CRIAÇÃO DE FONTES DIGITAIS A PARTIR DO ESTUDO TIPOGRÁFICO DO LIVRO LA GEOGRAFIA Caio Lucas Farias de Lima IFPE, Campus Recife - DASS [email protected] Josinaldo Barbosa da Silva IFPE, Campus Recife - DASS [email protected] Elizete Coelho IFPE, Campus Recife – DASS [email protected] Resumo Nossa pesquisa busca realizar um resgate histórico, estudando as tipografias que foram utilizadas na impressão do livro do século XVI La Geografia, de Claudio Ptolomeo Alessandro, no desenvolvimento de uma fonte digital. O desenho e as características da fonte a ser desenvolvida procuram fazer referência à tradição tipográfica do renascimento italiano no século XVI, capturando o desgaste do tempo e imperfeições de impressão, sob um processo experimental de desenvolvimento de tipografias digitais, utilizando a tecnologia Open Type. Palavras-chave: artigo, publicação, resumo (mínimo de 3 e máximo de 5). Abstract / resumen Our research intend to realize a historical rescue, studying the typographies that were used in the print of the sixteenth century book La Geografia, from Claudio Ptolomeo Alessandro, in the development of a digital type. The drawing and the type characteristics to be developed intend to make reference to the typographic tradition of the sixteenth century Italian Renaissance, capturing the wear of time and imperfections of print, in an experimental process of digital type development, using the Open Type technology. Keywords: paper, publication, abstract (mínimo de 3 e máximo de 5) 1. Introdução Na história da tipografia, o renascimento foi um período importante com a produção de tipos humanistas, ligados à razão e ao conhecimento. Usados em impressões de livros ligados às ciências, procuravam se afastar dos tipos góticos usados na impressão de obras religiosas. O livro La Geografia, de Ptolomeo, é uma importante obra científica publicada nesse período, com grande relevância na história da Geografia. Um exemplar do livro se encontra no acervo da biblioteca do Instituto Ricardo Brennand. A partir dele iniciamos nossa pesquisa, estudando as tipografias e utilizadas em sua impressão, para o desenvolvimento de uma fonte digital, sob um processo experimental de desenvolvimento e utilizando a tecnologia Open Type. O desenho e as características da fonte buscam fazer referência à tradição tipográfica do período e as características da impressão observadas nas análises. A pesquisa busca realizar um resgate histórico e contribuir com a atual produção tipográfica nacional. 2. Revisão bibliográfica O livro La Geografia, originalmente escrito em grego por Claudio Ptolomeo Alessandro, é uma obra lançada durante o período do renascimento, traduzida para o italiano por Girollamo Ruscelli. A obra aborda todo o conhecimento geográfico do período de Ptolomeo, que viveu no século II d.C., sendo dividido em duas partes, atualizada por Ruscelli com mapas cartográficos e informações geográficas de sua época. O livro é considerado um grande clássico para a geografia e conhecimento universal. Em tipografia, estamos inseridos no contexto da produção tipográfica italiana do século XVI, período em que já havia sido iniciada pelos escritores e acadêmicos humanistas europeus uma rejeição dos tipos góticos, ligados à religiosidade e também conhecidos como blackletter. Já predominavam as letras romanas e itálicas, whiteletter. Estes são caracteres que possuem formas mais largas e abertas, com menos densidade na página em relação com os tipos góticos. A preferência pela lettera antica fazia parte do Renascimento da arte e da literatura clássicas (LUPTON, 2006). As letras humanistas que surgem na renascença italiana dividem-se em dois grupos principais - romanas e itálicas -, derivadas, respectivamente das maiúsculas romanas e das minúsculas carolíngias. (BRINGHURST, 1992) As letras humanistas possuem a forte relação com a caligrafia presente em seu eixo oblíquo e traço modulado, semelhante à caligrafia com a pena, sendo também independentes sem relação de derivação entre si. Os tipos romanos eram utilizados em livros mais caros e prestigiosos enquanto as letras itálicas eram aplicadas em obras mais baratas pela economia de espaço que proporcionavam. Não havia caracteres caixa-alta para os tipos itálicos, que eram utilizados junto às versais romanas. No século XVI, os impressores começam a integrar formas romanas e itálicas em famílias tipográficas com pesos e alturas-x correspondentes, (LUPTON, 2006) gerando páginas com contraste tipográfico, alternando os textos entre romano e itálico. Figura 1 – Exemplo de tipografia romana humanista retirada do livro La Geografia Segundo BRINGHURST (1992), as características das primeiras letras romanas podem ser resumidas com: Hastes verticais; Bojos aproximadamente circulares; Traço modulado; Eixo humanista consistente; Contraste modesto; Altura-x modesta; Serifas de topo bem-definidas e inclinadas (em letras como b e r); Serifas de base bilaterais abruptas, chatas ou levemente abertas