2º Centenário das Invasões Francesas A Corte Portuguesa no Brasil (1808 – 1821) – 3ª Parte / A O regresso da paz à Europa. Depois de vinte anos de guerra, a 11 de Abril de 1814, Napoleão assinava, em Fontainebleau, a capitulação, retirando-se para a ilha de Elba, sendo-lhe ainda permitido conservar o título de imperador que, como expressão política, nada valia. Ao mesmo tempo era restaurado o trono dos Bourbons e reconhecida a realeza ao Duque da Provença, irmão de Luis XVI, que tomou o título de Luis XVIII, seguindo-se a Convenção de Paris celebrada entre a França e os aliados, a fim de proceder à suspensão das hostilidades. De acordo com o Tratado, assinado a 30 de Maio de 1814, a França comprometia-se a aceitar e a reconhecer as fronteiras anteriores a 1792, ou seja, como estavam definidas nas vésperas do expansionismo napoleónico. Sobre os restantes problemas, as potências vencedoras tomaram a resolução de se reunir em congresso onde se procurasse regular o equilíbrio europeu, deliberando acerca dos territórios de que Napoleão se apossara. Foi em Viena, capital da Áustria, que monarcas e diplomatas se reuniram para reorganizar as relações internacionais do Velho Continente e onde, desde Setembro de 1814, se concentraram os olhares dos europeus. Cerca de cem mil pessoas, segundo as estimativas – czares e imperadores, reis e grão-duques, duques e ministros, assessores, comerciantes, rameiras, banqueiros, bispos, generais, e um sem-número de criados – viajaram até Viena para participar no «maior acontecimento social e diplomático da história moderna», na opinião de todos os historiadores, actuais e contemporâneos. Carlos Jaca 1 No Tratado de Paris acordou-se, inicialmente, que todos os Estados signatários (Inglaterra, Rússia, Prússia, Áustria, Suécia, Espanha, Portugal e França) participassem no Congresso, só que as primeiras quatro potências, os «Quatro Grandes», considerando-se os verdadeiros vencedores decidiram serem eles a assumir a presidência e a direcção do Congresso. Durante as negociações preparatórias, iniciadas a 16 de Setembros de 1814, os «Quatro Grandes» acordaram secretamente em se reservar o direito de ditar a última palavra sobre os problemas de ordem territorial. O facto é que, os seus principais representantes, Castlereagh, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra, o Príncipe de Metternich, Chanceler austríaco, o Conde de Nesselrode, Secretário de Estado da Rússia e o Chanceler Hardenberg, representante da Prússia, reuniram-se sem convocar as restantes potências. A isto reagiu a França por intermédio do seu Ministro dos Estrangeiros, Talleyrand, que acabou por conseguir, graças à sua experiência e tacto diplomático, romper o bloco constituído pela Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria, de modo que os oito signatários pudessem passar a sentar-se à mesa das negociações sem que, afinal, se chegasse a realizar qualquer assembleia plenária onde participassem representantes dos pequenos Estados. Mesmo assim, a situação não deixava de ser complicada no próprio bloco director, agora com a França incluída. A Inglaterra pretendia isolar a França, de modo a ficarem anulados os seus intentos bélicos e “ensanduichando-a” entre vizinhos poderosos; a Rússia, que pretendia ser considerada como a «libertadora da Europa», tinha como objectivo aumentar os seus domínios na Polónia e na Saxónia; a Áustria pretendia alargar o seu território à custa da Itália e poder interferir na nova reorganização da Alemanha; a Prússia aspirava a unificar os seus territórios ocidentais com os antigos territórios germânicos, a leste do rio Elba e, ainda, assegurar o predomínio da Alemanha. Em contrapartida, a França preocupava-se em não ser obrigada a aceitar excessivas perdas e, sobretudo, a ser reconhecida pelas grandes potências, como uma delas. A reorganização da Europa teria de se ajustar a este jogo de interesses, situação que só depois de difíceis e prolongadas negociações, ameaçadas, não poucas vezes, por uma declaração de guerra se conseguiu. Carlos Jaca 2 Portugal no Congresso de Viena. Plenipotenciários ao Congresso. Portugal não esteve, praticamente, representado na reunião de Paris, preparatória do Congresso, tendo sido a Inglaterra que se ocupou de lhe defender!!! os interesses, limitando-se o delegado português, o Conde do Funchal, D. Domingos de Sousa Coutinho, irmão de D. Rodrigo, Conde de Linhares falecido em 1812, a assinar o Tratado de 30 de Maio de 1814, e mesmo assim só alguns dias depois de o terem feito os representantes das grandes potências. Efectivamente, a nossa posição era subalterna em termos políticos, porquanto a ausência da Corte no Brasil enfraquecia a legitimidade dos nossos direitos e, também, pelo facto da acção dos nossos diplomatas ter forçosamente de gravitar na órbita inglesa: «Tal será sempre a sorte de todo o Estado que, para conservar a sua independência contra o ataque de um inimigo, carece de se entregar nas mãos de um aliado poderoso e cheio de ambição e orgulho». Porém, este “statu quo” iria sofrer profundas alterações. A mais de seis meses da abertura do Congresso de Viena, Araújo de Azevedo, em breve, Conde da Barca, afastado em 1807, e que Linhares tanto acusara de alta traição, é chamado de novo ao Gabinete. Tido, como se sabe, por adversário das posições da Inglaterra, Strangford, representante diplomático britânico, protestou violentamente contra a sua nomeação. Certamente, por via disso, o Príncipe Regente não lhe terá confiado a pasta dos Estrangeiros e Guerra, atribuindo-lhe a da Marinha e Colónias, o que não impediu Araújo de ser o verdadeiro condutor da política externa portuguesa. A esta nova orientação do Governo do Rio, em que se achavam empenhados o Príncipe Regente e o seu novo ministro, não será de estranhar a nova situação internacional, pois as perspectivas alimentavam a esperança de Portugal encontrar na Europa novos pontos de apoio, alargando as nossas relações externas, limitadas desde 1808, no fundamental, aos laços liberais do Gabinete de S. James. Carlos Jaca 3 A pouco e pouco verificava-se que as relações com a Inglaterra não eram já as melhores. Significativo é o facto do Príncipe Regente solicitar a S. M. B. a substituição de Strangford que, devido às suas insolências e ao seu inconveniente envolvimento na política portuguesa, se viu constrangido a regressar à Europa. Neste caso, será de levar em conta a influência de Araújo de Azevedo, bem como uma das primeiras decisões tomadas acerca do Congresso de Viena: o afastamento do Conde do Funchal, do número dos plenipotenciários, que representariam Portugal em Viena. Em ofício de 26 de Março, para com o Príncipe Regente, já o Conde da Barca afirmava que se com tal embaixador em Londres era «impossível terminar negócio algum favoravelmente à Coroa de Portugal, para os negócios do Congresso seria tão prejudicial como tem sido para todos os outros». Acabou por ser transferido para Roma. Em Viena, Portugal fez-se representar por D. Pedro de Sousa Holstein, Conde, depois Duque de Palmela, e que então desempenhava as funções de ministro de Portugal em Londres, cabendo-lhe a chefia da missão; António Saldanha da Gama, antigo governante de Angola e do Maranhão, que provavelmente desempenharia o papel de “expert” em matéria de trafico de escravos e D. Joaquim Lobo da Silveira, nosso ministro em Sampetersburgo. Ainda por indicação de Araújo, foi Ambrósio Reis nomeado Conselheiro e Secretário Geral da legação. As questões de grande interesse nacional. O primeiro obstáculo que se deparou aos representantes de Portugal tinha a ver com a própria participação no Congresso e, ainda, com a constituição de uma comissão restrita, os «Quatro Grandes», à qual caberia a preparação das grandes decisões o que, à partida, excluiria a legação portuguesa da fase preparatória e, consequentemente, da sua intervenção nos casos mais importantes. A situação era extremamente complicada, uma vez que Portugal enfrentava a oposição das outras potências, não só pelo facto da inclusão portuguesa ser considerada como preocupante pelos Estados de igual dimensão, mas também como uma forma de reforçar a influência britânica, dada a imagem da dependência do nosso País em relação à Inglaterra. Palmela, lutando contra o facto de Portugal ser considerado um protectorado inglês, ou uma potência de 3ª classe, lançou uma proposta que acabou por ser aceite por Carlos Jaca 4 todas as partes: a inclusão na comissão restrita de todas as nações signatárias da paz geral de Paris, isto é, Portugal e a Suécia, obviamente as quatro potências principais e a França e a Espanha, que ascendiam assim a uma posição de paridade com as nações da «Quádrupla Aliança» e porque convinha especialmente à Grã-Bretanha, que via assim contida influência a dos impérios continentais. Depois de resolvido o problema da presença de Portugal na direcção formal do Congresso, os plenipotenciários portugueses defrontavam-se, agora, com as questões de fundo que interessavam ao nosso País e que se limitavam a três: restituição da Guiana à França, com a respectiva fixação dos limites com o Brasil, a recuperação de Olivença e, sobretudo, com a abolição do tráfico de escravos. Esta última era uma questão essencial, não só por si própria, mas também pela influência que viria a ter em algumas compensações obtidas a partir de cedências da nossa parte, às quais, de qualquer modo, não podíamos fugir. Abolição do tráfico de escravos – Era forte o desejo da Inglaterra em promover o movimento abolicionista, tendo o Parlamento votado, em 1801, o tráfico de escravos. Nas conferências de Paris, de 1814, também este assunto foi tratado e, em Viena, Talleyrand na sessão de 10 de Dezembro, propôs que as duas potências se comprometiam ou obrigavam a «unir os seus esforços no Congresso para fazer declarar por todas as potências da cristandade a abolição do tráfico de negros». Foi este o primeiro ponto, questão essencial, a tratar pelos plenipotenciários portugueses, através de contactos bilaterais com os representantes britânicos, num encontro com Castlereagh, a 9 de Novembro de 1814. O ministro inglês, «depois de falar em geral sobre o comércio da escravatura, sobre a popularidade que a abolição deste negócio tinha em Inglaterra e sobre os Carlos Jaca 5 insultos e invectivas que ele havia sofrido em Londres por não ter conseguido do governo da França a abolição imediata deste tráfico», informou que a Grã-Bretanha não abdicava de alcançar do Congresso a extinção definitiva do comércio negreiro, no prazo máximo de cinco anos já estabelecido pela França no Tratado de Paris, se não pudesse realizar-se de imediato; devendo, em todo o caso, cessar desde já a exportação de mão-de-obra africana a norte do equador. E mais, como meio de pressão a utilizar contra os países que se recusassem a colaborar nestes objectivos, afirmava que «se propunha a pedir a todas as Potências, que não admitissem os géneros coloniais daquelas que não quisessem aceder ao sistema da abolição da escravatura…». A situação dificultava o campo de acção dos nossos plenipotenciários, deixando-os em maus “lençóis”, essencialmente, pelo seguinte: seis meses antes, a 16 de Junho de 1814, haviam recebido ordens para se imporem terminantemente ao desejo do governo britânico que, como se referiu, consistia em terminar definitivamente com o comércio de escravos. As instruções enviadas aos negociadores portugueses eram, de facto, absolutamente intransigentes: «A ruína deste vasto e precioso território do Brasil é infalível, se a Inglaterra consolida com a união de outras Potências. Portanto fará V. Ex.ª quantas diligências forem praticáveis para a evitar, tratando gravemente sobre esta matéria com o ministro de Estado que acompanha o Imperador da Rússia, ou com os seus plenipotenciários, para os sondar ou convencer a este respeito. Este assunto é tão grave que Sua Alteza Real determina (quando não seja possível evitá-lo por outro modo) que V. Ex.ª declare que tem ordem positiva para se recusar à assinatura, e somente na última extremidade poderá assinar “sub spe rati”, fazendo juntamente com os seus colegas um protesto contra esta exigência forçada». Considere-se, ainda, que as dificuldades não deixavam de ser agravadas pelas comunicações Viena – Rio – Viena, pelo facto de impedirem o curso normal das Carlos Jaca 6 negociações. Mais de quatro meses mediavam entre o momento em que se enviava uma informação na Europa e aquela em que se recebia a resposta da América. Daí, não admirar o inevitável desfasamento entre a legação portuguesa em Viena e o Governo sedeado no Rio, acontecendo até, devido à celeridade dos acontecimentos na Europa, que boa parte das instruções estivessem já ultrapassadas no momento em que eram redigidas. Refira-se que só a 8 de Janeiro de 1815 chegou ao Conde de Palmela a comunicação oficial da Corte do Rio de não ratificar o Tratado de Paris, concluído a 30 de Maio de1814. Acontece que a entrevista com Castlereagh terá convencido Palmela e os seus colegas de legação a transigir, afastando-se das instruções enviadas do Rio, visto retirarem-lhes qualquer espaço de manobra. Assim, dois dias depois, a 11 de Novembro, os representantes portugueses assinaram uma «declaração» onde se responsabilizavam pela alteração da linha indicada pelo nosso Governo e dispostos a negociarem com Castlereagh a «fixação de limites temporais e espaciais ao tráfico de escravos». Os delegados portugueses concluíam que seria uma difícil e inútil empresa a oposição à exigência da Grã-Bretanha, pelo que entendiam resultar «um mal menor em fazer pagar ao Governo inglês a condescendência que exige de Sua Alteza Real o Príncipe nosso Senhor, do que em permitir que essas concessões nos sejam arrancadas violentamente pelas negociações da Potências unidas no Congresso…». Perante esta situação, não havia, consideravam, outra alternativa: embora reconhecendo que para tanto não tinham mandato, era conveniente tomar a iniciativa das negociações com a Grã-Bretanha sobre o tráfico de escravos, anuindo em limitá-lo e aboli-lo a prazo, situação que mais tarde ou mais cedo seria inevitável, mas impondo condições e obtendo vantagens que de outro modo se não conseguiriam. Porém, a legação portuguesa apontava para um outro tipo de considerações que ultrapassava a esfera do tráfico de escravos: a restituição de Olivença, a fixação dos limites da Guiana e anulação do Tratado de 1810. Perante tão ponderosos motivos, Palmela, Saldanha da Gama e Lobo da Silveira decidiram “saltar” por cima das instruções enviadas do Rio de Janeiro e adoptar a orientação possível: «Concordámos, pois, em condescender em última instância com as vistas da Inglaterra, proibindo o comércio da escravatura a norte do equador desde a ratificação do Tratado a concluir entre os dois países, conservando-se por espaço de oito anos ao sul desta linha […]». Carlos Jaca 7 Estavam as “coisas” nesta conformidade quando, e já o referi, a 8 de Janeiro de 1815, chegou a Viena a comunicação oficial da Corte do Rio de não ratificar o Tratado de Paris de 30 de Maio de 1814. Obviamente, que ao terem conhecimento da não ratificação do Tratado, passados longos meses da sua assinatura, os enviados portugueses a Viena não deixaram de ficar, justificadamente, apreensivos porquanto as negociações, que então, estavam em curso, ultrapassavam largamente as instruções enviadas do Rio e, nesta circunstância, os nossos representantes temiam, naturalmente, a má impressão que a notícia iria causar aos plenipotenciários estrangeiros. Perante tão delicada situação, em que as apreensões de Palmela, Saldanha da Gama e Lobo da Silveira eram tanto mais justificadas quanto estavam convictos que precisavam de criar um ambiente geral de simpatia, sem o qual não era possível fazer vingar os pontos de vista portugueses nas questões a debater no Congresso, acordaram em prosseguir os contactos pendentes com Castlereagh, representante inglês e…resolveram transigir. O processo não podia padecer demora, nem era momento para hesitações, por conseguinte, Palmela, em 12 de Janeiro, avançou com uma proposta à qual o ministro britânico apenas opôs objecções sem qualquer relevância e que veio a servir de base ao acordo formalizado na convenção e no tratado assinados a 21 e 22 de Janeiro, respectivamente. Pela convenção, a Grâ-Bretanha disponibilizava a Portugal uma soma de 300.000 £, para «satisfazer as reclamações feitas dos navios portugueses apresados por cruzadores britânicos antes de 1 de Junho de 1814»; quanto ao tratado, o seu principal objectivo era a proibição do tráfico de escravos por súbditos portugueses, a norte do equador, a sul o tráfico continuaria a ser permitido, mas apenas a partir dos domínios portugueses ou nos territórios sobre os quais a Coroa de Portugal reservava os seus direitos no tratado de aliança de 1810, e com destino às «possessões transatlânticas» dessa mesma Coroa, ficando interdita a utilização da bandeira portuguesa para fornecer escravos às colónias de outros Estados. O nosso Governo comprometia-se, ainda, a «fixar por um tratado separado [com a Grã-Bretanha] o período em que o comércio de escravos [houvesse] de cessar universalmente e de ser proibido em todos os domínios de Portugal»; em contrapartida, a Inglaterra aceitava em «desistir da cobrança de todos os pagamentos que ainda restava fazer para completa solução do empréstimo de 600.000 libras esterlinas, contraído em Londres por conta de Portugal no ano de Carlos Jaca 8 1809»; anuía a que se declarasse nulo «e de nenhum efeito em todas as partes» o tratado de aliança de 1810, mas ressalvando a validade dos «antigos tratados de aliança, amizade e garantia», que se tinham por renovados; conservava-se ainda em vigor o artigo secreto que impedia o estabelecimento da Inquisição no Brasil. Ao comentar os dois acordos de 21 e 22 de Janeiro, em ofício remetido para o Rio, os plenipotenciários portugueses ao Congresso de Viena, consideravam-nos como uma vitória notável da sua diplomacia. Terminadas, no essencial, as negociações sobre o tráfico dos escravos, cumpria, agora, à legação portuguesa tentar resolver no Congresso as questões da Guiana e de Olivença. A Guiana Francesa – Quando, em Paris, se reuniram pela primeira vez, os delegados das várias nações que tinham estado em guerra com Napoleão, o artº 10º do Tratado estipulava a restituição do território da Guiana Francesa, que uma expedição brasileira, com o apoio naval da Inglaterra, tomara em começos de 1809. Esta colónia francesa continuava sob o domínio português, que se desejava conservar a título de indemnização pelas «exorbitantes extorsões e incomensuráveis danos que por espaço de vinte e dois anos a França fez a Portugal (e de que a mesma Guiana é ainda não equivalente compensação), além das avultadas despesas que na presente guerra tem feito, cooperando com tanta eficácia para a restauração da Monarquia Francesa». O delegado português, Conde do Funchal, teve de transigir na restituição da Guiana, em face das imposições que lhe fizeram, declarando, no entanto, que pela «inserção do artigo 10º não entende desistir em nome da sua Corte do limite do Oyapock (isto é, do rio que desemboca no Oceano entre o 4º e 5º grau de latitude Norte) entre as duas Guianas Portuguesa e Francesa, limite que lhe é prescrito nas suas instruções absolutamente sem interpretação ou modificação alguma, já como direito reconhecido pelo tratado de Utrecht, já como indemnização pelas reclamações de Portugal a cargo da França». Como era de prever que tal restituição trouxesse consigo novamente a discussão relativa à fronteira portuguesa na região do Amazonas, o Tratado, prevenindo-a, determinava: «Fazendo o efeito desta estipulação reviver a contestação existente naquela época a respeito dos limites, fica convencionado que esta contestação será terminada por um arranjamento amigável entre as duas cortes, debaixo da mediação de Sua Majestade Britânica». Carlos Jaca 9 Efectivamente, o Governo do Rio ao ter conhecimento do Tratado de Paris, pelo qual no seu artigo 10º, nos obrigávamos a restituir a Guiana à França, decidiu que o Príncipe Regente o não ratificasse nas condições estipuladas, situação que só veio a resolver-se durante os trabalhos do Congresso. Assim foi. Após demorada análise da situação, e ao fim de porfiados esforços, os nossos plenipotenciários conseguiram que, embora cedendo a Guiana, o limite entre os territórios portugueses e franceses, ao norte do Amazonas, fosse aquele que nós pretendíamos, e que ficou estabelecido no artº 107 do Tratado final de Viena, em 9 de Junho de 1815. Restituição de Olivença – Quando a 20 de Maio de 1801, as tropas espanholas violaram a nossa fronteira, consequência das fortes pressões napoleónicas, Olivença entregou-se sem resistência. Os tratados de Badajoz, (6 de Junho) e de Madrid (29 de Setembro) daquele ano, ratificaram a conquista, embora ao ser assinado o tratado de paz entre a França e a Inglaterra se tivesse criado a esperança em recuperar a Praça fronteiriça, uma vez que o seu artigo 6º determinava que os territórios