo de Defesa do Meio Ambiente, pelos promotores de justiça infra assinados, no uso de suas atribuições legais, embasado no Inquérito Civil Público em anexo, vem propor, AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL, com pedido de concessão de MEDIDA LIMINAR, em desfavor de AMERICEL S.A., pessoa jurídica de direito privado, concessionária do serviço público de telefonia móvel celular na área geográfica dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Rondônia, Acre e Distrito Federal (área de concessão), situada à SEP/SUL – 702/902, Lote “B”, Edifício General Alencastro, Brasília- DF, inscrita no CGC/MF sob o n.01.685.903/001-16. E também movida em desfavor de: TCO CELULAR S/A, pessoa jurídica de direito privado, concessionária de serviço público de telefonia celular móvel também na área geográfica supra mencionada, situada à Av. República do Líbano, 1875- 4 e 5 andar- St. Oeste, 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Goiânia-Go – Brasil – CEP: 74.125-125, pelos fatos e fundamentos jurídicos abaixo enumerados. 1. DOS FATOS O Ministério Público do Estado de Goiás após inúmeras reclamações que chegaram às Promotorias de Justiça especializadas em meio ambiente desta capital, instaurou o Inquérito Civil Público n. 004-C/2001, consoante narrativa e abaixo-assinados de fls. 07/12/13/14/15/16/17/18/19/20/46/90/91/92/90- 103/120/121/337-343/348-350 do IC. Dita irresignação tem por objetivo a instalação, pelas rés, de forma desordenada e descontrolada em nossa capital de um sem número de ERB’s (Estações de Rádio Base) de telefonia celular sem a observância de critérios relacionados ao patrimônio cultural, histórico, urbanístico; ao licenciamento ambiental; aos riscos à saúde pública (ver estudos científicos em anexo); bem como os critérios relacionados ao plano diretor de nossa cidade. Consta no Inquérito Civil que instrui a presente inicial que as investigadas têm instaladas e ainda por instalar várias antenas de transmissão de telefonia celular móvel na região metropolitana de Goiânia, sendo que muitas delas estão situadas em zonas predominantemente residenciais (motivo maior da irresignação), o que vem causando preocupação dos moradores desta cidade (docs. anexo supra mencionados), receosos dos possíveis malefícios que as radiações eletromagnéticas podem causar à saúde. Como se não bastassem as antenas estarem localizadas em zonas predominantemente residenciais, as rés, com aquiescência criminosa do município de Goiânia, instalou e ainda instala seus equipamentos de forma aleatória ao lado ou bem 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia próximo a prédios residenciais, pátios de escolas públicas e privadas, ao lado das redes de transmissão elétrica de alta tensão, clínicas, centros de saúde, hospitais, assemelhados etc, conforme demonstrado no levantamento fotográfico de fls.358/368 do IC. A disposição desordenada das ERB’s, além de causar perigo concreto à segurança da população goianiense, causa evidente dano estético e urbanístico em nossa cidade, pois em meio às construções supramencionadas, emergem corpos estranhos, contrastando, de forma prejudicial, com a paisagem de nossa cidade, agredindo o observador e depreciando o valor dos imóveis localizados em seu entorno. Goiânia, desta forma, de uma hora para outra, transformouse em um grande paliteiro, em face o erguimento de Estações de Rádio-Base de Telefonia Celular, em alturas consideráveis, prejudicando os aspectos paisagísticos e urbanísticos da cidade. O somatório desses fatores leva, sem dúvida, à necessidade de re-localização das estações em áreas compatíveis. O próprio Município, baseando-se no artigo 19 do Código de Posturas (Lei Complementar 031/94), por seu secretário de planejamento, em 27 de maio do corrente ano, editou a instrução normativa 001/2002 (doc. fls. 226 a 233), estabelecendo normas mínimas para a instalação e funcionamento das ERB’s, exigindo-se, entre outras, o cumprimento das seguintes condições: “I - A localização e instalação de Antenas de Telecomunicações com estrutura em Torres ou similares, somente serão admitidas, mediante análise prévia e parecer conclusivo o Órgão Municipal de Planejamento, observando o atendimento das seguintes exigências: 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia a) Localizar-se a uma distância mínima de 100,00 (cem) metros dos limites de Escolas de Ensino Fundamental e médio, Asilos, Hospitais e Maternidades; b) Não localizar-se nas ZONAS ESPECIAIS AEROPORTUÁRIAS (ZEAS); c) Não possuir altura inferrior a 30,00 (trinta metros); d) Não localizar-se em Áreas Públicas Municipais, exceto em áreas de fundo de vale – ZONAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (ZPA), ouvido o Órgão Público competente; e) Obtenção de resultado favorável junto a população vizinha, mediante pesquisa de opinião pública a qual deverá atingir um raio de abrangência de 30,00 (trinta metros) do local requerido e consulta superior a 50 % dos imóveis habitados; Nas Zonas de Média e Alta Densidade, as Antenas de Telecomunicações com Estrutura de Torres ou similares – Antenas das Instalações Rádio-Base (ERB’s), não poderão ser instaladas com transmissão frontal entre si, devendo o sinal ser transmitido através de cabos óticos; (...) III – Nas Zonas de Média e Alta Densidade, as Antenas de Telecomunicações com Estrutura em Torres ou similares – Antenas das Instalações Rádio Base (ERB’s), não poderão serem instaladas com transmissão frontal entre si, devendo o sinal ser transmitido através de Cabos Óticos; IV – Será obrigatório a urbanização e manutenção permanente, de todas as áreas onde serão instaladas as Antenas de Telecomunicações com Estrutura em Torres ou similares, segundo diretrizes fixadas pelo Órgão Municipal de Planejamento; V – A Licença de Operação, bom como sua renovação anual, expedida pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SEMMA, somente será fornecida após o atendimento do estabelecido no item anterior; VI – Para implantação e Operação dos equipamentos de que trata esta instrução, serão adotadas as recomendações técnicas publicadas pela Comissão Internacional para proteção contra radiações, NÃO IONIZANTES – ICNIRP, ou outra que vier