e espraiadas (em letras como r, l e p); Terminais abruptos produzidos com traço de pena nas letras a, c, f e r; Barra ascendente no e, perpendicular ao eixo do traço; A fonte romana é solitária (não há itálico ou bold); Nas formas posteriores, no século XVI em diante (contexto do La Geografia), as letras são sutilmente suavizadas e ficam mais contidas; As serifas de topo aproximam-se mais da forma de uma cunha; As serifas de base ficam menos abruptas e mais adnatas (fluindo suavemente em direção à haste); Os terminais das letras c, f e r tornam-se menos abruptos e aproximam-se mais da forma de gota; A barra do e fica horizontal; Também identificamos o estilo itálico maneirista. Com o itálico maneirista se usam caracteres versais romanos com eixo oblíquo que exercem função de caixa-alta no texto (figura 2). Figura 2 – Exemplo de tipografia itálico maneirista com o uso em conjunto com o versal romano de eixo oblíquo. (retirada do livro La Geografia) Segundo BRINGHURST (1992), podemos resumir as características das letras itálicas em: Hastes verticais ou de inclinação bem regular, não excedendo 10°; Bojos geralmente elípticos; Traço leve e modulado; Eixo humanista consistente; Baixo contraste; Altura-x modesta; Formas cursivas com serifas de entrada e saída bem definidas e oblíquas; Descendentes serifadas dos dois lados ou não serifadas de todo; Terminais abruptos ou em gota; Caixa-baixa itálica com versais romanas pequenas e eretas, e ocasionalmente com capitulares caudais; de resto, o itálico é inteiramente independente do romano; São apresentadas no La Geografia também diversos tipos de capitulares. Existem capitulares com desenho versal romano, bem ornamentadas, utilizadas em início de parágrafo ou página, apresentam referências aos ideais, mitos clássicos e valores morais (figura 03). Figura 3 – Exemplo de capitular ornamentada (retirada do livro La Geografia) Geofroy Tory foi um importante tipógrafo e estudioso das artes gráficas, que participou do resgate das capitulares no século XVI. Em sua obra Champ Fleury apresenta a influência que a ciência, os ideais clássicos e os valores morais exercem na construção das formas dessas letras. 3. Metodologia Esta pesquisa iniciou-se com um levantamento de dados sobre o livro La Geografia, seu contexto histórico, verificação das edições produzidas, a língua em que foi escrito, quais foram os impressores, o autor e tradutor, como é organizado o livro e a sua importância histórica e para a sua área do conhecimento. Com tais dados recolhidos tivemos mais informações sobre o exemplar disponível no acervo da biblioteca do Instituto Ricardo Brennand. Para análise das tipografias utilizadas no livro La Geografia, foram retiradas fotos dos caracteres e das páginas do exemplar do acervo do IRB, que foram ampliadas, impressas e encadernadas, facilitando a visualização das fontes, de caracteres especiais, ligaturas, sinais de pontuação e outros possíveis elementos tipográficos. Em um segundo momento, após as primeiras análises, fotografamos novamente o livro La Geografia. O foco agora foram às páginas que apresentavam capitulares, grande quantidade e variedade de caracteres (romano, itálicos e de corpos diferentes) e também aquelas que apresentavam caracteres com desenho diferenciado. Foram registradas também as letras capitulares, com adorno e sem, assim como exemplares dos estilos de letras. A partir das análises das fontes e discussão do grupo de pesquisa foi escolhida a itálica maneirista como tipografia que seria trabalhada nas etapas seguintes do projeto. A partir das novas fotos obtidas, foram feitos recortes dos caracteres itálico maneiristas. Foram selecionados: caracteres caixa-baixa, caixa-alta, algarismos, sinais de pontuação, ligaturas e caracteres especiais. Os arquivos com os caracteres selecionados foram organizados em pastas identificando cada glifo e cada caractere teve vários glifos selecionados. Os recortes não foram editados, de forma a preservar nas letras os ruídos e desgaste da impressão e do tempo, elementos que serão importante referência no momento de estudo e definição da forma dos caracteres para desenho e vetorização. Com os caracteres recortados e selecionados, foi iniciada a construção de um mapa que mostre os glifos representativos de cada caractere presentes no livro. Este mapa possibilita a visualização dos caracteres existentes no livro (figura 4). Figura 4 – Trecho do mapa de caracteres da tipografia itálica maneirista 4. Resultados e Discussão A partir da análise das tipografias encontradas no La Geografia e um estudo sobre o seu período de impressão, fomos capazes de identificar os estilos tipográficos utilizados. No entanto, não nos foi possível precisar sobre a autoria das fontes e nem seus respectivos tipógrafos Temos no próprio livro informações sobre autor, ano, impressor e local de impressão, mas não há nenhuma referência sobre as fontes tipográficas utilizadas. Na bibliografia pesquisada também não encontramos referência