e possessões de Sua Majestade Fidelíssima seriam mantidos na sua integridade, só que…um artigo secreto sancionava a sua extorsão. Também, no princípio de 1810, D. Pedro de Sousa Holstein, encontrava que em então se Madrid, instruído para pugnar pelos direitos de D. Carlota Joaquina ao trono de Espanha, conseguiu negociar com o Conselho de Regência, um tratado de aliança que no seu artigo 4º declarava: «A fin de borrar enteramente la memoria de las funestas disensiones, que existiam entre las dos monarquias contra los interesses de ambos, consiente el gobierno español en que la ciudad de Olivenza, su territorio y dependencias sean reunidas de nuevo á perpetuidad á la corona de Portugal…». Por su parte, Su Alteza Real, el Principe Regente de Portugal, atendidas las reclamaciones á que la España piensa tener derecho en la América meridional, fundado en el tratado de limites de 1777, conviene en que nombren por ambas partes un igual número de comissarios Carlos Jaca 10 encargados de verificar qualquer infraccion involuntaria, que pueda haver tenido el referido tratado de limites en las posesiones de las dos coronas, en la América meridional, debiendose en un plazo indicado restablecer exactamente en su vigor todo lo que se estipuló en el sobredicho tratado». A não concretização deste tratado terá ficado a dever-se ao facto da Inglaterra não ter conveniência numa relação estável entre os dois países ibéricos, mas também ao desinteresse manifestado pela Corte do Rio de Janeiro. No Tratado de Paris de 30 de Maio de 1814, Olivença era-nos indirectamente restituída, porquanto no artigo 3º dos adicionais declarava-se que «especialmente os tratados assinados em Badajoz e Madrid em 1801, ficam nulos e sem nenhum efeito» em virtude «de que o estado de guerra entre as duas potências anulava os tratados e convenções anteriores». A questão de Olivença viria a ser tratada novamente no decurso dos trabalhos do Congresso de Viena. Aqui, os plenipotenciários portugueses esforçaram-se por conseguir o apoio das potências nas suas pretensões, logrando inserir no Tratado um artigo, o 105, que determinava textualmente: «As Potências, reconhecendo a justiça das reclamações formuladas por Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal e do Brasil, sobre a vila de Olivença e os outros territórios cedidos à Espanha pelo tratado de Badajoz de 1801, e considerando a restituição destes objectos como uma das medidas adequadas a assegurar entre os dois Reinos da Península aquela boa harmonia, completa e estável, cuja conservação em todas as partes da Europa tem sido o fim constante das suas negociações, formalmente se obrigam a empregar por meios conciliatórios os seus mais eficazes esforços a fim de que se efectue a retrocessão dos ditos territórios a favor de Portugal. E as potências reconhecem, tanto quanto depende de cada uma delas, que este ajuste deve ter lugar o mais brevemente possível». Palmela, Saldanha da Gama e Lobo da Silveira terão ficado convencidos que esta disposição seria suficiente para obrigar a Espanha à restituição de Olivença, logo que assinasse o Tratado o que, e como se sabe, nunca veio a acontecer. O Governo espanhol, por intermédio do seu plenipotenciário, D. Pedro Gomes Labrador, recusou-se a assinar o Tratado de Viena, de 9 de Junho de 1815, descontente com os seus resultados, apresentando um protesto contra várias das suas deliberações, entre as quais a «singular recomendação» relativa à retrocessão, o que retirava qualquer eficácia à entrega de Olivença. Carlos Jaca 11 Mais tarde, quando dos enlaces matrimoniais de Fernando VII e de seu irmão D. Carlos, com as Infantas portuguesas D. Maria Isabel e D. Maria Francisca, em 29 de Setembro de 1816, é indubitável que a questão de Olivença voltou a ser negociada. Já anteriormente, em carta de 27 de Outubro de 1815, D. José Luis de Sousa, então nosso ministro em Madrid, informava para Lisboa: «…sendo de esperar, nesta ocasião em que vão estreitar-se por novos enlaces os vínculos de sangue e amizade que existem há tantos séculos entre os Soberanos de Portugal e da Espanha, que Sua Majestade Católica quererá fazer a restituição da praça de Olivença, seu territorio e povos…». A situação permaneceu na mesma. A Espanha só veio a assinar o Tratado, em 10 de Junho de 1817, quando lhe foi deferida a sua reclamação aos ducados de Parma, Placência e Guastalla, porém, apesar disso recusou a retrocessão de Olivença. Escamoteando o cumprimento desse dever, argumentou com um incidente ocorrido no Brasil – a invasão das terras cisalpinas por tropas portuguesas, que tinham ocupado Montevideu em Janeiro de 1817. Assim, a sua recuperação ficou sendo – e é-o ainda em nossos dias, passados mais de duzentos anos e embora afastada das negociações diplomáticas – um problema em aberto. Em Portugal, sempre que se proporcionou, ou que se pôde, tem-se insistido na justa devolução da antiga praça portuguesa, quer por meio de instituições de cultura, com base na força do direito que foram buscar à história quer, ainda, pela voz do sentimento popular, que nunca deixou de considerar Olivença como terra portuguesa. Como nota final, em relação ao Congresso, deve destacar-se o extraordinário esforço dos nossos diplomatas, que conseguiram elevar Portugal a uma posição de destaque em assembleias onde, quase somente, tinham voz as grandes potências. De certo, ninguém podia exigir que os plenipotenciários portugueses tivessem um peso significativo na decisão das questões territoriais que interessavam, imediatamente, às potências de primeira ordem. De qualquer modo, a actuação da legação portuguesa não deixou de merecer toda a atenção, granjeando os elogios que lhe eram devidos. Porém, sempre que se tratava de negócios, ou de chamar a si algumas vantagens mais satisfatórias, não beneficiámos de verdadeiro apoio de qualquer Gabinete, sendo obrigados a lutar com as nossas próprias forças, nomeadamente, contra a Inglaterra, contra a França e a Espanha. Nota: quando o Congresso se aproximava do final deu-se o regresso de Napoleão da ilha de Elba para o «Governo dos Cem Dias», perturbando os trabalhos desde Abril de Carlos Jaca 12 1815. A Europa viu-se forçada a recorrer, de novo, às armas. Poucos dias depois de se encerrar o Congresso, as tropas aliadas, apertando o cerco militar, derrotam Napoleão nos campos de Waterloo. Exilado para Santa Helena, uma ilha situada perto da costa da África meridional, aí veio a falecer em 1821. Elevação do Brasil à categoria de Reino. Foi em pleno Congresso de Viena que os nossos plenipotenciários Conde de Palmela, Saldanha da Gama e Lobo da Silveira, em Janeiro de 1815, escreveram ao Marquês de Aguiar, então Ministro da Guerra e Estrangeiros, transmitindo a sugestão que lhes havia feito o representante francês, Príncipe de Talleyrand – a elevação do Brasil a Reino. Concordando com a ideia, D. João assinou o documento em que o Estado do Brasil era elevado à categoria de Reino e unido a Portugal e aos Algarves, para formarem um só corpo político. Efectivamente, a Carta de Lei de 16 de Dezembro de 1815, pela qual era criado o Reino de Portugal, Brasil e Algarves, fundamentava-se na «importância devida à vastidão e localidade dos Meus Domínios da América, à cópia, e verdade dos preciosos elementos de riqueza, que eles em si contêm: e outrossim reconhecendo quanto seja vantajosa aos Meus fiéis Vassalos em geral uma perfeita união, e identidade entre os Meus Reinos de Portugal, e dos Algarves, e os Meus Domínios do Brasil, erigindo estes àquela graduação, e categoria política, que pelos sobreditos predicados lhes deve competir, e na qual os ditos Meus Domínios já foram considerados pelos Plenipotenciários das Potências, que formaram o Congresso de Viena». O Brasil viria a ter armas próprias, «para symbolo da União, e identidade dos referidos três Reynos». Teriam elas uma esfera armilar de ouro em campo azul, Carlos Jaca 13 passando o escudo real português a inscrever-se na mesma esfera, com a heráldica dos três reinos «e das mais partes integrantes da Minha Monarquia». A ideia teria, de facto, partido exclusivamente de Talleyrand? Parece que não. Segundo a correspondência reservada dos plenipotenciários portugueses, Talleyrand conversando demoradamente «com um deles» (certamente Palmela), e depois de esclarecido sobre os recursos, governo e condições do Brasil, teria aconselhado os delegados de Portugal a convencer D. João das vantagens da Corte se manter no Rio de Janeiro, pelo menos por algum tempo mais, ficando o Governo de Lisboa entregue ao Príncipe D. Pedro, a fim de satisfazer os portugueses. Conforme versão dos plenipotenciários, na referida conversa, Talleyrand, um político e diplomata de primeira “água”, teria considerado que conviria a Portugal, e mesmo a toda Europa, por um prazo tão longo quanto fosse possível, a ligação entre as nossas possessões europeias e americanas. Comentava, ainda, o transtorno causado no «edifício europeu» pela revolução Americana inglesa, «que nós tão imprudentemente apoiámos», acrescentando que as colónias espanholas pelo mau governo da actual monarquia, podiam contar-se como perdidas para a Europa e, nessas circunstâncias, o representante francês, tinha por excelente que, por todos os meios possíveis, se estreitasse a ligação entre Portugal e o Brasil, «devendo este país, para lisonjear os seus povos, para destruir a ideia de Colónia, que tanto lhes desagrada, receber o título de Reino, e vosso Soberano ser Rei do Reino Unido de Portugal e do Brasil». «Podeis, – concluía, no dizer dos plenipotenciários, – se julgardes conveniente, manifestar que vos sugeri estas ideias e que tal é o meu voto bem decidido». Oliveira Lima aduz uma série de argumentos, que seria fastidioso aqui desenvolver, rejeitando liminarmente a paternidade da ideia atribuída a Talleyrand. Acontece é que, como prova o grande estudioso brasileiro, se tratou de um habilidoso artifício de Palmela para fazer passar um conselho seu como se fosse de outro. Neste caso, só pode ter havido dissimulação do nome do chefe da legação portuguesa. Significativo é o facto de, nas suas memórias das questões portuguesas, Talleyrand apenas fazer referências, e ligeiras, ao tráfico de escravos, assuntos coloniais e «estado d’alma das populações ultramarinas». E mais, Araújo de Azevedo, autor da lei de 16 de Dezembro de 1815, ao receber as felicitações de Maler, Encarregado de Negócios francês, pela deliberação tomada, diz-lhe que a medida da elevação do Brasil Carlos Jaca 14 a Reino tivera o vivo apoio de Talleyrand, mas que a ideia não partira dele, como consta de documento existente no Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros de França. Mesmo antes de receberem qualquer resposta do Rio de Janeiro, os plenipotenciários não tiveram qualquer dúvida em assinar diversos actos internacionais, em Abril de 1815, referindo-se a D. João como «Prince Régent du Royaune de Portugal et de celui de Brésil», o que permitiria que se aceitasse ou não a fórmula proposta. Parece não haver quaisquer dúvidas em aceitar que Araújo de Azevedo e os plenipotenciários de Viena foram os mentores da elevação do Brasil a Reino, que não foi mais do que a consagração de um facto consumado, o legitimar de uma situação a que não havia que fugir: «Quando mesmo Palmela não tivesse astuciosamente posto esta sugestão na boca de Talleyrand, fatalmente acudiria ela a um homem como Barca, com quem o instinto público associou desde logo a resolução real, indicando-o como seu inspirador e assim firmando uma tradição que nada mais abalaria porque corresponde plenamente à intenção, que em caso tal é quase líquido que prime a realidade. Barca não podia deixar de ser o primeiro partidário da elevação de categoria da colónia que a Corte escolhera para sua residência temporária – quiçá definitiva – e donde estava derivando a monarquia lusitana segurança e grandeza…Tal confiança inspirava a D. João o talento diplomático de Barca que lhe entregou, apesar de estar Aguiar encarregado da pasta de Estrangeiros, o preparo das importantes instruções para os plenipotenciários ao Congresso de Viena». A elevação do Brasil a Reino, em princípio, parece indicar que não estava nos propósitos de D. João regressar a Portugal, transferindo novamente a sede da monarquia para Lisboa, até porque as circunstâncias nacionais e internacionais apontavam para profundas e irreversíveis transformações em todos os sectores, nomeadamente, o caminho da sua autonomia. Com efeito, ao atribuir o título de Reino à antiga colónia americana, dava-lhe, implicitamente, um diploma de independência, que não tardaria a concretizar-se. Apesar das instâncias e rogos do povo português, da gente da Corte, dos insistentes conselhos de nações estrangeiras e até das exigências da Inglaterra, D. João quis ficar no Brasil mesmo depois de eliminadas as circunstâncias que o haviam obrigado a sair de Portugal. Carlos Jaca 15 O choque das influências francesa e inglesa há muito se fazia sentir na Corte do Rio de Janeiro, porém, após a morte do porta-voz do interesse britânico, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, e com a ascensão de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, as relações com a França saem reforçadas, tornando-se o velho estadista um forte apoio à política do Príncipe Regente não abandonar tão cedo o Brasil, tal como os homens do Congresso. De Viena, a 30 de Junho de 1815, escrevia Saldanha da Gama a D. João desaconselhando o regresso, pelo facto de a Europa se encontrar submetida a um directório cujas imposições facilmente se fariam sentir em qualquer parte do continente, mas que, dificilmente, poderiam exercer na América, onde a distância significava meios de acção acrescidos, «e muito mais se para esse fim V. A. R. se ligar com o Governo dos Estados Unidos». Saldanha da Gama entendia que a Corte devia permanecer no Brasil, porquanto o Congresso de Viena nada resolvera, «nem lhe era dado resolver, de forma definitiva e imutável sobre questões que cedo dariam lugar a contestações e guerras, e sobretudo nada podia haver tentado com êxito para a extinção do espírito revolucionário que minara a antiga existência política e religiosa da Europa». A tutela tirânica da Santa Aliança (destinada a reprimir os possíveis movimentos revolucionários e liberais que viessem a surgir na Europa, e anular qualquer movimento de carácter separatista, de independência, ou nacional) e o «fermento revolucionário» adivinhavam, para breve, graves conflitos, o que devia ser considerado motivo de sobejo para dissuadir de abandonar a América do Sul. Nas palavras de Oliveira Lima, a elevação do Brasil a Reino além de ser a afirmação da sua integração territorial, foi a derivação lógica e a consequência necessária de um “statu quo” criado por «circunstâncias fortuitas mas não menos imperiosas…obedecendo também, entre seus motivos complexos, de sugestão e de aceitação, à ideia de pôr obstáculo ao descontentamento que mesmo no Brasil já se estava formando. As capitanias do Norte queixavam-se por exemplo, ou melhor, nelas se queixavam alguns dos espíritos que entravam a nutrir aspirações e manifestar opiniões, de que a residência da Corte podia ser uma honra, mas trazia àquelas terras encargos adicionais, sem que colhessem comparativamente as vantagens conferidas à metrópole brasileira pela permanência da família real. A tal estado de espírito não seria dentro em pouco alheio o movimento pernambucano de 1817, gerado nas sociedades secretas que passaram a funcionar no Carlos Jaca 16 Brasil, e do qual foi outro elemento importante o impulso português no intuito de determinar pelo ressentimento o regresso de Dom João. Em Portugal o azedume acelerara o seu curso com a equiparação política, tão a propósito aplicada para estimular o orgulho dos brasileiros e distrair a sua atenção de algumas vexações existentes, e que contribuíam conjuntamente para o descontentamento nacional». As próprias festas comemorativas da elevação da colónia que, naturalmente, foram motivo de grande regozijo para os brasileiros, provocaram um indisfarçável despeito nos portugueses. A elevação do Brasil a Reino significou, ainda, uma hábil e inteligente resposta às insistências levadas a cabo pelas potências coligadas para que, «cimentada a paz geral» a Corte regressasse a Portugal – uma resolução que o Príncipe Regente se recusava a tomar, vindo a provocar mesmo uma cisão no Gabinete, onde Araújo de Azevedo defendia tenazmente a continuação da capital no Rio de Janeiro e o Conde de Aguiar, Ministro dos Estrangeiros, lutava pelo regresso a Lisboa. Também a Inglaterra desejava, e insistia por todos os meios, o retorno da Corte a Portugal. Provavelmente, a persistência da velha aliada teria como objectivo controlar mais facilmente a posição estratégica e as riquezas da grande metrópole sul-americana; e, assim sendo, era natural que D. João receasse que, caso o Governo se fixasse em Lisboa, o Brasil se tornasse mais vulnerável. O interesse britânico pelo regresso à situação política de 1807 levou mesmo o seu representante, Strangford, a proceder com alguma leviandade, comunicando para Londres que o Príncipe Regente demonstrava grande desejo em voltar, quando D. João apenas lhe havia dito, «vaga e matreiramente» que o levaria a cabo, «sempre que as circunstâncias lho permitissem». Strangford, e já o referi, era, aliás, desde há muito, “personna non grata” para o Príncipe Regente. Senhor das suas prerrogativas, exercendo uma ingerência constante em assuntos de pura administração e até na indicação do alto pessoal governativo, tendo feito grande obstrução à entrada de Araújo de Azevedo para o Ministério, sem dúvida devido à “francesia”, ou não “anglofilia” do Conde da Barca. Carlos Jaca 17 A Inglaterra chegou ao ponto de enviar para o Rio uma esquadra para o regresso, sem que a mesma lhe tivesse sido requisitada, exasperando de tal modo D. João que este se retirou para a Ilha do Governador, «donde não intentava vir, enquanto eles aqui se demorassem, para os não ver mais». Esta reacção é bem significativa do mau humor que a insistência inglesa havia provocado em D. João, desconsiderando a firme e inabalável posição do Príncipe, Ministros e Conselheiros, relativamente à sua recusa ao projecto de abandonar a sede da nova monarquia, que os britânicos persistentemente desejavam pôr em prática e…lá sabiam porquê. D. João regressou, de facto, como se sabe, a Portugal, mas só quando as circunstâncias políticas, tanto no Rio de Janeiro como em Lisboa o determinavam, e se tornava conveniente a sua presença entre os portugueses, até por exigência das Cortes Constituintes, mas fê-lo na hora certa, para além de deixar a regência do Brasil entregue a seu filho mais velho, D. Pedro de Bragança. Negociações e casamento do Príncipe D. Pedro com a Arquiduquesa de Áustria D. Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo. . Por certo não custará a admitir que a constituição do Reino de Portugal e Brasil tenha, de certo modo, facilitado o casamento do Príncipe herdeiro, D. Pedro de Bragança, primogénito de D. João VI, com a Arquiduquesa de Áustria, Leopoldina de Habsburgo, filha do imperador Francisco I. Desde a idade dos nove anos que, o então, Infante D. Pedro, estava indicado como candidato político à mão de várias princesas europeias. Assim, já em 1807, quando D. João procurava impedir por todos os meios, o avanço das tropas napoleónicas sobre o nosso País, enviou D. Pedro de Menezes Coutinho, 6º e último Marquês de Marialva, à Corte parisiense com milhares de cruzados em diamantes e a proposta para o casamento do Príncipe, ao chegar à idade própria, com a sobrinha de Bonaparte, filha de sua irmã Carolina e do General Murat. Carlos Jaca 18 No intuito de ganhar tempo e retardar a marcha sobre Portugal a proposta de casamento talvez fosse uma simulação, só que o Marquês ficou-se por Madrid, onde recebera a notícia da invasão comandada por Junot. Posteriormente, o Príncipe herdeiro das duas Sicílias mandava um emissário a D. João oferecendo uma das filhas para esposa de D. Pedro, proposta que foi rejeitada, chegando, ainda, a pensar-se na filha do Regente da Etrúria e numa princesa russa, irmã do Czar Alexandre. Negociações a cargo de Navarro de Andrade – Como as uniões matrimoniais eram grandes negócios de Estado, visando mais aspectos políticos e económicos, e em que as razões sentimentais pouco influíam, D. João e os seus Conselheiros apontavam para horizontes de maior envergadura. Assim veio a acontecer. Viena de Áustria passou a ser o objectivo. Unir uma princesa austríaca ao sucessor do Reino de Portugal e do Brasil não deixava de constituir uma honra (e proveito) para a diplomacia de D. João VI. Para o concretizar, foi ordenado a Rodrigo Navarro de Andrade, Encarregado de Negócios de Portugal na capital austríaca, que iniciasse as negociações para o ajuste do casamento de D. Pedro com D. Leopoldina. A missão não era fácil, porquanto deparavam-se obstáculos susceptíveis de anular as diligências do nosso representante que, aliás, era bom diplomata, amigo íntimo de Hudelist, director da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Chancelaria do Império e pessoa da confiança do poderoso Metternich. Porém, para além de constar que D. Leopoldina estava prometida a um príncipe, sobrinho do rei da Saxónia, havia ainda que fazer frente à oposição, manifestada por vários modos, da Inglaterra que, desde 1814, insistia obstinadamente pelo regresso de D. João, bem como a dúvida sobre a sua demora no Brasil, situações que prejudicavam e retardavam o êxito da missão portuguesa. Na Corte do Rio de Janeiro, só D. Carlota apoiava as propostas e os planos daqueles que desejavam viajar para Lisboa, em opinião contrária à de seu marido, de quem, aliás, como já se referiu, vivia separada: «…já levei cinco cáusticos e já estive cinco vezes ao fumeiro feito chouriço, mas agora já estou curada ao fumo, estou capaz de resistir Carlos Jaca 19 mais, ainda que neste país não resiste nada porque até as carnes salgadas não duram nada, logo apodrecem…». Prevenindo, sobre esta última dificuldade, a demora da Corte no Brasil, que os negociadores iriam encontrar na Corte de Viena, o Governo do Rio transmitiu, em «ofício secretíssimo», de 15 de Março de 1815, as seguintes instruções a D. Pedro José de Meneses Coutinho, Marquês de Marialva, embaixador em Paris, que no ano seguinte alcançou o êxito de negociar o consórcio: «Não escapou à perspicácia de Sua Alteza Real um embaraço que pode ocorrer nesta negociação e é o desejar Sua Majestade Imperial, antes de decidir-se, saber com certeza se S. A. R. conta regressar ou não a Portugal; e para remover este embaraço, manda-me participar a Vossa Mercê (para fazer discreto uso, segundo as ocorrências) que o seu real intento é regressar à Europa, logo que haja conseguido preservar este reino do Brasil, do contagioso espírito revolucionário que conflagra pelas colónias espanholas; e que outrossim tenha inteiramente estabelecido e consolidado o novo sistema que tem começado a pôr em prática, para o fim de estreitar o enlace entre Portugal, o Brasil e as demais possessões da coroa portuguesa…e acrescenta que, no entretanto que S. A. R. completa com a possível brevidade esta grande obra…e por conseguinte o mesmo senhor poderá então sem susto de futuras subversões restituir-se à sua Corte de Lisboa. Tais são as graves e atendíveis razões que Vossa Mercê alegará (se preciso for) para dissolver qualquer hesitação da parte de S. M. I. a esse respeito». «Uma iluminada política», como lhe chamou o cronista, justificava a consistência e a prudência destas instruções que poderiam evitar o insucesso da tão desejada aliança matrimonial. E mais, conseguida pela aliança sacramental a união da Casa de Bragança à Casa de Áustria, D. João pretendia diminuir, ou mesmo fazer desaparecer a pressão britânica sobre a Corte Portuguesa. O certo é que as dificuldades iam sendo superadas e tudo parecia jogar a favor do acordo, graças às negociações diplomáticas da regência de D. João e a Navarro de Andrade, «personna gratíssima» à Corte austríaca e, também, não se poderia desprezar aquilo que poderíamos considerar valiosos “trunfos”: a nobreza da Casa de Bragança, a vastidão e apregoada riqueza do Império Português e… até mesmo a garbosa pessoa do noivo que era conhecido como um “galã”, pois já em 1803, a duquesa de Abrantes, Laura Junot, a tal verrinosa, dizia «ser a única cara bonita num concurso monstro de fealdades em que cabiam os primeiros prémios ao Príncipe Regente e a D. Carlota». Ao contrário do Príncipe, a Arquiduquesa se era «bem aquinhoada» pela inteligência Carlos Jaca 20 pouco se falava da sua beleza, ou mesmo esquivando-se a referir a ausência de dotes no que dizia respeito à formosura. Acrescente-se, ainda, que a aliança de Portugal com a Casa de Áustria permanecia favoravelmente na Corte de Viena, quando se desenrolavam as negociações de Navarro de Andrade. Essa aliança remontava aos séculos XV e XVI em que foram celebrados os casamentos de D. Manuel I com D. Leonor de Áustria e de D. João III com D. Catarina, filha do Imperador Carlos V. A união das Casas continuou nos séculos seguintes com os matrimónios de Filipe II e Filipe III (os espanhóis governaram Portugal entre 1580 e 1640) ambos consorciados com princesas austríacas, estando ainda viva na memória das duas Cortes o casamento de D. Mariana de Áustria com D. João V, negociado em Viena pela embaixada portuguesa do Conde de Vilarmaior. Pelo menos, desde Agosto de 1816 que as negociações estavam bem encaminhadas. Depois de resolvidas as primeiras dificuldades, o Príncipe de Metternich, conversando largamente com Navarro de Andrade, reproduzia-lhe as palavras que ouvira de D. Leopoldina, palavras essas que o nosso Encarregado de Negócios logo se apressou a comunicá-las para o Rio ao Ministro dos Estrangeiros, conforme consta no ofício reservado de Agosto de 1816: «Desde que a minha sorte seja ligada à do Príncipe que o Céu me destinou, meu dever e meus sentimentos me ditarão a lei a que me devo submeter sem pesar de segui-lo por toda a parte, de permanecer onde ele estiver e de nunca desejar que por minha causa a política da monarquia portuguesa tenha outra direcção, a não ser a que possa convir ao e à prosperidade de Estado». Para além de outros testemunhos probatórios da decisão em assumir e cumprir o seu desejo de casar com D. Pedro, e passar ao Brasil, saliente-se a existência, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, de vinte e seis cartas originais, pertencentes à «Colecção Benedito Otoni», escritas em francês pela Arquiduquesa, de 1816 a 1823, a uma das suas tias, a grã – duquesa da Toscana, confirmando tudo quanto Carlos Jaca 21 lhe foi atribuído sobre a satisfação que sentia com a sua partida para a América: «A viagem não me faz medo. Creio até que é predestinação, pois sempre tive singular pendor pela América e até quando criança eu dizia sempre que queria ir lá». Concluídas as negociações e logo que ficou decidido o casamento, D. Leopoldina dedicou-se a estudar não só a língua portuguesa, como a história, geografia e a economia do país que ia adoptar. Especialmente dedicada à mineralogia e à botânica, trouxe consigo para o Rio uma colecção mineralógica e espécimes para aclimatar, bem como alguns «naturalistas pensionados» a fim de se dedicarem no Brasil a investigações nos seus respectivos ramos. Efectivamente, o seu coração e a sua cabeça não deixavam dúvidas. Por isso, quando Navarro de Andrade informou o Marquês de Marialva do bom resultado da negociação sobre o casamento de D. Leopoldina com D. Pedro, a missão do referido Marquês em Viena estava facilitada. Quando Marialva se instalou na capital austríaca os obstáculos estavam todos derrubados, a sua missão seria, e foi, breve e fácil, constituindo, apenas, em pedir solenemente a mão da Arquiduquesa, redigir o «tratado de desponsório», celebrar o casamento por procuração e receber a futura Imperatriz do Brasil a bordo da esquadra portuguesa, onde viajaria para o seu novo Reino. O Marquês de Marialva em Viena – embora tivesse chegado a Viena em Novembro, o embaixador português só a 17 de Fevereiro do ano seguinte fez a sua entrada oficial para pedir em «audiência pública a mão da Arquiduquesa». Numa entrada espectacular, o Marquês apresentou-se, e seus acompanhantes, como se fosse a «comitiva de um sultão e a pompa de um pontífice». As ordens do Rio mandavam fazer figura, gastar muito para parecer bem. E o impacto foi tal, que o próprio Marialva escrevia transbordante de entusiasmo, «ainda se não havia visto em Viena uma tão aparatosa embaixada, como aquela que S. M. me confiou». De facto, nunca Viena havia assistido a uma embaixada tão rica e aparatosa, muito superior à do Conde de Vilarmaior, quando em 1708, pediu a mão de D. Mariana de Áustria para D. João V. Os gastos da embaixada portuguesa, que contemplavam a distribuição de jóias e barras de ouro para o pessoal da Corte e para o Ministério dos Estrangeiros, inclusive o príncipe de Metternich, subiram a mais de milhão e meio de francos e, segundo refere o embaixador, gastou da sua fortuna pessoal mais de cento e seis contos de que nunca pediu restituição. Carlos Jaca 22 A principal despesa foi por conta de uma verdadeira festa de “arromba” dada nos jardins imperiais de Augarten, onde o Marquês de Marialva mandou edificar um salão que, depois, serviu para várias festas de caridade. Estavam presentes a família real austríaca, o corpo diplomático e toda a nobreza. Após o baile, foi servida a ceia, de quarenta talheres, a mais de quatrocentas pessoas. O Imperador e a família foram servidos em baixela de ouro e os restantes convidados em baixela de prata. Nessa ocasião, como presente de noivado, o embaixador entregou a D. Leopoldina um retrato emoldurado numa cercadura de brilhantes raros. Ao descrever a impressão causada na Corte de Francisco I pela riqueza dessa jóia, Marialva comunicava para o Rio de Janeiro, em 8 de Abril, ao Conde da Barca: «… o príncipe de Metternich, a quem depois mostrei aquele precioso donativo, me observava que só nas fabulosas crónicas orientais é que se poderia encontrar a descrição de algum objecto análogo que lhe fosse comparado». Ainda sobre o régio presente, e em carta de 12 de Abril, conservada na Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, a Arquiduquesa escrevia: «…sabendo que tomais parte em tudo o que dá prazer, ouso anunciar-vos que o retrato do príncipe chegou há poucos dias. Acho-o agradável e a sua fisionomia exprime bondade e espírito. Todos asseguram que ele é bom, querido pelo povo e muito diligente. O único fim que me proponho é de fazer o possível para o tornar feliz e espero conseguir, procurando a minha própria felicidade no cumprimento dos meus deveres…». A nova princesa do Reino de Portugal, Brasil e Algarves. No dia 13 de Maio, por coincidência, ou não, dia do aniversário de D. João VI, realizou-se, com a ostentação habitual nas cerimónias da Corte austríaca, o casamento por procuração, representando o noivo o Arquiduque Carlos, irmão do Imperador. Depois de tanta solenidade, era a hora de a «nababesca embaixada» se despedir levando consigo a futura Imperatriz do Brasil. Assim, a 2 de Junho partia a noiva e seus acompanhantes em direcção a Florença, onde chegaria a 14, a fim de aguardar a esquadra portuguesa que, a partir de Livorno, a conduziria ao Rio de Janeiro. Entretanto, a comitiva teve conhecimento da rebelião pernambucana de 1817, o que contribuiu para retardar o embarque, bem como a pressão britânica junto a Viena para que a Corte portuguesa regressasse a Lisboa. A diplomacia anglófila intrigava na capital austríaca para que a nova princesa permanecesse em Viena ou, pelo menos, em Carlos Jaca 23 vez de se dirigir para o Brasil, tomasse o rumo de Portugal, com o objectivo de aí esperar o regresso, inevitável, da Família Real de que passara a fazer parte. O embaixador britânico procurando “levar a água ao seu moinho”, era persistente, batia na mesma “tecla”: o estado de agitação, dizia ele, que se vivia no Brasil, aconselhando que a presença de Leopoldina em Lisboa teria o condão de contentar os portugueses «ansiosos por abrigarem outra vez a sua velha Corte, e de desvanecer os enredos espanhóis tendentes à incorporação do Reino e consequente unificação peninsular». Porém, Metternich recusando entrar no jogo da Inglaterra, não aceitando os apelos do Foreign Office, garantindo que a princesa cumpriria o acordo, foi ele próprio, em nome do Imperador a Livorno, confiá-la ao Marquês de Castelo Melhor, comissário especial de D. João VI, que para tal fim embarcara na esquadra enviada de Lisboa pelo Conselho de Regência. Mais tarde, já por ocasião do casamento no Rio, D. João confidenciou ao representante da França quanto trabalhou o embaixador inglês em Viena para impedir a sua nora de viajar para o Brasil e que, consultado a esse respeito, o Imperador da Áustria respondera que sua filha passara a ser filha do Rei de Portugal, cabendo, portanto a Sua Majestade designar-lhe a residência. Só no dia 13 de Agosto foi efectuado o embarque e, dois dias depois, a esquadra fazia-se à vela para o Brasil. Acompanharam a princesa as três damas austríacas, as condessas de Kunburg, Sarentheim e Lodron, além de outras pessoas do seu serviço particular, criados e criadas, um capelão, um bibliotecário, todos da nacionalidade de D. Leopoldina. Os médicos eram portugueses, porque a Regência de Lisboa despachara para esse fim o cientista Francisco de Melo Franco e o abalizado clínico Bernardino António Gomes. O chefe de cozinha exigiu o Marquês de Marialva que fosse austríaco, justificando, num dos seus Carlos Jaca 24 ofícios, que «os cozinheiros que vieram de Lisboa talvez sejam bons, porém num jantar feito por eles que me deram a bordo, tinha péssima cara e pior gosto…enfim tenho passado por algumas vergonhas». A princesa Leopoldina chegou ao Rio de Janeiro a 5 de Novembro de 1817. Logo que, de Viena, chegaram as primeiras notícias sobre o matrimónio iniciaram-se os preparativos para a recepção à nova princesa. Aqui, era aguardada com alguma ansiedade, tendo sido recebida com as habituais festas, cada vez mais requintadas. Precisamente por serem habituais, creio, neste caso, não se justificar uma descrição pormenorizada que, obviamente, existe. A princesa aportou no Arsenal da Marinha e, no momento em que pisou terra brasileira, pela primeira vez, foram disparadas salvas de canhão pelas fortalezas e pelos navios ancorados no porto, ao que se seguiu o repicar, ao mesmo tempo, dos sinos de todas as igrejas. Depois de cumprimentar a Família Real, foi levada pela mão de D. Pedro, integrando-se no cortejo que desfilou até ao Largo do Paço, «por entre duas alas de povo e duas filas de tropas, cujos soldados vestiam uniformes de grande gala», sendo a procissão real seguida por grande e natural, curiosidade, pois ninguém queria deixar de ver e “medir” a nova princesa. Pelas três da tarde, o casal dirigiu-se para a Real Capela do Carmo, onde o aguardava o Bispo Capelão-Mor, D. José Caetano da Silva Coutinho, com o Cabido e o Senado da Câmara, procedendo-se às «bênçãos nupciais», ao memo tempo que Marcos Portugal regia um grandioso «Te Deum Laudamus». À noite, com a cidade toda iluminada e depois de um jantar de gala, dirigiram-se para o Palácio de S. Cristóvão, onde se realizou uma serenata para a Arquiduquesa. O príncipe D. Pedro, a princesa Maria Teresa e a infanta D. Maria Isabel cantaram sucessivamente uma arieta, e os músicos da Real Câmara com os da Real Capela executaram uma peça dramática, «Augúrio de Felicitá», que Marcos Portugal arranjou em italiano e adaptou a uma composição musical. Como se deve calcular foi um período de festas consecutivas. Carlos Jaca 25 Dois meses depois, a futura Imperatriz não deixava de manifestar, para Viena, os seus sentimentos de bem-estar e a sua tranquila felicidade no começo de uma vida, totalmente diferente: «O meu coração sente uma satisfação muito doce, podendo já falar-vos, dois meses depois da minha chegada, da minha felicidade junto de um esposo que eu adoro pelas excelentes qualidades…gozo, longe do mundo, daquela tranquila felicidade cujos encantos sempre apreciei e ardentemente ambicionei». Com o tempo tornou-se cada vez mais solitária, mas criando uma boa relação com o Rei: «ele teve a bondade de me dizer que ficaria muito contente por me ter sempre perto de si». Registe-se uma das muitas amabilidades do sogro: quando a nova princesa, após a cerimónia do casamento, chegou ao Palácio de S. Cristóvão, que tinha sido preparado para receber os nubentes, encontrou nos seus aposentos particulares o busto do Imperador da Áustria, seu pai, e o Rei fez-lhe entrega, para que lesse e se distraísse, de um livro que, ao abrir e folhear, verificou comovida conter os retratos de toda a sua família ausente. Por ter adoptado os hábitos da Corte portuguesa, D. João referia-se-lhe, muitas vezes: «Parece-me que ela nasceu entre nós». A princesa era uma mulher de espírito, calma, culta, dedicada às «boas letras e belas artes», atraída para as curiosidades científicas, «lia Sismondi», coleccionava animais e plantas e, tudo isto, não era mais do que a consequência de na Corte de Viena levar uma vida recolhida de amor ao estudo. D. Leopoldina trouxe consigo para o Brasil o gosto pelos livros, pelo estudo metódico, pela boa cultura literária e científica, bem como foi um estímulo constante de todas as animações artísticas, pelas quais Linhares e o Conde da Barca se haviam interessado. Por alguma razão, sua filha Maria da Glória, depois Rainha D. Maria II, foi conhecida na história pelo cognome de «A Educadora», o que não admira…tinha a quem sair. Morte de D. Maria I. Novo Ministério. A Rainha D. Maria I veio a falecer, no Palácio da Boavista, aos 20 de Março de 1816, quando já atingira oitenta e um anos de idade e vividos cerca de trinta «nos umbrais da demência», fazendo da oração e da piedade a única maneira de estar no mundo. Carlos Jaca 26 Na véspera do falecimento, quando se declarou o «artigo de morte», (no último momento da vida) «o povo viu como embaçado, pela primeira vez um espectáculo tão tocante, como capaz de arrancar lágrimas aos mais duros, e insensíveis corações, o clero das quatro paróquias, os religiosos beneditinos, carmelitas, e franciscanos, as ordens terceiras e outras corporações com a imagem de Jesus Cristo Crucificado saírem das suas respectivas igrejas, e discorrendo pelas ruas da cidade, e entoando as ladaínhas, e preces, que se costumam fazer em Portugal no imediato perigo de vida dos nossos soberanos, indo conclui-las na Real Capela ante o Santíssimo Sacramento, recitando-se ali as antífonas, versos, e orações competentes, e voltarem ao depois para onde tinham vindo, rezando a ladainha de Nossa Senhora». Embora a Rainha tivesse sido dada como morta para a vida pública havia muito tempo, vegetando, D. João não deixou de imprimir às cerimónias fúnebres de sua mãe a mesma grandiosidade que era devida se tivesse governado até ao fim, sendo-lhe, pois, reservadas as honras inerentes à sua posição. Confirmado o óbito, e depois de dobrarem os sinos da Capela Real e demais igrejas da Corte, anunciando a morte de D. Maria I ao povo da cidade, vestiram de negro o corpo morto da Rainha com a banda das três ordens militares e da Torre e Espada, e passaram-lhe o manto de carmesim bordado de estrelas de ouro e forrado de cetim branco. Seguidamente, procedeu-se ao beija-mão da defunta na presença do novo Rei, «o qual está na maior desolação possível de mágoa e de saudade, perdeu o comer e ainda persiste em contínuo pranto». No dia seguinte foi o corpo colocado no caixão, com drogas aromáticas secas a perfumar o ambiente, sendo depois transferido para a Capela Real. No dia 23 de Março, foi celebrada missa pela alma de D. Maria. O Núncio, que presidiu ao ofício fúnebre, rezou o responso final, seguindo o cortejo até à porta em que figuravam a Família Real, a camareira-mor e as damas «vestidas de donaire» e todos os circunstantes segurando tochas. Depois de uma breve cerimónia de encomenda da alma da Rainha, o corpo foi colocado no coche, escoltado por regimentos de linha e de Carlos Jaca 27 milícias, que o transportou até ao Convento das Religiosas de Nossa Senhora da Ajuda. À porta da Igreja baixou o caixão, que primeiro foi levado sobre o esquife da Misericórdia, «aos ombros de irmãos pobres, num belo símbolo da igualdade humana perante a morte, e então carregado para o interior pelos grandes do Reino...». As preocupações com a saúde de D. João obrigaram a reduzir o nojo a oito dias, decorridos os quais a Família Real recebeu pêsames e saiu a ouvir missa e aspergir o caixão, sendo recebido dentro do coro pela comunidade do Convento, com a Abadessa à frente, de pluvial (capa usada em actos solenes) negra. A 27 de Março, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro saiu para publicar o luto geral. Em procissão de luto carregado, os vereadores seguiram de praça em praça, convocando o povo que cercava cada palco…Recolheram-se depois à igreja para assistir à missa por intenção de D. Maria, antes de regressarem ao Paço, onde decretaram um ano de luto, sendo seis meses de luto carregado e outros seis aliviado. Terminado o seu período de recolhimento, D. João recebeu os cumprimentos de pêsames do corpo diplomático, da Corte, dos Tribunais e outras pessoas distintas. As solenes exéquias realizaram-se a 23 de Abril, após o trigésimo dia da morte da Rainha, na Real Capela, forrada de alto a baixo de negro e ouro, «com uma pompa, e grandeza jamais vista no Rio de Janeiro», tendo sido construído um mausoléu octogonal, com emblemas majestáticos e inscrições latinas, que provocou enorme admiração, conservando-se em exposição, durante alguns dias, para que pudesse ser contemplado por todos que o desejassem. A cerimónia prolongou-se ao longo do dia. Houve missa de pontifical e satisfazendo o gosto de D. João pela música sacra, os músicos da Real Câmara e Capela entoaram uma composição, dirigida pelo seu autor, «maestro Portogallo», (Marcos Portugal) proferindo o sermão o Deão