a substituí-la em conformidade com as orientações da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL; 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia VII – A Licença para localização e operação de Antenas de Telecomunicações em fachadas das edificações será ADMITIDA, desde que; a) As emissões de ondas eletromagnéticas não sejam direcionadas para o interior das edificações na qual se encontram instaladas, b) Seja promovida a harmonização estética com a referida fachada; VIII – A Licença para localização e operação de Antenas de Telecomunicações no topo de edifício será ADMITIDO desde que: a) As emissões de ondas eletromagnéticas não sejam direcionadas para o interior das edificações na qual se encontram instaladas; b) Sejam garantidas condições de segurança para as pessoas que acessarem o topo do edifício; c) Seja promovida a harmonização estética dos equipamentos de transmissão com a respectiva edificação. IX – Nos locais onde a densidade de potência total ultrapasse os limites estabelecidos pela ANATEL, as emissões deverão ser imediatamente enquadradas de forma atender os parâmetros estabelecidos, sob pena de ser determinada a desativação da antena; (...) XI – Os níveis de ruídos emitidos pelo funcionamento dos equipamentos da Estação de Transmissão serão avaliados, sempre que julgados necessários pelo Órgão Público competente, para enquadramento nos limites prescritos na Legislação Ambiental em vigor; (...) XIII – As Antenas de Telecomunicações com estrutura em torres ou similares, instaladas sem autorização dos Órgão Municipais competentes serão imediatamente desativadas, até que seja obtida a licença devida; XIV – O não atendimento das exigências estabelecidas nesta Instrução implicará na aplicação de multa variável de 5.000 (cinco mil) a 20.000 (vinte mil) UFIRs de acordo com a gravidade da infração e nas reincidências as multas serão 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia cobradas em dobro, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades”. (grifo nosso) Tal Instrução Normativa, entretanto, não se aplica às ERB’s já instaladas, só regulamentando a instalação das atividades que entrarem em operação após a data de sua publicação. Ao que parece as antenas em operação permaneceram sem nenhuma fiscalização ou controle por parte o poder público local. Por outro lado, no que tange às antenas existentes na cidade, os documentos que instruem o Inquérito, demonstram, de maneira inequívoca, que as investigadas não apresentaram e nem demonstram a intenção de apresentar qualquer laudo ou estudo similar idôneo capazes de apontar se as radiações de suas Estações de Radio Base instaladas e a serem instaladas na capital estão ou estarão em conformidade com os limites aplicáveis para a exposição do público em geral especificados nas recomendações da ICNIRP, bem como em consonância com as normas e critérios adotados pela organização mundial de saúde e pela ANATEL. Desenvolvem as rés, repito, com a aquiescência omissiva do Município de Goiânia, atividade potencialmente poluidora que necessita, nos termos da legislação pátria vigente, de prévio licenciamento ambiental, já que estudos nessa área revelam que parte da radiação é absorvida pelo corpo humano e pode causar efeitos térmicos e não térmicos, induzindo alterações estruturais e funcionais em seres vivos, como efeitos biológicos produzidos nos olhos, nos testículos e os de ordem neurológicas. Ademais, em que pese a inexistência de norma federal, estadual ou municipal disciplinando a localização e o modo de operação das ERBs, os documentos do Inquérito Civil (fls. 12-20, 31-32, 34, 88-89, 113-114, 116, 212-217, 218/224) comprovam as irregularidades nas construções pretendidas pela empresas-rés, bem como a suposta nocividade da atividade face ao suposto acúmulo de radiação não ionizante a que já estão submetidos tanto os moradores das adjacências, como qualquer 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia pessoa que freqüente os lugares situados nas imediações (docs. Fls. 11, 104, 123-124, 234333). Várias são as matérias, jornalísticas ou científicas, juntadas ao inquérito civil que dão conta da lesividade da radiação emitida pelas ERBs de propriedade das rés. Às fls. 104 do Inquérito Civil consta uma reportagem que representa a materialização do perigo material que as irregularidades nas construções podem ocasionar. Na citada reportagem, uma barra de ferro de cerca de 3,5 metros e uma outra menor, de aproximadamente 80 centímetros, caíram das mãos do montador Leandro Ferreira Gomes, de 26 anos, que estava trabalhando na construção de uma plataforma da antena de celular da Telegoiás Centro-Oeste (TCO), no Setor Pedro Ludovico, próximo à Serrinha, quando se desequilibrou. As barras caíram no quintal da vizinha ocasionando o afundamento do piso de concreto e comprometendo a tranqüilidade do seu ambiente familiar. Demonstram os autos de Inquérito Civil Público que instrui a presente inicial que o Município, responsável direto pelo licenciamento, fiscalização e controle de instalação e funcionamento das referidas estações, não possui nenhum dado a este respeito em suas secretarias especializadas (SEPLAN, SEFUR, SEMMA). Não sabem sequer quantas antenas foram instaladas por cada uma das rés dentro do Município (doc. fls. 21/32, 88/89, 113/114, 116). A omissão e o descontrole do poder público local nesta questão são evidenciados a partir do momento em que o próprio município, através do órgão responsável pelo licenciamento (SEMMA) precisa recorrer à ANATEL para ter conhecimento de quantas e quais são as antenas instaladas na capital (doc. fls. 115). Neste ponto, peço venia para transcorrer a resposta endereçada ao município de Goiânia às fls. 123, na qual a própria AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL) reconhece os malefícios da radiação não-ionizante e faz algumas recomendações ao Município para permitir a 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia instalação da ERBs, inclusive quanto à competência municipal par o licenciamento, senão vejamos: “Senhor Secretário ...com relação às antenas existentes em Goiânia e sua localização, informamos que anexamos a este ofício 2 (duas) listagens, uma