sobre o assunto. É pontuada a importância do livro, quem foi o autor e impressores, entre outros fatos relacionados à obra. Desta forma, e considerando a dificuldade atual de se identificar uma determinada fonte, nos limitamos a reconhecer seu estilo e características. Dentre as fontes encontradas no livro, temos exemplos de caracteres gregos (figura 5), e também o romano humanista (figura 1) e o itálico maneirista (figura 2). É importante salientar que estas fontes de mesmo estilo, apresentam-se em vários tamanhos, caracterizando várias fontes, tendo em vista a tecnologia de impressão da época. Figura 05 – Exemplo de caracteres gregos (retirado do livro La Geografia) Foram encontradas capitulares romanas não ornamentadas (figura 6). Identificamos grupos de capitulares ornamentadas (figura 7) que apresentam o mesmo desenho, indicando serem o mesmo tipo impresso, ou um desenho de mesmo tema, mas com forma diferente, como nível de detalhes e espessura do traçado. Talvez sejam indicadores de talhadores, ou de caixa de tipos diferentes. Figura 06 – Exemplo de capitular versal romana sem ornamentos (retirada do livro La Geografia) Figura 07 - Capitulares ornamentadas (Retirado do livro La Geografia) Há casos em que as versais romanas oblíquas são utilizadas como capitulares (figura 7). Nesses casos, elas costumam estar inseridas dentro de uma margem, que corresponderia ao tamanho de uma capitular como as das figuras 3, 6 e 7. A substituição pelas versais romanas oblíquas pode indicar a possibilidade da falta de tipos capitulares de determinada letra no momento de composição da página. Figura 08 – Exemplo de capitular versal romano oblíquo (Retirado do livro La Geografia) Foi montado um mapa de caracteres com 6 (seis) amostras de cada glifo por letra, excetuando o “k” e o “x”, que só foram encontrados um exemplar. Não foram encontrados os caracteres “j” e “w” na tipografia itálica maneirista presente no livro. Com o recorte e a seleção dos caracteres da tipografia itálica humanista foi montado um mapa de caracteres. Procurou-se registrar com as amostras suas características singulares de ruídos de impressão e formatos diferenciados. Foram encontrados dois caracteres que aparentemente representam o “y” (figura 9). O segundo caractere aparenta ser o “y” com trema “ÿ”, no entanto, também é uma forma alternativa da ligatura “ij” em flamengo (BRINGHURST, 1992, p. 349), a partir dessa hipótese, há possibilidade de desenvolver o caractere “j” que não foi encontrado com o desenho deste glifo. Figura 09 Nas primeiras observações sobre o livro, foi identificado um caractere que aparentava ser um “f” sem barra, que tem uma versão romana (figura 10) e itálica (figura 11). Após outra análise identificamos o caractere como um s longo, que em sua versão romana apresenta uma espora à esquerda. O uso desse caractere proporciona a utilização de várias ligaturas, em especial a eszett (figura 12), formada por “s” longo mais “s” curto, resultando numa forma próxima ao beta “β” grego. Figura 10 Figura 11 Figura 12 5. Conclusão Nossa pesquisa até a etapa atual conseguiu fazer um levantamento de dados sobre o autor, história e importância do La Geografia no contexto da renascença italiana. Conseguimos o acesso a diversas edições do livro digitalizado, em formato pdf, mas nossas análises e estudos não teriam sido tão produtivos sem o apoio da biblioteca do Instituto Ricardo Brennand, que sempre nos permitiu o acesso direto ao exemplar de que dispõem em seu acervo. O levantamento de dados sobre as tipografias do livro não pôde identificar seus nomes e autores pelas razões já citadas de falta de acesso a registros, e pelo fato de termos apenas as impressões dos caracteres nas páginas, que estão passíveis de sofrerem deformações alterando seus desenhos originais. Identificamos os estilos tipográficos utilizados, de acordo com o período, e a partir disso pudemos avançar nas análises, levantamento de dados e montagem do mapa de caracteres, necessários para as próximas etapas a seguir, sobre a definição do desenho dos caracteres da fonte digital e vetorização. Referências BRINGHURST, Robert. Elementos do Estilo Tipográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2006. LUPTON, Ellen. Pensar com tipos: um guia para designers, escritores, editores e estudantes. São Paulo: Cosac Naify, 2009. BUGGY. O MECOTipo. Recife: Tipos do aCASO, 2007. VIEIRA, Silvânia Cosmo Esmerindo. Joaquim Nabuco Uma fonte de simulação caligráfica inspirada na memória. Recife: UFPE, 2012. SMEDRESMAN, Gabe. Printing History: “Geofroy Tory's Champ fleury in the context of the renaissance reconstruction of the Roman capital alphabet”. 2008, p.10. Disponível em: <http://go.galegroup.com/ps/i.do?id=GALE%7CA206688479&v=2.1&u=capes58&it=r& p=AAON&sw=w>. Acessado em 4 out. 2012. BROWN, Frank Chouteau. Letters and Lettering A Treatise With 200 Examples. Boston, 2007. Disponível em: < http://www.gutenberg.org/ebooks/20590#download>. Acessado em 14 out. 2012.