de Braga. No regresso a Portugal, D. João VI mandou transportar os restos mortais de sua mãe, fazendo-lhe prestar as maiores honras na trasladação para Igreja do Coração de Jesus (Basílica da Estrela). Poucos meses depois, o Rei via-se obrigado a remodelar o seu Ministério. Dois dos melhores colaboradores acabaram os seus dias no primeiro semestre de 1817. Em 24 de Janeiro falecia D. Fernando José de Portugal e Castro, Marquês de Aguiar, ministro e secretário de Estado de Negócios do Reino, e que se impunha pela sua Carlos Jaca 28 cultura jurídica e boa experiência dos assuntos do Ultramar, por ter sido Governador da Baía e vice-rei do Brasil. Porém, talvez, a perda mais importante tenha sido a do Conde da Barca, a 21 de Junho, que, desde a morte de Aguiar, era ministro de todas as pastas e um dos mais notáveis colaboradores e orientadores do Governo de D. João no Brasil, para além de ter sido relevante a sua participação no desenvolvimento da antiga colónia sul-americana. Três dias depois da morte deste grande diplomata e homem de Estado, era constituído o novo ministério. Na composição do novo Gabinete, foi nomeado para os Negócios Estrangeiros o Conde de Palmela, D. Pedro de Sousa Holstein, antigo plenipotenciário em Viena e, por conseguinte, com amplo conhecimento da situação europeia. Palmela permaneceu na Europa até 1820, por ordem de D. João VI, trabalhando, primeiramente, junto da Corte de Madrid para resolver o diferendo suscitado por via da ocupação de Montevideu pelas tropas portuguesas; depois em Londres, na qualidade de embaixador, onde continuou a conduzir as negociações sobre o mesmo conflito. Saiu de Londres na Primavera de 1820 para ocupar, finalmente, o seu lugar de ministro na Corte do Rio de Janeiro, chegando, ainda, a assistir em Lisboa à Revolução Constitucional; para a pasta da Marinha e Ultramar foi chamado D. Marcos de Noronha da Costa, último Vice-rei do Brasil e que depois servira como Governador da Baía, onde desenvolvera as obras públicas, a instrução e a cultura; a pasta de ministro e secretário do Reino foi confiada a Tomás António de Vila Nova Portugal, jurista distinto e homem de consensos, que se incumbia também da administração da Casa de Bragança. Revolução republicana de Pernambuco. Os anos de permanência da Corte no Rio de Janeiro não podiam deixar de provocar alterações de grande profundidade na organização social e política do Brasil, que viriam a culminar na sua elevação a Reino, levando este facto a pensar que a perspectiva do regresso da Família Real a Lisboa era uma hipótese cada vez mais remota. Naturalmente, as consequências de tais mudanças tiveram diferentes efeitos, consoante as regiões e os grupos sociais; inclusivamente a autonomia económica, tomada, imediatamente, à chegada e que, de modo aparente, havia sido igual para todos, «tinha diferentes graus de realização, segundo a força dos grupos mercantis locais, a Carlos Jaca 29 frequência e a oportunidade das relações directas com o estrangeiro». Obviamente, em tão vasto território, que os meios de comunicação da época tornavam muito difícil de controlar, a permanência da Corte tinha consequências muito diferenciadas. Assim, em algumas regiões foram profundas, noutras nem por isso, sendo limitadas pela distância física, mas sobretudo política, relativamente à Corte. A este propósito, Oliveira Lima refere que «o governo das províncias continuou a ser o das capitanias: o governo do bom ou do mau tirano». Sublinhe-se que, do ponto de vista de algumas regiões da antiga colónia, ao contrário do que aconteceu no «Centro-Sul», (áreas do Rio de Janeiro, S. Paulo, Minas Gerais…) a presença do Rei, da Corte e até a elevação do Brasil a Reino, longe de enfraquecerem o espírito colonial, acabaram por reforçá-lo e, nessa perspectiva, o sentimento imperante no Nordeste era que, com a vinda da Família Real, o domínio “escorregara” de uma cidade distante para outra: de Lisboa para o Rio de Janeiro. Deste modo, as elites letradas, incluindo boa parte do clero, continuavam receptivas à doutrinação anticolonial «a que, por maiores que fossem os esforços da Real Mesa Censória e da polícia, tinham fácil acesso e o “vírus” revolucionário era pois de uma verdade específica, não apenas liberal, mas sobretudo anticolonial». A conjuntura pernambucana. Desenvolvia-se uma situação latente de descontentamento, nomeadamente no Nordeste onde os chamados “pedreiroslivres”encontravam terreno propício às suas maquinações. Registe-se que, além disso, em Pernambuco existia também o peso de uma tradição, de sede de autonomia, de agitação, particularmente de gente da terra contra os reinóis. De facto, como escreveu o historiador Francisco Adolfo Varnhagen, Pernambuco era a capitania onde permaneciam mais vivas e enraizadas as antigas rivalidades entre os colonos nascidos no Brasil e os nascidos em Portugal e, para além da sua importância económica, os pernambucanos lograram fama pelas lutas libertárias, das quais a primeira, e mais importante tinha sido a expulsão dos holandeses em 1654. A situação agudiza-se quando, com o fim da guerra anglo-americana e a regularização do comércio internacional depois da paz geral, a recessão provocada pela flutuação no preço dos produtos exportados, o açúcar e o algodão pernambucanos vivem momentos de baixa nos campos financeiros europeus; apesar do aumento da procura, tiveram de suportar a concorrência de outras regiões produtoras. Ao mesmo tempo o aumento da pressão dos abolicionistas da Europa criava restrições progressivas ao tráfico de escravos, uma mão-de-obra cada vez mais cara e Carlos Jaca 30 que era, por essa época, o motor de toda a economia pernambucana. Acrescente-se, ainda, a intensa seca de 1816 que assolou o Nordeste e deixara de rastos a já precária lavoura de subsistência. Perante tal situação, o povo, que sentia na pele a carestia, atribuía à Corte e aos seus impostos a responsabilidade de tantos males. Pairava no ar um sentimento de insatisfação generalizado, particularmente, nas províncias do Norte e do Nordeste, as mais lesadas «pela voracidade fiscal de D. João VI». Escrevia o inglês Henry Koster, residente no Recife, quando da revolução: «Pagase em Pernambuco um imposto para a iluminação das ruas do Rio de Janeiro, enquanto as do Recife ficam em completa escuridão», acrescentando, ainda, que os salários dos numerosos funcionários públicos eram baixos e mal garantiam a sobrevivência das famílias. Assim, a crise económica e o descontentamento com a administração portuguesa foram contribuindo para que as ideias liberais francesas e americanas encontrassem campo fértil em Pernambuco. Efectivamente, o papel da Maçonaria não oferece dúvida quanto ao desenrolar dos acontecimentos; “lojas” e “clubes” tinham-se criado não apenas no Recife mas também na Baía, agregando adeptos em todas as classes sociais. Todos defendiam os ideais da concórdia universal, mas com variantes, que iam da revolução pacífica à ditadura jacobina. Sem dúvida que, toda uma situação favorável à perturbação e ao tumulto, proveniente de uma conjunção particular de circunstâncias, só poderia ter criado condições para a eclosão de uma revolta que, a partir de dado momento, nem sequer estava já no segredo dos deuses. Revolução de 1817. Desde 1 de Março de 1817 que o próprio Capitão-General de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, tinha conhecimento de que algo se tramava no Recife, tendo como objectivo «uma revolta de carácter nativista». Precisamente por este motivo, a conjura, que estava marcada para a Páscoa, foi antecipada para 6 de Março. Com efeito, neste dia estalou no Recife uma revolta contra a soberania portuguesa, que depois se alargou a várias capitanias do Nordeste. Tratavase de uma sublevação provincial de nítido cariz republicano e com ligações no plano das ideias à Europa e aos Estados Unidos da América. De facto, o movimento caracterizavase por forte oposição à Coroa e de marcada inspiração separatista, visando formar uma república semelhante às que se iam esboçando na América espanhola. Carlos Jaca 31 A insurreição reunia uma série dispersa de sectores. Eram cabeças da revolta pessoas de variada formação: os comerciantes Domingos José Martins e António Gonçalves da Cruz, os capitães Pedro Pedroso, Domingos Teotónio Jorge e José de Barros Lima, os tenentes José Mariano Cavalcanti e António Henriques, o magistrado José Luis de Mendonça, os padres João Ribeiro Pessoa de Montenegro e Miguel Joaquim de Almeida e Castro, mestre de Retórica e mais conhecido por padre Miguelinho, o médico Guimarães Peixoto e outros. Ao tratar este assunto, e para simplificar, considerei dispensável entrar nos “bastidores” da revolução, considerando, isso sim, necessário e suficiente, referir os sucessos de maior projecção que se seguiram a partir de 6 de Março de 1817, dia em que os revolucionários ocuparam o Recife. No dia seguinte, após negociada a capitulação do Governador, Caetano Pinto, a quem foi permitida a retirada para o Rio de Janeiro, os revoltosos, senhores da situação, implantaram um governo provisório, baseado numa “lei orgânica”, que proclamou a República e estabelecia a separação dos poderes. Tratava-se de um governo heterogéneo, envolvendo radicais e moderados e que era apoiado pelo Conselho de Estado, formado na sua maioria por letrados. Seguindo o exemplo da Revolução Francesa, elaborou-se uma Constituição e desenhou-se uma nova bandeira, criando-se também uma nova forma de tratamento, substituindo o habitual tratamento português de senhor pelo de vós ou patriota. As liberdades eram asseguradas a todos, mas considerando-se como religião oficial a católica, embora as demais igrejas cristãs fossem toleradas. Foi estabelecida a liberdade de imprensa (novidade no Brasil) e a escravatura era mantida para não bulir com os interesses dos senhores de engenho. A fim de conquistar a simpatia da tropa e do povo, a Junta Governativa aumentou o soldo aos militares e aboliu certos impostos. Os militares que tinham participado na rebelião foram beneficiados com «promoções-relâmpago», alguns subiram dois e três cargos – um dos chefes da nova Junta, Domingos Teotónio, autopromoveu-se de capitão a coronel. Ao fim e ao cabo segundo refere Oliveira Lima, a revolução de Pernambuco seguiu a marcha de todos os pronunciamentos militares. Pretendendo dar significado internacional ao movimento, e conseguir apoio militar e político, enviaram emissários aos Estados Unidos e a Inglaterra, porém, tanto um como outro, logo legislaram no sentido de ser proibido qualquer fornecimento de armas e munições aos rebeldes. Carlos Jaca 32 Reacção portuguesa. Repressão oficial. Com o decorrer do tempo, a revolução começou a cair por dentro. O Directório pernambucano não se entendia, encontrando-se dividido entre a tendência moderada de pendor girondino, de Domingos Martins, e a posição extremista, jacobina e republicana do capitão Pedroso. Assim, por falta de suporte doutrinário e de apoio externo, o movimento pernambucano estava, irremediavelmente, votado ao insucesso, o que veio a acontecer quando a Coroa, em Maio de 1817, decidiu actuar enviando tropas para Pernambuco. Do Rio de Janeiro, da Baía e de Lisboa vários contingentes seguiram para o Recife, não encontrando oposição capaz de impedir o estabelecimento da ordem. No Recife coube à esquadrilha proveniente do Rio proceder ao bloqueio da cidade, tornando insustentável a situação; a rendição era inevitável e a 20 de Maio desembarcaram os marinheiros restabelecendo a autoridade real. Pouco antes, o receio de que a esquadra bombardeasse o Recife provocou o despovoamento parcial da cidade, tendo os principais chefes fugido para o interior, onde acabaram por ser detidos. A repressão seria implacável, não tardando que fossem presos os principais responsáveis, logo transferidos para a Baía, a fim de se sujeitarem ao inexorável julgamento a que estavam sujeitos os réus do crime de lesa-majestade, de acordo com a legislação da época. Não só no Recife, como em Salvador e na Paraíba, a sentença foi exemplar, determinando que «depois de mortos» [os rebeldes] serão cortadas as mãos, e decepadas as cabeças e se pregarão em postes […] e os restos de seus cadáveres serão ligados às caudas de cavalos e arrastados até ao cemitério». Na Baía foram julgados, condenados e prontamente executados Domingos Martins, o magistrado José Luis de Mendonça e o Padre Miguelinho; no Recife foram sentenciados e condenados à pena capital Domingos Teotónio Jorge e José de Barros Lima, além do Padre Pedro de Sousa Tenório, vigário em Itamaracá; igualmente sofreram a pena última seis implicados no movimento da Paraíba. Fizeram-se centenas de prisões no Nordeste, tendo os réus aguardado, ao longo de penosos meses, o castigo ou o perdão da Coroa. Mesmo derrotada, a sublevação pernambucana não deixou de alterar alguns planos da Corte portuguesa. Para além de abalar a confiança na construção do império americano, projecto que, certamente, ocupava e preocupava o espírito de D. João, Carlos Jaca 33 provocou o adiamento da sua própria sagração oficial como Rei de Portugal, Brasil e Algarves. Atendendo ao estipulado, a coroação deveria ocorrer após um ano de luto por sua mãe, D. Maria, falecida em Março de 1816, só que o Rei, perante tais circunstâncias, decidiu adiá-la por mais um ano, «não queria passar ao mundo a imagem de um rei coroado enquanto o seu poder era contestado e dividido». Outro acontecimento importante que esteve para ser adiado foi o casamento de D. Pedro; tal cerimónia só não foi adiada porque, quando as notícias sobre o movimento pernambucano chegaram à Europa, a noiva, a futura imperatriz Leopoldina, já tinha casado por procuração em Viena e viajava a caminho do Brasil. Sufocada a rebelião, em Maio de 1817, era o momento de celebrar, a 6 de Fevereiro do ano seguinte, a aclamação de D. João, o qual determinou, num gesto de clemência que a hora impunha, a suspensão das devassas e de novas prisões: «Hei por bem, que as devassas a que se estava procedendo em Pernambuco, ou em outras quaisquer terras pelos crimes, que alguns malvados trazendo de longe o veneno de opiniões destruidoras, e querendo corromper a Nação Portuguesa, que acabo de ver que se acha ilesa, cometeram contra o Estado, conspirando-se e rebelando-se contra ele; cessem no seu prosseguimento e se hajam por fechadas e concluídas…Não se procederá consequentemente a prender, ou sequestrar a mais nenhum réu, ainda que pelas mesmas devassas já se lhe tenha formalizado culpas, excepto tendo sido dos cabeças da rebelião. Os que tiverem sido presos e sequestrados depois da data deste dia, serão soltos, e relaxados os sequestros; pois que é minha intenção que a justiça somente prossiga contra aqueles que já se acham presos, e todos os mais fiquem perdoados, ainda que tenham cometido culpa provada…». Com esta demonstração de tolerância (D. João foi apelidado de «O Clemente») talvez fosse sua intenção silenciar aqueles que, eventualmente, poderiam acusar o seu governo de absoluto e não já de carácter paternalista, como se pretendia fazer crer na Corte do Rio de Janeiro. Não restam dúvidas de que a revolução de 1817 terá afectado as fundações do sistema vigente, a estrutura da autoridade não deixou de ser abalada, até porque os elementos da sociedade mais identificados com a Coroa tinham colaborado activamente no movimento subversivo de Pernambuco. A acção nordestina não deixou de exercer marcada influência no espírito de muitos brasileiros, levando-os a afeiçoar-se aos ideais Carlos Jaca 34 de liberdade e, curiosamente, a curto prazo, cinco anos depois, era proclamada a independência do Brasil, de que a crise de 1817 veio a ser considerada como preâmbulo. Aclamação e coroação de D. João VI. Parece haver, hoje, unanimidade, entre os historiadores, reconhecer como bom fundamento o facto de a coroação de D. João VI ter ocorrido no Brasil, em vez de voltar a Lisboa, para aqui dar continuidade à tradição dos seus antecessores. Para além de outros factores que, eventualmente, podem não estar bem esclarecidos, e das intenções secretas do próprio monarca, este debatia-se com o problema da sublevação pernambucana de 1817 que, caso não fosse sufocada, poderia deixar o Brasil à mercê de vontades estranhas. Referi há pouco, ter sido a revolução em Pernambuco a alterar a ordem das coisas, porquanto não era conveniente celebrar tal cerimónia com o território em efervescência e perante as ameaças de uma república, bem no coração da monarquia. Este, sim, terá sido, objectivamente, o factor determinante que desaconselhava, em tal situação, o regresso de D. João VI a Lisboa. Efectivamente, a derrota dos revoltosos foi considerada pela realeza como um sinal de abertura para tempos mais calmos e estáveis. Assim, a aclamação ganharia um novo sentido, representando o momento próprio para celebrar a concórdia entre D. João VI e os seus vassalos, concórdia essa rematada, estrategicamente, com os decretos de 6 de Fevereiro, que punham termo «às investigações sobre os revoltosos pernambucanos, reafirmando a magnanimidade do soberano, silenciando a discórdia» e desvalorizando a extensão da revolta. De todas as festas reais celebradas no Rio de Janeiro, as mais solenes e deslumbrantes foram, de facto, as da aclamação de D. JoãoVI, financiadas pelos mercadores locais que, desse modo, reiteravam o apoio ao Rei e «reafirmavam as bases do seu Governo…». Embora o dia 6 de Fevereiro fosse a data marcada para a realização do «Acto da Gloriosa Aclamação» de D. João VI, como rei de Portugal, Brasil e Algarves, as Carlos Jaca 35 comemorações iniciaram-se no dia anterior com o anúncio público da celebração, que o Senado da Câmara do Rio de Janeiro fez ecoar pelas ruas da cidade. Efectivamente, na véspera, os membros da referida magistratura, «todos a cavalo, e ricamente vestidos, trazendo capas de seda preta com bandas de seda branca, bordadas as dos senadores, e almotacés com muito primor, e com chapéus ornados com plumas brancas, e jóias de muito valor», com grande acompanhamento da Guarda Real da Polícia abrindo caminho a duas azémolas «carregadas de fogo do ar, e cobertas com mantas de veludo agaloadas de ouro», dirigiram-se ao Paço Real da Boavista onde a proclamação foi lida perante o próprio rei. Seguidamente, a «cavalgada» percorreu as ruas da cidade, com grande ruído, afixando-se os editais da grande cerimónia real, para que, assim, se desse a conhecer aos habitantes da cidade que a aclamação do monarca teria lugar na data marcada. A aclamação iniciou-se, naturalmente, por um ofício religioso, realizando-se a Missa do Espírito Santo na Real Capela, onde ao Evangelho Frei José de Nossa Senhora do Monserrate pregou um sermão sobre a Nação e a Igreja. O Terreiro do Paço estava repleto, uma multidão nunca vista, gente que viera de longe, de S. Paulo e até de Minas, portugueses e estrangeiros, entre os quais «até chinas», como refere o cronista, todos queriam ser testemunhas da «Aclamação». Para a coroação de D. João VI, os pintores, escultores e arquitectos da «Missão Francesa» apuraram-se ainda mais, dando à Praça grandeza e monumentalidade, com arcos fingidos, construções artificiais e «cenográficas decorações». À beira do cais mandara o Senado da Câmara levantar por Grandjean de Montigny um templo de Minerva, em que se via a estátua da deusa protegendo o Rei e na entrada, em relevo, as figuras da Poesia, da História e da Fama. Em frente ao chafariz colonial, Debret desenhou uma cópia do Arco do Triunfo, erguido pela Junta Real do Comércio, ostentando as suas figuras, alegorias e baixos-relevos. No centro da Praça, havia um Obelisco egípcio desenhado por Auguste Taunay. Obviamente, tratava-se de uma grande habilidade dos artistas, revestindo esses monumentos da aparência necessária à circunstância, mesmo que à custa de falsos mármores, bronzes e granitos. Carlos Jaca 36 Para a cerimónia pública, construiu-se uma varanda monumental desenvolvida em 18 arcos de frontaria que se adiantavam à frente do Palácio, da parte que, outrora, fora o Convento do Carmo. No centro da varanda, sobressaía um pavilhão com 3 arcos, sendo o arco maior encimado pelas armas do Reino Unido e tendo mais alto a figura da Fama, embocando a trombeta. Na nave central, elevava-se o trono sobre alcatifas preciosas e degraus enfaixados com pano verde. Ao lado do trono, via-se uma mesa «coberta de um rico pano de brocado encarnado» com um tinteiro monumental – que serviria para o escrivão da Câmara lavrar o auto da aclamação. Horas antes da cerimónia, já o Largo do Paço apresentava um aspecto festivo. Entre a massa compacta, aglomerada diante da galeria, destacavam-se os pelotões de infantaria e os esquadrões de cavalaria prontos a actuar no caso de qualquer manifestação de descontentamento da parte do elemento português, por via da cerimónia da aclamação ter lugar no Brasil. Três génios, sobre o trono, seguravam a coroa imperial; debaixo do dossel, a real cadeira «sobredourada»; ao lado do dossel, uma mesa com a coroa real, o ceptro, o crucifixo e o missal, «tudo coberto com um riquíssimo