da Telegoiás Celular S/A, referentes aos Estados de Goiás e Tocantins, outra da Americel, referente aos Estados da área 7 de Concessão do Serviço Móvel Celular, contendo o número, endereço e o município de instalação da Estação, atualizada em 15/03/2002. Com relação aos critérios adotados para a liberação da licença da referidas antenas, informamos que nos artigos 37 a 42 do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução 73, de 25 de novembro de 1998, doc. anexo, constam as exigências feitas à todas as prestadoras quando da instalação de Estações de Telecomunicações até o dia 21 de março de 2000. A partir desta data, para emitir a Licença de Funcionamento de Estações, a Anatel passou a exigir também que os interessados apresentem DECLARAÇÃO assinada por profissional habilitado, baseada na avaliação das características técnicas da estação, de que sua operação no local pretendido não submeterá a população a campos eletromagnéticos de valores superiores aos limites adotados, conforme cópia de Ofício Circular n. 190/2000/PVGPA/PVCP/SPV-Anatel, de 21 de março de 2000. Os campos magnéticos associados à operação das estações, têm sido objeto de estudos por diversas instituições internacionais e vem sendo acompanhados pela Anatel. Ao mesmo tempo em que as estações são essenciais para a restaçao de diversos serviçosde telecomunicações, é necessário que sua utilização não venha a trazer prejuízos à saúde da população. Neste sentido, a Anatel decidiu adotar, como referência para referênci` para avaliação de exposição humana a campos eletromagnéticos de radiofreqüência, até que seja elaborada regulamentação técnica 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia específica sobre o assunto, os Limites Propostos pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP), doc. anexo. Lembramos ainda que os aspectos civis da instalação de estações transmissoras, tais com, afastamento de outras edificações, ordenamento e ocupação de solo, questões ambientais e urbanísticas, dependem da legislação local, conforme artigo 30 da Constituição Federal.” (grifo nosso). O fato se torna mais grave quando consideramos o disposto nos arts. 54 e 60 da Lei 9.605/98 que elevou à categoria de crime a conduta desenvolvidas pelas rés na instalação das antenas. Dispõe o art. 54 supra mencionado: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que RESULTEM OU POSSAM RESULTAR em danos à saúde humana, ou que provoque a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: (...)Pena – reclusào, de um a quatro anos, e multa” A conduta das rés AMERICEL E TELEGOIÁS CELULAR (TCO), enquadra-se perfeitamente neste artigo, já que o crime nele referido é meramente de perigo e, ainda mais, de perigo abstrato, pois basta que cause perigo à saúde humana para se consumar. Já o artigo 60 diz que é crime “construir, reformar, ampliar, instalar, ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”. 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia A atividade das rés é sem duvida uma atividade potencialmente poluidora e não há nos autos qualquer prova do licenciamento ou do alvará de instalação (doc. fls. 31/32, 88/89, 113/114, 116) das atividades por parte do órgão competente fato que, isoladamente, é bastante para provar já na esfera criminal, como ultima ratio, a ocorrência do dano ambiental, pois trata-se, no último caso, de crime de mera conduta. Se referido fato é considerado crime, logo, conclui-se que o ilícito civil é evidente em matéria ambiental. O Município de Goiânia, além de não possuir nenhum controle das antenas transmissoras instaladas e por instalar, não possuía antes da edição da Instrução Normativa supra mencionada nenhuma regulamentação a respeito de tais atividades, o que permitia e facilitava, sem sombra de dúvidas, a proliferação desordenada de tais equipamentos dentro da zona urbana residencial de Goiânia. Peca, pois, o Município por sua omissão na qualidade de guardião do meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme determina o art. 225 da Constituição Federal. Importante ponderar: o que se pretende com a propositura da presente demanda não é impedir o crescimento e desenvolvimento de serviços de extrema utilidade pública como é a telefonia celular, mas obstaculizar a instalação de fontes poluentes em locais impróprios, conforme demonstrado acima, sabedores que nas áreas onde estão instaladas poderão trazer danos à saúde pública, bem como ocasionar situações que ofereçam alto grau de periculosidade. Cumpre-se, assim, o ordenamento constitucional, que em seu art. 170, inciso VI, dispõe que a ordem econômica deverá observar o respeito ao meio ambiente. 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia O ajuizamento da ação vem, também, precipuamente, em socorro dos cidadãos (nunca ouvidos e sempre ignorados) que no espaço da palavra e da ação (José Eduardo de Faria), têm alguma parcela de responsabilidade na tarefa de construção do Estado Democrático de Direito, tal como delineado na Constituição Federal. Nos dizeres de Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz: “A ação civil pública encarna, nesse aspecto, o esforço de uma sociedade ainda bastante desarticulada e carente (no que tange ao respeito aos seus direitos fundamentais) no sentido de se contrapor ao poder político e econômico exercido por minorias muito fortes” (in Ação Civil Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 1ª ed., 2.001, pág. 98). 2. DO DIREITO 2.1. Do dano ambiental e risco à saúde pública Evidencia-se o risco eminente à saúde pública, que encontrase configurado pela quantidade de radiação não ionizante lançada no ar pelas antenas que já se encontram instaladas na cidade de Goiânia, bem como pela instalação de futuras Estações Rádio-Base (ERBs) e de Mini-Estações Rádio-Base (Mini ERBs). As antenas são a grosso modo transmissores e receptores de radiação, emitida sob a forma de ondas eletromagnéticas. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Considera-se poluição a presença e lançamento ou liberação nas águas, no ar ou no solo de toda e qualquer forma de matéria ou energia com intensidade, em quantidade que possam tornar a água, o ar ou o solo: - impróprios ou ofensivos à saúde - inconvenientes ao bem estar público - prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade. A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu artigo 3º e incisos, o que se segue: "Art. 3º - Para fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - Meio Ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas: II - Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente; III - Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; (...) e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões estabelecidos." Na mesma toada, a Lei Estadual nº 8.544/78, que dispõe sobre o controle de poluição do meio ambiente: 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia “Art. 2º. Considera-se poluição do meio ambiente a presença, o lançamento ou liberação, nas águas, no ar, no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade de concentração ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas em lei, ou que tornem ou possam tornar as águas, o ar ou o solo: I - impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde; II - inconvenientes ao bem-estar público; III - danosos aos materiais, à fauna e à flora; IV - prejudiciais à segurança, ou uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade”. Desta maneira, os efeitos da radiação não ionizante – espécie de energia produzida na atividade ora combatida, que pode configurar, simultaneamente, poluição e defeito do produto – podem sim provocar diversos malefícios à saúde das pessoas. Cumpre informar que nos Estados Unidos da América, Canadá, e diversos países da Europa, as autoridades se preocuparam em estabelecer limites máximos de radiação, visando não expor à perigo a vida das pessoas, ou seja, muitos países estão se antecipando e impondo normas mais restritivas à exposição de pessoas à radiação não ionizante. No Brasil esta preocupação, infelizmente, ainda não sensibilizou as nossas autoridades, inobstante um número cada vez maior de cientistas admitirem a incidência de efeitos não térmicos (os efeitos térmicos já estão comprovados!). 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Os estudos nesta área já revelaram que parte da radiação não ionizante é absorvida pelo corpo humano e pode causar efeitos térmicos e não térmicos induzindo alterações estruturais e funcionais em seres vivos. Em 132 (cento e trinta e dois) artigos técnicos de publicações internacionais foram mencionados 98 (noventa e oito) efeitos biológicos de reações eletromagnéticas no ser humano, dentre eles: dores de cabeça e tonturas, danos no sistema nervoso e central, interferência em alguns marcapassos e aparelhos auditivos; perda de memória, aumento de estresse; diminuição da eficiência do sistema imunológico; a indução de cataratas; o aumentm de leucemia; a má formação de fetos; a diminuição da fertilidade nos homens; o câncer; o aborto; Mal de Alzheimer, o Mal de Parkinson e outros. Ademais, faz parte do inquérito civil (fl.11), uma reportagem da revista Isto é que relata a polêmica das torres de sustentação para as estações de rádio base (ERBs), em que as retransmissoras de sinais de celular seriam tão nocivas quanto o próprio aparelho. O acúmulo de antenas podem ter um efeito similar à radioterapia – afirma o professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, Vítor Baranauskas – acrescenta ainda que um dos efeitos conhecidos da radiação é a hipotermia, aquecimento excessivo que produz diferentes temperaturas nas diversas partes do corpo e que tanto esse como o cérebro podem ter a sua atividade elétrica alterada. Obviamente algumas variantes deverão ser observadas: tempo de exposição à radiação, proximidade do campo que emite a radiação, etc. Estaríamos sendo omissos se expuséssemos à risco a saúde das pessoas e permitíssemos o dano efetivo ao meio ambiente apenas porque ausente a devida regulamentação no Brasil do assunto, ou porque os estudos são inconclusivos na elaboração de generalizações sobre os efeitos produzidos no homem e no meio. 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Assim, tem-se que ANATEL adota os parâmetros de segurança propostos pelo ICNIRP, cuja observância, segundo o consenso científico atual, asseguraria a inocorrência de efeitos nocivos à saúde humana ligados aos efeitos térmicos da radiação não-ionizante. Porém, ainda que respeitados os limites de exposição propostos pelo ICNIRP, a ciência não pode assegurar a ausência de riscos à saúde humana diante da existência de dúvida científica acerca da nocividade dos efeitos não térmicos da radiação não-ionizante. Na dúvida, a preservação da vida e do meio ambiente ecologicamente equilibrado deverão prevalecer. Impossível sujeitar a atual geração à exposição de radiações não-ionizáveis enquanto se aguarda um estudo definitivo e conclusivo sobre o tema. Isto poderá levar dezenas de anos. Até lá, inúmeras consequências à saúde coletiva e individual poderão surgir. Os poderes do Estado não podem enxergar o Direito do Ambiente como protetor do futuro. O presente urge, e exige ser agraciado por tal atenção. Como afirma o relatório da Agência Ambiental (fl. 89) “o assunto em pauta, trata-se de um novo tipo de empreendimento, sobre o qual ainda não foi firmado nenhum consenso técnico ou científico, com relação ao risco potencial à saúde pública, bem como, dos procedimentos necessários para o licenciamento ambiental e técnicas aplicáveis de controle.” Nada sobre essa matéria está definida, portanto, qualquer alegação que afirme estar dentro daquilo que se considere totalmente seguro estará destituída de veracidade e consistência. A OMS (Organização Mundial da Saúde), face ao crescente número de estudos que indicam a potencialidade lesiva das radiações não ionizantes, tem publicado critérios de saúde ambiental que estão, de certa maneira, indicando o aumento de restrições sobre a utilização de tais fontes. A regra mais simples ditada pela OMS, além 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia de outros órgãos ambientais sensivelmente preocupados com os níveis cada dia mais elevados de radiação não ionizante produzida pelas fontes artificiais, diz o seguinte: “...exposições do público em geral devem ser mantidas o mais baixas quanto possível. E os