R E SE N HA RESENHA DO I COLÓQUIO DE EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA DO COLÉGIO PEDRO II PE D R O PA U L O B IA Z Z O Doutor em Geografia (UFF) Professor do Colégio Pedro II – Campus Centro pp b iaz zo@gmai l .com No dia 29 de outubro de 2015 realizou-se, no Campus Realengo II, o I Colóquio de Educação Geográfica do Colégio Pedro II. O evento visou contribuir com debates concernentes à educação geográfica, estabelecendo diálogo entre teoria e prática de ensino. Seu propósito foi, também, o de transpor barreiras entre os ensinos Superior e Básico. Por isso mesmo, contou com a presença de licenciandos, pós-graduandos, professores universitários e escolares, além de alunos da própria instituição, que participaram das atividades na companhia de seus professores de Geografia. Após solenidade inicial conduzida pelo professor Arnaldo de Melo Filho, Chefe do Departamento de Geografia, a Conferência de Abertura foi proferida por Ruy Moreira, professor dos departamentos de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF-Niterói) e da Faculdade de Formação de Professores da UERJ (FFP-São Gonçalo) (Figura 1). Diante do tema geral sugerido pela organização do evento, “O Desafio do Ensino 158 da Geografia Hoje”, o professor Ruy Moreira começou por lembrar que, na recente proposta de uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC) encaminhada ao governo federal por parte de instituições públicas e privadas, nossa disciplina é fracionada, com os temas físicos de um lado (na área de Ciências da Natureza), e os temas humanos de outro (na área de Ciências Humanas), configurando um novo problema estrutural para a Geografia Escolar. A partir daí, Moreira direcionou sua fala não tanto ao “ensino da Geografia hoje”, mas “ao ensino do hoje através da Geografia”, invertendo o raciocínio e apresentando sua visão do mundo contemporâneo para, ao final, retomar o tema do ensino. Um dos expoentes no movimento marxista de renovação da Geografia durante a década de 1980, Moreira buscou fundamentos em autores como Rosa Luxemburgo, Henri Léfèbvre, Pierre George e David Harvey, para abordar o processo de acumulação de capital e de controle das sociedades pelo capital rentista em distintos G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 2 , N . 4 , P. 1 5 8 - 1 6 1 , J U L . / D E Z . 2 0 1 5 . P E D R O PA U L O B I A Z Z O Figura 1 | O professor Ruy Moreira na Conferência de Abertura. Fonte: www.facebook.com/giramundo.cp2/ Figura 2 | Homenagem aos ex-chefes do Depto. de Geografia. Da esq. para a direita, a professora Ângela D. Gomes, o professor Nathanael S. Filho, Ruy Moreira (conferencista), o professor Antônio Rodrigues e o professor Arnaldo de M. Filho (atual chefe). Fonte: www.facebook.com/giramundo.cp2/ países. Traçou, então, paralelos entre a transição para o capitalismo na Áustria (onde a concentração bancária foi o processo básico), na Inglaterra (onde essa transição se baseou no cercamento dos campos), nos Estados Unidos (onda ela ocorreu pela expropriação através da Guerra de Secessão), e no Brasil (com a manutenção do capital fundiário). Constatou, então, que um dos problemas em desenvolver uma leitura geográfica do mundo está no fato de não termos esses longos processos de transição ao capitalismo devidamente cartografados. Segundo ele, por trás da crise humanitária de hoje na Europa, com a gigantesca afluência de imigrantes, estão uma mobilidade territorial cada vez mais intensa do capital rentista e o processo de expropriação em massa na África e no Oriente Médio. Sendo assim, se o sujeito do mundo de hoje é o rentismo, cabe ao professor de Geografia buscar meios para que o aluno compreenda melhor como a inadimplência gera acumulação de riquezas, como esse rentismo se baseia no endividamento generalizado, e como os próprios Estados se encontram endividados, sob controle de empresas privadas. Moreira concluiu sua fala, portanto, afirmando que a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) é a “cara do rentismo trazido para dentro do ensino”, ressaltando-a como uma tentativa de avançar os limites do capital privado em meio às instituições de ensino público. Seguiram-se homenagens a ex-chefes do Departamento de Geografia (Figura 2): o professor Antônio Rodrigues da Silva (que ocupou a chefia de 1991 a 2003), o professor Nathanael dos Santos Silva Filho (no período de 2003 a 2009) e a professora Ângela Nunes Damasceno Gomes (no cargo entre 2010 e 2013). Ressalte-se também a presença e o pronunciamento do professor Arnaldo de Melo Filho, no exercício da chefia desde 2014. Receberam, igualmente, homenagens, os professores aposentados Ana Regina Bastos (Campus Centro), Luiz David de Campos (Engenho Novo II), Luiz Fernando Calazans Veiga (São Cristóvão/ Niterói), Manoel Lobato Rodrigues (Tijuca II) e Margarida Ambrogi da Silva Cunha (São Cristóvão III) (Figura 3), que tiveram oportunidade de prestar relatos acerca de sua trajetória e sua contribuição G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 2 , N . 