véu de seda de ouro». Uma guarda de imponentes archeiros e a música de timbaleiros da casa real ladeavam o trono. Eram quatro horas da tarde, quando as charamelas, as trombetas e atabales (tambores) anunciaram a aproximação do Rei que, pelo lado interior do Palácio entrou na varanda, sendo logo festejado pelo povo que gritava vivas e acenava com lenços. Por baixo da varanda central tocava a orquestra de músicos alemães que tinha acompanhado da Europa a Arquiduquesa Leopoldina. O Rei apresentava-se aos seus vassalos com todo o aparato e esplendor da realeza, ostentando, preso ao peito, «por um atacador de diamantes», um longo manto real com as armas «admiravelmente bordadas» de Portugal, Brasil e Algarves, o escudo com as cinco quinas, a esfera armilar e os sete castelos e as insígnias de todas as Ordens rebrilhando no seu peito. Após o desembargador do Paço, Luís José de Carvalho e Melo, ter recitado a oração aclamatória, o Bispo Capelão-Mor, com o missal aberto pelo crucifixo, ajoelhou diante de Sua Majestade e o mesmo fizeram os bispos adjuntos, designados como testemunhas do Juramento Real. D. João dobrou os joelhos sobre uma almofada, «mudou o ceptro para a mão esquerda, e pondo a direita sobre o crucifixo e missal fez Carlos Jaca 37 o Juramento, que lhe foi lendo o Ministro e Secretário de Estado, também de joelhos junto à cadeira». Sobre o mesmo missal lhe prestaram os Príncipes de sangue o juramento de obediência. Terminado o Juramento, o alferes-mor desenrolou a bandeira e aclamou o soberano: «Real, Real, Real, pelo Muito Alto e Muito Poderoso Senhor Rei D. João VI Nosso Senhor»; então, o alferes-mor adiantando-se até ao parapeito da varanda repetiu o pregão que o povo recebeu com aplausos estrondosos. Da varanda passou S. M. e toda a Corte para a Capela onde os músicos da Real Câmara, sob a regência de Marcos Portugal, compositor da música, entoaram um «TeDeum» muito solene. Seguiram-se dias festivos de programa apoteótico. A Quaresma veio interromper as manifestações congratulatórias da Aclamação e, em vez das paradas militares, representações teatrais e exteriorização de júbilo oficial e particular, «passavam lentamente as procissões litúrgicas, em honra do Senhor de todos os soberanos». Em Maio, foi reatado o cerimonial da Aclamação com as homenagens prestadas pelos lentes enviados da Universidade de Coimbra e pelos representantes da Academia Real das Ciências de Lisboa, constituindo, assim, o epílogo, doutoral e académico, das comemorações. Breve relance sobre alguns aspectos da emancipação científica, artística e cultural durante o reinado “americano” de D. João VI. «Colonizar a Terra de Santa Cruz, também denominada Brasil, não significou apenas recolher os troncos da árvore tintureira, ou produzir açúcar, ou explorar o ouro das minas. Significou também transplantar para a América portuguesa uma língua, uma religião e uma organização eclesiástica, instituições administrativas, leis e uma máquina judiciária, uma estrutura familiar, formas de convivência e de sociabilidade». A Corte portuguesa trouxera para o Brasil homens de superior sensibilidade e cultura, alguns dos quais procuraram promover, o mais breve possível, a emancipação intelectual do novo Estado. Visitaram e fixaram-se no Brasil artistas e cientistas de todo o mundo, arquitectando-se toda uma construção europeia de vida civilizada no continente americano. Carlos Jaca 38 D. Rodrigo de Sousa Coutinho, de 1808 a 1812, e o seu sucessor no Ministério, o Conde da Barca, de 1814 a 1817, procuraram pôr em prática um plano de ensino científico, artístico e literário que ajudasse à emancipação brasileira. Instituições de ensino. Antes da chegada da Corte pode dizer-se que as condições da instrução pública no Brasil eram deficientes, tendo recebido um rude golpe com a expulsão dos jesuítas, os quais ensinavam, gratuitamente, as matemáticas elementares, gramática latina, teologia dogmática e moral e retórica, conferindo aos alunos, ao terminar o curso, o diploma de mestre em artes (magister in artibus); noutras partes do Brasil, onde existiam colégios da Ordem, ou mesmo simples hospícios, ensinavam as primeiras letras e gramática latina. O ensino no Brasil, ao tempo de D. João, continuava a reger-se pelas normas estabelecidas pelo Marquês de Pombal, depois da expulsão dos jesuítas, porém, foi aumentado o número das denominadas “escolas régias” e aulas isoladas que, funcionando nas principais cidades e vilas da colónia, se podiam considerar, hoje, como de segundo grau. Eram escolas especialmente dedicadas ao ensino do latim, gramática, geografia, matemática, filosofia, retórica, mecânica e desenho. Após concluído esse estudo, os escolares, mediante um exame (de aptidão) podiam ser admitidos á frequência nas escolas superiores do Reino, nomeadamente na Universidade de Coimbra, ou mesmo em outras Universidades europeias. Também foi permitida, a quem tivesse condições, a abertura de escolas de primeiras letras, independentemente do exame de licença, a fim de ser incentivado o ensino primário, tal como foram criadas cadeiras de artes e ofícios em várias povoações. Nas sedes dos Bispados funcionavam seminários sendo notável o número de brasileiros que se ordenava; porém, neste caso, o ensino estava fundamentalmente concentrado nos seminários de São José e São Joaquim, no Rio de Janeiro, fundados em 1739 pelo Bispo D. Frei António de Guadalupe e que se fundiram em 1817. Estes seminários preparavam clérigos e funcionários públicos, servindo ao mesmo tempo a Igreja e o Estado, ensinando latim e cantochão, sendo esta última uma especialidade do Seminário de São Joaquim, menos leigo e destinado a órfãos desvalidos e, por isso mesmo, a educação aqui era gratuita. No de São João, onde nem todos os alunos se destinavam à religião, uns pagavam e outros recebiam instrução sem qualquer encargo, acolhendo-se os pobres do mesmo modo e ao mesmo título que os ricos. Carlos Jaca 39 Instalada a Corte, procurou o primeiro ministério, dirigido por D. Rodrigo de Sousa Coutinho (Linhares) organizar oficialmente os serviços de instrução pública. A Medicina. Efectivamente, a transferência da Corte para o Brasil rasgou, desde logo, novos horizontes ao ensino, e a verdade é que o anterior empirismo veio a ceder o lugar à investigação científica. Veja-se o caso da Medicina em que, até então, não existiam cirurgiões práticos fora das cidades do litoral onde eram substituídos pelos curandeiros. As operações mais fáceis costumavam no Brasil ser praticadas pelos barbeiros sangradores e, para as mais difíceis, recorria-se a «indivíduos mais presunçosos, porém, no geral, igualmente ignorantes de anatomia e patologia realmente científicas». O tratamento das crianças era feito pelos farmacêuticos, de acordo com velhos formulários e, estrangeiro que aparecesse com fama de investigador científico, como aconteceu com os naturalistas que visitaram o Brasil no tempo de D. João, era assaltado por chusmas de doentes, vindos de todos os lados, a pedir diagnósticos e receituários. Assim que a Corte se fixou a medicina e a cirurgia mereceram, de imediato, a atenção dos governantes. Quando ainda se encontrava na Baía determinou o Príncipe Regente criar uma escola de cirurgia no Real Hospital Militar, juntamente com as cadeiras de Anatomia e Obstetrícia, lançando, assim, os fundamentos do ensino médico no Brasil. A introdução da ciência médica, ou pelo menos do ensino médico, na colónia sul americana deve-se a um pernambucano, o Dr. José Correia Picanço, o qual, após fazer estudos em Lisboa, os fora completar a Paris e aí se casara com uma filha do célebre anatomista Professor Sabatier. De regresso a Portugal, foi sucessivamente nomeado lente de anatomia e cirurgia na Universidade de Coimbra, 1º cirurgião da Real Casa e Cirurgião-Mor do Reino, sendo nessa dupla qualidade que regressou às origens acompanhando a Família Real, propondo, então, ao Príncipe Regente as já referidas criações médico-cirúrgicas. Por Aviso de 18 de Março de 1813, o Príncipe Regente mandava criar o curso de Cirurgia no Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, o qual abrangia cinco anos, sendo condição de frequência os alunos saberem ler e escrever e possuírem rudimentos das línguas francesa e inglesa. No final dos cinco anos os alunos recebiam a carta de aprovação em Cirurgia, tendo os diplomados entrada imediata no Colégio Carlos Jaca 40 Cirúrgico, como opositores às cadeiras da Escola do Rio de Janeiro e das que a Coroa pretendia fundar nas cidades da Baía e Maranhão. Visando uma prática eficiente, podiam muitos cirurgiões fazer depois exame das cadeiras médicas, o que lhes abria o acesso à formatura e, mesmo, ao doutoramento em Medicina. Há conhecimento de várias cartas de cirurgião passadas entre 1815 e 1820, com a assinatura do Doutor Correia Picanço, que mantinha o cargo de Cirurgião-Mor do Reino. Ensino profissional - Comércio. Quer para aumento da riqueza do Estado, quer para a melhoria das condições de vida dos indivíduos, pouco depois da chegada da Corte, foram instituídas Aulas de Comércio, uma no Rio de Janeiro em 1810 e outra na Baía em 1811, passando os negociantes e os seus caixeiros a dispor de uma formação profissional até então inexistente. O ensino nestas escolas compreendia a Aritmética, a Álgebra, a Geometria, a Geografia, e várias matérias como moedas e câmbios, seguros, leis e usos, e escrituração mercantil. A propósito da criação destas Aulas de Comércio, são significativas as palavras do redactor da gazeta baiana: «homens analfabetos sem princípios de educação, e mesmo de civilidade, dirigidos só pelo bem sucedido instinto de ganhar dinheiro, podem vir a ser muito ricos e a abranger com as suas especulações ainda mais que as quatro partes do mundo, porém nunca jamais poderão ser negociantes na própria, e completa significação do termo». Ainda durante a sua passagem pela Baía, o Príncipe Regente determinou que fosse criada uma cadeira de Economia Política no Rio de Janeiro, entregando a sua regência ao Dr. José da Silva Lisboa, deputado da Mesa da Inspecção da Agricultura e Comércio da Baía. Com esse objectivo convidou este magistrado e economista a fixarse na capital do Brasil, a fim de o auxiliar «a levantar o império do Brasil». Ciências. A reforma da Universidade de Coimbra, levada a cabo pelo Marquês de Pombal, com a colaboração, entre outros, dos irmãos brasileiros João Pereira Ramos de Azevedo Coutinho e D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, Bispo de Coimbra e Reitor daquela instituição, proporcionou a oportunidade para a formação científica de muitos jovens que iriam emergir no período de permanência da Capital no Rio e, mesmo depois, no período do Império. Carlos Jaca 41 De facto, com a vinda da Corte para o Rio, o Brasil tornou-se objecto de muitas expedições científicas, empreendidas por naturalistas e viajantes que, para as realizar, obtinham licenças e favores do Governo de D. João. Foi bem notório na cultura deste período, o interesse por todos os ramos da História Natural, mas muito especialmente pela Botânica e Mineralogia. Na Botânica, disciplina simultaneamente ligada à Medicina, à Agricultura e às Artes, procuravam-se conhecer todas as espécies de plantas existentes no Brasil, não só para a classificação dentro do sistema lineano, (Lineu, naturalista sueco, especialmente conhecido pelos seus trabalhos de Botânica) mas para descobrir os seus usos medicinais, alimentares e tecnológicos. Botânico de grande mérito foi Manuel de Arruda Câmara, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, natural dos sertões de Pernambuco, que deixou entre os seus escritos inéditos, as «Centúrias dos novos géneros e espécies das plantas pernambucanas» e, para cuja elaboração contara com a ajuda do Padre João Ribeiro Pessoa, professor de desenho no Seminário de Olinda, «o qual foi discípulo do autor e viajou com ele pelos sertões, herborizando e trabalhando juntamente na Flora». Em 1796, fora criado o primeiro Jardim Botânico, o de Belém do Pará, o qual deveria servir de modelo a todos os outros que viessem estabelecer-se no Brasil. Porém, foi a obra publicada pelo já referido naturalista, Arruda da Câmara, no Rio de Janeiro, em 1810, intitulada «Discurso sobre a utilidade da instituição de jardins nas principais províncias do Brasil», que deu novo impulso à criação destas instituições científicas. Nesse mesmo ano, o botânico Kancke foi nomeado director das culturas dos jardins e quintas reais, tendo-se já em vista o estabelecimento de um Jardim Botânico «no lugar que por ele for escolhido por mais próprio para este destino». A Fazenda Real cobriria todas as despesas que se fizessem em «alguma exploração botânica no interior deste continente». Quanto à Mineralogia, o outro ramo da História Natural mais desenvolvido no Brasil deste período, embora se tivessem feito tentativas de classificação mineralógica nas várias capitanias, e principalmente em Minas Gerais, dificilmente podiam passar por uma análise química no próprio local, por via da falta de condições e de especialistas. Assim, as amostras eram enviadas para o Rio de Janeiro, ou para a metrópole, a fim de se poder detectar com maior rigor a riqueza mineralógica das regiões exploradas. O Bispo Azevedo Coutinho, no seu «Discurso sobre o estado actual das minas do Brasil», publicado em 1814, era apologista das escolas de Mineralogia, Carlos Jaca 42 principalmente em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Cuiabá e Mato Grosso, argumentando: «não é fácil de achar, nem ainda à custa de muitas diligências e despesas, os tesouros que a natureza tem ocultos debaixo da terra e pelas serras e brenhas intratáveis; o acaso, pela maior parte é que os descobre». Segundo Azevedo Coutinho, o meio mais conveniente de se progredir nos estudos mineralógicos naquelas Capitanias seria o de enviar «homens práticos», conhecedores das terras metálicas, recolher amostras que, depois, seriam enviadas aos peritos na arte existentes nas grandes povoações, onde existissem laboratórios bem apetrechados de instrumentos necessários para a análise e exames dos metais. A melhor prova de que o anterior empirismo ia dando lugar à investigação científica é o facto de que, por decreto de 25 de Janeiro de 1812, se fundava no Rio um laboratório prático, «tendo em consideração as muitas vantagens, que devem resultar, em beneficio dos meus fieis vassalos, do conhecimento das diversas substâncias, que às artes, ao comércio e indústria nacionais podem subministrar os diferentes produtos dos três reinos da natureza, extraídos dos meus domínios ultramarinos». Em consequência da nova aliança celebrada entre a Corte do Brasil e a de Viena, vieram ao Brasil duas missões de naturalistas que percorreram parte do território brasileiro. D. Leopoldina de Áustria, que era muito dada ao estudo das ciências naturais, esteve na base da visita ao Brasil desse notável grupo de cientistas, dele fazendo parte os austríacos Mikan, Pohl e Von Natterer, o toscano Raddi e os bávaros Spix e Martius, autores, todos eles, de trabalhos referentes à botânica, zoologia, mineralogia e etnologia brasileiras; os dois últimos escreveram a valiosa «Viagem pelo Brasil», tornando-se Von Martius, cognominado o “amigo das palmeiras”, coordenador da monumental edição da «Flora Brasiliensis», considerada no dizer de Hélio Viana, a mais volumosa obra até hoje escrita sobre a botânica brasileira. Imprensa. Estranhamente, ou talvez não, (esclareça-se que a montagem de oficinas tipográficas não estava autorizada na colónia e as tímidas iniciativas nesse sentido tiveram existência efémera, uma vez que eram prontamente reprimidas) a produção tipográfica era desconhecida no Brasil colonial e, assim, a sua «elite ilustrada» para poder divulgar os seus escritos via-se obrigada a recorrer à imprensa metropolitana ou, então, a fazer circular cópias manuscritas do seu labor literário ou científico. Só a vinda da Corte alterou esta dependência da metrópole. Carlos Jaca 43 Efectivamente, a instalação da actividade tipográfica só foi possível devido ao facto de o equipamento ter sido trazido para o Brasil por António de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, que o encomendara em Londres, para funcionar e ser aplicado em Lisboa, na Secretaria dos Estrangeiros e da Guerra, que ele dirigira como ministro até à saída da Corte para o Rio. Assim, por decreto de 13 de Maio de 1808, foi estabelecida na Corte do Rio de Janeiro a Impressão Régia que devia publicar, além da documentação oficial, todas e quaisquer obras e, principalmente, aquelas que contribuíssem para divulgar e engrandecer a imagem oficial da monarquia O decreto que criava a imprensa no Brasil era do seguinte teor: «Tendo-me constado que os prelos que se acham nesta capital eram destinados para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra; e atendendo à necessidade que há de oficina de impressão nestes meus Estados; sou servido que a casa onde eles se estabeleceram sirva interinamente de impressão régia, onde se imprimam exclusivamente toda a legislação, e papéis diplomáticos que emanarem de qualquer repartição do meu real serviço; e se possam imprimir todas e quaisquer outras obras; ficando interinamente pertencendo o seu governo e administração à mesma secretaria. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, do meu Conselho de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra o tenha assim entendido, e procurará dar ao emprego da oficina a maior extensão, e lhe dará todas as instruções e ordens necessárias, e participará a este respeito tudo o que mais convier ao meu real serviço». No próprio dia da fundação, a Impressão Régia fazia publicar, em homenagem ao Príncipe Regente, que celebrava o aniversário, a sua primeira obra: «Relação dos despachos publicados na Corte da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, no faustíssimo dia dos anos de S. A. R., o Príncipe Regente N. S., e de todos os mais, que tem expedido pela mesma Secretaria desde a feliz chegada de S. A. R. aos Estados do Brasil até o dito dia. Rio de Janeiro, 13 de Maio de 1808. Na Impressão Régia. Vende-se na loja de Manuel Jorge da Silva, livreiro na Rua do Rosário». Entre as atribuições da Junta Directora constava o exame de tudo quanto se mandasse publicar, impedindo a impressão de papéis e livros cujo conteúdo “beliscasse” o Governo, a religião ou os bons costumes. Era a censura “colada” à Real Tipografia, anulando a divulgação de ideias que ameaçassem a já frágil estabilidade da Coroa. Carlos Jaca 44 As obras que o Governo mandava publicar chegavam à oficina trazendo «ao pé de página de rosto» a seguinte indicação: «Por Ordem de S. A. R.». No caso de serem enviadas pelos próprios autores, e depois de passarem pela “peneira” da censura, apunha-se-lhe a indicação: «Com Licença de S. A. R.». Até 1822, foram publicados 1427 documentos oficiais e, ainda, pequenas brochuras, folhetos, opúsculos, sermões, prospectos, obras científicas, literárias, traduções de textos franceses e ingleses versando sobre agricultura, comércio, ciências naturais, matemática, história, economia política, filosofia, teatro – óperas e dramas, romance, oratória sacra, poesia, literatura infantil – ao fim e ao cabo, ali tudo se imprimia desde que visado pela censura. Registe-se, também, que a gravura em cobre e aço veio completar a obra da Impressão Régia, a qual foi introduzida no Rio de Janeiro por Frei José Mariano da Conceição Veloso, antigo director da Oficina Tipográfica do Arco do Cego, com a colaboração dos artistas gravadores Ferreira Souto e Romão Elói de Almeida. Em 1816, a Impressão Régia fez publicar a «Colecção de retratos de todos os homens, que adquiriram nome pelo génio, talento e virtudes… desde o princípio do mundo até nossos dias. Desenhados das medalhas e dos retratos pintados pelos mais célebres artistas». O nome original, Impressão Régia, foi sofrendo alterações, consoante os acontecimentos políticos: em 1815, ano da elevação da colónia a Reino Unido de Portugal, Brasil e dos Algarves, denominou-se Régia Oficina Tipográfica e, quando, em 1818, D. João foi aclamado rei, a oficina mudou o nome para Tipografia Real. Pouco tempo depois do aparecimento da Imprenssão Régia, saía dos seus prelos o primeiro periódico brasileiro, a “Gazeta do Rio de Janeiro”, cujo número inaugural começou a circular a 10 de Setembro de 1808. Composta por quatro páginas, as suas dimensões seguiam o padrão dos jornais estrangeiros: 19x13,5 com formato “in quarto”. Em princípio seria semanal, mas a partir do segundo número passou a “biebdomadário” (duas vezes por semana), instalando-se a direcção e a redacção nas oficinas da própria Imprensa Régia. Como órgão oficioso, tutelado pela Secretaria dos Estrangeiros e Guerra, e redigida pelo frade Tibúrcio José da Rocha, oficial da referida Secretaria, era, obviamente, o veículo indicado para fazer a propaganda da monarquia, transmitindo, Carlos Jaca 45 através dos seus feitos, a imagem que lhe convinha. Enfim, “fazer ondas” sobre a política governamental, estava, completamente, fora