limites devem ser inferiores aos destinados a exposição de caráter ocupacional”. Indubitável, portanto, a necessidade de que sejam estabelecidos limites criteriosos para a realização de tal atividade, tendo em vista a inqüestionável existência de efeitos danosos aos seres humanos. Assim, a radiação não ionizante constitui sério problema no tocante à aspectos do meio ambiente, saúde e suas interações, merecendo enfoque interdisciplinar sobre todos os ângulos da atividade humana. Diante deste contexto, faz-se mister que medidas urgentes sejam tomadas, evitando-se, assim, que danos maiores venham a ocorrer. Segundo assevera Paulo Afonso Leme Machado: "Não podemos estar imbuídos de otimismo inveterado, acreditando que a natureza se arranjará por si mesma, frente a todas as degradações que lhe impomos. De outro lado, não podemos nos abater pelo pessimismo. A luta contra a poluição é perfeitamente exeqüível, não sendo necessário para isso amarrar o progresso da indústria, pois a poluição da miséria é uma de suas piores formas". (in Direito Ambiental Brasileiro, 3ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, pág. 296). Imprescindível, desta forma, harmonizar o desenvolvimento sócio-econômico de uma região com as atividades de proteção da qualidade do meio ambiente, controlando-se adequadamente a poluição ambiental. 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia A mera potencialidade lesiva justifica a tomada de medidas a evitar danos ao meio ambiente, mediante a aplicação do princípio da precaução. Trata-se de princípio básico do Direito Ambiental, tendo em vista que os objetivos deste são primordialmente preventivos. Por conseguinte, volta-se para momento anterior à da consumação do dano – o do mero risco. Isto porque o dano ambiental, muitas vezes, pode ser compensável, mas, sob a ótica da ciência e da ética, irreparável. Édis Milaré discorre que: “O Princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade de deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade (“Direito do Ambiente”, São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 102)”. Tal princípio, também denominado princípio da prevenção, consta expressamente do princípio 15 da “Conferência da Terra” (ECO 92) que assim estabelece: “Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de mediadas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente”. Disto pode-se concluir que milita, em favor do meio ambiente, a incerteza ou indefinição da ciência. Ao interessado em uma dada atividade deverá, por ônus que corre para si, a prova de que as intervenções por ele pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Passada a análise deste princípio, faz-se necessária a leitura de outro, conhecido como princípio do direito ao desenvolvimento sustentável. A conferência já noticiada anteriormente adotou o princípio nº 04, que informa: “Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele.” Em outras palavras, existente é o direito de desenvolver-se e realizar potencialidades, mas há o direito (que também acumula o papel de dever) de assegurar às gerações futuras as mesmas condições favoráveis que hoje existe. A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento define-o como aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras em atenderem suas próprias necessidades. Ainda, com o sentido de melhorar a qualidade da vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. Como resultado da união dos princípios até agora comentados, pode-se concluir que o equilíbrio ambiental deve ser assegurado para todos os seres que formam os vários ecossistemas, desde logo. Se a atividade apresentar risco, não pode ser continuada. Tal defluí do fato de que, para o futuro, se pode ter a certeza de que causará, ou não, danos ambientais, ou seja, estará protegida a geração futura. Contudo, não se pode deixar expor a atual geração, que não findará no momento em que surgir a próxima, mas a acompanhará durante longo período. Quer dizer, precaução e desenvolvimento sustentável acompanham-se. Consta na Agenda 21: 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia “A humanidade se encontra em um momento histórico de definição. Nós nos deparamos com a perpetuação das disparidades entre nações e no interior delas próprias, com o agravamento da pobreza, da saúde precária e do analfabetismo, e com a permanente degradação dos ecossistemas dos quais depende nosso bem-estar. Todavia, a integração das questões ambientais e do desenvolvimento conduzirá à satisfação das necessidades básicas, a uma qualidade de vida mais digna, a uma conservação e manejo mais adequados dos ecossistemas e a um futuro mais seguro e promissor para todos. Nenhum país poderá conseguir essa interação por iniciativa própria. Porém, através de uma parceria global conseguiremos atingir, juntos, o desenvolvimento sustentável”. O ambiente ecologicamente equilibrado é um bem comum ao uso do povo, chamado difuso, indisponível. Não podendo ser preterido por um interesse meramente patrimonial, disponível por seu titular. Surge assim uma ordem pública ambiental, pela qual o Estado (em sua ampla concepção, integrado por todos os seus poderes) assegurará o equilíbrio harmonioso entre o homem e seu ambiente. Prevalecendo, quando há dúvida, em favor dos interesses do meio ambiente, ou seja, in dubio pro ambiente. Conclui-se, portanto, que não pode haver o privilégio de um interesse patrimonial puro, disponível, em detrimento de um interesse público (ambiente e incolumidade pública), intransigível, possibilitando-se que este mesmo direito patrimonial imponha regras de vida e modos de conduta, desorganizando a vida social, para, apenas, obterem o lucro ao final. O progresso e a tecnologia deverão ser utilizados para melhoria da vida dos seres humanos, não como forma de causarem-lhes mais transtornos e prejuízos, bem como aos seres vivos. O que se quer, nesta Ação Civil Pública, não é obstaculizar o crescimento e o desenvolvimento de serviços de extrema utilidade pública 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia como a telefonia celular, mas sim, sujeitar as atividades econômicas à garantia da qualidade de vida dos cidadãos. 