4 , P. 1 5 8 - 1 6 1 , J U L . / D E Z . 2 0 1 5 . 159 R E S E N H A | I C O LÓ Q U IO DE E DU CA ÇÃ O G E O G R Á FICA D O COLÉGIO P ED RO II ao Colégio Pedro II. Tratou-se de um momento de emoção e reencontro para muitos professores do Departamento, assim como relatos dirigidos aos jovens docentes, recém-chegados à instituição. Em seguida realizou-se uma mesa-redonda com o tema “Currículo e Ensino de Geografia: Questões Contemporâneas” (Figura 4). O professor Isaac Gayer da Rosa (CPII – Realengo II) levantou questões concernentes à carreira, como a elevada quantidade de docentes sem formação específica ou com licenciatura incompleta. Confrontou tais lacunas estruturais com a complexa e, portanto, ainda mais problemática, proposta de uma BNCC. O professor Leandro de Oliveira (UFRRJ) tratou da temática ambiental, que ganhou amplo destaque no currículo de Geografia das últimas décadas. Interrogou acerca da validade de ensinar sobre o desenvolvimento sustentável, na medida em que Figura 3 | A professora Lúcia Naegeli (São Cristóvão III), fala em homenagem à professora Margarida Ambrogi (São Cristóvão III), recém-aposentada, em emocionante momento. Fonte: www.facebook.com/ giramundo.cp2/ 160 essa expressão acaba por se revelar vinculada a uma agenda conservadora. A professora Carolina Vilela (CPII – Humaitá II), por sua vez, analisou o currículo como discurso, problematizando tensões na BNCC e esclarecendo como o conhecimento escolar em Geografia resulta de uma “interdiscursividade”; como o currículo é produto da legislação, dos livros didáticos, da influência universitária, de exames como o Enem e, por fim, das próprias práticas escolares, que deveriam ser predominantes mas, comumente, são suplantadas devido a demandas políticas e institucionais. Por fim, a professora Ana Angelita Rocha (UFRJ) também se dedicou à análise crítica da BNCC. Utilizando-se de autores acadêmicos e exemplos de obras de artes visuais (por exemplo, obras de René Magritte, que realçam luz e sombra), expôs o texto curricular como “portador de ambivalências”, como Figura 4 | Os professores que compuseram a Mesa-Redonda “Currículo e Ensino de Geografia: Questões Contemporâneas”. Da esquerda para a direita, Carolina Vilela (CPII – Humaitá II), Isaac Gayer da Rosa (CPII – Realengo II), Ana Angelita Rocha (UFRJ) e Leandro de Oliveira (UFRRJ). Fonte: www.facebook.com/giramundo.cp2/ G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 2 , N . 4 , P. 1 5 8 - 1 6 1 , J U L . / D E Z . 2 0 1 5 . P E D R O PA U L O B I A Z Z O “promotor de negociações”, recolocando um grande repertório de supostas verdades. Tentou, por fim, identificar o que há de “inegociável” em nossa disciplina, ou seja, de que bases a Geografia Escolar não pode abrir mão em um currículo integrado por áreas de conhecimento, tais como o destaque a uma dimensão política da organização espacial e a unidade física-humana da disciplina. Após debates procedeu-se às oficinas (Figura 5), promovidas por professores com ou sem vínculo direto a alguns dos recém-surgidos Grupos de Pesquisa do Departamento de Geografia. Esses grupos são o NEPAG e o LabSUJu, do Campus Realengo II; o LAPRARUA, do Campus Tijuca II e o NuGAME, do Campus São Cristóvão II. As oficinas se voltaram a temas dos mais variados: a construção de simulações de fóruns internacionais em sala de aula, o uso de histórias em quadrinhos, do grafite, de charges, entre outras. Registre-se que, durante o evento, foi realizado também o lançamento oficial da 3ª edição da Revista Giramundo, que vem recebendo cada vez maior colaboração de profissionais de dentro e de fora de nossa instituição. Por fim, espera-se que esse colóquio sirva de início a uma prática recorrente de promoção de eventos voltados ao ensino de Geografia no âmbito do Colégio Pedro II, sejam eles nessa configuração adotada, sejam em outros formatos que derivem das necessidades dos próprios docentes, em meio aos desafios de suas práticas. Figura 5 | Alunos e professores participantes de uma das oficinas realizadas ao final da tarde. Fonte: www.facebook.com/giramundo.cp2/ G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 2 , N . 4 , P. 1 5 8 - 1 6 1 , J U L . / D E Z . 2 0 1 5 . 161