de causa. No geral, descrevia as grandes e frequentes festas públicas, elogios e reverências à Família Real, transcrevia as notícias das gazetas europeias e publicava diversos anúncios e avisos que constituíam a publicidade da época. Até à queda de Napoleão, noticiava acerca dos fluxos e refluxos do conflito que se desenrolava na Europa, vibrando com as vitórias alcançadas sobre o futuro exilado de Santa Helena. Neste caso, (e noutros) a “Gazeta do Rio de Janeiro” não deixava, naturalmente, de demonstrar alguma parcialidade: os franceses eram considerados «pragas que assolavam a Europa» e a saída de D. João para o Brasil, um plano magistral. Parece ter sido o viajante Armitage, segundo Lília Moritz Schwarcz, quem melhor definiu o jornal, afirmando nas suas páginas que «o Brasil parecia um paraíso terrestre, onde ninguém reclamava nada». Porém nem todos “embarcavam” nessa direcção. Era o caso do prestigiado, e temido, Hipólito José da Costa, brasileiro de nascimento, exilado em Londres onde fundou o “Correio Braziliense”, e nele escreveu acerca da “Gazeta”: «Gastar tão boa qualidade de papel em imprimir tão ruim matéria, que melhor se empregaria se fosse usado para embrulhar manteiga». Hipólito da Costa viveu em Portugal onde foi director da Junta de Imprensa Régia, vindo a tornar-se, posteriormente, crítico do Governo português. Perseguido pela Inquisição, acusado de maçon, esteve preso entre 1802 e 1804, ano em que conseguiu fugir e passar a viver em Inglaterra. Aqui, três meses antes da oficial “Gazeta do Rio de Janeiro”, lançou o já citado “Correio Braziliense”, cuja publicação, que era mensal, terminou quando da Independência, em 1822. Sem “papas na língua”, Hipólito da Costa, muito bem informado, «livre de censura e com inspiração iluminista, redigia notícias, resumos analíticos, comentários e críticas sobre os acontecimentos políticos da época, destacando sempre os erros e acertos do governo português». Por via da sua linha editorial, o “Correio” foi proibido de entrar no Brasil, onde afinal circulava, clandestinamente, em larga escala, em todas as Capitanias e, constando, que D. João VI era o primeiro a lê-lo. No que respeita à Baía o grande passo para o avanço da tipografia deveu-se à iniciativa de um negociante reinol, Manuel António da Silva Serva que, em 1811, conseguiu autorização para «cooperar no aumento e progresso dos conhecimentos literários e instrução pública». Da sua oficina saíram a gazeta baiana, com o título de Carlos Jaca 46 “Idade d’Ouro do Brazil”, que se publicou até 1823, bem como o “Plano” destinado a montar uma biblioteca pública em Salvador. Artes e Letras. A chegada da Corte ao Rio de Janeiro, em 1808, não podia ter deixado de promover uma europeização no Brasil. Entre as múltiplas modificações ocorridas na nossa antiga colónia e que, aqui e agora, interessa salientar, referirei, apenas, o essencial sobre Artes e Letras. Teatro. Do legado cultural do período joanino, deve destacar-se como iniciativa meritória para a renovação do cotidiano do Rio de Janeiro a criação do Real Teatro de São João, um marco da arte dramática na nova capital. Por decreto de 28 de Maio de 1810, D. João determina a criação de um teatro que levava o seu nome e seria edificado na Praça do Rossio: «Fazendo-se absolutamente necessário nesta Capital que se erija um teatro decente, e proporcionando à população e ao maior grau de elevação e grandeza em que se acha pela minha residência nele, e pela concorrência de estrangeiros e outras pessoas que vêm das extensas Províncias de todos os meus Estados, fui servido encarregar o doutor Paulo Fernandes Viana, do meu Conselho e Intendente de Polícia, do cuidado e diligência de promover todos os meios para ele se erigir». Inaugurado a 12 de Outubro de 1813, começou a dar espectáculos com artistas portugueses amadores, depois substituídos por profissionais dos teatros europeus. Neste novo espaço representavam-se comédias e tragédias, além de peças líricas, óperas e servindo, ainda, de palco a representações que projectassem o poder do Príncipe Regente. Nos dias de gala, a Família Real comparecia no Teatro e, nessas ocasiões, o interior do São João era engalanado com «sanefas de seda, grinaldas de flores, arandelas, lustres, e na tribuna real eram dispostas cortinas de veludo franjadas de ouro». No início de cada espectáculo, a Família Real recebia um elogio dramático e aparecia ainda representada no novo pano da boca de cena que homenageava a sua entrada na Baía de Guanabara. No Real Teatro de São João foram representadas, entre outras, as óperas «O Juramento dos Numes», de Bernardo José de Souza Queiroz, «Axur, Rei de Ormuz», de Salieri, «Merope», de Marcos Portugal e «La cenenterola», de Rossini. Em 1819, saliente-se a apresentação das óperas «Tancredo» e a «Caçada de Henrique IV», cantadas pelas artistas estrangeiras Faschiotti e Sabini e por um tenor «magríssimo e Carlos Jaca 47 afectado». Aqui, organizou-se também uma Companhia de Canto dirigida por Ruscollu e outra de Bailados, sob a direcção de monsieur e madame Lacombe, «em geral bons, tanto os cómicos como os dramáticos», sendo os bailarinos, no dizer do cronista Pizarro, admirados pela «agilidade, delicadeza e perfeição do seu ofício». Embora o Teatro fosse considerado um espaço público, era realmente restrito, de patrocínio régio, onde a realeza se apresentava e…representava, tanto no camarote real como no próprio palco. Isto acontecia quando as obras, especificamente, se lhe dirigiam, como «O Himeneu», dedicada ao Príncipe D. Pedro e a D. Leopoldina, transformandose em protagonistas da própria peça. Sublinhe-se que, para além do papel que exerceu enquanto lugar de sociabilidade da Corte e, até, como um espaço privilegiado de manifestações políticas, o teatro adquirira novas feições, funcionando como «dispositivo disciplinador de atitudes e comportamentos», proporcionando mudanças nos hábitos da população da cidade. Nas peças que se representavam, ridicularizavam-se as maneiras, vícios, dialecto e outras peculiaridades da colónia. Visando corrigir certos comportamentos, o teatro dava indicações precisas, a todos aqueles que o frequentavam, quanto ao «bom gosto» e às «boas maneiras» que deviam adoptar se quisessem fazer parte do mundo da respeitabilidade que agia, e se identificava, em conformidade com as normas de uma sociedade de Corte. Música. Spix e Martius, célebres naturalistas, já referidos, desembarcados no Rio de Janeiro em Julho de 1817, precedendo a embaixada austríaca da Arquiduquesa D. Leopoldina, testemunharam, e por escrito, aliás, como outros estrangeiros, que a música era muito cultivada na Corte do Brasil. E, nada há de estranho nisso, porquanto, a música era a arte preferida pela Família Real. Sublinhe-se que, ainda no Reino, D. João passava longas temporadas no Palácio e Convento de Mafra onde, em recolhimento, desfrutava, nomeadamente, a música sacra, arte que sempre fora do seu agrado. Efectivamente, D. João, na esteira dos seus antecessores brigantinos, dispensou grande protecção à arte musical, rodeando-se de cantores e executantes de alto nível, para maior solenidade da Capela Real; espaço privilegiado do cenário musical do Rio, entre outros melhoramentos, deu-lhe uma orquestra mais rica que incluía músicos idos de Portugal e dotando-a de um coro adequado em número e qualidade. Estimou-se que, em 1815, D. João, disponibilizava cerca de 300.000 francos anuais na manutenção da Capela Real e do seu elenco de artistas, que incluíam «cinquenta cantores, entre eles magníficos “virtuosi” italianos, dos quais alguns Carlos Jaca 48 famosos “castrati”, (eunucos) e 100 excelentes executantes, dirigidos por dois mestres de capela». Em 1808, com a chegada da Corte, o Príncipe Regente chamou o Padre José Maurício Nunes Garcia para mestre da Capela Real e que dirigira, até então, os serviços de música da Sé Catedral. O Padre José Maurício pontificou em todas as funções musicais, sacras e profanas, até 1811, quando chegou ao Rio o maestro Marcos Portugal, formado pela Escola Italiana e com larga experiência de batuta na regência de São Carlos, em Lisboa. A actuação do Padre Maurício correspondeu a uma poderosa aliança entre a música de tipo clássico e de inspiração nativa, compondo cerca de 70 músicas até ao momento da chegada do maestro lisboeta. Registe-se ter sido sob a sua regência que se tocou pela primeira vez no Brasil o “Requiem” de Mozart, em Dezembro de 1819, durante as festas anuais promovidas pela Irmandade de Santa Cecília. Já em 1809, havia composto a música para o drama “ O Triunfo da América”, de D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho, que se representou a 13 de Maio, data do aniversário do Príncipe Regente. O compositor Marcos Portugal terá decidido vir para o Brasil quando se convenceu que a Corte não regressaria tão cedo a Lisboa e que, «cantores e músicos, sobretudo italianos, já gravitavam em torno da nova Corte brasileira». Marcos Portugal, logo que desembarcou no Brasil, em 1811, foi nomeado mestre da Capela Real, passando o Padre José Maurício a inspector de música da Corte. Autor de missas solenes, de sinfonias, de concertos, de hinos e de óperas e de outras composições religiosas e profanas, Marcos Portugal preenche, por completo, esse período musical do Brasil. Em todas as cerimónias e celebrações, especialmente naquelas que eram levadas a efeito na Capela Real, as principais peças eram compostas e dirigidas por Marcos Portugal, que foi sem dúvida a primeira figura do panorama musical luso-brasileiro durante o tempo em que a Corte permaneceu no Brasil, onde veio a falecer em 1830. Este brilhante período foi ainda enriquecido pela vinda, em 1816, de Neukomm, músico austríaco, discípulo preferido de Haydn e que, imediatamente, foi nomeado Carlos Jaca 49 professor de piano da Infanta D. Maria e do Príncipe D. Pedro. O futuro Imperador do Brasil foi autor de muitas composições musicais, algumas solenes, como o «Te Deum» que foi elaborado para o seu segundo casamento, uma ópera em português executada em 1832 no Teatro Italiano de Paris, uma sinfonia para grande orquestra, as músicas para o Hino Constitucional português e para o Hino da Independência brasileira. Para o progresso da arte musical muito concorreu D. Leopoldina, que trouxe até uma orquestra alemã na sua comitiva e promoveu a vinda de artistas, bem como a divulgação de obras de Bontempo, impressas em Paris e Londres. Embora longe de se comparar a Londres ou a Paris, o Rio de Janeiro, graças ao mecenato da Corte, tornou-se um centro poderoso da arte musical. Concluindo esta breve notícia sobre a música na Corte do Rio de Janeiro referirei, ainda que parcialmente, uma oportuna e interessante informação Suplemento “Tele.Escolha”, publicada no da do edição “Diário do Minho”, de 24 de Agosto do ano findo, intitulada, «Músicas do período do rei D. João VI nos palcos do Brasil». Segundo a referida informação, o Rio de Janeiro iria ser palco, durante os meses de Setembro e Outubro, de concertos de câmara itinerantes com a intenção de apresentar ao público “carioca” músicas do período do rei D. João VI, espectáculos inseridos nas comemorações da chegada da Corte portuguesa ao Brasil. Conforme anunciava o maestro Edino Krieger, «que assina a direcção geral dos concertos dedicada à música sacra e profana, o objectivo é resgatar a memória musical e as identidades culturais do Rio de Janeiro durante os 13 anos de permanência da Família Real na cidade». O maestro refere, ainda, que a programação dos concertos itinerantes sintetiza a produção da música clássica da época, não só a religiosa mas também a popular, como as “modinhas” e os “lundus”, estes últimos, de origem africana que os escravos trouxeram para o Brasil e Portugal. Quatro grupos vocais e instrumentais – o “Coro de Câmara Pro-Arte”, o “Quarteto Colonial” o “Quadro Cervantes” e o “Grupo Retoques” – apresentariam Carlos Jaca 50 músicas religiosas, bem como “modinhas” e “lundus” dos mais consagrados compositores da época: Padre José Maurício, Marcos Portugal, Neukomm, Henrique Alves de Mesquita, António José da Silva, Xisto Baía e Domingos Caldas Barbosa. Krieger sublinha que o estilo musical no período joanino foi «um casamento da melodia portuguesa com a música africana». A «Missão Artística Francesa». – A ideia da fundação de uma Universidade em território brasileiro não deixou de ser um projecto muito acarinhado por D. João VI que, já desde Lisboa, se revelara um grande amigo e protector de artistas nacionais e estrangeiros. O projecto teria sido tão a sério que o Príncipe Regente chegou a convidar José Bonifácio para director da futura escola superior, só que nem todos os seus ministros apoiavam a ideia, consequência da «tenaz oposição do ainda preponderante elemento português, o qual assim receava ver desaparecer uma das principais bases sobre que a metrópole assentava a sua superioridade». Em compensação deu-se início a uma Academia de Belas Artes, organizada com artistas franceses de mérito e reputação. Foi, sem dúvida, António de Araújo de Azevedo, homem culto e inteligente, e que mantinha relações com a alta roda intelectual europeia, quem idealizara a formação da futura Academia. Conseguida a autorização do Governo, Barca encarregou o Marquês de Marialva, embaixador em Paris, de tratar da ida de uma «missão artística» para o Brasil. Efectivamente, em Março de 1816, chega ao Rio de Janeiro a «missão artística francesa», como veio a ser conhecida. O grupo que desembarcou na Guanabara era dirigido por Lebreton (secretário perpétuo da classe de Belas Artes do Instituto de França), acompanhado por alguns dos mais renomados artistas da época: Debret (pintor de história e decoração), Nicolas Tauney (escultor), seu irmão, Auguste Tauney (escultor), Montigny (arquitecto), Pradier (gravador), François Ovide (professor de mecânica) e François Bonrepos (ajudante do escultor Tauney). A «missão» fazia-se ainda acompanhar de 54 quadros de pintores ingleses e franceses, com o objectivo de criar uma pinacoteca no Rio de Janeiro; embora a maioria fosse composta por reproduções de obras renascentistas, bem ao estilo da época, a ideia era «suprir a colónia americana, carente de boa arte». O Governo francês não viu com bons olhos essa emigração de grandes capacidades artísticas, organizada pelo embaixador português. O representante francês Carlos Jaca 51 no Rio de Janeiro, Maler, chegou a insinuar tratar-se de um exílio disfarçado de indivíduos afectos ao Império, o que não era a opinião do próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros, afirmando ser voluntariamente a expatriação e não se acharem os artistas em questão “debaixo d’olho” da polícia ou ameaçados pelas leis de segurança da monarquia restaurada. Embora fosse claro o desejo de impor uma nova cultura artística mais de acordo com o que se passava na Europa, a «missão» tinha objectivos mais amplos, conforme ressalta do decreto da fundação, publicado em 12 de Agosto de 1816: «Atendendo ao bem comum que provem aos meus fieis vassalos de se estabelecer no Brasil uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em que se promovam e difundam a instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos de administração do Estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio de que resultam a subsistência, comodidade e civilização dos povos mormente neste continente cuja extensão não tendo ainda o devido e correspondente número de braços indispensáveis ao trabalho e aproveitamento do terreno, precisa de grandes socorros da estatística para aproveitar os produtos, cujo valor e preciosidade podem vir a formar do Brasil o mais rico e opulento dos Reinos conhecidos; fazendo-se, portanto, necessário aos habitantes o estudo das belas-artes com aplicação e referência dos ofícios mecânicos, cuja prática, perfeição e utilidade dependem dos conhecimentos teóricos daquelas artes e de efusivas luzes das ciências naturais, físicas e exactas […] Refira-se que, como está patente no decreto, o primeiro nome da instituição foi «Escola Real da Ciências, Artes e Ofícios» mostrando, assim, como a sua inserção se daria em diversos campos de actuação. E mais, note-se que, com a «missão», vieram técnicos de construção naval, de construção de veículos, curtidores de peles, um serralheiro, um mestre de obras de ferro… «atendendo a outros interesses do Estado e formando homens não só destinados aos empregos públicos, mas também à agricultura, mineralogia, indústria e comércio». Se, de facto, o principal objectivo da «missão francesa» era a criação de uma Academia de Arte e Ciências no Brasil, esse plano foi por “água abaixo”, isto é, não saiu do papel e só em 1826, depois de proclamado o Império se procedeu à sua abertura. Porquê? Carlos Jaca 52 Entre outros factores que possam ter existido, salientarei aqueles que mais contribuíram para o “emperramento” do projecto: O Conde da Barca, principal inspirador e mecenas da futura Academia, faleceu pouco depois da chegada da «Missão»; Lebreton, chefe da «Missão», perseguido por Maler, cônsul de França, seu patrício e inimigo político, retirou-se para a praia do Flamengo, um arrabalde de recreio, onde morreu «tristemente» em 1819; acrescente-se, também, desde início, os ódios e as intrigas dos poucos mestres e artistas nacionais, despeitados, que consideravam os seus talentos inexcedíveis; por fim, os problemas de ordem política que se abriram com a insurreição pernambucana de 1817 e se prolongaram com a revolução liberal de Portugal em 1820, bem como o movimento nacional da Independência em 1821 e 1822. A «Missão» estava de tal modo desarticulada, e sem apoios, que, nos anos decorridos de 1816 a 1826, o palácio da Academia, de cuja construção fora encarregado Montigny, não conseguiu, por falta de meios postos à disposição do arquitecto, passar do andar térreo com um pavilhão ou templo grego no centro. Apesar das contrariedades, entre 1816 1826, a «Missão Artística Francesa» ganhou espaço e notoriedade. Embora os seus propósitos iniciais não tivessem sido cumpridos no plano pictórico, deve-se-lhe a «transformação radical, que aos poucos relegou o barroco a segundo plano e permitiu que o neoclassicismo passasse a imperar, ao menos na Corte do Rio de Janeiro». De facto, os elementos que a constituíam não deixaram de ter sucesso enquanto permaneceram à sombra da Corte e bem desfrutaram dela, pois coube-lhes organizar e ornamentar as grandes celebrações que a monarquia fez no Brasil durante os quatro anos que antecederam o regresso a Portugal: depois das exéquias e cerimónias pelo luto de D. Maria I, sucederam-se as galas, em que os ornatos fúnebres foram substituídos por arcos triunfais, obeliscos, pinturas e iluminações, por ocasião do casamento do Príncipe D. Pedro com a Arquiduquesa D. Leopoldina, o aniversário, a aclamação e a coroação de D. João VI. Da «Missão Francesa», Debret, que se manteve 15 anos no Brasil, foi o artista mais conhecido, deixando a melhor e mais completa iconografia da época transpondo para a sua obra pictórica, de modo mais criativo, as cerimónias sociais, os costumes, os tipos e as cenas do cotidiano do Rio de Janeiro. Debret executou, além de outros, os retratos do Rei e do Príncipe, os quadros da aclamação de D. João, o do desembarque de D. Leopoldina e o do embarque das tropas para Montevideu. Carlos Jaca 53 Por sua vez, Montigny deixou inúmeros projectos arquitectónicos, alguns concretizados, como a Praça do Comércio, além de inúmeros riscos de decorações festivas intituladas “arquitecturas efémeras”, a exemplo do Arco do Triunfo alegórico, na rua Direita, projectado para a chegada da Arquiduquesa e das alegorias arquitectónicas contíguas à varanda projectada para a cerimónia da aclamação de D. João VI. A «Missão», como seria natural, viria a repetir os passos da sua matriz europeia, tal como ocorreu na França napoleónica, sendo a grande responsável por uma série de obras urbanísticas e grandes monumentos, «todos formados nos rígidos preceitos neoclássicos», bem como veio a interferir no urbanismo da Corte, criando uma espécie de «espaço de festa”, onde se levavam a efeito comemorações públicas associadas ao Estado. Letras. Alguns autores consideram que a produção literária dos primeiros anos do século XIX, embora abundante, não é rica em originalidade criadora. A época é o que se pode chamar de proto-romântica, principalmente a partir de 1820, quando o constitucionalismo começa a entrar na política autonomista brasileira, na oratória, no jornalismo e até na poesia. Ao lado dos nomes de José Bonifácio de Andrade e Silva, Mont’Alverne e José da Silva Lisboa, surgem nessa época de «agitação, dúvida e tentativa de reforma»..., de que a cidade do Rio de Janeiro, como capital do novo Império português se fizera o centro, os de António Pereira de Sousa Caldas, «o maior poeta do tempo», Fr. Francisco de S. Carlos, José da Natividade Saldanha, Francisco Ferreira Barreto, José Elói Ottoni, Fr. Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio e outros mais, de cuja actividade muito lucrou a poesia, a história, a eloquência profana e sagrada, as ciências e as artes. Além destes escritores, «últimos árcades e primeiros românticos», merecem atenção, embora sem atingir grandes voos, Monsenhor José de Sousa Azevedo, Pizarro e Araújo, Padre Luis Gonçalves dos Santos, Inácio Accioli de Cerqueira e Silva, Padre Manuel Alves do Casal, António Carlos Ribeiro de Andrade Machado e Silva, Marturi Ribeiro de Andrade e outros. Em posição cimeira, com grande interesse literário e obras escritas com um certo fôlego, independência e elevado nível cultural, muito acima dos seus coetâneos, «que são quase todos bajulatórios, ou tímidos e pacientes, serventuários de letras pesadas», Carlos Jaca 54 encontramos José Bonifácio de Andrade e Silva, que marca a transição do neoclassicismo para o romantismo. José Bonifácio, Patriarca da Independência, «o mais culto dos brasileiros do seu tempo», é identificado, no tempo da primeira Imperatriz do Brasil, como o “líder” do «proto-romantismo libertador». Orador, político, estadista, poeta, cientista, era um homem familiarizado com todos os problemas e sensibilidade do seu tempo: «Doutor pela Universidade de Coimbra, conhecedor da Europa, onde esteve em contacto directo com todos os centros de cultura, que percorreu demoradamente, era possuidor de uma mentalidade universal. Cursou química e mineralogia em Paris; estudou matemáticas puras, química mineral, metalurgia e outras ciências com as maiores sumidades de Freiberg; refutou teses académicas e colaborou nas maiores revistas europeias». Publicou trabalhos científicos, históricos e políticos. A sua vocação literária surgiu precocemente, em 1779, aos 16 anos de idade, quando escreveu o soneto «Improvisado». Na prosa utilizou um estilo impetuoso e vernáculo de doutrinador e agitador político, colaborou na reforma dos costumes, na legislação constitucional da Regência e do período inicial do Império de D. Pedro, que o viria a desterrar, ao dissolver a Constituinte, em 1823. Quando se encontrava exilado, para além de traduzir Hesíodo, Píndaro e Virgílio publicou, com o pseudónimo de Américo Elísio, em 1825, a sua primeira obra poética: «Poesias Avulsas de Américo Elísio». Uma segunda edição, póstuma, de 1861, está acrescida dos poemas «Ode aos Baianos», «Ode aos Gregos», «O Poeta Desterrado» e «Cantigas Báquicas». Depois da vinda da Corte para o Rio de Janeiro, a poesia ganhou um espaço na revista “O Patriota”, divulgando uma lira inédita de Tomás António Gonzaga, um soneto de Cláudio Manuel da Costa e uma canção e uma ode de Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Porém, a maior parte da produção poética publicada era de autores contemporâneos, que escreviam odes a aniversários reais ou outros eventos. No género poético da época as obras podem caracterizar-se por um arcadismo (de Arcádia, planalto da Grécia, que em poesia se tornou o símbolo da simplicidade pastoril) “lírico-teológico”, em que os autores são na sua maioria sacerdotes, teólogos e frades: Padre Sousa Caldas, Fr. Francisco de São Carlos, Padre Januário da Cunha Carlos Jaca 55 Barbosa, Fr. Francisco Xavier de Santa Rita Bastos Barauna, Virgílio Francisco Barreto, e outros mais. Entre eles distinguem-se os dois primeiros. António Pereira de Sousa Caldas (1762-1814), poeta insigne, nasceu no Rio de Janeiro, mas foi em Portugal que fez os estudos primários e secundários, matriculandose, ainda, no Curso de Direito da Universidade de Coimbra. Viaja pela França e passa à Itália, onde resolve abraçar a carreira eclesiástica. Em 1807, acompanha a Corte para o Brasil, logo ganhando fama de orador inspirado. Ao mesmo tempo prossegue na actividade literária, sendo autor da «Ode ao homem selvagem», compositor místico de obras seráficas e poemas religiosos, como a «Imortalidade da alma», «Ao Criador», «A necessidade da revelação» e «A existência de Deus». Sousa Caldas traduziu os «Salmos de David», “vertidos em ritmo português” e «entregou-se a uma espécie de “filosofismo religioso” que revela muita e perfeita sensibilidade». A sua poesia apresenta duas fases históricas: embora as «Obras Poéticas» principiem pelos «Salmos» e terminem pelos poemas de índole profana, estas é que representam a fase juvenil da sua trajectória literária, anterior ao ingresso na vida sacerdotal. Fr. Francisco de São Carlos (1768-1828), destinado, precocemente, à carreira eclesiástica, ingressou, aos treze anos no Convento da Imaculada Conceição. Ordenado, depressa granjeou fama de pregador que o levaria, posteriormente, a professor de Eloquência e orador da Casa Real. Foi um poeta da especial estima de D. João VI e, como pregador, ficou célebre a oração fúnebre que proferiu por ocasião do falecimento de D. Maria I e a oração de Graças pelo nascimento da Princesa da Beira. No domínio da poesia foi autor do extenso poema «A Assunção da Virgem», onde se encontram versos de certo colorido profano e descritivo, como os que dedicou ao Rio de Janeiro: «…………………………………… Por uma e outra parte ao céu subindo, Vão mil rochas, e picos, que existindo Desde o berço do mundo, e de então vendo Os sec’los renascer, e vir morrendo; Por tanta duração, tanta firmeza Deuses parecem ser da natureza: … ……………………………………………». Carlos Jaca 56 Ainda no quadro da literatura poética, devem recordar-se os nomes daqueles que, na época, cultivaram a poesia sem pertencerem ao clero: José da Natividade Saldanha (1795-1832), formado em Direito pela Universidade de Coimbra, poeta político, (desterrado, por via disso) autor de várias poesias lírico-patrióticas; Domingos Borges de Barros, poeta galante, autor das «Poesias às senhoras brasileiras por um baiano» e do poemeto «Os Túmulos». Borges de Barros foi um típico representante do pré-romantismo e, apenas, não se tornou romântico em razão de alguns vestígios neoclássicos. Com o movimento constitucional de 1821, surgiram composições poéticas de tema vincadamente político. Na Baía, foram escritos sonetos e odes aos «heróis restauradores da pátria» e hinos patrióticos foram cantados no Teatro de São João. Dos prelos da Impressão Régia saíram as «Poesias em aplauso dos heróicos feitos do memorável dia 26 de Fevereiro de 1821», que incluíam sonetos a D. João VI, a D. Pedro e à Nação portuguesa. No Brasil de D. João VI, a oratória teve óptimas condições para o seu desenvolvimento, porquanto, não havia festividade pública, solenidade ou cerimónia fúnebre que não merecesse uma oração do púlpito. Efectivamente, nos «Te Deum» em acção de graças, nas comemorações dos aniversários, baptizados e casamentos reais, nos funerais e datas festivas, desde a chegada de D. João VI, até à coroação de D. Pedro I, os sermões são peças de oratória política, de sacra “brasilidade” (consciência nascente da nacionalidade) «entoadora de hinos de louvor à Providência Divina pela eleição da primeira Corte americana». Para além de Fr, Francisco de São Carlos, já referido, e de Fr. Francisco de Mont’ Alverne saliente-se Inácio José de Macedo, presbítero secular, autor da «Oração congratulatória ao Príncipe Regente», publicada na tipografia baiana, em 1815. Proferida no dia do aniversário de D. João, esta peça retórica é, fundamentalmente, uma apologia das “luzes”, do Príncipe Regente e, sobretudo, do fim da situação colonial em que o Brasil, até então, se encontrava. Com efeito, alguns sacerdotes pregadores, historiógrafos e poetas deste ciclo entraram, por vezes demasiadamente, no campo da política «conspirando, promovendo revoltas, organizando rebeliões». Elucidativo é o caso de Fr. Joaquim do Amor Divino Caneca, frade pernambucano, que se tornara liberal, implicado na revolta de 1817 e Carlos Jaca 57 organizador da revolução do Recife de 1824, e que é considerado por alguns críticos «a mais nítida encarnação do espírito revolucionário do começo do século XIX no Brasil». Igualmente, muitos outros clérigos passaram a ser adeptos e defensores do liberalismo e da autonomia, pelo que a oratória se tornou profana, tribunícia e parlamentar, perdendo, desse modo, interesse literário. Quanto aos estudos históricos pode dizer-se que foram cultivados com maior ou menor subserviência, o que não deverá causar espanto, se atendermos ao contexto sociocultural e nos integrarmos nas circunstâncias históricas da época. Como quer que seja, os memorialistas não deixaram de nos legar «apreciáveis e abundantes repositórios de notícias verídicas». Entre os historiadores da época em questão, registem-se os nomes de Monsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro e Araújo, autor dos sete volumes que constituem as «Memórias Históricas do Rio de Janeiro e das Províncias Anexas à jurisdição do vicerei do Estado do Brasil»; O Padre Luis Gonçalves dos Santos (Padre “Perereca”), deixou-nos em dois volumes, «Memórias para servir à História do Reino do Brasil»; a crónica, em oito tomos, «Anais do Rio de Janeiro» deve-se a Baltazar da Silva Lisboa, juiz de fora, no Rio, irmão de José da Silva Lisboa; José Feliciano Fernandes Pinheiro foi o autor de «Anais da Capitania de São Pedro», «Dissertação sobre os limites meridionais do Brasil», «Os irmãos Gusmão» e «A influência do Instituto Histórico»; Inácio Accioli de Cerqueira e Silva, redactor de «As Memórias Históricas da Baía». Como criador da Geografia do Brasil, embora aqui não tivesse nascido, refira-se, ainda, o Padre Manuel Aires do Casal, autor da notável obra «Corografia Brasílica, ou relação histórica e geográfica do reino do Brasil». Terminando, e retrospectivando este capítulo, julgo ter sido bem formulada a opinião autorizada de Oliveira Lima, quando afirma que a emancipação intelectual de uma minoria restrita, ou mesmo ínfima, já existia antes da chegada da Corte, só que faltava divulgá-la, quando não entre a grande massa, alheia a «estudos mais sérios» e cuja situação socioeconómica não permitia cultura, pelo menos entre as camadas superiores, às quais competia a função directiva. Esta terá sido a obra, em tal domínio, dos treze anos do reinado de D. João VI. Carlos Jaca 58 A Revolução de 1820 e a sua repercussão no Brasil. O regresso da Corte a Lisboa. As ideias políticas liberais, oriundas da Revolução Francesa, divulgavam-se em Portugal, apesar de todas as proibições, inclusive por intermédio de sociedades secretas e da maçonaria, da imprensa luso-brasileira em Londres, (“Correio Braziliense”) de pasquins impressos e manuscritos. A ausência da Família Real e as dificuldades económicas causadas pelas invasões francesas contribuíram para aumentar o descontentamento e, mesmo depois de “varrido” o inimigo napoleónico, D. João não se mostrava desejoso de regressar à Europa. A crise que se ia agudizando, provocou, finalmente, em 24 de Agosto de 1820, no Porto, a eclosão de um pronunciamento militar que saiu vitorioso. Nos dias seguintes houve, igualmente, pronunciamentos noutras povoações do Reino, seguindo-se, a partir do Porto, uma marcha em direcção a Lisboa, onde a Regência e os ingleses (com o detestado Marechal Beresford fora do País) haviam tido consciência da situação explosiva que se apresentava, todavia incapaz de conter o movimento liberal. Em 15 de Setembro Lisboa aderiu ao movimento, sendo destituídos os Governadores nomeados pelo Rei, criando-se, então, a 27 do referido mês, uma Junta Carlos Jaca 59 Provisional do Governo Supremo do Reino, enquanto uma outra Junta começou a preparar a convocação de Cortes a fim de redigir uma Constituição. No dia 17 de Outubro chegou ao Rio a notícia da revolução do Porto, levada pelo bergantim “Providência”, notícia essa que não terá causado total surpresa, porquanto, havia pouco tempo que o Marechal Beresford partira para a Europa com os plenos poderes que solicitara, e com os meios que pedira para ocorrer às mais urgentes necessidades do País e serenar o descontentamento que se manifestava. Assim, não se podia, por conseguinte, considerar completamente imprevista a notícia. Sabia-se no Rio de Janeiro que lavrava profundo descontentamento no ânimo das tropas (atrasos no pagamento dos soldos e prepotências de Beresford) e no público em geral. Obviamente, a situação não deixava de causar alguma perturbação e sobressalto, que a distância tendia a avolumar, embora se tratasse de um movimento de carácter moderado que jurava fidelidade à Coroa e ao Rei como ressaltava das proclamações: «É em nome e conservando o nosso augusto soberano, o senhor D. João VI, que há-de governar-se... Jurai pois obediência á Junta – Provisional do Governo Superior do Reino, que se acaba de instaurar, e que em nome de El-Rei Nosso Senhor, o Senhor D. João VI, há-de organizar a Constituição Portuguesa; jurai obediência a essas Cortes, que fizerem, mantida a Religião Católica Romana, e a Dinastia da Sereníssima Casa de Bragança… O nosso Rei e Senhor D. João VI como bom, como benigno e como amante de um povo, que o idolatra, há-de abençoar nossas fadigas. Viva o nosso bom Rei! Vivam as Cortes, e por elas a Constituição! O problema que se levantava agora a D. João VI consistia em aceitar a Constituição em projecto, o que implicava, em data muito próxima, o seu regresso a Portugal, tanto mais que a Junta do Porto já lhe escrevera nesse sentido. Também em Lisboa, quando se formou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, os seus membros voltaram a exprimir a D. João VI o sentimento «do amor que todos professam à Sagrada Pessoa de Vossa Majestade e à Soberania da sua Augusta Casa». De facto, o regresso do Rei era o que mais acirrava os ânimos, pois, desde 1814, fazia parte da correspondência trocada frequentemente entre a colónia e a metrópole. O Rei que sempre protelara a tomada de qualquer decisão, após 17 de Outubro de 1820, quando chegaram as primeiras notícias de Portugal, reconheceu (ou fizeram-lhe reconhecer) que o momento não podia ser mais de resistência, antes era de concessões e, quando muito, dialogar sobre a extensão de liberdades. Carlos Jaca 60 D. João pediu pareceres a ministros, conselheiros e magistrados sobre o rumo a seguir. Alguns sugeriram que fosse o Príncipe D. Pedro a viajar para Portugal; outros, que fosse o próprio Rei, sendo o objectivo que a ida de um membro da Família Real – o Rei ou o Príncipe – pudesse de algum modo, sossegar as populações e, assim, deter a marcha da revolução em Portugal. Porém, entre os mais próximos colaboradores de D. João, havia quem se opusesse ao regresso de qualquer membro da Família Real, como era o caso do ministro do Reino, Tomás António de Vilanova que entendia Portugal não reunir condições «para se sustentar separado do Brasil e que, pelo simples decorrer do tempo, a revolução acabaria por definhar», defendendo, por isso, uma orientação que permitisse combater a revolução, mesmo que à distância. Depois, e em primeiro lugar, tratava-se de declarar que as Cortes convocadas pelos Governadores do Reino eram ilegais, «e é necessário dizer que o são, para que elas não digam aos Povos que têm Autoridade de dar Leis ao Trono». Em segundo lugar, e uma vez que essas Cortes já haviam sido convocadas, «faria maior mal o dissolvê-las», pelo que se tornava «necessário também autorizá-las», mas apenas para «representarem tudo o que for bom, e para ser sancionado o que não for contrário aos costumes e Leis do Reino». Tomás António pretendia que as Cortes tivessem funções meramente consultivas e, assim, evitar que surgisse uma Constituição, feita e elaborada, que se aplicasse também ao Brasil, o que seria motivo de preocupação dos brasileiros e do próprio Rei excluídos do processo da sua elaboração. Finalmente, sobre a terceira questão a da eventual partida para Lisboa de um dos membros da Família Real – o ministro defendia que em Carta Régia se prometesse o regresso a Portugal do próprio soberano ou do seu filho primogénito, mas uma vez «terminadas as Cortes com Dignidade», só que a referida Carta, enviada a 29 de Outubro, e recebida em Lisboa a 16 de Dezembro, não fazia já qualquer sentido, porquanto, os seus destinatários, os Governadores do Reino, há muito Carlos Jaca 61 tinham sido destituídos e as Cortes estavam prestes a ser convocadas «segundo as instruções eleitorais da Constituição espanhola de 1812». Era a consequência inevitável, já referida, nos intervalos da comunicação no trajecto Brasil - Portugal e vice-versa. Durante algumas semanas o governo brasileiro manteve-se silencioso, não definindo a sua posição face à vitória dos liberais portugueses. De facto, a Corte, e sobretudo o Rei, estava praticamente imobilizada, incapaz de encontrar uma resposta que lhe permitisse alguma capacidade de intervenção sobre o desenrolar dos acontecimentos em Portugal. Palmela e Tomás António. Divergências – Entretanto, neste contexto, a 20 de Dezembro de 1820, chega ao Rio o Conde de Palmela, um liberal moderado, para assumir a pasta dos Estrangeiros e Guerra, e que trazia notícias “frescas” de Lisboa, acerca dos projectos “vintistas”. O Conde, durante a sua estada em Portugal, simultânea com os primórdios da revolução, sentia que a única via para D. João VI era «acompanhar o passo pela política da Europa». De Lisboa, o novo ministro não trazia só notícias recentes sobre a «amplitude e profundidade» do movimento revolucionário português como era portador de novos argumentos à defesa de uma solução de compromisso com as autoridades rebeldes do País e procurando pôr em causa a influência que Tomás Vilanova gozava junto do soberano. Em ofício de 2 de Janeiro de 1821, solicita a D. João VI a reunião de um «Conselho do seu Gabinete» para discutir o assunto, devendo, entretanto, adiar-se a partida do paquete para Lisboa, até que se determinasse o plano a seguir. Palmela tentava rebater a ideia, adoptada na Corte do Rio, de que a revolução portuguesa se devia unicamente a motivos circunstanciais e que se poderia resolver por providências de alcance limitado. O Conde pensava em pôr termo, o mais depressa possível, à revolução de Portugal para evitar outra pior no Brasil, entendendo que àquela só se chegaria a uma boa solução através de inteligentes medidas liberais, «porque tais movimentos não eram tanto expressões de descontentamentos locais como manifestações de um estado d’alma geral, ao qual somente se acudiria com a outorga de uma Carta para fugir a uma Constituição elaborada em Cortes». Carlos Jaca 62 A fim de impedir, em todo o caso, que a concessão ultrapassasse certos limites, o que, naturalmente, aconteceria se os revolucionários fossem deixados «sem freio e sem receio», Palmela afirmava ser necessário o Rei ir para Lisboa «ou mandar o seu filho primogénito para inspirar respeito e servir de centro de união aos bons portugueses», o que tinha a vantagem de permitir ao monarca resistir melhor ao impulso popular, «o qual poderia querer emprestar à Constituição uma orientação em extremo democrática», ao mesmo tempo que prevenia quaisquer consequências fatais no Brasil, indo talvez até à dissolução da monarquia. Como o futuro duque refere, o seu voto encontrava-se em «oposição directa ao de outro ministro, cujo parecer foi apoiado, ou por «convicção, ou por condescendência, pela maior parte dos conselheiros» consultados. Tratava-se, como se calcula, do Ministro do Reino, Tomás António de Vilanova Portugal, «o mais inepto e lisonjeiro de todos os homens», segundo Luis Norton, que não cita a fonte de tal afirmação. Como era sabido, Tomás António opunha-se com “unhas e dentes” à ideia da outorga das bases da Constituição, vendo nela uma ruptura decisiva dos princípios da legitimidade monárquica: «A minha opinião é diametralmente contrária, porque Vossa Majestade não se deve sujeitar aos Revolucionários; não deve largar o ceptro da mão; compete-lhe conservar a Herança de seus Pais, até à última extremidade; não lhe convém aprovar a Revolução, e desanimar todo o partido Realista; não lhe é decente seguir os malvados, e desamparar os honrados [...]