2.2. Da necessidade de licença ambiental As empresas requeridas carecem de licenciamento ambiental em relação a algumas antenas que já se encontram instaladas, caracterizando, assim, a irregularidade do empreendimento. Consta dos autos, segundo informações proferidas pela SEDEM que a empresa-ré Americel apresenta instalada no Município de Goiânia 59 (cinquenta e nove) torres, das quais apenas 38 (trinta e oito) unidades são licenciadas, sendo que em relação a também requerida Telegoiás Celular não foi sequer verificada a existência de qualquer licenciamento que autorizasse a instalação das antenas já existentes. A ausência do licenciamento ambiental denota a inadequação e ilegalidade da atual instalação, uma vez que não foi apresentado qualquer projeto técnico de implantação, nem tampouco, foi realizado qualquer estudo prévio técnico para se averiguar o potencial dos danos ambientais. Diz o artigo 23, da Constituição Federal, in verbis: "Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos MUNICÍPIOS: (...) VI - proteger o Meio Ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia O art. 225 da Constituição Federal, em seu inciso IV, estabelece para as obras que causem danos ao ambiente a exigência prévia de elaboração do estudo de impacto ambiental, "in verbis": "Art.225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Continua o § 1º, inciso IV, do citado artigo: “IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade" O artigo 10 da mesma Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) diz, in verbis: “Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação am`iental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, (...), sem prejuízo de outras licenças exigíveis.” (Grifo nosso). A responsabilidade das requeridas pelos danos causados ao meio ambiente é objetiva, não limitada casuisticamente, de forma que os poluidores ou predadores, além de cessar a atividade nociva têm a obrigação de recuperar e indenizar os danos causados (artigo 14, parágrafo 1º, c.c art. 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81). 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Tratando-se, ainda, de concessionárias de serviço público a responsabilidade é objetiva (art. 37, § 6º, da Constituição Federal), independentemente do disposto na Lei nº 6.938/81 e no Código de Defesa do Consumidor. Constatada na cidade de Goiânia a presença de agentes poluentes – radiação não ionizante – potencialmente lesivos ao meio ambiente e, por conseguinte, à saúde humana, a necessidade de licenciamento ambiental é medida que se impõe. Isto porque, a utilização do meio ambiente, por ser patrimônio público, prescinde de ato do Poder Público, a quem compete protegê-lo, segundo normas legais e constitucionais. Desta maneira, o licenciamento ambiental, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9a, inciso IV, da Lei n. 6.938/81), constitui, em verdade, instrumento de gestão do ambiente, tendo em vista que por seu intermédio “busca a Administração Pública exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico” (Édis Milaré, in Direito do Ambiente, ed. Revista dos Tribunais, pág. 313). A Resolução Conama 237/97, em seu art. 1º, inciso I, assim conceitua o Licenciamento Ambiental: “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar 23 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas aplicáveis ao caso”. Uma singela análise do “trâmite” do licenciamento, nos permite concluir da sua extrema necessidade, senão vejamos: 1. requerimento da licença e sua publicidade; 2. publicidade do recebimento do EIA/RIMA ou estudo similar; 3. realização, se necessário for, de audiência pública; 4. eventual emissão da licença requerida, que se dará mediante a expedição sucessiva de licença prévia, licença de instalação e licença de operação. As três primeiras fases asseguram, dentre outros benefícios, a participação da comunidade no processo de decisão. Neste diapasão, esclarece-se que o princípio da participação comunitária, que pressupõe o envolvimento do cidadão no equacionamento e implementação da política ambiental, foi consagrado no art. 225, caput, da Constituição Federal ao prescrever ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, bem como foi objeto da Declaração do Rio de 1.992. Somente desta maneira, viabiliza-se a intervenção dos cidadãos e de associações ambientalistas, que muito podem contribuir, no processo de decisão. De outra banda, facultar a participação da sociedade in casu, além de certa forma legitimar o exercício da atividade pelas empresas rés, também é 24 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia decorrência lógica do Estado Democrático de Direito, ou seja, a comunidade é a gestora primária dos seus interesses e de seu patrimônio. Inegável que a melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação dos cidadãos, ou seja, oportunizar a estes a participação em processos de tomada de decisões. Decisões não podem ser tomadas em razão apenas de imagens delimitadas por satélites, que arvorados em exclusivos detentores do saber, delimitam a melhor área destinada à futura instalação da antena, em desconsideração ao elemento humano. Cabe, portanto, ao Poder Público, não só permitir como estimular a conscientização e a participação pública, minimizando os efeitos maléficos do Poder econômico que aviltam o exercício da cidadania. A eventual realização de evento que possibilitasse a participação dos cidadãos poderia dirimir dúvidas que estão angustiando e preocupando a comunidade local, bem como permitiria a coleta de críticas e sugestões a respeito. A quarta etapa, por sua vez, assegura a efetivação do Poder Público como “guardião do meio ambiente”, bem como um maior monitoramento e fiscalização da atividade licenciada, principalmente com base na análise de “laudo técnico” ou estudo similiar acerca da atividade objeto do licenciamento almejado. Nem se diga que qualquer estudo de “mediação dos níveis de radiações não ionizantes emitidas pelas estações rádio-base do sistema de telefonia celular” realizado pela ABRICEM (Associação Brasileira de Compatibilidade 25 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia Eletromagnética), em outra Estação Rádio Base, poderá elidir a ausência de