. Com esta medida [da outorga das bases], vai perder-se a esperança do sistema...vai perder-se a esperança da Contrarevolução em Espanha e vai perder-se a obediência de Portugal, quando os actuais intrusos perderem a popularidade...». Quanto à sugestão de Palmela acerca do envio do filho primogénito do Rei, Tomás Vilanova recusava-a igualmente, limitando-se a repetir as razões já expendidas anteriormente: «...a vantagem que Vossa Majestade tem, é o estar aqui a salvo toda a Família Real; a dependência que têm os Portugueses é de pedir uma Pessoa Real: portanto não se deve conceder enquanto não voltarem à obediência...estou pois no mesmo parecer em que estava. Vossa Majestade deixe-se estar no Seu Trono; nem falar em Constituição; prometa todos os bens, e as mudanças de leis que forem prudentes ou úteis: escreva aos Povos de Portugal, nomeie desses mesmos do governo intruso alguns; e espere os sucessos; (a vertigem Revolucionária não pode durar muito tempo), para que quando passar a vertigem o achem Rei e não Presidente». Carlos Jaca 63 A situação complicou-se com o aparecimento de um folheto anónimo escrito em francês, que acabou por ter larga divulgação. O impresso, cuja paternidade parece discutível, se bem que haja quem afirme que Tomás António estava por trás, ao ter conseguido autorização do Rei para que se publicasse através da Impressão Régia, intitulado «Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent-ils, dans les circonstances présentes, retourner en Portugal ou bien rester au Brésil?», colocava em debate a separação do Brasil e era, abertamente, inspirado nas posições do Ministro do Reino. O autor, (ou autores, navegavam, sem dúvida no mesmo “barco” de Tomás António) apresentava seis proposições que, no fundo, não eram nem mais nem menos do que provocações: Portugal precisava mais do Brasil do que o contrário; a partida da Família Real para a Europa seria o prelúdio (julgo que o prelúdio já tinha sido “escrito”) da independência do Brasil; D. João não manteria o seu domínio sobre o Brasil governando de tão longe; em Lisboa o Rei estaria nas mãos dos rebeldes; do Brasil o monarca controlaria o florescente Império Português; D. João teria tempo, quando quisesse, de fazer a mudança que lhe pediam naquele momento. A resposta era, previsivelmente, que a Família Real devia continuar no Brasil, pela grandeza e riqueza do seu território, que contrastava com o de Portugal europeu e muito difícil de defender. A divulgação do panfleto foi enorme. Distribuído no Brasil e até na Europa, pretendia influenciar a opinião pública, só que a sua repercussão foi tão negativa que o Governo resolveu recolher a respectiva edição, tornando extremamente raros os seus exemplares. Hesitando na orientação a seguir, D. João esteve até Fevereiro de 1821 sem definir a política mais conveniente para o seu Governo procurando, ou esperando, possivelmente, que os seus ministros se entendessem, ou pelo menos, reduzissem o espaço das suas divergências. Adesão ao constitucionalismo português – A revolução liberal portuguesa, como se vem constatando, provocou um eco retumbante no Brasil e, mais uma vez, foram as Carlos Jaca 64 capitanias do Norte a lançar o grito de autonomia, bastando que na cidade do Pará se acendesse a mecha para que as “explosões” se sucedessem. Efectivamente, a primeira capitania a pronunciar-se foi a do Grão-Pará, onde na cidade capital, a 1 de Janeiro de 1821, o estudante de Coimbra, Filipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, conseguiu o pronunciamento da tropa e a formação de uma junta constitucional sob a chefia de D. Romualdo António de Seixas, então vigário capitular em Belém e, mais tarde, Arcebispo da Baía. A ordem acabou por ser restabelecida, mas o “vírus” liberal manteve-se activo naquela capitania. Não tardou muito que a Baía imitasse o Pará, tornando-se o palco das manifestações contra o absolutismo. Com os ânimos exaltados, o Governador, Conde da Palma, considerou prudente pedir para o Rio de Janeiro reforços e instruções. Sabedores desta diligência, os liberais resolveram precipitar os acontecimentos. Assim, em 10 de Fevereiro, o tenente-coronel Manuel Pedro de Freitas Guimarães, conseguindo o apoio do regimento de artilharia proclamou a adesão ao movimento revolucionário português, ao que se seguiu a formação de uma junta provisória, indicada pelo Conselho Militar, que assumiu imediatamente o Governo da Província e, com o apoio do povo, jurou ser fiel a D. João VI e, ao mesmo tempo, à Constituição que viesse a estabelecer-se em Portugal. Precisamente uma semana depois, a 17 de Fevereiro, chegava ao Rio a notícia do movimento baiano, o que veio a desencadear uma crise política de vastas consequências, não se admitindo, desde logo, como possível que o regresso de D. João fosse capaz de fazer parar a revolução em curso. Recebidas as notícias da rebelião triunfante, o Conde de Palmela oficiou, nesse mesmo dia, a El-Rei, mostrando-lhe os inconvenientes que resultavam de se não terem seguido os seus conselhos, e de se estar adiando, indefinidamente, a resolução de uma crise grave e séria: «O momento é o mais crítico e terrível: verá Vossa Majestade que, ainda mal, eram fundados os receios que eu lhe manifestava, e as súplicas de tomar quanto antes em consideração o estado do Brasil... O fogo revolucionário vem aproximando-se rapidamente e, se V. M. não conseguir dar-lhe uma direcção conveniente, em breve se achará envolvido por todos os lados pelo incêndio...». E o ofício continuava: «Não há agora um momento a perder: deve Vossa Majestade reunir, logo, logo, um Conselho dos seus Ministros e de alguns brasileiros aqui, em quem tenha maior confiança. Creio que as medidas de força e vigor não se podem já adoptar, Carlos Jaca 65 por não haver quem queira executá-las, e nem seriam a propósito no estado de efervescência em que vai achar-se brevemente esta cidade com a notícia de hoje». A situação exposta pelo Conde demonstrava que, um dos princípios onde se baseava a estratégia do Ministro do Reino, Tomás António, (que o Brasil se mantinha a salvo do contágio revolucionário) caía por terra. A urgente reunião pedida por Palmela realizou-se, de facto, logo no dia seguinte, a 18 de Fevereiro, confirmando a decisão já tomada em fins de Janeiro, de enviar D. Pedro a Portugal, considerando que seria o meio mais adequado para mostrar o interesse da Coroa pelo trabalho da Assembleia Constituinte. Por decreto saído da reunião, informava-se que o Príncipe iria, em breve, credenciado para o desempenho de tal missão: «...pôr logo em execução as medidas e providências que julgo convenientes, a fim de estabelecer a tranquilidade geral daquele Reino; para ouvir as representações e queixas dos Povos; e para estabelecer as reformas e melhoramentos e as Leis que possam consolidar a Constituição Portuguesa; e tendo sempre por base a justiça e o bem da Monarquia, procurar a estabilidade e a prosperidade do Reino Unido; devendo ser-me transmitida pelo Príncipe Real a mesma Constituição, a fim de receber, sendo por mim aprovada, a minha real sanção». Como, porém, a futura Carta poderia não ser perfeitamente adaptável às condições específicas do Brasil, o decreto de 18 de Fevereiro, efectivamente publicado a 23, determinava a reunião de outras Cortes no Rio de Janeiro e, para preparar os respectivos trabalhos, criou-se uma comissão composta de vinte membros «quase todos brasileiros natos». Palmela, escandalizado com a publicação precipitada do decreto, não esteve pelos ajustes e, no dia seguinte, alegando estar afectado por «uma grande dor de cabeça» e «sumamente transtornado» pedia ao Rei a sua demissão da pasta da Guerra e Estrangeiros. A estratégia defendida por Tomás António revelava-se um rotundo fracasso, pois, em vez de serenar a grande agitação no Rio de Janeiro acabou por excitá-la e, de modo, que se tornaria incontrolável. Naturalmente, o Governo não era estranho a essa agitação, porquanto, conhecia-a, bem, através dos relatórios do Intendente Geral da Polícia, dando conta de que na opinião pública existia uma forte pressão para que se fizesse referência expressa à Constituição e, que no Brasil, «se adoptasse a Constituição que se desse a Portugal». Carlos Jaca 66 O pronunciamento de 26 de Fevereiro – A publicação do decreto que, de facto, previa uma solução constitucional diferente para Portugal e para o Brasil, causou grande efervescência nas tropas portuguesas, nomeadamente no núcleo mais operacional da guarnição militar do Rio de Janeiro, que temiam qualquer medida susceptível de afrontar as Cortes de Lisboa e viesse a causar a separação entre os dois reinos, impedindo o seu regresso a Portugal; além disso, a ideia de que os brasileiros não viessem a usufruir dos mesmos direitos cívicos e políticos dos portugueses, e que os regimes fossem diferentes nos dois reinos, era inconcebível aos olhos de “muito boa gente”, em particular da «caxeirada que se nutre com a leitura dos folhetos de Londres». Prestes a findar o mês de Fevereiro rebentou a revolução na capital do Brasil e, de mistura com o povo amotinado, os regimentos vieram para as ruas. Deve esclarecer-se que este pronunciamento militar não causou grande surpresa na Corte nem no aparelho governamental, pois existe correspondência onde aparece uma indicação entre Palmela e os «regimentos», aos quais teria prometido a publicação de uma carta constitucional à maneira inglesa. Um outro ofício, de Tomás António, refere a «necessidade de se chamarem certas personalidades para assegurarem os “batalhões” dos bons propósitos do governo». Apesar de muito sintéticas, essas referências são suficientes para dar a entender que os ministros estavam alertados para o perigo de um levantamento militar, embora não lhe tivessem calculado as proporções, nem a proximidade. A sucessão de indecisões, inquietando a prestigiada Divisão Auxiliar Portuguesa, sedeada no Rio, levou a que os acontecimentos se precipitassem. Com efeito, na manhã de 26 de Fevereiro as tropas, em especial os militares portugueses, concentraram-se no Largo do Rossio (actual Praça Tiradentes), sob o comando do Brigadeiro Francisco Joaquim Carretti, exigindo a demissão dos ministros reaccionários e o reconhecimento régio da Constituição de Portugal, tal como viesse a ser aprovada pelas Cortes de Lisboa. D. João VI, preocupado, ou mesmo assustado, (lembrando-se, talvez, dos acontecimentos de Paris) que até aí sempre mantivera o primogénito afastado dos Carlos Jaca 67 conselhos do governo, resolveu apelar para a popularidade que o Príncipe desfrutava, encarregando-o de ir serenar os ânimos. O futuro Imperador do Brasil compareceu na Praça e, (ao que parece tinha já entrado, anteriormente, em contacto com os oficiais revoltosos) aceitou as exigências apresentadas, em nome de seu pai. Seguidamente, dirigiu-se ao Palácio de São Cristóvão a informar o Rei da exaltação dos espíritos e a aconselhá-lo a não se opor à vontade popular, que poderia provocar «um funesto conflito de paixões políticas», fazendo-lhe sentir que naquela situação já não era possível procurar subterfúgios, mas seria necessário ceder.. João não hesitou um momento, aceitando o inevitável como lhe aconselhara Palmela, sendo, ainda, obrigado a comparecer na Praça a fim de confirmar as promessas e ratificar todos os compromissos que o filho assumira em seu nome. A hábil intervenção de D. Pedro, que nesse dia iniciava verdadeiramente a sua actividade política, aceitando as pretensões dos militares revoltosos, terá impedido problemas de alta gravidade, nomeadamente a transferência do poder para uma Junta Governativa, a adopção interina da Constituição de Cadiz de 1812 e eliminando o risco da cisão em repúblicas independentes, como estava a suceder na América espanhola. Prestado o juramento à futura Constituição por D. João VI e toda a Família Real, à tarde já estavam demitidos os ministros que tanto se opunham às aspirações liberais da Nação e nomeado o novo Ministério, que passou a ter os seguintes titulares: Vice- Almirante Inácio da Costa Quintela, na pasta do Reino; Joaquim José Monteiro Torres, igualmente Vice-Almirante, Ministro da Marinha e Ultramar; o publicista Silvestre Pinheiro Ferreira, na pasta dos Estrangeiros e da Guerra; o Conde da Louzã, D. Diogo de Meneses, Presidente do Real Erário, dias depois denominado Ministério da Fazenda. Dois brasileiros natos tiveram cargos de relevo: António Luis Pereira da Cunha, depois Carlos Jaca 68 Marquês de Inhambupe, nomeado Intendente Geral da Polícia, e José da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu, designado Inspector Geral dos Estabelecimentos Literários. Perante os novos acontecimentos não era mais aconselhável a presença do Rei no Brasil e, de facto, o regresso de D. João entrou imediatamente na ordem do dia, pelo que aos olhos de muitos se tornava inevitável. Logo a 28 de Fevereiro, o Ministro dos Estrangeiros e Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, dirige um ofício ao governo de Lisboa comunicando que o Rei «tinha resolvido aprovar [...] a constituição que pelas cortes actualmente convocadas nessa cidade foi feita e aprovada» e que «toda a real família, o povo e a tropa» do Rio haviam jurado observarem e manterem essa mesma Constituição. Mais declarava, a intenção do monarca de partir para Portugal, «com toda a sua real família, logo que sua alteza sereníssima a princesa real do reino unido, restabelecida do seu feliz parto, que se espera em poucos dias, se ache em estado de empreender a viagem de mar». Dias depois, nos começos de Março, a questão foi discutida e decidida em Conselho de Ministros, dando origem ao decreto de 7 do referido mês, cumprindo a determinação de D. João VI de: «transferir de novo a minha Corte para a cidade de Lisboa, antigo berço e berço original da monarquia, a fim de ali cooperar com os deputados procuradores dos povos na gloriosa empresa de restituir à briosa Nação Portuguesa aquele grau de esplendor, com que tanto se assinalou nos antigos tempos: e deixando nesta Corte ao meu muito amado e prezado filho, o Príncipe Real do Reino Unido, encarregado do Governo Provisório deste Reino do Brasil, enquanto nele se não achar estabelecida a Constituição Geral da Nação». O próprio decreto indicava a razão de ordem política que determinava o regresso do Rei: o dever que caberia ao soberano, como a «primeira e sobre todas essencial condição do pacto social» agora jurado, de «assentar a sua residência no lugar onde se ajuntassem as Cortes, para lhe serem apresentadas as leis que se forem discutindo, e dele receberem sem delongas a indispensável sanção». A notícia de que a Família Real regressaria brevemente a Portugal desagradou a alguns sectores da sociedade brasileira, receando que o Brasil voltasse à sua antiga situação de colónia o que significava passar “de cavalo a burro”. Porém, a declaração oficial de que D. Pedro ficaria como Regente diminuiu bastante esse receio, pois o jovem Príncipe amava o Brasil e o povo tinha por ele enorme simpatia. A propósito da partida da Família Real sublinhe-se que, conhecido o decreto de 7 de Março, foram muitas as representações que se fizeram para impedir tal decisão, Carlos Jaca 69 sem que obtivessem, como se sabe, qualquer efeito. Oliveira Lima refere que «choveram requerimentos do comércio, do clero, de proprietários, de empregados públicos, implorando a permanência de D. João VI que os escutava comovido, trémulo o grosso lábio e as lágrimas a correrem-lhe pelas gordas bochechas, sem ousar contudo pronunciar um “fico”». Igualmente, no mesmo sentido da sua permanência, dirigiu-lhe o Senado da Câmara uma petição, reconhecido por tantos benefícios que havia proporcionado ao Brasil, durante 13 anos, ao que D. João retribuiu com calorosos agradecimentos e dando explicações acerca da impossibilidade de aceder àqueles desejos. D. João VI já se resignara à partida pressionado pelas circunstâncias e pelo interesse dos militares portugueses, que esperavam melhoria de oportunidades com a dispensa dos oficiais ingleses e o pagamento pontual dos soldos, bem como pelo desejo dos fidalgos que nunca, verdadeiramente, se integraram na sociedade brasileira. E mais, prevenindo a tentação de uma união ibérica em que, eventualmente, o regime liberal poderia envolver-se. Ao mesmo tempo que o decreto que anunciava o regresso do Rei a Lisboa, ficando o Príncipe no Rio, o que punha “ponto final” às súplicas, intrigas e suspeitas originadas no boato de D. Pedro acompanhar o pai, outro decreto do mesmo dia 7 de Março, determinava proceder à escolha dos deputados brasileiros às Cortes portuguesas, que deveriam seguir no mais curto espaço de tempo a fim de tomarem assento nessa assembleia deliberativa e constituinte. A Regência, tal como a partida, estava, então, iminente. Assim aconteceu. A 22 de Abril, D. João VI provia o filho primogénito no governo do Brasil, com os títulos de Regente e Lugar-tenente, para que usasse do cargo durante a ausência régia e enquanto a Constituição não determinasse «outro sistema de Regímen». D. João outorgava ao Príncipe D. Pedro «todos os poderes para a administração da justiça, fazenda e governo económico», cabendo-lhe também resolver «todas as consultas relativas à administração pública». Atribuía-lhe igualmente, a faculdade de prover «os lugares e ofícios de justiça ou fazenda» vagos ou a vagar, bem como os «empregos civis ou militares» e, ainda, os «benefícios curados ou não curados, e mais dignidades eclesiásticas, à excepção dos bispados», para os quais poderia, no entanto, propor quem considerasse digno. Era-lhe também conferido o poder, majestático por excelência, de «comutar ou perdoar» a pena de morte aos réus a ela sentenciados. Finalmente, competia-lhe inclusivamente «fazer guerra ofensiva ou defensiva» contra Carlos Jaca 70 qualquer inimigo que atacasse o Brasil e poderia conferir os hábitos das três ordens militares às pessoas que entendesse dignas de tal distinção. Estes poderes deveriam ser exercidos por D. Pedro em Conselho, formado pelos dois ministros de Estado, o Conde dos Arcos nas pastas do Reino e Negócios Estrangeiros, o Conde da Lousã na Fazenda e pelos dois secretários de Estado, marechal Carlos Frederico de Caula na “repartição” da Guerra e o Major-general da armada, Manuel António Farinha, na Marinha. Não havia dúvida de que D. João VI sentia (ou fizeram-lhe sentir) que a hora da independência não tardaria, estava na própria lógica dos acontecimentos políticos e, até, porque o Rei não deixava de ter consciência do estado de desenvolvimento a que o Brasil chegara. A separação era irreversível, daí que, a 24 de Abril, de acordo com o testemunho epistolar, posterior, do próprio Príncipe Real, ter-lhe dito o pai, na previsão de futuros e próximos acontecimentos: «Pedro se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás-de respeitar, do que para alguns desses aventureiros». Confiada a Regência a D. Pedro, o Rei despedia-se dos habitantes do Rio de Janeiro não escondendo a saudade que levava das terras de Santa Cruz: «Sendo indispensável prover acerca do governo e administração desse reino do Brasil, donde me aparto com vivos sentimentos de saudade, voltando para Portugal, por exigirem as actuais circunstâncias políticas enunciadas no decreto de 7 de Março do corrente ano...». Dois dias depois, a 26 de Abril, D. João VI, deixando para trás um país completamente transformado, e fundado um Império no Continente americano, rumava a caminho de Lisboa viajando na esquadra real acompanhado por cerca de 4000 pessoas e 50 milhões de cruzados. «A maré carregava o que a maré trouxera», no dizer de Oliveira Lima. O Erário ficava, de facto, esgotado. Ao embarcar, D. João VI “esvaziou”os cofres do Banco do Brasil e levou consigo o que ainda restava do tesouro real que trouxera de Lisboa, para além das jóias da Coroa por si penhoradas, ao referido Banco, como garante da dívida da Corte e que estariam agora nos porões da frota. Não faltam testemunhos, e até oculares, a garantir que «a realeza que acabava de viver na corrupção, fizera um verdadeiro assalto ao erário brasileiro», um autêntico “sangradouro”, o que veio a provocar consequências dramáticas na economia brasileira. Carlos Jaca 71 Após 68 dias de viagem, a esquadra, que trazia D. João VI, a Família Real e muitos nobres e servidores que o tinham acompanhado, entrava na barra do Tejo a 3 de Julho de 1821. O Rei foi recebido pelas autoridades liberais com respeito e cordialidade, esperando, no entanto, que o monarca viesse já bem (e sinceramente) identificado com a nova ordem, e dando a entender que os poderes absolutos pertenciam ao passado, só que, e não seria de estranhar, uma boa “dose” de conservadorismo, longe de estar completamente enterrado, ainda estava presente em alguns sectores da sociedade portuguesa. Por via disso, e receando manifestações susceptíveis de perturbar a ordem pública, as Cortes proibiram qualquer tipo de ajuntamento, sendo punido todo aquele que pronunciasse palavras de ordem, ou outros vivas, «que não fossem à Religião, Cortes, Constituição, Rei Constitucional e Sua Real Família», o que levava a crer, ou a desconfiar, que alguns teriam a intenção de saudar, em D. João VI, o monarca absoluto. E, de facto, parece, que as aclamações feitas a D. João eram mais dirigidas ao soberano durante longos anos ausente e que, desde 1814, em Portugal, se insistia pelo seu regresso, do que ao Rei que prometera jurar a Constituição e... jurou, porquanto vinha preparado para a realidade do País, o que lhe valeu alcançar uma bem necessária e oportuna popularidade na opinião pública. Bibliografia Consultada. Nota: Uma parte, bem significativa, da presente bibliografia serviu de apoio aos trabalhos publicados no Suplemento «Cultura» de 9 e 16 de Julho, 29 de Outubro e 5 e 12 de Novembro de 2008. Barreiros, Coronel José Baptista – «Ensaio de Biografia do Conde da Barca». Edição da Delegação Bracarense da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Carlos Jaca 72 Bennassar, Bartolomé e Marin Richard – «História do Brasil». Tradução de Serafim Ferreira. Teorema, 2000. Calmon, Pedro – «O Rei do Brasil». Vida de D. João VI. Rio de Janeiro, 1935 Diário do Minho», Suplemento «Tele.Escolha», 24 / 8 / 2008 – «Músicas do período do rei D. 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