laudo radiométrico específico no presente caso. Isto porque, no procedimento de medição do espectro na ERB, leva-se em conta, dentre outros fatores, as fontes de emissões eletromagnéticas já existentes, a intensidade do campo, o índice de aglomeração urbana, etc. Por todo o exposto, impossível não condicionar o exercício do direito das empresas rés em desempenhar a atividade em comento à anuência da autoridade ambiental competente. Em síntese, pleiteia-se o licenciamento ambiental para que se atenda a finalidade precípua de satisfação às exigências legais imprescindíveis, tais como a participação dos cidadãos (princípio da participação comunitária) e elaboração de laudo comprovando-se a ausência de risco à saúde. Este esclarecimento é necessário diante da possibilidade de serem tomadas outras medidas judiciais para garantir o necessário equilíbrio e a melhoria das condições de vida das pessoas que residem e freqüentam as localidades afetada com a emissão da poluição gerada pela radiação não ionizante. Os princípios regedores da Ação Civil Pública outorgam poder ao juiz para, acolhendo a ação, dispor no sentido de que o comanda da sentença atinja de forma mais eficaz a tutela do interesse difuso objetivado, ou seja, a correlação entre a causa petendi e sentença há que ser vista com certos temperamentos. 2.3. Dos danos à paisagem. 26 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia De outra banda, preocupa-se o autor com os danos à paisagem de Goiânia que vem sendo agredida com a proliferação dessas ERB’s, as quais estão convertendo a nossa cidade em um paliteiro. Uma concepção moderna da expressão MEIO AMBIENTE abarca tanto o meio ambiente natural, quanto o cultural e o artificial. Na lição de José Afonso da Silva, “o conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico”. O direito fundamental à paisagem está tutelado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (L. 6938/81) e pela Constituição Federal, nos arts. 216 e 225. A paisagem é bem inalienável, e revela a memória cultural de uma sociedade. Nossa paisagem está se deteriorando. Ao contrário do que ocorre na maior parte das cidades européias e norte-americanas, nossos parâmetros no mundo ocidental, as ERB’s de Goiânia não são camufladas. Como se pode constatar o Poder Público Municipal, infelizmente, mantém-se inerte ao exercício do devido controle a respeito dos danos paisagísticos e, na prática, as empresas não tem dado qualquer tratamento paisagístico às suas ERB’s. Para comprovação disto basta um breve passeio pelas ruas da cidade com os olhos bem voltados para o alto. 2.4. Da afronta à função social da propriedade. Outro argumento, ainda, merece ser invocado. A Constituição Federal consagra a função social da propriedade. Não se aceita mais o direito 27 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia absoluto do proprietário de usar, gozar e dispor da coisa, ao arrepio dos interesses da coletividade, máxime quando há normas específicas proibindo determinados modos de fruição. LÉON DUGUIT (“in” “Les Transformations générales du droit privé depuis le Code Napoléon”, 19ème èdition, Paris; Félix Alcan, p. 151), ainda em 1920, criticando pioneiramente a noção individualista de propriedade, concluía que a propriedade privada possuía uma função social. À folha 158 da mesma obra, DUGUIT é categórico ao dizer: “todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função, na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora, o detentor da riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, pode cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação de necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está, em consequência, socialmente obrigado a cumprir esta missão que só será socialmente protegida se cumpri-lá e na medida que o fizer. A propriedade não é mais um direito subjetivo do proprietário; é função social do detentor da riqueza”. O fundamento da função social da propriedade, conclui-se, repousa no interesse social da coletividade, como um todo. Nas palavras sábias de José Nilo de Castro ( “in” Direito Municipal Positivo, Ed. Del Rey, p. 232, 1992), “O ordenamento jurídico pode e deve impor ao proprietário, para se alcançar a existência digna do homem e a justiça social, obrigações de fazer consistentes na própria utilização da coisa em prol da sociedade”. Cabe ao “dominus” utilizar a sua propriedade de acordo com o ordenamento jurídico. Cumpre ao Ministério Público, a seu turno, zelar pelo respeito a esse mesmo ordenamento, fazendo uso das vias judiciárias cabíveis, quando necessário for adequar esse uso ao interesse coletivo. Não se pode deixar, desta forma, que o interesse patrimonial imponha regras de vida e modos de conduta, ameaçando a segurança, salubridade, 28 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia conforto e estética da cidade, bem como desorganizando a vida social, para, apenas, obterem o lucro ao final. Deve-se, ao contrário, zelar pela preservação do ambiente e pela incolumidade pública. 3. DA NECESSIDADE DA MEDIDA LIMINAR Em razão dos argumentos ora aduzidos, a concessão de medida liminar é imprescindível para que cessem os danos e não acarrete maiores prejuízos ao meio ambiente e à saúde da coletividade. Visualiza-se, pois, pelo exposto, a urgência de solução da problemática causada pelas empresas requeridas e pela posição omissiva o município, estando presentes os requisitos necessários para a concessão da medida pleiteada, quais sejam: fumus boni iuris, consistente nos dispositivos legais retro mencionados e o periculum in mora, presentes no agravamento da situação e a ocorrência dos danos daí decorrentes. Destarte, quando das instalações das ERB’s, ignoraram aspectos a serem considerados, como aspectos urbanísticos, paisagísticos e exposição da população a campos elétricos magnéticos. A relevância do fundamento da demanda se encontra na franca colaboração no possível aumento considerável de poluição proveniente da difusão das ondas de radiação não ionizante em área habitada e com grande movimentação de pessoas. Violar princípios é mais danoso do que violar normas positivadas, pois, ocupam posição de preeminência e “exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, já que orientam, 29 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral, aí incluídos os próprios mandamentos constitucionais” (Roque Antonio Carraza, in Curso de Direito Constitucional Tributário, 14ª ed., Ed. Malheiros, pág. 36). Pondere-se que os cidadãos goianienses não podem ser obrigados a suportar o aumento de poluição radioativa que lhes será imposto pela atividade das requeridas aguardando, ainda, que após decorrido determinado lapso de tempo possamos considerar que os danos advindos de tal atividade são impossíveis ou de difícil reparação. O que deve prevalecer na análise e apreciação da liminar é o fato de estarmos diante de interesses considerados como difusos, pertencentes a todos, onde a saúde, a dignidade e a vida são a lei suprema que deve prevalecer e se sobrepor sobre qualquer argumentação. Daí a presença indelével do "fumus boni juris" e do "periculum in mora", realçando que o primeiro materializa-se na demonstração inequívoca do direito alegado e o segundo na inocuidade da imediaticidade do pedido, vez que a situação requer medidas rápidas e salvaguardoras. Faz-se necessário pois a concessão da medida liminar para: 1 – determinar ao Município de Goiânia, como obrigação de não fazer, não permitir a instalação de qualquer ERB’s em áreas residenciais sem o devido licenciamento ambiental o qual deverá ser precedido de estudo conclusivo sobre a inofensividade da radiação nãoionizante emitida pelas antenas; 2 – determinar ao Município de Goiânia que seja procedida a relocação das antenas instaladas em zona residencial dentro de prazo não superior a 6 (seis) meses, após findo o 30 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia prazo concedido às duas primeiras rés para a apresentação de laudo conclusivo acerca da inofensividade da radiação não-ionizante produzido pelas antenas. Neste caso o Município de Goiânia só se obrigará a relocação se os laudos forem desfavoráveis ou não forem apresentados dentro dos prazos estipulados por vossa excelência; 3 – determinar ao Município de Goiânia que, antes mesmo de verificado o cumprimento dos pedidos enumerados nos itens 1 e 2, proceda a notificação da empresas AMERICEL E TELEGOIÁS CELULAR (TCO), a darem cumprimento aos requisitos exigidos na resolução 001/2002 da SEPLAN em relação às antenas já instaladas, para que possam continuar em operação provisória até a apresentação e aprovação o laudo supra mencionado. 4 – determinar a Americel e a TELEGOIÁS CELULAR (TCO) que não procedam a instalação de nenhuma antena transmissora dentro da zonas residenciais, bem como na distância mínima de cem metros de escolas, hospitais, asilos, creches, maternidades e similares deste Município, sem o devido licenciamento a ser expedido pelo órgão municipal competente, o qual deverá estar instruído com o laudn conclusivo à cerca da não lesividade da radiação não ionizante produzida pelas antenas; 5 – determinar às rés Americel e TCO, como obrigação de não fazer, em estrito cumprimento aos princípios da prevenção e precaução mencionados nesta inicial e insculpidos na AGENDA 21 em seu princípio 15º e ainda na legislação pátria, lei 6.938/81, que apresente o laudo conclusivo supra mencionado sobre a inofensividade ou não da radiação não-ionizante das antenas instaladas na zona residencial em prazo não superior a 6 meses, o qual somente terá validade se devidamente aprovado por três instituições de renome nacional ligadas à área, a exemplo da UNICAMP, USP, UNB, CNEN e UFG, a critério de vossa excelência. 31 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia 7 – determinar à AMERICEL E TELEGOIÁS CELULAR (TCO) a desativação de todas as antenas de transmissão de celular, em prazo não superior a trinta dias, das ERB’s que não se enquadrarem nos requisitos exigidos na resolução 001/2002 da SEPLAN, mesmo antes da conclusão e aprovação do Laudo mencionado no item 2 supra. 4. DO PEDIDO Ante o exposto, o Ministério Público requer: 1 – a concessão da liminar nos termos supra mencionados; 2 – a citação dos réus para, querendo, contestarem a ação, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato; 3 – a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente a prova testemunhal, pericial e documental, bem como depoimentos pessoais dos representantes legais das requeridas; 4 – a procedência dos pedidos para condenar: 4.1 – o Município de Goiânia em nas seguintes obrigações de fazer e não fazer: a) não permitir instalação e funcionamento de qualquer estação de rádio base (ERB’s) dentro do perímetro urbano de Goiânia sem o devido licenciamento ambiental; b) não proceder o licenciamento para a instalação e funcionamento de antenas desprovido do laudo conclusivo, atestando a inofensividade da radiação, como mencionado no item 4 do pedido liminar, bem como, não autorizar a instalação e funcionamento das ERB’s que estejam em desacordo com a legislação local de uso do solo e instrução normativa 001/2002 da SEPLAN; 32 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de Goiânia c) promover a relocação das antenas transmissoras, já instaladas, nos moldes do pedido liminar; 4.2 – as demais rés nas obrigações de fazer e não fazer: a) a não instalação de novas antenas e a relocação das antenas já existentes na zona residencial de Goiânia, em caso de não comprovada a radiação não-ionizante emitida por seus equipamentos, nos moldes da liminar requerida, bem como as que não atendam as exigências da Instrução Normativa 001/2002; b) pagamento da importância de R$10.000,00 (dez mil reais) por cada uma das antenas instaladas e em funcionamento, a título de indenização pelos danos já experimentados pela população, a ser revertido para o Fundo Municipal do Meio Ambiente; 5 – pagamento de multa diária no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) em caso de desobediência ou descumprimento das obrigações acima. 6 – a publicação de Edital para se dar conhecimento a terceiros interessados e à coletividade, tendo em vista o caráter erga omnes da Ação Civil Pública. Embora seja de valor inestimável, dá-se a presente causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Goiânia, 19 de setembro de 2002. GEIBSON CÂNDIDO M. REZENDE Promotor de Justiça